Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
587/01.0TB BCL.G1
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: NULIDADE
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Nos presentes autos realizou-se a leitura de sentença respeitante aos arguidos - da qual saíram condenados os recorrentes - na sua ausência, os quais não se encontravam da mesma notificados, tendo, pois, a ela faltado, sendo obrigatória a presença dos arguidos na audiência (in casu de leitura de sentença).
Pelo que deve ser declarada nula a audiência de leitura de sentença, efectuada na ausência dos arguidos – que não se encontravam notificados para o efeito - sem que se tenham tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter tais notificações (e eventual comparência dos arguidos).
Tal declaração implica a invalidade dessa audiência de leitura de sentença e dos actos que dela dependem (designadamente, a sentença recorrida), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1. e 2., do C.P.P.) .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:
- Tribunal recorrido:

Tribunal Judicial de Barcelos - 2º Juízo Criminal.
- Recorrentes:
Os arguidos Paulo C... e “C... Confecções, S. A.”.
Objecto do recurso:
No processo comum com intervenção de juiz singular n.º 587/01.0TB BCL, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, no essencial e que aqui importa foi proferida a decisão seguinte:

“DECISÃO
Atento o exposto e em conclusão, julga-se o despacho de pronúncia parcialmente procedente, por parcialmente provado e, consequentemente:
I - Absolvem-se os arguidos - Carlos N... e Viriato M... da prática em co-autoria material de um crime continuado de abuso de confiança em relação à segurança social previsto e punido pelos art°s 24°, n° 1 e 27°-B, ambos do D.L. n° 20-A/90 de 15-1 (RJIFNA) com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 394/93 de 24-11 e actualmente p. e p. pelos art°s 107°, n? 1 e 105°, n.º 1 do RGIT e art° 30°, n° 2 e 79° do Código Penal, de que vinham pronunciados;
II - Considera-se o arguido - Paulo C... autor material de um crime continuado de abuso de confiança em relação à segurança social previsto e punido pelos art°s 107°, n.º 1 e 105°, n.º 1 do RGIT (Lei n° 15/2001 de 5-6) e art° 30°, n° 2 e 79° do Código Penal, sendo a sociedade arguida - C... Confecções, S.A, responsável face ao disposto no art° 7° do citado diploma e, consequentemente:
- condena-se o arguido Paulo na pena de 14 (catorze) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos sob a condição de pagar ao Estado a quantia em falta no mesmo prazo;
- condena-se a empresa arguida - C... Confecções, S.A, sociedade responsável por esse mesmo ilícito (art° 7°, n.º 1 do RGIT), na pena de 700 (setecentos) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros) o que perfaz o montante total de € 4.900,00 (quatro mil e novecentos euros);
III - Condena-se o arguido Paulo em 2 UCs de taxa de justiça e a empresa arguida em 2 UCs, acrescida de 1 % dessa taxa e todos, solidariamente, nas restantes custas, com procuradoria mínima (cfr. art°s 513° e 514° do C.P.P., 13°, n.º 3 do D.L. n° 423/91 de 30-10, 82°, 85° e 95° do C.C.J.).
IV - Julga-se o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social contra - C... Confecções, S.A, Paulo C..., Carlos N... e Viriato M..., parcialmente procedente, por parcialmente provado e, consequentemente, absolvem-se os demandados Carlos N... e Viriato M... do pedido e condenam-se os restantes demandados ao pagamento solidário da quantia total de esc: 25.960.155$00 (vinte e cinco milhões, novecentos e sessenta mil e cento e cinquenta e cinco escudos), ou seja, € 129.488,71 (cento e vinte e nove mil, quatrocentos e oitenta e oito euros e setenta e um cêntimos), acrescido de juros às taxas legais supra referidas vencidos desde as respectivas datas de vencimento e vincendos até efectivo e integral pagamento; no demais pedido, absolvem-se os demandados.

