Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
122/08.0TBPTB-B.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROPRIEDADE
POSSE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- As medidas cautelares estão limitadas às situações de carência de tutela de um direito ou de uma posição jurídica protegida, cuja comprovação se basta com juízo de mera verosimilhança.

II- Os requisitos do procedimento cautelar comum para defesa da propriedade e/ou da posse são a séria probabilidade de existência do direito e o fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo que daquele procedimento deriva para o requerido.


III- A privação ou limitação do gozo e fruição plena da propriedade de um prédio urbano, constitui, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.


III- Para que uma providência cautelar possa ser recusada pelo tribunal é necessário que haja uma forte desproporção entre o sacrifício a impor ao requerido e a vantagem que o requerente auferirá, ou seja, a existência de um fundado receio de que outrem cause ao requerente lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo que daquele procedimento deriva para o requerido.


IV- E, na dúvida sobre o excesso considerável do prejuízo do requerido sobre o prejuízo receado pelo requerente, o tribunal há-de, de acordo com as normas gerais sobre o ónus da prova, decretar a providência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães.




I- RELATÓRIO.


Recorrentes: MG e mulher, AG.


Recorridos: AS e mulher ASS.


Tribunal Judicial de Ponte da Barca.


*


Intentaram os recorrentes procedimento cautelar comum pedindo que, sem audiência prévia:


- Seja reconhecido que eles são co-proprietários do logradouro comum a Poente, e lhes seja permitido demolir a obra realizada pelos requeridos e a retirarem a fiada de pedras pelos mesmos colocadas, numa extensão de 14 metros no sentido Nascente/Poente e que foram colocadas nesse logradouro, sem autorização, conhecimento nem anuência dos requerentes, de forma a permitir a passagem para os seus prédio urbanos, nomeadamente, para a adega e garagem, com tractores, carrinhas, veículos automóveis, carrinhos de mão e a pé, com o objectivo e para os fins descritos;


- Sejam os requeridos condenados assumir a despesa com a demolição da obra, retirada da fiada de pedras, bem como a colocação e depósito das mesmas noutro local;


- Ou, se assim se não entender, sejam os requeridos condenados a reconhecerem que o logradouro é comum e a retirarem a fiada de pedras que colocaram no logradouro comum, sem autorização dos demandantes que impedem a passagem de carrinhas, tractores, carrinhos de mão e a pé para prédio urbanos de que os requerentes são proprietários, causando-lhes prejuízos avultados e irreversíveis, e bem assim que sejam condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.


Como fundamento e em síntese alegam que Requerentes e Requeridos, e mais um terceiro, são proprietários dos prédios urbanos que identificam na p.i. e que são co-proprietários do espaço que designam de logradouro e identificam no art.º 1.º da referida peça processual.


Justificam essa co-propriedade com a alegação de actos possessórios que existem há mais de 100 e que desde que existe o logradouro o mesmo se mantém indiviso.


No dia 26.9.2011 os requeridos colocaram uma fileira de pedras que divide o referido logradouro e que dessa forma os requerentes ficam impossibilitados de aceder à sua casa, garagem e adega, não tendo como o fazer por outro sítio.


Face à existência desta fileira de pedras, que forma um muro tosco, os requerentes não só se vêm impossibilitados de passar como também tal impede que transportem os produtos da lavoura e o vinho; que por esta razão correm o risco de perder toda produção de vinho – que tem de ser colocado na adega – e estão impedidos de armazenar tudo o que precisam para se governar e a sua actividade de lavoura.


Entendeu o tribunal recorrido haver razões para dispensar a audiência prévia dos Requeridos, razão pela qual não foi deduzida oposição.


Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente o procedimento cautelar.


Inconformados com o assim decidido, apelam os Requerentes, pretendendo se decrete o procedimento cautelar nos termos requeridos, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:


“1. O Mmo Juiz deu sumariamente provado na Motivação, os factos 1 a 43 que aqui se reproduzem na íntegra. A limitação do direito dos recorrentes no tocante ao logradouro comum, causado pela colocação da fiada de pedras, com 14 m. de extensão e cerca de 80cm de altura, no dia 26/09/2011, que jamais existiram nesse logradouro, que impedem o acesso à casa, garagem e adega, traduz-se num acto ilícito e grave. Vão impedir a passagem com quaisquer máquinas e veículos para a adega e garagem, logo o transporte e acondicionamento de bens perecíveis e outros necessários à agricultura, manutenção e sobrevivência de outras coisas, o que se traduz em danos futuros graves (materiais e morais), de difícil reparação.


