Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7495/12.8TBBRG.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: ARRENDAMENTO
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A demolição do imóvel arrendado, ainda que por causa imputável ao locador, não deixa de implicar a extinção do arrendamento por perda da coisa locada, dada a impossibilidade de prestação de gozo da coisa, restando ao locatário o direito á indemnização pelos prejuízos sofridos com a privação do locado.
Decisão Texto Integral: Acórdão os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO
AA e mulher BB intentaram a presente acção declarativa com processo sumário contra os réus CC e mulher DD, pedindo a sua condenação:
a. A reconstruir a garagem e a parte do muro que demoliram e a recolocar a rede que existia neste muro e as três árvores que ali se encontravam, no prazo de quarenta dias;
b. A pagar uma indemnização no valor de € 1.100,00 (mil e cem euros) pelos prejuízos que foram causados no seu veículo automóvel.
3.A abrir o portão ou a fornecer ao Autor uma chave do mesmo, e a demolir o muro que impede o acesso carral ao logradouro e ao local da garagem.
Para tanto, alegaram que são arrendatário de tal garagem, sendo que, neste momento, os AA têm a qualidade de senhorios. Sucede que, o Autor demoliu a dita garagem, ficando, por isso, sem o gozo do arrendado.
Os Réus contestaram sustentando que a presente acção deve ser julgada improcedente invocando a excepção de litispendência, e deduziram reconvenção pedindo que:
a. O contrato de arrendamento que foi celebrado com os autores e que tinha por objecto a garagem que foi demolida seja declarado resolvido;
b. Os autores sejam condenados a pagar uma indemnização no valor de € 433,08 (quatrocentos e trinta e três euros e oito cêntimos) pelos prejuízos que lhe causaram.
Os Autores responderam á contestação, pugnando pela improcedência da excepção de litispendência arguida pelos Réus, impugnando os factos alegados pelos Reus, concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais.
Proferido o despacho saneador, decidiu-se julgar parcialmente procedente a excepção de litispendência, absolvendo-se os Réus do pedido de condenação a abrir o portão ou a fornecer ao Autor uma chave do mesmo, e a demolir o muro que impede o acesso carral ao logradouro e ao local da garagem.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se:
julgar a presente acção integralmente improcedente e a reconvenção integralmente procedente e, em consequência:
1.Absolver os réus dos pedidos contra si formulados;
2. Declarar a caducidade do contrato de arrendamento que foi celebrado com os autores e que tinha por objecto a garagem que foi demolida;
3. Condenar os autores a pagar aos réus uma indemnização no valor de € 433,08 (quatrocentos e trinta e três euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a notificação da reconvenção até integralmente pagamento.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação da sentença, juntando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões;