Custas pelos demandados condenados e demandante na proporção do respectivo decaimento.”.
*
Inconformados com a supra referida decisão, os arguidos Paulo C... e “C... Confecções, S. A.”, dela interpuseram recurso (cfr. fls. 1206 a 1235), terminando a motivação com as conclusões constantes de fls. 1227 a 1235, seguintes:
“1\- Atento o ilícito penal considerado, o prazo de prescrição aplicável no caso dos autos é de 5 anos, de acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artº 118º do Cod. Penal.
2\- Pese embora a existência de interrupções e suspensões do prazo, ocorridos ao longo do processo, o que é facto é que o prazo máximo previsto no nº 3 do artº 121 do Cod. Penal- 10 anos e 6 meses ( 5 anos, acrescido de metade e, ainda de 3 anos de suspensão) ocorreu em 15 de Outubro de 2008, tendo em conta que o último acto punível data de 15 de Abril de 1998.
3\- É certo que, antes de atingido esta data, o processo, por efeitos dos despachos de folhas 837-843, esteve suspenso na sequência de pedido formulado pelo arguido Viriato Pina Moura, pedido esse decorrente da oposição à execução que o mesmo deduziu junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, relativamente à divida em causa nos autos.
4\- Acontece, porém que, esta suspensão apenas e só se aplica em relação ao arguido Viriato, e não aos demais arguidos.
5\- Na verdade, o pedido de suspensão, requerido pelo arguido Viriato, só a ele aproveitou, pois que, a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, apenas produziu efeitos na esfera jurídica deste arguido.
6\- De resto, o Tribunal, ao deferir a suspensão requerida pelo arguido Viriato deveria oficiosamente ordenar a separação do processo relativamente a este arguido, pois que era previsível que a suspensão iria retardar excessivamente o julgamento dos demais arguidos (art. 30 nº 1 al . c) do Cod. Proc. Penal).
7\- Ora, não tendo requerido a suspensão, nem dela tendo aproveitado, e não tendo havido separação de processo, o prazo prescricional, relativamente aos arguidos Paulo e C..., não se suspendeu, pelo que, e tendo em conta o previsto no nº 3 do artº 121º do Cod. Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal ocorreu em 15/10/2008.
8\- De resto, os arguidos Paulo e C..., que não requereram a suspensão dos autos, não só em nada dela beneficiaram, como viram retardar de forma excessiva o seu julgamento, em flagrante violação do direito constitucional que todo o arguido tem a uma justiça célere, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa e que a decisão seja proferida em prazo razoável (art.20 nº4 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa), que aqui se invocam.
9\- A leitura da sentença não foi feita com observância do formalismo legal, uma vez que o arguido Paulo não foi notificado para o acto.
10\- Dispõe o artº 113º, nº 9 do CPP que: “as notificações do arguido (…) podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes (…) à sentença, as quais, porém, devem ser igualmente notificadas ao advogado ou defensor nomeado.
11\- Nos presentes autos não consta que o arguido Paulo houvesse sido notificado para a leitura de sentença nos presentes autos, para a qual deveria ser regularmente convocado, considerando a obrigatoriedade da sua presença naquele acto.
12\- Ora, nos termos do disposto no artº 119º, al. c) do CPP, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do processo e que aqui se expressamente se invoca.
13\- Deste modo, declarada a nulidade do acto de leitura de sentença, deverá ser ordenada a sua repetição, nos termos do disposto no artº 122º, nº 3 do CPP.
14\- Por despacho de 07-09-2009 proferido a fls. 1069 dos autos, levado à fundamentação da sentença dos autos, a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” julgou extinta a responsabilidade criminal da arguida C... Confecções, Lda.
15\- Apesar de extinta a responsabilidade criminal desta, na douta sentença recorrida condena-se a arguida C... pela prática do crime p. e p. nos artº 107º, nº1 e 105º, n 1 do RGIT, por força do disposto no artº 7º, nº1 desse mesmo diploma.
16\- Desta forma, é patente a manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão dos autos, sendo certo que, por força da extinção da responsabilidade criminal da arguida C..., deverá esta ser absolvida nos presentes autos.
17\- O Tribunal “a quo” considerou o arguido Paulo C... como autor material de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. e p. no artigo 107º n.º 1 do RGIT (Lei n.º 15/2001 de 5-6) e artigos 30º n.º 2 e 79º do Cód. Penal, sendo a sociedade arguida C... – Empresa Europeia Confecções, S.A., responsável face ao disposto no artigo 7º do citado diploma,
18\- condenando o arguido Paulo na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos sob a condição de pagar ao Estado a quantia em falta no mesmo prazo,
19\- condenando-o ainda no pedido de indemnização cível, deduzido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, no pagamento solidário da quantia de 25.960.155$00, ou seja, € 129.488,71, acrescida de juros às taxas legais.
20\- Pressuposto da verificação do crime de abuso de confiança fiscal é a existência do elemento apropriação total ou parcial das contribuições em dívida.