2. O Mmo Juiz dá como provado o facto constante do artigo sétimo (Motivação) e refere na mesma sentença “ Importa, ainda, trazer à colação…resulta que a casa de Britelo não é a única casa…, a isto acresce que não obstante se ter falado em lavoura e actividade vitivinícola de lado algum resulta que tal seja o meio de sustento ou actividade profissional dos requerentes”, existindo contradição. A morada colocada no cabeçalho do requerimento inicial em nada releva, porque os recorrentes querem prevenir danos futuros, que vão ocorrer por estarem impedidos da passagem para os seus prédios, por via da colocação das fiadas de pedras: a possível perda da totalidade do vinho produzido, por não o poderem transportar e transferir para recipientes próprios e adequados existentes na adega, sementeiras que vão deixar de realizar, produtos necessários às sementeiras perecíveis, que não vão poder transportar e depositar na adega, nem na garagem, com os consequentes incómodos e angústia.


3. O acto ilícito praticado pelos recorridos priva os recorrentes da fruição do logradouro, capela, adega e garagem. Priva os recorrentes de obter todas as utilidades que as mesmas são susceptíveis de lhes proporcionar. Há certeza da possibilidade da verificação desses danos futuros, porque as pedras impedem o transporte de produtos, vinho e outras coisas móveis perecíveis, bem como a utilização das coisas imóveis pertencentes aos recorrentes.


4. O vinho produzido tem a qualidade pretendida pelos recorrentes e a particularidade de ter sido por eles produzido, a perecer, dificilmente conseguirão quantificar os danos, já que será o preço estabelecido no mercado para o negócio do vinho verde, que certamente não acautela o desgosto da perda, a pedir na acção principal. Se não tratarem das árvores, animais, do cultivo de produtos hortícolas, cuidado e preservação dos bens móveis, assistirão ao empobrecimento, deterioração e futuras despesas com estas coisas, sendo que o valor a encontrar nunca pagará o incómodo, a incerteza e os malefícios que advirão.


5. Os recorrentes não embargaram a obra realizada pelos recorridos no logradouro comum, porque foi realizada e concluída da parte de manhã. Veja-se o depoimento de Maria, Armindo e Deolinda, que se transcrevem. Obviamente, que se a obra estava concluída, não a podiam embargar. Aliás, o recorrido referiu à GNR que as pedras só seriam retiradas por “ordem do Juiz”( Relatório da GNR junto aos autos como doc. 5).


6. Os recorridos não têm qualquer prejuízo porque esse logradouro sempre esteve desimpedido, sem pedras, sem vedações, nunca foi dividido. Sempre foi usado para passagem de quaisquer veículos e máquinas de e para a garagem, capela e adega dos recorrentes. O prejuízo ou não resultante da providência cautelar, se excede ou não o dano que se pretende acautelar exige um verdadeiro juízo de facto que deverá apoiar-se em critérios próprios do homem comum. Dos factos sumariamente provados resulta que não existe qualquer prejuízo para os recorridos.


7. Os danos materiais e imateriais ainda não quantificáveis, por questões económicas (inflação) e outras variantes no tempo e espaço, certamente vão-se verificar e os prejuízos serão de difícil reparação, caso os recorrentes não possam aceder aos respectivos prédios urbanos de que são proprietários para aí guardarem e condicionarem os bens perecíveis, os seus pertences, poderem comercializa-los e utiliza-los, nomeadamente o vinho, não relevando se são agricultores ou não, se vivem ou não da agricultura.


8. No entender dos recorrentes estão verificados os requisitos legais da providência cautelar não especificada: a) possibilidade séria da existência do direito; b) justo e fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave e de difícil reparação; d) a não existência de providência para acautelar esse direito; não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar. Os danos supra descritos são graves e difícil reparação.


9. Foi violado os artigos 381 nºs 1,2,3 e 4 ;384 nº 1 e 668 c) do CPC., pelo que a douta sentença deve ser revogada.”


Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.


II- Delimitação do objecto do recurso.


Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões das alegações (artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08), e sem prejuízo da apreciação de questões de oficioso conhecimento, as questões trazidas à apreciação desta Relação pelos Recorrentes podem sintetizar-se nos seguintes termos:


- Verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da requerida providência, ou, mais concretamente, da existência de uma lesão grave e de difícil reparação.


FUNDAMENTAÇÃO


Fundamentação de facto.


Factos provados.


A decisão recorrida considerou provada (por suficientemente indiciada) a seguinte matéria de facto:


1. Existe logradouro sito no lugar da Igreja, conhecido por “Pinheiro Manso” a confrontar a poente e sul com caminho público e a nascente com prédios urbanos dos requerentes dos requeridos e de Alexandre Sousa.


2. O prédio urbano dos requerentes tem uma capela e uma adega contíguos que deitam directamente para o logradouro.


3. Existe prédio composto de rés-do-chão e primeiro andar com capela e terreno anexo, sito no lugar da Igreja ou Pinheiro Manso/Paço, inscrito na matriz sob o artigo 5… e descrito na conservatória do Registo Predial de Ponte da Barca sob o n.º 5….