1. A sentença que ora se coloca em crise, julgou integralmente improcedente, por integralmente não provada, a ação declarativa de condenação sob a forma sumária, e consequentemente, julgou a reconvenção integralmente procedente, condenando os autores a pagar aos réus uma indemnização no valor de € 433,08 (quatrocentos e trinta e três euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.
2. Ora, salvo sempre o devido e merecido respeito, entendemos que o Meritíssimo Juiz a quo não decidiu bem, em conformidade com os ditames da justiça, nomeadamente no que concerne aos factos constantes da mesma como provados.
3. Sucede que, a seleção dos factos provados não corresponde à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, motivo pelo qual se impõe a alteração da decisão, conforme se passa a expor através da transcrição dos depoimentos das testemunhas, sendo certo que, tendo sido a audiência de julgamento gravada, poderão os Venerandos Desembargadores socorrer-se dos respectivos suportes de gravação digital para conhecer da matéria de facto.
4. Assim, impugna a Recorrente a decisão sobre a matéria de facto dos pontos 7; 8; 10; 11; 12; 13; 17 e 18 dos factos provados
5. O tribunal a quo, considerou como provada a notificação da Câmara Municipal de Braga, ao réu para proceder à demolição da garagem no prazo de trinta dias, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, porque se tratava de uma construção clandestina. Contudo, tal factualidade foi erroneamente provada, salvo devido respeito e melhor opinião, não foi tido em conta todo o procedimento administrativo, nomeadamente as notificações que antecederam a supra referida, em foi dada a possibilidade de legalização da garagem em causa.
6. O Tribunal recorrido em sede na explanação da motivação da convicção quanto aos factos dados como provados no ponto 6, alegou ter-se fundado na valoração do depoimento da testemunha António, funcionário da Câmara Municipal de Braga.
7. Todavia, não perfilhamos de igual entendimento, salvo devido respeito, por opinião contrária.
8. De facto, António é funcionário da Câmara Municipal de Braga, e demonstrou conhecimento das circunstâncias em que o processo administrativo ocorreu, e o que esteve na sua origem. Tendo ainda demonstrado que o procedimento se iniciou com vista à legalização do anexo, e que tal não se verificou por causa imputável ao proprietário.
9. Por outro lado, a testemunha Pedro, agente da Guarda Nacional Republicana, nunca afirmou que a demolição da garagem devia ter demorado cerca de uma hora, nem afirmou que permaneceu no local durante seis horas. Mais ainda, demonstrou que era necessário um corte de estrada para que pudessem efetuar a demolição da garagem.
10. Por outro lado, a testemunha Alberto revelou não ter conhecimento da fatura junta ao processo, apresentou diferentes valores e revelou dificuldade em fazê-lo. Além disso, as horas que afirmou ter estado no local, não correspondem ao número de horas dadas como provadas, tal como salientou nas suas declarações sem margem para qualquer dúvida.
11. Face a todo o exposto, o Meritíssimo juiz a quo considerou a demolição como ordem da Câmara Municipal de Braga, sem qualquer enquadramento no caso concreto.
12. Deste modo, o tribunal a quo não deveria ter considerado como provada a factualidade vertida nos pontos 10, 11, 12, 13, 17, 18 e 19, da Sentença, que ora se coloca em crise.
13. Tal como resultou claro, em sede de audiência de discussão e julgamento, na inquirição da testemunha António , o qual afirmou de forma peremptória e convicta, que a partir do Decreto-Lei n.º 26/2010, todos os anexos com mais de 10 metros quadrados são passíveis de apresentação de projeto à Câmara para legalização, e que o proprietário António foi notificado, e não se pronunciou pois não teve interesse em legalizar.
14. O Meritíssimo Juiz, não valorizou o documento de fls. 179, junta aos autos, na qual consta que foi o proprietário António, quem esteve perante o Presidente de Junta de Freguesia de Figueiredo a denunciar que o anexo, estava ilegal.
15. O que tem por si uma importância primordial, pois demonstra que a intenção do proprietário era aquela que efetivamente se veio a verificar, a demolição do anexo.