21\- “A apropriação traduz-se sempre, no contexto do abuso de confiança, precisamente na inversão do título de posse ou detenção. Dito por outras palavras o agente, que recebera a coisa útil alieno, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela – naturalmente, através de actos objectivamente idóneos e concludentes, nos termos gerais – uti dominus – é exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a inversão do título de posse ou detença e é nela que se traduz e se consuma a apropriação, já assim o era de resto, insiste-se, nos CPS portugueses anteriores (Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal).
22\- Não basta pois a não entrega da prestação tributária para que se consuma o crime de abuso de confiança fiscal, sendo necessário que se verifique a apropriação da prestação retida.
23\- Nos autos ficou provado que o numerário retido era canalizado e utilizado no pagamento a diversos credores da empresa, designadamente em remunerações/vencimentos mensais pagas aos colaboradores, designadamente Paulo C..., Carlos Manuel Vale Nogueira, Viriato M..., a fornecedores de matérias primas, entidades bancárias e ao Fisco (n.º 9 dos Factos Provados).
24\- Não obstante a integração das prestações retidas nos fluxos financeiros normais da empresa, o que é facto é que em tal conduta os arguidos não pretenderam apropriar-se das mesmas, antes as usando no pressuposto do seu pagamento posterior, nos moldes contratualizados no processo de reestruturação financeira ao abrigo do SGEEB (n.º 26 dos factos provados).
25\- Atentas as circunstâncias específicas do caso em apreço, a actuação dos arguidos não pode deixar de se considerar como um uso temporário das prestações em causa, não prefigurando tal uso uma apropriação para si, pois que actuaram sempre com a intenção de restituir essas prestações em tempo e sob a forma juridicamente apropriada,
26\- Essa forma encontrava-se contratualizada com o acordo expresso do representante da Segurança Social no G... desde Abril de 1997, data em que foi aprovada a candidatura da empresa arguida ao SGEEB, instituído pelo DL n.º 127/96 de 10-8.
27\- Aprovado o projecto, este prevê que parte do empréstimo a conceder seja aplicado para liquidação de dívidas fiscais e à Segurança Social (n.º2 alínea a) do artigo 10º daquele DL).
28\- Ficou provado nos autos que a empresa arguida “candidatou-se ao Sistema da Garantia do Estado em Empréstimos Bancários (SGEEB), no âmbito do DL 127/96 de 10-8, com o objectivo de promover a consolidação financeira e reestruturação da empresa, sendo que nos termos do artigo 10º n.º 2 alínea a) do citado diploma, parte dos montantes mutuados seriam afectos à liquidação das dívidas à Segurança Social” (n.º 26 dos factos provados).
29\- Essa candidatura, dirigida ao G..., do qual fazia parte um representante da Segurança Social, que foi nomeado relator do processo, foi aprovada por deliberação em plenário de 24-4-97 (n.ºs 27 e 28 dos factos provados).
30\- Na data da aprovação da candidatura, 24-4-97, a empresa arguida já era devedora à Segurança Social das contribuições ora em causa, nomeadamente as respeitantes aos meses de Dezembro de 96 a Abril de 97 (n.º 30 dos factos provados),
31\- sendo certo que o projecto de reestruturação financeira apresentado pela empresa arguida incluía a dívida à Segurança Social existente à data da sua aprovação (n.º 33 dos factos provados),
32\- como certo é que, com a aprovação do projecto de reestruturação financeira da empresa arguida, seria paga a dívida à Segurança Social, nomeadamente a das prestações em causa, uma vez que, parte do empréstimo a conceder seria afectado ao pagamento das dívidas ao Estado (artigo 10.º do DL 127/96, de 10-8).
33\- Quer isto dizer que, caso o processo de reestruturação não tivesse sido inviabilizado em consequência do pedido de falência da empresa arguida por parte de alguns dos seus trabalhadores, as prestações em causa teriam sido liquidadas,
34\- não só pelo facto de o processo ter todas as condições para ser aprovado, conforme refere a fls. 28 da douta sentença a testemunha António C..., presidente do G..., mas também pelo facto de ser obrigatória a aplicação de parte do empréstimo no pagamento das dívidas ao Estado e, consequentemente, à Segurança Social (ver n.º 2 alínea a) do artigo 10º do DL 127/96 de 10-8).
35\- Resulta do exposto que os arguidos fizeram um uso temporário das prestações em causa, para assegurar a manutenção da laboração da empresa arguida, uso esse que não prefigura uma apropriação, uma vez que actuaram sempre com intenção de restituir as mesmas em tempo e sob a forma juridicamente apropriada, ou seja, aquando da aprovação daquele processo de reestruturação.
36\- Acresce que, em todo este processo, não se pode olvidar que a lesada Segurança Social, através do seu representante no G..., Dr. Beirão A..., o qual foi relator do processo de candidatura da empresa arguida, teve conhecimento não só da existência da dívida à data da aprovação da candidatura, 24-4-97, como também da dívida posteriormente criada.
37\- Pese embora esse conhecimento, o que é facto é que aquele representante da Segurança Social não só não suspendeu o processo de candidatura, e podia faze-lo tanto mais que era relator do processo,
38\- como também aquiesceu que a utilização de empréstimos intercalares feitos à empresa arguida fosse dirigida para acorrer a necessidades de fundo de maneio inadiáveis à laboração da empresa, sendo que os mesmos não foram afectos ao pagamento de dívida à Segurança Social, o que era do conhecimento do G... (n.ºs 31 e 32 dos factos provados).