4. Existe prédio urbano de rés-do-chão, com terreno anexo com o artigo 2…, sito no lugar da Igreja ou Pinheiro Manso/Paço e descrito na conservatória do Registo Predial de Ponte da Barca sob o n.º 5..


5. Os dois prédios urbanos supra referidos estão inscritos registralmente a favor dos requerentes.


6. Os prédios urbanos dos requerentes têm uma capela e uma adega contíguos à casa de habitação e deitam directamente para um logradouro comum de onde se acede à garagem, capela e adega.


7. Os requerentes por si e antepossuidores têm procedido a obras de conservação e restauração nos citados prédios urbanos, habitam a casa de habitação, produzem e colocam vinho na adega em pipas, dornas e outros recipientes, guardam-no e vendem o excedente, pagam as respectivas contribuições e impostos limpam o terreno anexo, retiram dos prédios todas as utilidades que os mesmos podem proporcionar.


8. Tudo tem sido feito à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de ninguém na ignorância de lesarem o direito de outrem e sem sofrerem qualquer interrupção há mais de vinte e cem anos.


9. Sempre têm agido com a convicção plena de serem os seus verdadeiros donos e de exercerem os poderes correspondentes ao direito de propriedade.


10. Os requeridos são donos e legítimos proprietários de uma casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar que confronta a norte com Alexandre Sousa, nascente com caminho particular, poente com logradouro e sul com os requerentes.


11. O logradouro a poente faceia com as paredes e escadas dos referidos prédios urbanos dos requerentes, requeridos e de Alexandre Sousa e nunca foi dividido, mantendo-se em comum, sem determinação de partes há mais de 20,30,50 e 100 anos.


12. Os requerentes, os requeridos e Alexandre Sousa, por si e antepossuidores têm possuído e usufruído em comum o logradouro sito a poente das respectivas edificações.


13. Limpando-o e cortando as ervas.


14. Ornamentando-o com canteiros em terra e pequenas pedras, onde colocaram flores e arbustos de pequeno porte, com a intenção de o embelezarem.


15. É por este logradouro que os requerentes e os requeridos têm acesso às respectivas casas de habitação.


16. Os requerentes sempre transitaram e passaram com veículos ligeiros e pesados, tractores e outras máquinas agrícolas, pelo logradouro para a sua garagem que existe no rés-do-chão da sua propriedade.


17. Com uvas, pipas, dornas e outras alfaias para a adega.


18. Os requerentes sempre mantiveram limpo e desobstruído o logradouro.


19. Sempre evitaram colocar veículos ou outras coisas que impedissem o trânsito de pessoas e veículos para os respectivos prédios urbanos.


20. Sempre respeitaram e aceitaram que o logradouro se mantinha indiviso, mas respeitando os acessos para as respectivos prédios urbanos.


21. Tudo tem sido feito à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de ninguém, na ignorância de lesarem o direito de outrem e sem sofrerem qualquer interrupção há mais de vinte e cem anos.


22. Sempre têm agido com a convicção plena de serem os seus verdadeiros donos e de exercerem os poderes correspondentes ao direito de compropriedade.


23. Os requeridos no dia 26 de Setembro do corrente ano, contrataram um empreiteiro e mandaram colocar pedras soterradas a terminarem em pico, com cerca de 50/80 cm de altura a contar do solo, fazendo uma espécie de muro, junto ao caminho público no sentido norte/sul que delimita o logradouro com a via pública.


24. Para o efeito remexeram o terreno com uma máquina.


25. Essas pedras nunca existiram no logradouro a poente das casas o qual nunca teve qualquer muro ou nem divisão.


26. Nunca houve marcos, nem pedras, nem fiada com mais de 14 metros de extensão por quase um metro de altura.


27. Com a colocação das pedras os requeridos impediram a passagem da carrinha dos requerentes com um pipa de vinho para ser guardado na respectiva adega.


28. Impedem o transporte das demais pipas e vinho para a adega, que os requerentes têm que trazer, para poderem desocupar uma adega de terceiro onde esmagaram as uvas.


29. Para o efeito, os requerentes têm necessidade de passarem com a carrinha, tractor ou camioneta, para junto da garagem e da adega para lá colocarem o vinho obtido da produção de uvas que retiraram dos seus prédios rústicos.


30. Os requerentes esmagaram as uvas e fermentaram-nas numa outra adega, acreditando que os requeridos não colocariam obstáculos à passagem no logradouro a poente das casas.


31. O vinho tem que ser depositado e transferido para o vasilhame existente na sua adega.


32. Os produtos que vão colher nas suas terras, bem como sacos de estrume e adubo para as cultivar na época entre Outubro/Dezembro, bem como para adubarem e cultivarem a vinha e outras árvores de fruto têm que ser transportados numa carrinha ou tractor para a garagem e para a adega, e bem assim para as terras, de acordo com o trabalho a realizar, para não se estragarem.