16. A testemunha Alberto, salvo devido respeito por opinião contrária, não é merecedora de qualquer credibilidade, prestou um depoimento tendencioso e contraditório, consequentemente o Tribunal recorrido andou mal ao valorizar e fundar a sua convicção no depoimento desta testemunha em sede de audiência e discussão de julgamento.
17. O Tribunal recorrido, atenta toda a prova em sede de audiência e discussão de julgamento, não pode entender, de forma alguma, salvo sempre devido e merecido respeito, que o contrato de arrendamento caducou, uma vez que o objeto foi demolido por ordem da Câmara Municipal. Mais ainda, que os autores paguem uma indemnização aos réus no valor de € 433,08 pelos prejuízos que sofreram.
18. Ora, a perda da coisa locada determinada a caducidade do arrendamento, nos termos do artigo 790.º n.º1, do Código Civil, uma vez que a obrigação se extingue quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
19. Todavia, a obrigação não se extingue se a impossibilidade for imputável ao devedor, que é o caso. Ora, o proprietário além de ter dado início ao procedimento administrativo, com a denúncia da Junta de Freguesia de Figueiredo, nada fez perante as duas notificações que constam do processo a fls. 177 e 175, junto aos autos, em que foi dada por parte da Câmara Municipal de Braga possibilidade de instruir processo com vista à legalização. Tais notificações foram ignoradas, ao contrário da última notificação em que foi dada ordem para proceder à demolição, objectivo do proprietário do anexo.
20. Mais ainda, face à impossibilidade da prestação que se traduz na obrigação de o locador proporcionar o gozo da coisa para os fins a que se destina, o direito e a obrigação de prestar são substituídos pelo dever de indemnizar. Assim, é o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, que se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, e nunca os autores que têm de indemnizar os réus como resulta da Sentença, que ora se coloca em crise.
21. À obrigação de indemnizar corresponde ao dever de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, nos termos do disposto no artigo 562.º do CC, não tendo ficado provado, no caso em apreço, ser impossível a indemnização in natura.
22. A indemnização in natura corresponde ao pedido formulado pelos Recorrentes, isto é “reconstruir a garagem de madeira, procedendo ao revestimento exterior das paredes e cobertura da chapa metálica e à colocação da porta, reconstruir os muros danificados, proceder à colocação da rede e à plantação de três novas árvores japoneiras, no prazo de 40 dias”.
23. Não podem por isso, os Recorrentes aceitar a douta decisão posta em crise, assente no pressuposto de que o imóvel dos autos tenha sido demolido, por ação alheia aos Requeridos, caducando o contrato de arrendamento por perda da coisa arrendada.
24. Na verdade, nenhum elemento de prova sustenta as premissas inerentes a tal entendimento.
25. O certo é que o contrato tem 34 anos, e a garagem não foi legalizada por causa imputável aos Recorridos.
26. Em consonância, não pode aceitar-se que a coisa locada se tenha perdido, com a consequente caducidade do contrato de arrendamento que ligava Requerentes e Requeridos.
27. Com efeito, o desaparecimento ocorreu porque os Recorridos não procederam à sua legalização.
28. Em face do que se deixou demonstrado, ocorreu, isso sim, intenção de demolição pelos Recorridos.
29. Na verdade, nem o imóvel ruiu fortuitamente, mas sim por ação dos Recorridos.
30. Por tudo quanto se deixou alegado, ponderada corretamente a prova testemunhal produzida e feita a sua devida conjugação com os elementos documentais nos autos.
31. Por conseguinte, ao proferir a sentença de que ora se recorre, o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 483.º, do Código Civil.
32. Face a todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida e consequentemente substituindo-a por outra, que julgue procedente, por provada a acção declarativa de condenação sob a forma sumária, absolvendo os AA. do pedido reconvencional, com todas as consequências legais. Só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA.