39\- O facto de o processo de candidatura ao SGEEB ter sido aprovado havendo dívida constituída, prestações de Dezembro de 96 a Abril de 97;
40\- o facto de, posteriormente aquela aprovação, terem sido autorizados pelo G... empréstimos intercalares para satisfação de necessidades de fundo de maneio inadiáveis à laboração da empresa, mesmo com o conhecimento que a empresa arguida continuava a constituir dívida à Segurança Social;
41\- o facto de, aprovado o empréstimo no âmbito do SGEEB, este prever o pagamento das dívidas à Segurança Social, apuradas à data da celebração do contrato, retendo parte do mesmo para esse fim,
42\- criou nos arguidos a convicção errónea de que o uso temporário das prestações à Segurança Social e o seu pagamento diferido para aquando da aprovação do projecto, tinha o consentimento da Segurança Social, tanto mais que o seu representante no G..., que era o relator do processo da empresa arguida, tinha conhecimento e avalizou os factos atrás descritos.
43\- Só essa convicção justifica que os arguidos, no período a que se reportam as dívidas em causa, tenham pago à Segurança Social outras dívidas não punidas criminalmente, no montante de 16.908.356$00, em vez das dívidas em causa nos presentes autos.
44\- A convicção da existência do consentimento é juridicamente relevante, não na esfera da ilicitude da conduta dos arguidos conforme parece sustentar a douta sentença recorrida, mas no domínio da culpa destes.
45\- Com efeito, o erro dos arguidos sobre a existência do consentimento por parte do Estado, que a existir justificava a sua conduta, induziu os arguidos a actuar conforme actuaram, sem que pudessem tomar consciência da ilicitude daquela conduta.
46\- E aquele erro não pode ser considerado censurável à luz do comportamento exteriorizado pela Segurança Social no âmbito do processo de reestruturação financeira ao abrigo do SGEEB.
47\- Este erro sobre a factualidade típica encontra-se juridicamente traduzido no artigo 16º do Cód. Penal, norma que foi violada.
48\- Desta forma, e considerando que o consentimento é causa de exclusão de ilicitude (artigos 31º e 38º do Cód. Penal), aquele erro dos arguidos exclui o dolo da sua conduta.
49\- Ora, sendo o crime de abuso de confiança fiscal punível a título de dolo, e afastado o mesmo da conduta ilícita dos arguidos, verifica-se não terem os arguidos praticado o crime de que vêm acusados,
50\- Atento o elevado montante da quantia em dívida a que os arguidos foram condenados, a obrigatoriedade de proceder ao pagamento no prazo de três anos torna impossível o seu cumprimento por parte do arguido Paulo .
51\- Com efeito, provou-se que este arguido está desempregado, é casado, tem três filhos menores, reside em casa adquirida por empréstimo e vive praticamente do ordenado da sua mulher (n.ºs 41 e 42 dos factos provados).
52\- A quantia em dívida é de € 129.488,71, acrescida de juros ainda não calculados, mas que terão algum significado, atendendo ao tempo já decorrido.
53\- Ora, atento o elevado valor em dívida não tem o arguido Paulo possibilidade económica de a pagar no prazo fixado pelo Tribunal, mesmo que este seja dilatado até ao máximo legalmente previsto.
54\- Assim, a suspensão da pena de prisão aplicada nos autos, condicionada ao pagamento da dívida em causa, viola os princípios constitucionais da adequação e proporcionalidade (artº 18º, nº 2 da CRP), já que tal pagamento representa para o condenado a imposição de uma obrigação cujo cumprimento não é razoável de lhe exigir, violando assim, ainda, o estatuído no nº 2 do artº 51°, do Cód. Penal.
55\- Resulta do exposto que, a douta sentença recorrida, por erro de interpretação e aplicação, violou o disposto nos artºs 18º, nº 2; 20º nº 4 e 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, nos artºs 24º n.º 1 e 27º-B do DL 20-A/90 de 15-1 (RJIFNA), com a redacção que lhe foi dada pelo DL 394/93 de 24-11, e actualmente artigos 107º n.º 1 e 105º n.º 1 do RGIT, no artº 7º, nº1 do RGIT; nos artigos 16º, 51º, 118º, 120º, nº 1 al. a) e 121º, nº 3 do Cód. Penal, e nos artºs 30º, nº 1 al. c), 113º, nº 9 e 119º do CPP .
Nestes ternos e nos melhores de Direito, deverá ser dar provimento ao presente recurso e, em consequência, ser
a) declarada a prescrição do procedimento criminal do ilícito imputado aos arguidos; b) declarada a nulidade insanável do acto de leitura de sentença, por ausência dos arguidos que não foram regularmente notificados para o acto; c) absolvida a arguida C... Confecções, Lda, SA, com fundamento na extinção da responsabilidade criminal oportunamente julgada por despacho de 07-09-2009 (cfr. fls 1069); d) serem os arguidos absolvidos da prática do crime de abuso de confiança fiscal (...)”.
*
O M. P., na 1ª instância, apresentou resposta na qual conclui pela parcial procedência do recurso (cfr. fls. 1238 a 1245).
*
O recurso veio a ser admitido a fls. 1255.
*
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, emitiu parecer a fls. 1265 e 1266, concordando com a mencionada resposta (desde logo quanto ao facto dos arguidos - recorrentes - não terem sido notificados da data da leitura de sentença e data da prescrição do procedimento criminal).