33. A fila de pedras quase encostadas umas às outras, em linha recta, impedem o trânsito a pé, de carro, de carrinho de mão, de tractor, de veículos automóveis e de carrinhas para transportar os produtos para a adega e para a garagem.


34. Os requerentes sempre passaram pele logradouro, entre as escadas da capela e uma fiada de videiras para a garagem, para transportar produtos, mercadoria, estacionar e guardarem os respectivos veículos.


35. Como sempre passaram com uvas pipos, dornas e dornões para a adega, e fazendo o vinho, retirando-o do local para a Vila e freguesia de Ponte da Barca, quando necessário.


36. Por esse logradouro transportam batatas, cereais, vinho, adubos e outros produtos uns que retiram das suas terras e transportam para a adega e garagem e outros desta adega e garagem para a Vila de Ponte da Barca.


37. O logradouro nunca foi dividido entre os requeridos e os requerentes, nem os seus antecessores o fizeram.


38. A garagem e a adega dos requerentes não têm nenhum outro acesso carral.


39. Por esse logradouro, os requerentes e seus antecessores passam indistintamente há mais de 20, 40 e 100 anos com carros de bois, tractores, carrinhas e outros veículos e máquinas agrícolas, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e ininterruptamente, convictos de serem proprietários e terem direitos sobre o logradouro, nomeadamente também de acessibilidade e passagem para os prédios urbanos.


40. Os requerentes perderão a colheita do vinho por o terem em recipientes provisórios, sendo que o têm de deitar em pipas e dornões próprios e preparados para o efeito.


41. Não vão poder guardar os produtos das colheitas, nem adquirir adubos para utilizar nas novas sementeiras, por não terem onde os colocar.


42. Não poderão arrecadar as lenhas para o inverno.


43. Não poderão guardar os veículos automóveis na sua garagem.


Factos não provados.


Não se provou que:


44. O logradouro referido em 1. tenha 481 m2 e confronte a Norte com caminho público.


45. Os requerentes embelezem e benfeitorizem o logradouro para realçar os prédios urbanos.


46. Os requeridos tenham arrancado arbustos de ornamentação que existiam há mais de dez anos.


47. Quando os requerentes souberam da obra, esta já estivesse acabada e por isso não a tivessem podido embargar.


Fundamentação de direito.


De harmonia com o disposto no artigo 2, nº 2, do C.P.C., “a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o direito útil da acção”.


Após a reforma do C.P.C. de 1961, as providências cautelares, passaram a ser entendidas como simples instrumentos jurídicos destinados a acautelar o efeito útil das acções ou execuções de que dependem e não como “acções conservatórias“ cujo fim era acautelar um prejuízo que se receava – art.º 4º al. c), do C.P.C. de 1939.


As providências encontram, assim, a sua justificação no princípio de que, a demora do processo não deve prejudicar a parte que tem razão, considerando-se que “o processo deve dar ao autor, quando vencedor, a tutela que ele receberia se a decisão fosse proferida no momento da instauração da lide“ Cfr. Anselmo de Castro, in Processo Civil Declaratório, vol. I, pags 106 e 129ss..


A compatibilização de interesses contrapostos (como são a celeridade e a justiça) exige que, em determinadas situações, nas quais se prove a existência do “periculum in mora “, possam ser requeridas e decretadas medidas de carácter provisório com vista a acautelar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, ou evitar o proferimento de decisões definitivas já sem qualquer interesse prático.


Como refere A. dos Reis Cfr. Alberto dos Reis, in B.M.J. n.º 3, pag. 35. as providências cautelares são, pois, meios expeditos que têm por fim assegurar os resultados práticos da acção, evitar prejuízos graves ou antecipar a realização do direito, conciliando, na medida do possível, o interesse da celeridade com o da ponderação.


De tudo resulta que as providências têm características próprias que as distinguem das acções e, desde logo, o seu carácter instrumental, uma vez que são dependentes de uma acção que já se encontra pendente ou que será intentada posteriormente ao seu decretamento, e a sua falta de autonomia, dado que a produção dos seus efeitos está interligada, ou mesmo dependente, do que for o resultado conseguido na acção definitiva, deixando de os produzir na situação de a acção vir a ser julgada improcedente, se o direito tutelado se extinguir ou ainda se houver desistência do pedido ou da instância.


Acresce que, a falta de autonomia das providências, significa, ainda, que o seu objecto há-de ser conjugado com o objecto da causa principal, impondo, esta identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da acção principal. Cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 9.04.87, in B.M.J., vol. 367º, pg. 593.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 7438/10.3TBVNG.P1, “os procedimentos cautelares cobrem uma vasta área de direitos subjectivos, estando dependente o seu decretamento da conjugação dos seguintes requisitos:

- probabilidade séria da existência do direito invocado;


- fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave ou dificilmente reparável a tal direito;


- adequação da providência à situação de lesão eminente;


- não existência de providência específica que acautele aquela situação.