Os apelados responderam às alegações pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Fundamentação
Objecto do recurso.
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo dos casos que o tribunal deve conhecer oficiosamente, as questões a decidir são as seguintes:
Erro de julgamento da decisão de facto ínsita na sentença.
Erro de julgamento de direito quanto ao pedido dos Autores no sentido de serem os Réus condenados a reconstruir a garagem e ao pedido reconvencional no sentido de se condenar os Autores a pagar aos Réus uma indemnização.

Os factos provados que fundamentaram a decisão são os seguintes:
1. No dia 27 de Fevereiro de 1980, por documento escrito, o pai do réu acordou com o autor que lhe cedia o gozo do prédio urbano sito na Rua do Pinheiro do Bicho – nº…, em Figueiredo, Braga, e de uma parcela de quintal com a área de 80,00 m2, mediante a entrega da quantia mensal de € 29,92;
2. Ficou acordado que a cedência do gozo do prédio urbano e da parcela de quintal tinha início no dia 1 de Março de 1980 e era prorrogável nos termos gerais;
3. No dia 1 de Março de 1980, por documento escrito, o pai do réu acordou com o autor que lhe cedia o gozo de uma garagem com a estrutura em madeira e revestida com chapa situada na parcela de quintal, mediante a entrega da quantia mensal de € 0,14;
4. Ficou acordado que a cedência da garagem tinha início no dia 1 de Março de 1980 e era prorrogável nos termos gerais;
5. Actualmente, o réu ocupa a posição do seu pai nos acordos que foram celebrados com o autor;
6. No dia 5 de Abril de 2012, a Câmara Municipal de Braga notificou o réu para proceder à demolição da garagem no prazo de trinta dias, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, porque se tratava de uma construção clandestina;
7. No dia 19 de Abril de 2012, por carta registada com aviso de recepção, o réu comunicou ao autor que ia proceder à demolição da garagem em consequência da notificação da Câmara Municipal de Braga;
8. Nesta carta, o réu comunicou também ao autor que a garagem devia estar devoluta no prazo de seis dias para poder ser demolida;
9. No dia 2 de Março de 2012, o réu procedeu à demolição da garagem;
10. A demolição da garagem devia ter demorado cerca de uma hora;
11. Todavia, quando o réu ia iniciar os trabalhos para a sua demolição, a garagem não estava devoluta;
12. Os autores apenas retiraram todos os objectos do interior da garagem depois de o réu ter chamado a Guarda Nacional Republicana;
13. Os agentes da Guarda Nacional Republicana tiveram que permanecer no local durante seis horas;
14. Os réus despenderam a quantia de € 181,44 com a permanência dos agentes da Guarda Nacional Republicana no local;
15. Se os agentes da Guarda Nacional Republicana apenas tivessem permanecido no local durante uma hora, os réus teriam despendido a quantia de € 30,24;
16. Os réus utilizaram os serviços de uma máquina retroescavadora para a demolição da garagem;
17. Esta máquina retroescavadora teve que permanecer no local durante seis horas;
18. Os réus despenderam a quantia de € 338,35 com a permanência da máquina retroescavadora no local;
19. Se a máquina retroescavadora apenas tivesse permanecido no local durante uma hora, os réus teriam despendido a quantia de € 56,37;
20. A garagem tinha sido renovada pelos autores com barrotes e painéis de madeira;
21. Os autores utilizavam a garagem para guardar o seu veículo automóvel e armazenar lenha, batatas e outros legumes;
22. O réu demoliu igualmente uma parte do muro que delimitava a garagem e retirou a rede que existia neste muro e três árvores que ali se encontravam;
23. No 24 de Março de 2010, o veículo automóvel dos autores foi encontrado após ter sido furtado;
24. O veículo automóvel dos autores apresentava diversos estragos.

2. Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes factos:
1. No ano de 2006, os réus fecharam um portão com a chave e construíram um muro que impediu o acesso do veículo automóvel dos autores ao prédio urbano;
2. Os autores despenderam a quantia de € 1.100,00 na reparação do seu veículo automóvel;
3. Para a reconstrução da garagem e da parte do muro que foi demolida, para a colocação da rede e para a plantação das árvores são suficientes quarenta dias.

DECIDINDO
Pretendem os apelantes que este tribunal altere a decisão de facto ínsita na sentença recorrida.
A possibilidade da modificabilidade da decisão de facto pela relação está prevista no art.º 662 do CPC.
No caso concreto os apelantes cumpriram satisfatoriamente os ónus determinados no art.º 640.º do CPC, nada impedindo o conhecimento da impugnação.
O objecto da impugnação reconduz-se aos factos provados sob os números 7, 8, 10, 11, 12, 13, 17, 18, e 19, que têm a seguinte redacção:
7.º. No dia 19 de Abril de 2012, por carta registada com aviso de recepção, o réu comunicou ao autor que ia proceder à demolição da garagem em consequência da notificação da Câmara Municipal de Braga;
8.º Nesta carta, o réu comunicou também ao autor que a garagem devia estar devoluta no prazo de seis dias para poder ser demolida;
10. A demolição da garagem devia ter demorado cerca de uma hora;
11. Todavia, quando o réu ia iniciar os trabalhos para a sua demolição, a garagem não estava devoluta;
12. Os autores apenas retiraram todos os objectos do interior da garagem depois de o réu ter chamado a Guarda Nacional Republicana;
13. Os agentes da Guarda Nacional Republicana tiveram que permanecer no local durante seis horas;
17. Esta máquina retroescavadora teve que permanecer no local durante seis horas;
18. Os réus despenderam a quantia de € 338,35 com a permanência da máquina retroescavadora no local;
19. Se a máquina retroescavadora apenas tivesse permanecido no local durante uma hora, os réus teriam despendido a quantia de € 56,37;
Entendem os apelantes que tais factos deveriam ser dados como não provados fundamentando tal alteração nos documentos de fls 177 a 178 e ainda nos depoimentos das testemunhas António, Pedro, e Alberto.
Na motivação da sentença recorrida e no que concerne aos factos impugnados, relevaram-se os depoimentos das mesmas testemunhas António, Pedro e Alberto, todas indicadas pelos Autores e ainda pelos documentos juntos aos autos a fls. 90, 92 e 93.