*

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, veio o arguido Paulo a fls. 1270 e 1271, apresentar resposta, que aqui se dá como integralmente reproduzida.

*

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

*

- Cumpre apreciar e decidir:
A) - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.

*

B) - Sendo que as questões colocadas no requerimento de interposição de recurso pelos arguidos, no essencial, são as seguintes:

1) Da prescrição do procedimento criminal;
2) Da falta de notificação da data da leitura de sentença aos arguidos (recorrentes);
3) Da contradição existente entre a fundamentação e a decisão dos autos (no que se reporta à condenação da arguida sociedade);
4) Da inexistência de crime;
5) Da medida concreta da pena aplicada.


*

Sendo, antes de mais, de apreciar as questões prévias suscitadas quanto à eventual prescrição do procedimento criminal e eventual nulidade resultante da falta de notificação aos arguidos (recorrentes) da data da leitura da sentença.

*

- C - Aqui se dá como reproduzida a matéria de facto dada como provada e não provada, na 1ª instância e sua motivação (cfr. fls. 1215 a 1138).

***

- Vejamos, pois, as questões que se colocam no presente recurso:

Sendo que, antes de mais, há que apreciar as mencionadas questões prévias suscitadas.

*
Desde já se refere que o nosso entendimento quanto ás questões prévias em apreço é coincidente com o mencionado pelo M. P. (quer no parecer do Digno PGA de fls. 1265 e 1266 - com remissão para a resposta do M. P., na 1ª instância - quer na resposta a fls. 1238 a 1245).
Daí que, aderindo nós, no essencial, à argumentação aduzida pelo M. P., sem que praticamente mais se nos ofereça acrescentar, permita-se-nos que passemos, de imediato a transcrever, nessa parte (questões prévias), a aludida resposta do M. P.:
“Os arguidos PAULO C... E C... - CONFECÇÕES S.A., interpuseram recurso da sentença que se encontra junta aos autos a fls. 1106 a 1151.
Como fundamentos do seu recurso, apresentaram, desde logo, uma questão prévia que se reporta à eventual nulidade da sentença proferida e apresentaram ainda os pontos de discordância que ora se enunciam:
6) Da prescrição do procedimento criminal;
7) Da contradição existente entre a fundamentação e a decisão dos autos (no que se reporta à condenação da arguida sociedade);
8) Da inexistência de crime;
9) Da medida concreta da pena aplicada.

Analisados os autos, entendemos que assiste razão aos recorrentes no que concerne à questão prévia apresentada bem como ao ponto supra enunciado em 2).
Por sua vez, entendemos que não lhes assiste razão no que concerne aos pontos enunciados em 1), 3) e 4).
Vejamos então cada uma das questões.

DA QUESTÃO PRÉVIA apresentada, ou seja, da eventual nulidade da sentença proferida.
Argumentam os arguidos que o Tribunal não deu cumprimento ao formalismo legal imposto para a leitura da sentença, pois que não foram notificados para a referida diligência.
Examinados os autos, verifica-se o seguinte:
- a leitura da sentença (reformulada) foi designada para o dia 15 de Outubro de 2009 (fls. 1078);
- na referida data, em virtude da falta dos arguidos, por não se encontrarem notificados, a diligência foi adiada para o dia 23 do mesmo mês e ano (fls. 1080 e 1081);
- no dia 23 de Outubro de 2009, somente o arguido Carlos Nogueira, havia sido notificado (fls. 1104);
- a diligência realizou-se sem a presença dos arguidos, os quais não haviam renunciado a comparecer na referida diligência;
- procedeu-se ao depósito na secretaria da sentença no próprio dia 23 de Outubro de 2009 (fls. 1154);
Nos termos do n° 9 do art. 113° do Código de Processo Penal (doravante designado pela sigla C.P.P.), "As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática do acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.
O espírito do legislador com o referido preceito legal foi o de que certos actos, pela sua importância, fossem notificados não só ao defensor como também ao arguido.
Constituindo a falta de notificação dos arguidos faltosos, uma nulidade processual insanável prevista no artigo 119.º, al c) do C.P.P., importa declará-la, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, tornando inválida a diligência de leitura da sentença proferida nos autos bem como esta, ordenando-se, consequentemente, a sua repetição.