A presente apelação suscita, de forma particular, a apreciação do segundo dos referidos requisitos, sendo certo que em tal análise importa averiguar previamente qual o direito que os recorrentes pretendem acautelar.


Como resulta do art. 2º, nº 2 do C.P.C., a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos cautelares necessários para acautelar o efeito útil da acção.


As medidas cautelares estão, por isso limitadas às situações de carência de tutela jurisdicional de um direito ou de uma posição jurídica protegida (as providências têm função instrumental relativamente ao direito substantivo, estando além disso na dependência de uma acção que visa também fazer valer um direito ou posição jurídica merecedora de tutela do ordenamento jurídico) A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4ª edição revista e actualizada, p. 89..


Para a procedência de qualquer providência, necessita o requerente de demonstrar, de acordo com um juízo de verosimilhança (probabilidade séria, na letra do art. 387º, nº 1 do C.P.C.), a existência do direito subjectivo (seja ele um direito de crédito ou um direito absoluto), não sendo já exigível a comprovação inequívoca deste, pois que essa comprovação será efectuada na acção de que a providência é dependência.


O segundo requisito para o decretamento da medida cautelar reside no fundado receio de ocorrência de lesões graves e irreparáveis no direito invocado e cuja tutela se pretende, atento o periculum in mora – o perigo advindo da demora na obtenção de uma decisão definitiva sobre o litígio pode acarretar não só prejuízos imateriais, como materiais ou patrimoniais, em virtude de fenómenos ou actos que, ofendendo-o, tornem o direito que se quer acautelar inexequível ou, pelo menos, de difícil reparação.


Por outro lado, o “receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e a actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, não bastando, “pois, simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda que não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efectivas lesões”, o que pressupõe a iminência da verificação ou repetição de uma lesão no direito Cfr. Autor e obra citados na nota anterior, p. 108..


Com esta exigência (fundado receio – justo ou justificado receio, na letra do art. 406º, nº 1 do C.P.C. e 619º do C.C., a propósito do arresto) é intuito da lei restringir as medidas cautelares, evitando-se “que a concessão indiscriminada de protecção provisória, eventualmente com efeitos antecipatórios, possa servir para alcançar efeitos inacessíveis ou dificilmente atingíveis num processo judicial pautado pelas garantias do contraditório e da maior ponderação e segurança que devem acompanhar as acções definitivas”, pelo que se um juízo de verosimilhança é de aplicar à verificação da existência do direito invocado, deve já ser aplicado critério mais rigoroso e exigente quanto à apreciação dos factos integradores do periculum in mora, como resulta do disposto no art. 387º, nº 1 do C.P.C., onde se determina que a procedência da providência pressupõe que se “mostre suficientemente fundado” o receio da lesão, diversamente do que ocorre quanto ao direito tutelável, para cuja afirmação bastam juízos de “séria probabilidade” Cfr. Autor e obra citados na nota anterior, pp. 108/109..


Não se exige uma certeza inequívoca quanto à existência da situação de perigo, aliás dificilmente comprovada em processos com as características e objectivos dos procedimentos cautelares, bastando por isso, mas sendo condição essencial, que se mostre plausível e racionalmente fundado esse pressuposto”.


Tecidos estes breves considerandos e revertendo agora à análise da situação em apreço, temos que, na decisão recorrida, se considera não verificado o pressuposto legal da gravidade e da difícil reparabilidade da lesão.


Ora, na situação vertente, e como resulta da materialidade supra descrita, resultou demonstrado que os Requeridos, no dia 26 de Setembro do corrente ano, contrataram um empreiteiro e mandaram colocar pedras soterradas a terminarem em pico, com cerca de 50/80 cm de altura a contar do solo, fazendo uma espécie de muro, junto ao caminho público no sentido norte/sul que delimita o logradouro com a via pública, tendo, para o efeito, remexido o terreno com uma máquina.


Mais se apurou que essas pedras nunca existiram no logradouro a poente das casas, o qual também nunca teve qualquer muro ou divisão, designadamente, efectuada através de marcos, ou fiada de pedras com mais de 14 metros de extensão por quase um metro de altura.


Com a colocação das pedras os Requeridos impediram a passagem da carrinha dos Requerentes com um pipa de vinho para ser guardado na respectiva adega, bem como, impedem ainda o transporte das demais pipas e vinho para a adega, que os Requerentes têm que trazer, para poderem desocupar uma adega de terceiro onde esmagaram as uvas.


Para o efeito, os Requerentes têm necessidade de passarem com a carrinha, tractor ou camioneta, para junto da garagem e da adega para lá colocarem o vinho obtido da produção de uvas que retiraram dos seus prédios rústicos.