Analisemos em primeiro lugar os depoimentos das referidas testemunhas, ouvidas em audiência.
A testemunha Pedro, guarda da GNR disse que o Réu requisitou a GNR por causa de uma demolição de um barraco, “autorizada” pela Câmara Municipal de Braga, tendo tido acesso ao respectivo documento, sendo que, a presença da GNR visava prevenir o corte de estrada e assegurar a ordem pública. A demolição não foi tão rápida do que deveria, pois que, quem ocupava o barraco não colaborou, opondo-se à demolição. Estiveram no local sensivelmente mais de quatro horas, porque a retirada dos bens do seu ocupante demorou.

A testemunha António, funcionário da Câmara Municipal de Braga perguntado sobre quem denunciou a situação do dito barraco, disse que a mesma foi reportada conforme documento de fls. 191 dos autos, pela requerente Sónia e pela Junta de Freguesia de Figueiredo, como aliás se confirma no documento de fls 105, de onde resulta que o Réu questionou, se barraco em causa, que lhe coube por herança, era ilegal.
Na sequência do referido, a Câmara Municipal notificou o proprietário para se pronunciar sobre uma eventual possibilidade de legalizar tal anexo (cf. documento de fls 177).
Porque o Réu nada fez, a Câmara Municipal notificou-o para demolir o dito anexo, conforme documento de fls 91.
A mesma testemunha disse que não sabia se a construção em causa era legalizável mas, a ser, o Réu teria de apresentar um projecto e obter a licença camarária.

A testemunha Alberto disse que o Réu solicitou a sua empresa para demolir o barraco em madeira em causa. Para fazer esse serviço esteve no local desde as 8 horas até por volta da uma hora. Estava lá a autoridade. Se o barraco estivesse vazio, a sua demolição de- moraria uma hora. Só demorou muito mais tempo porque o ocupante do barraco não tirou os seus bens. O Senhor que ocupava o anexo opôs-se e acabou por demorar muito mais tempo… tiveram de chamar as autoridades, por isso é que demorou. Confirmou que a factura junta a fls, 93, reportando-se á mão-de-obra, dizendo que, na altura o preço por hora (eram três homens) seria de sessenta euros, esclarecendo, depois de confrontado, que possivelmente o preço constante da factura foi menor porque conhecer o Autor.
Em face dos meios de prova analisados temos que, os factos provados sob os números 7 e 8 estão sustentados pelo documento de fls. 90 não impugnado especificamente, não se tendo posto em causa a sua recepção.
Quanto aos factos 10 e 11 12, 13, 17,18 e 19 a sua prova resulta da conjugação dos depoimentos das testemunhas Pedro guarda da GNR e Alberto, que devem ser credibilizados tendo em conta a sua razão de ciência, conjugados pelos documentos de fls 92 e 93, de onde resulta o tempo em que foi necessária a presença da GNR e o valor da mão-de-obra da empresa que procedeu á demolição em causa.
Acresce que, não se vislumbra que outros meios de prova possam infirmar a prova dos factos impugnados, sendo que, os documento de fls. 175 e 177, apenas resulta que os Réus foram notificados para se pronunciarem sobe uma eventual legalização que não se provou ser possível (veja-se o depoimento da testemunha António) e depois para se pronunciarem sobre a demolição.
Tais meios de prova seriam eventualmente relevantes para se aferir da responsabilidade das partes pela impossibilidade da prestação decorrente do contrato de arrendamento.
Ora, os factos ora impugnados não se referem a esta factualidade.