1) Da prescrição do procedimento criminal
Dos autos e com interesse, resulta o seguinte:
- O Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos no dia 5 de Junho de 2001 (fls. 317 a 323);
- De acordo com o teor de fls. 353 a 362, o último arguido a ser notificado da acusação proferida foi o arguido Viriato a fls. 362, no dia 6 de Setembro de 2001;
- No dia 22 de Outubro de 2002, foi proferida decisão instrutória pronunciando os arguidos pela prática de um crime continuado de abuso de confiança à Segurança Social, previsto e punido pelos artigos 27.º-B do RJIFNA, aprovado pelo D.L. n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 140/95, de 14 de Junho e, actualmente, pelo artigo 107.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 15/2002 de 5 de Junho e artigo 30.º, n.º 2 e 79.º do C.P., sendo a sociedade arguida criminalmente responsável nos termos do artigo 7.º, n.º 1 e artigo 9.º, n.º 2 do citado D.L. n.º 20-A/99 e actualmente nos termos dos artigos 7.º, n.º 1 da citada Lei n.º 15/2002 (fls. 390 a 400);
- O período das quantias devidas referido na acusação, localiza-se, relativamente ao arguido Paulo, entre Dezembro de 1996 e Fevereiro de 1998;
- No dia 7 de Julho de 2004, foi proferida sentença (fls. 688 a 730);
- Interposto recurso, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, por via de douto acórdão de fls. 837 a 843, datado de 30 de Maio de 2005, determinou a suspensão do presente processo penal nos termos do disposto no artigo 47.º do RGIT e 7.º do CPP pelo prazo de 6 meses;
- Por via do despacho judicial de fls. 859, esse prazo foi prorrogado por mais um ano (fls. 859);
- O trânsito em julgado da decisão proferida no processo do TAF de Braga em que era oponente o arguido Viriato Moura, ocorreu aos 11/9/2006 (vide fls. 892);
- Por via do douto acórdão de fls. 953 a 957 do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido: a) proceder-se à notificação a que alude o actual artigo 105.º, n.º 4 do RGIT e b) se reformulasse a sentença proferida nos autos tomando em consideração a decisão do TAF de Braga;
- A sentença posta agora em crise, condenou o arguido Paulo tendo em consideração, para o efeito, as quantias devidas à Segurança Social reportadas desde Dezembro de 1996 e Dezembro de 1997.
Do regime da prescrição.
De acordo com o disposto no nº 2 do art. 5º do RGIT, “As infracções tributárias omissivas consideram-se praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários.”
Por seu turno, o art. 21º do R.G.I.T. estabelece o seguinte: “ 1-O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos; 2 - O disposto no número anterior não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos; 3 - O prazo de prescrição do procedimento criminal é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação; 4 - O prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º” ( O sublinhado é nosso).
Como se constata deste preceito legal, as causas de interrupção e suspensão da execução da pena previstas no C. P. (arts. 119º e 120º) também se aplicam no caso das infracções tributárias, conforme disposto no nº 4 do art. 21º do R.G.I.T., no qual também vem prevista uma outra causa de suspensão, específica para este regime e que se trata da suspensão do processo nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º do referido diploma legal.
No caso concreto, diremos que o prazo de prescrição ainda não se completou.
Vejamos:
A data relevante para o início da contagem deste prazo terá em consideração que as plú-rimas condutas omissivas prolongaram-se pelos meses compreendidos entre Dezembro de 1996 e Fevereiro de 1998.
Na verdade, apesar da sentença posta em crise, no que concerne ao arguido Paulo apenas o ter condenado tendo por referência apenas o período entre Dezembro de 1996 e Dezembro de 1997, certo é que, tal sentença ainda não transitou em julgado, podendo acontecer que, por qualquer razão legal – nomeadamente, por via do conhecimento oficioso do próprio Tribunal de recurso- haja necessidade de se realizar novo julgamento, sendo que ao arguido lhe serão sempre imputados, nesse caso, os factos referidos na acusação e que se reportam ao período de Dezembro de 1996 a Fevereiro de 1998.
Assim, tendo em consideração que a responsabilidade penal só nasce decorridos 90 dias sobre o termo legal de entrega da prestação, sem que, obviamente, a entrega do montante em falta haja sido, entretanto, efectuada, in casu, o crime não se consumou antes de 15/06/1998.
No caso concreto, a questão da prescrição coloca-se com relevância, relativamente à questão de saber se ocorreu já o prazo a que alude o artigo 121.º, n.º 3 do C.P., o qual prevê o seguinte: “3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”.
Nos prazos legalmente a considerar, há que ter em consideração o período de suspensão do processo ao abrigo dos despachos judiciais de fls. 837 a 843 e 859, sendo que tal conclusão decorre da própria lei e de forma expressa do já citado artigo 21.º, n.º 4 do RGIT.