Apurou-se ainda que os produtos que vão colher nas suas terras, bem como sacos de estrume e adubo para as cultivar na época entre Outubro/Dezembro, bem como para adubarem e cultivarem a vinha e outras árvores de fruto têm que ser transportados numa carrinha ou tractor para a garagem e para a adega, e bem assim para as terras, de acordo com o trabalho a realizar, para não se estragarem.


A fila de pedras quase encostadas umas às outras, em linha recta, impedem o trânsito a pé, de carro, de carrinho de mão, de tractor, de veículos automóveis e de carrinhas para transportar os produtos para a adega e para a garagem, sendo que, os Requerentes sempre passaram pele logradouro, entre as escadas da capela e uma fiada de videiras para a garagem, para transportar produtos, mercadoria, com uvas, pipos, dornas e dornões, para a estacionar e guardarem os respectivos veículos, adega, e fazendo o vinho, retirando-o do local para a Vila e freguesia de Ponte da Barca, quando necessário.


Por esse logradouro os Requerentes e seus antecessores passam indistintamente há mais de 20,40 e 100 anos com carros de bois, tractores, carrinhas e outros veículos e máquinas agrícolas, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja e ininterruptamente, convictos de serem proprietários e terem direitos sobre o logradouro, nomeadamente também de acessibilidade e passagem para os prédios urbanos.


A garagem e a adega dos Requerentes não têm nenhum outro acesso carral, e, por consequência da colocação das colocação das aludidas pedras no logradouro, os Requerentes perderão a colheita do vinho por o terem em recipientes provisórios, não vão poder guardar os produtos das colheitas, nem guardar os veículos automóveis na sua garagem.


Como se refere mo acórdão da Tribunal da Relação do Porto, de 16/10/06, “a simples mudança da fechadura de um imóvel, mesmo com estroncamento da fechadura antiga, com a finalidade de impedir o possuidor de continuar a utilizar esse imóvel, só por si, não integra o referido conceito de violência, uma vez que o desapossamento foi efectuado através duma acção que não incidiu sobre o possuidor, não se tendo verificado qualquer ofensa física ou psicológica à sua capacidade de auto-determinacão, que justifique a utilização do procedimento cautelar de restituição provisória de posse”.


Todavia – continua o mesmo aresto -, “nessa hipótese a pessoa desapossada, pode recorrer ao procedimento cautelar comum, nos termos previstos para o art. 395°, do Código de Processo Civil, desde que a manutenção dessa situação ilícita lhe cause prejuízos graves e de difícil reparação, para obter uma intervenção urgente do poder judicial”.


“A utilização do procedimento cautelar comum para defesa da posse está sujeita aos respectivos requisitos gerais a que se reportam os nºs 1 e 2 do art. 381º e os nºs 1 e 2 do art. 387º, ambos do Código de Processo Civil.


Assim, o êxito do procedimento cautelar depende da alegação e da prova pelo requerente do fundado receio de que outrem cause lesão grave ou dificilmente reparável ao seu direito, podendo o interesse fundar-se, por um lado, num direito existente ou, por outro, em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva já proposta ou a propor, desde que o prejuízo resultante da decisão positiva para o requerido não exceda consideravelmente o dano que o requerente visa evitar com o decretamento”.


São, assim, requisitos do procedimento cautelar comum para defesa da posse, a séria probabilidade de existência do direito e o fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo que daquele procedimento deriva para o requerido Cfr. Acórdão de 24 Jun. 1999, Processo 3863/99, Colectânea de Jurisprudência, Tomo III/1999..


Como, e, em nosso entender, correctamente, se expende na decisão recorrida, a lei não estabelece um critério de aferição da gravidade da lesão, apenas estabelece um limite ao deferimento da providência, aferido por um critério de proporcionalidade entre o dano que se pretende evitar e o prejuízo que seja causado ao requerido, a observar sempre que estejam verificados os dois requisitos previstos no n.º 1 do art.º 381.º do C.P.Civil”.


O momento da decisão reclama, assim, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita esclarecer a melhor composição dos interesses conflituantes Cfr. Abrantes Geraldes in "Temas do Reforma do Processo Civil - Procedimento Cautelar Comum" III volume, pág. 218, 2ªed..


E “é neste contexto que deve também ser encarada a regra estatuída no art. 387º, nº. 2 do CPC e que contempla "a consagração da proporcionalidade entre as medidas a adoptar e os interesses que se visam acautelar" e onde a lei exige que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se pretende evitar, sob pena de ser recusada pelo Tribunal.


Ou seja: é a ponderação da "balance of interests" entre as partes do processo, a exigirem do Juiz, por excelência, que este se oriente por padrões de razoabilidade.