Termos em que deve improceder a impugnação da decisão de facto.

Quanto ao erro de direito, do pedido formulado pelos Autores no sentido da condenação dos Réus a serem condenados reconstruir a garagem
Alegam os Autores que a impossibilidade da prestação em causa é imputável aos Autores, que não legalizaram o arrendado.
Ora, resulta da factualidade provada que a demolição em causa foi imposta pela Câmara sendo certo que, não se provou que o arrendado que os Autores adquiriram por herança era legalizável, facto que não alegado nem provado.
Contudo, o certo é que, a presunção de culpa prevista no art.º 799.º do CC aplica-se á impossibilidade do cumprimento (cf. art.º 801.ºdo CC). Assim sendo, cabia aos Réus alegar e provar que a impossibilidade não procedia de culpa sua, ónus esse que não foi cumprido pelos apelados.
Não obstante, e mesmo que se presuma a culpa dos Autores, afigura-se que o pedido ora em causa não é viável.
No caso vertente a demolição do arrendado foi efectuada pelo autor, no cumprimento de uma decisão camarária no âmbito dos seus poderes e fundamentada pelo facto de a dita construção ser clandestina.
Dispõe o art.º 790.º que, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Defendem os Autores que, se a impossibilidade é imputável ao devedor, então deve subsistir o arrendamento e daí o dever de reconstruir o anexo demolido
Tal entendimento tem sido rejeitado pela jurisprudência e pela doutrina, no sentido de que caducidade do arrendamento opera ope legis, relevando a culpa do senhorio para efeitos de indemnização ao arrendatário, na qual devem ser ressarcidos tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais sofridos.
“A perda da coisa locada impõe necessariamente a caducidade do contrato, nos termos gerais do artigo 790.º,n.º1. Se a perda é total, a obrigação do locador extingue-se desde logo; sendo parcial e devida a causa que lhe não seja imputável, rege o disposto no artigo 793.º “ (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol II, 4ª edição, pág. 391).
Se o prédio arrendado foi inteiramente demolido, tal significa que, depois de reconstruído, já não é o mesmo: é outro (neste sentido e entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça citado pelos apelados, de 09-03-2010, relatado por Salazar Casanova, de Ac. do S.T.J. de 12-3-2009 Acórdão da Relação do Porto de 507/2011 (Cecília Agante). publicados em www.dgsi. Acórdão do STJ de 12-03-2009 sumariado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj.
Sucede que, os Réus não formularam qualquer pedido indemnizatório com fundamento na privação do bem arrendado demolido.
Quando ao pedido no sentido de condenar os Réus nos prejuízos que lhe causaram com a sua conduta no acto da demolição, entendemos que a mesma já não decorre do vínculo contratual entre as partes, devendo ser tratada no âmbito da responsabilidade extracontratual prevista no art.º 483.º e ss do CC, pois que, o que está em causa, é uma conduta ilícita do Réu, que dificultou culposamente um acto determinado legitimamente pela Câmara Municipal que os Autores tinham de cumprir, sendo que, tal oposição, acarretou para o Autor, danos ligados por um nexo de causalidade com a dita conduta verificando-se pois os pressupostos da obrigação de indemnização.
Deve pois improceder a apelação.

Em conclusão:
A demolição do imóvel arrendado, ainda que por causa imputável ao locador, não deixa de implicar a extinção do arrendamento por perda da coisa locada, dada a impossibilidade de prestação de gozo da coisa, restando ao locatário o direito á indemnização pelos prejuízos sofridos com a privação do locado.


DECISÃO

Pelo exposto, acórdam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida pelos fundamentos supra expostos.

Custas pelos Autores sem prejuízo do apoio judiciário.

G. 30.04.2015

Isabel Rocha

Jorge Teixeira

Manuel Bargado