Não faz pois sentido a argumentação dos recorrentes no que concerne a este aspecto quando referem que tal suspensão só em relação a alguns arguidos deve ser considerada e não em relação a outros, pois que a suspensão é do processo.
Assim sendo , considerando que:
- o prazo máximo previsto no artigo 121.º, n.º 3 do C.P., quando aplicado no caso concreto, é de 7 anos e 6 meses;
- o prazo máximo da suspensão prevista no artigo 120.º, n .ºs 1, al b) e 2, é de 3 anos;
- ocorreu suspensão do processo pelo período de 1 ano e 6 meses.
O prazo de prescrição completa-se no dia 15 de Junho de 2010.(...)”.
*
Aqui se transcreve o sumário do Acórdão do STJ, relativo ao processo n.º 07P3486, em que foi relator Soreto Barros (quanto a questão idêntica, mutatis mutandis, à dos presentes autos – ausência do arguido na audiência / omissão de diligência nulidade insanável):
“I - O julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência só é possível se aquele para tal der o seu consentimento, como dispõe o n.º 4 do art. 333.° do CPP ao estabelecer que o disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do art. 334.º, n.º 2 do mesmo diploma. Ou seja, o arguido pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência sempre que se encontrar praticamente impossibilitado de a ela comparecer, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro.
II - Inexistindo consentimento do arguido, é obrigatória a sua presença, sem prejuízo do disposto no art. 333.°, n.ºs 1 e 2 do CPP.
III - As normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do art. 333.° são de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal, e, por conseguinte, com a validade e eficácia do sistema legal processual penal.
IV - Como todo o verdadeiro direito público, tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-1989, pág. 33). A via para um correcto equacionamento de evolução do processo penal nos quadros do Estado de Direito material deve partir do reconhecimento e aceitação da tensão dialéctica inarredável entre a tutela dos interesses do arguido e a tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado (idem, pág. 50).
V - Por isso, não exclui a audição do arguido, nem a tomada das medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. Daí que o n.º 6 do mesmo art. 333.° explicite que é correspondentemente aplicável o disposto nos arts. 116.°, n.ºs 1 e 2, e 254.°.
VI - Sendo a responsabilidade criminal meramente individual, e estando esta a ser apreciada no pretório, a comparência obrigatória do arguido, torna-se necessária ao exercício do contraditório.
VII - Por outro lado, o encerramento da discussão da causa apenas ocorre depois das últimas declarações do arguido, pois que, como resulta do art. 361.°, n.ºs 1 e 2, do CPP: «Findas as alegações, o presidente pergunta ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa, ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dela. Em seguida, o presidente declara encerrada a discussão (...).»
VIII - Na verdade, o arguido é sujeito processual de direitos e de deveres, e é na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, que o arguido pode – e deve – defender-se, confrontado com as provas, já que a discussão da causa vai posteriormente implicar uma decisão, de harmonia com elas e com referência ao objecto do processo, decisão essa em que emite um juízo decisório sobre a conduta jurídico-penal imputada ao arguido, com reflexos notórios na sua vida pessoal e comunitária, pois que, sendo este absolvido, fica desvinculado da imputação havida, e restaurado à normalidade anterior ao juízo incriminatório, mas se for condenado, fica sujeito às consequências jurídicas do crime.
IX - Por outro lado, há que considerar a relevância dos princípios da oralidade e imediação na audiência de julgamento. Só estes princípios permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade; só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E, por último, só eles permitem uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso – Figueiredo Dias, ibidem, pág. 160.
X - Num caso, como o dos autos, em que:
- o arguido prestou termo de identidade e residência (art. 196.º do CPP, na redacção dada pela Lei 320-C/2000, de 15-12), e foi regularmente notificado da data da audiência de julgamento (e da segunda data, em caso de adiamento), por via postal simples, com prova de depósito;
- não tendo estado presente, iniciou-se a audiência, sem que haja registo de o presidente do tribunal ter tomado as diligências necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência (art. 333.º, n.º 1, do CPP), posto que, neste quadro, era obrigatória a sua presença;
- não há notícia, sequer, de se haver tentado a notificação do arguido para a segunda sessão da audiência, designada para cerca de um mês depois (aliás, em antecipação da 'segunda data', designada pelo juiz ao abrigo do art. 312.º, n.º 2, do CPP); dando o tribunal início à audiência, deveria ter tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a comparência do arguido, uma vez que a realização da audiência nos sobreditos termos contende com o exercício pleno do direito de defesa do arguido e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador.