Em que a formulação de um juízo de valor por parte do Tribunal assente no princípio da proporcionalidade entre a resposta jurisdicional e os interesses concretamente afectados e em conflito.


Quer isto dizer que, para que uma providência cautelar possa ser recusada pelo Tribunal, não basta atentar tão só no estabelecido no art. 387º, nº. 2 do CPC; é necessário averiguar se a situação de conflito emerge de direitos iguais ou da mesma espécie ou se, ao invés, esses direitos são desiguais e de espécie diferente”.


Como refere Abrantes Geraldes Cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, III volume, subintitulado “Procedimento Cautelar Comum”, Almedina, 1998, pág. 212)., “A proporcionalidade entre as medidas a adoptar e os interesses que se visam acautelar é um dos principais factores a que o juiz deve atender no momento em que, produzida a prova e formada a sua convicção acerca da matéria de facto, tem de proferir uma decisão…Os tribunais não podem consentir que contra uma determinada conduta, activa ou passiva, se reaja de forma desproporcionada ou abusiva, com isso provocando mais danos do que aqueles que se pretendem evitar. De acordo com a situação de facto apurada e todas as circunstâncias atendíveis pelo tribunal, deve este buscar, dentro do leque das medidas típicas ou das medidas atípicas, aquela ou aquelas que melhores resultados permitam alcançar, com menores custos possíveis e com a redução, aos justos limites, do risco de soluções inadequadas”.


Assim, estando-se, como efectivamente se está, perante um requisito, de natureza negativa, que uma vez verificado, obsta ao reconhecimento da providência, o tribunal deverá recusá-la sempre que o prejuízo que dela resultar para o requerido exceda consideravelmente o perigo que o requerente com ela pretende evitar, nisto se traduzindo o princípio da proporcionalidade.


E, como escreve Lebre de Freitas Cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, pg. 38., “compreende-se que não baste um ligeiro desequilíbrio entre os dois prejuízos: o interesse do requerente, integrado num direito subjectivo ou sendo de outro modo juridicamente tutelado, deve, em princípio, prevalecer sobre o do requerido – isso mesmo consta do preâmbulo do Decreto – Lei 180/96: visou-se privilegiar “a vertente da tutela dos direitos ameaçados” – e, portanto, para que a providência deva ser recusada, é preciso que haja uma forte desproporção entre o sacrifício a impor ao requerido e a vantagem que o requerente auferirá. O advérbio consideravelmente aponta para essa forte desproporção, esclarecendo dúvidas possíveis perante a redacção anterior. Por um lado, a prova deste requisito negativo não é, obviamente, uma prova única: terá de ser uma prova convincente, que leve a afastar o direito à providência, de outro modo constituído pelo fumus bóni júris e pelo periculum in mora; na dúvida sobre o excesso considerável do prejuízo do requerido sobre o prejuízo receado pelo requerente, o tribunal há-de, de acordo com as normas gerais sobre o ónus da prova, decretar a providência.”


Não obstante não ser pacífica na doutrina esta posição Cfr. em sentido contrário, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, pg. 233. pensamos ser a que melhor se compraz com letra da lei – “prejuízo” (…) “exceda consideravelmente” - e com os interesses que se pretenderam salvaguardar ou dar prevalência, e que, como é reconhecido, foram os daquele cujos direitos foram violados, ou seja, os do requerente.


Na situação vertente, contudo, a situação afigura-se de linear clareza, pois que, inexistindo quaisquer dúvidas sobre a inverificação deste requisito de natureza negativa ou facto impeditivo, nunca, com fundamento nele, poderia deixar de ser decretada a providência requerida.


Senão vejamos!


Como, e em nosso entender, muito bem, refere a decisão recorrida, no caso em apreço, a gravidade dos actos praticados pelos requeridos traduzem-se na limitação do uso do logradouro comum, porquanto não pode ser utilizado na sua plenitude, limitação esta que impede os requerentes de acederem – a não ser a pé – à sua casa, garagem e adega.


E também como óbvio resulta que a limitação do direito de compropriedade dos requerentes (quanto ao logradouro comum), com a consequente limitação do acesso à sua casa, garagem e adega, reconduz-se ou concretiza uma situação de grave violação do direito de propriedade dos requeridos, geradora de graves e incontornáveis prejuízos materiais e morais para os requerentes, e até mesmo irreparáveis, na sua plenitude, como sucede com a privação do pleno gozo e fruição do seu imóvel, nos termos em que desde sempre o vinham a fazer, o que, em nosso entender, e com ressalva do muito e devido respeito que indubitavelmente nos merece a decisão recorrida, de modo algum pode ser mitigado pelo facto de os requerentes possuírem outros imóveis urbanos nas proximidades desta casa e de a actividade agrícola que se logrou demonstrar por eles aí era exercida não ser meio de sustento ou actividade profissional dos requerentes.


Por outro lado, mitigada ou não, qual seria o contraponto, em termos de prejuízos resultantes para os requeridos do decretamento da providência, passível de justificar ou até mesmo de impor o seu indeferimento, e, por consequência, a manutenção da situação de consabida e notória lesão dos direitos dos requerentes e, designadamente, do seu direito de propriedade, emergente dos factos supra descritos, praticados pelos requeridos?


Ou, dito de outro modo, onde podemos encontrar um suporte factual passível de alicerçar a conclusão de que a providência deve ser recusada em virtude da existência de uma forte desproporção entre o sacrifício a impor ao requerido e a vantagem que o requerente auferirá?


Quais as razões ou fundamentos que permitem concluir que o prejuízo resultante do decretamento da providência excede consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar?


Qual o sacrifício emergente para o requerido em decorrência consequência do decretamento da providência?


Ora, da materialidade supra descrita à evidência se constata que o único prejuízo decorrente para os requeridos do eventual decretamento da presente providência procedência seria tão-somente o resultante da destruição da própria obra que levaram a efeito e que despoletou toda a situação descrita nos autos, não tendo logrado adesão de prova quaisquer outros emergentes dessa situação.


Em decorrência, e atentando nos supra descritos danos que os requerentes pretendem evitar, somos forçados a concluir, sem necessidade de aprofundados desenvolvimentos, que os eventualmente advindos para os requeridos, por consequência do decretamento da providência são incomparavelmente mais reduzidos, quando em confronto com os primeiros.


Na verdade, trata-se de uma obra rudimentar, consistente numa fila de pedras soterradas, quase encostadas umas às outras, em linha recta a terminarem em pico, com cerca de 50/80 cm de altura a contar do solo, fazendo uma espécie de muro, que impede o trânsito a pé, de carro, de carrinho de mão, de tractor, de veículos automóveis e de carrinhas para transportar os produtos para a adega e para a garagem.


Por outro lado, e como supra se referiu, dúvidas não restam de que, consistindo numa privação ou limitação do gozo e fruição do prédio de sua propriedade, que, a não ser decretada a providência, poderia arrastar-se por vários anos, sem que os requerentes pudessem gozar e usufruir de modo pleno do seu prédio urbano, provocando, assim, avultadíssimos prejuízos, estamos na presença de danos de difícil reparação ou até mesmo irreparáveis, na sua plenitude, razão pela qual entendemos resultar também verificado este pressuposto necessário ao decretamento da presente providência.


E, assim sendo, tendo em consideração, por um lado, que se não demonstrou qualquer factualidade passível de integrar a verificação do requisito de natureza negativa ou facto impeditivo, previsto no artigo 387, nº 2, C.P.C., e, por outro que, como resulta do exposto, resultaram verificados todos os demais pressupostos, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida, decretando-se a providência requerida.





Sumariando o acórdão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.:


I- As medidas cautelares estão limitadas às situações de carência de tutela de um direito ou de uma posição jurídica protegida, cuja comprovação se basta com juízo de mera verosimilhança.


II- Os requisitos do procedimento cautelar comum para defesa da propriedade e/ou da posse são a séria probabilidade de existência do direito e o fundado receio de que outrem lhe cause lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo que daquele procedimento deriva para o requerido.


III- A privação ou limitação do gozo e fruição plena da propriedade de um prédio urbano, constitui, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.


III- Para que uma providência cautelar possa ser recusada pelo tribunal é necessário que que haja uma forte desproporção entre o sacrifício a impor ao requerido e a vantagem que o requerente auferirá, ou seja, a existência de um fundado receio de que outrem cause ao requerente lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo que daquele procedimento deriva para o requerido.


IV- E, na dúvida sobre o excesso considerável do prejuízo do requerido sobre o prejuízo receado pelo requerente, o tribunal há-de, de acordo com as normas gerais sobre o ónus da prova, decretar a providência.





IV- DECISÃO.


Pelo exposto, na procedência da apelação, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida, e, decretando a providência requerida decidem:


- Reconhecer que os Requerentes são co-proprietários do logradouro comum a Poente, permitindo-lhes demolir a obra realizada pelos Requeridos e retirarem a fiada de pedras pelos mesmos colocadas, numa extensão de 14 metros no sentido Nascente/Poente e que foram colocadas nesse logradouro, sem autorização, conhecimento nem anuência dos requerentes, de forma a permitir a passagem para os seus prédio urbanos, nomeadamente, para a adega e garagem, com tractores, carrinhas, veículos automóveis, carrinhos de mão e a pé, com o objectivo e para os fins descritos;


- Condenar os Requeridos a assumir a despesa com a demolição da obra, retirada da fiada de pedras, bem como a colocação e depósito das mesmas noutro local.


Custas pelos apelados.


Guimarães, 26/ 01/2012.


Jorge Teixeira


Manuel Bargado


Helena Melo