XI - Dispõe o art. 118.°, n.º 1, do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que o art. 119.° estabelece que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, «c) A ausência do arguido (…), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.»
XII - Assim, tendo-se realizado o julgamento do arguido – do qual saiu condenado – na sua ausência, apesar de estar notificado da data da audiência e a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, é nula a audiência de julgamento, efectuada na ausência do arguido sem que o juiz presidente tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência.
XIII - Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, o acórdão condenatório), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição” (art. 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP).
*
O artigo 61º nº 1 do Código de Processo Penal, que versa sobre os direitos do arguido, dispõe que “O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de:
a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disseram respeito;
b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte ; (. .. )
e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;(…)
h) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem; (…)” (o destacado a negrito é nosso).
O artigo 332° nº 1 do mesmo diploma adjectivo, referindo-se à presença do arguido em audiência, começa por dizer que é obrigatória a presença do arguido na audiência.
Entendendo-se que apenas desde que regularmente notificado para a audiência, mesmo faltando à mesma, é que terá aplicação a possibilidade da sua realização na ausência do arguido – art. 333º do CPP (á excepção dos casos especiais previstos na lei – art. 334º do C. P. Penal).
Também relativamente à audiência para leitura de sentença apenas quando da mesma regularmente notificado (até por ter estado na audiência de julgamento e então da mesma ter sido notificado) e faltando é que se pode considerar o arguido notificado da sentença “depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído (art. 373º, n.º 3 do C. P. Penal).
Ora, in casu, verifica-se que os arguidos (recorrentes) não foram (regularmente) notificados da data da leitura de sentença, faltando, pois, à mesma.
Estabelecendo o art. 113º, n.º 9, do CPP, como acima já mencionado, que as notificações nomeadamente quanto à designação de dia para julgamento e à sentença devem também ser notificados ao arguido, para além de o ser ao seu defensor.
Refere Figueiredo Dias, que estas normas (aludindo aos nºs 1 e 2 do artigo 333°) são de interesse e ordem pública, prendendo-se com o cerne das garantias do processo penal, e, por conseguinte, com a validade e eficácia do sistema legal processual penal.
Como todo o verdadeiro direito público, tem o direito processual penal na sua base o problema fulcral das relações entre o Estado e a pessoa individual e da posição desta na comunidade. (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 33)".
Dispõe o artigo 118° nº 1 do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei.
Ora, o artigo 119° estabelece que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:
c) A ausência do arguido ( ... ), nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
É o caso sub judicio, objecto do recurso, pois que realizou-se a leitura de sentença dos arguidos - da qual saíram condenados os recorrentes - na sua ausência, os quais não se encontravam da mesma notificados, tendo, pois, a ela faltado, sendo obrigatória a presença dos arguidos na audiência (in casu de leitura de sentença).
Pelo que em face do acima referido, deve ser declarada nula a audiência de leitura de sentença, efectuada na ausência dos arguidos – que não se encontravam notificados para o efeito (cfr. acta a fls. 1152) - sem que se tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter tais notificações (e eventual comparência dos arguidos).
Tal declaração implica a invalidade dessa audiência de leitura de sentença e dos actos que dela dependem (designadamente, a sentença recorrida), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1. e 2., do C.P.P.) .
*
É, assim, procedente uma das questões prévias suscitadas no recurso - nulidade resultante da falta de notificação aos arguidos (recorrentes) da data da leitura da sentença.
Ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelos arguidos no recurso.
*
- Decisão:
Nos termos expostos, julgando parcialmente procedente o recurso, declara-se nula a audiência de leitura de sentença, efectuada na ausência dos arguidos – que não se encontravam da data da mesma notificados.
Tal declaração implica a invalidade da audiência de leitura de sentença e dos actos que dela dependem (designadamente, a sentença condenatória dos recorrentes), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição (art.º 122.º, n.ºs 1. e 2., do C.P.P.) .
*
Sem custas.
Notifique.
D. N.

Guimarães, 10 de Maio de 2010