Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3576/14.1T8GMR-C.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: PER
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 1ª CÌVEL
Sumário: I - Os curtíssimos prazos estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 17º-D não são compatíveis com a produção de prova testemunhal.
II - A decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, assentando apenas em prova documental.
III - Tal decisão não constitui caso julgado fora do respectivo processo, não impedindo o credor de, sem limitação no uso de outros meios de prova, demonstrar em processo de insolvência a verdadeira dimensão do seu crédito.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

1. Nos autos supra identificados, pelo Tribunal recorrido foi proferida decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos e nela veio a ser julgada improcedente a impugnação apresentada pela ora recorrente “AA, Ldª”, mantendo-se, em consequência, tão somente o valor de 156.489,50, reconhecido pelo AJP.

2. No que agora releva, na aludida decisão, fez-se constar que:
«Da lista provisória de créditos consta, quanto a esta impugnante, como reconhecida a quantia de €156.489,50, correspondentes a rendas vencidas e vincendas até ao fim do contrato e direitos de ingresso e, como não reconhecida a quantia de € 3.437.527,08, assim justificado: não reconhecidas as rendas vincendas reclamadas dado que por motivo imputável à credora cessou o contrato de arrendamento; não reconhecido o montante referente aos débitos de €10.440,98 da AmiCliHotel, não reconhecidos os pagamentos não considerados de 12.550€, 17.500€ e 8.750€ para reforma das letras, bem como o valor referente às facturas 07.13.00008 e 07.13.00009.
Com a sua impugnação não junta qualquer prova documental (embora faça referência à junta com a reclamação de créditos).
Ora, o Sr. AJP fundamenta o não reconhecimento dos créditos alegados que não seja apenas no tocante ao montante dos créditos vincendos reclamados alegando a cessação do contrato de subarrendamento imputável à impugnante, fazendo referência a uma notificação judicial avulsa efectuada em 30.01.2013 (fls. 2464 e ss.).
O subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável. Sendo total o subarrendamento, o senhorio pode substituir-se ao arrendatário, mediante notificação judicial (que foi o que sucedeu, no caso em concreto), considerando-se resolvido o primitivo arrendamento e passando o subarrendatário a arrendatário directo. Como tal, assiste razão ao Sr. AJP ao não reconhecer os créditos vincendos após essa cessação».

3. Inconformada, apelou aquela com os seguintes fundamentos:
«1- Pela decisão ora em crise o Tribunal a quo entendeu julgar improcedente, totalmente, a impugnação apresentada pela SENIOR L1VING;
2- Esta não se conforma, nem se pode conformar, com o sentido de tal decisão, motivo pelo qual dela, por este meio, recorre;
3- Aquando da apresentação da sua impugnação à lista provisória de créditos, a AA requereu a produção de prova dos factos que alegou, e nomeadamente prova documental, prova por declarações de parte, prova testemunhal e prova por declarações do D.mo Administrador de Insolvência;
4- O Tribunal a quo entendeu proferir decisão sem qualquer tido de produção de prova, incluindo a requerida;
5- Ao proceder de tal forma, o Tribunal a quo violou o disposto no artº 17-D, nº3, do CIRE, bem como os artºs 411º e 413º do CPC, sendo consequentemente nula a decisão, nos termos do disposto no artº 615°, nº1, d) do CPC;
6- Da mesma forma, encontra-se violado o disposto no artº 20º da Constituição da República, nºs 1 e 4;
7- Mesmo que assim não se entenda,
8- Ao julgar contra a prova produzida nos autos, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs 413º e 607º, nº5, do CPC, incorrendo na nulidade prevista no artº 615° nº1, c), do mesmo diploma legal.

Termina pela procedência do recurso, pedindo a declaração de nulidade da decisão, pelo reenvio dos autos à 1ª instância para que se produza a prova requerida, ou, se assim não se entender, pela revogação da mesma, substituindo-a por outra que reconheça o crédito pelo montante total de €3.594.016,58.

4. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A factualidade a considerar é a constante do relatório supra que aqui se dá por reproduzida e integrada.

O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, de acordo com o estatuído no artº 635º, nº4, do novo Código de Processo Civil.

Decidindo.
À consideração deste Tribunal estão colocadas as seguintes questões:
a) A sentença é nula?
b) Foi violado o artº 20º da Constituição?
c) No âmbito do processo de revitalização, na impugnação da lista provisória de créditos é admissível qualquer tipo de prova e, em consequência, deve ser produzida toda a prova requerida pela recorrente?
d) A prova documental oferecida era bastante para o crédito ser reconhecido na sua totalidade?

Relativamente à primeira delas, vem a nulidade da sentença sustentada no disposto no artº 615º, nº1, d), do Código de Processo Civil, nos termos do qual se verifica tal vício quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Para que ele ocorra exige-se, portanto, que a decisão se mostre afectada por uma omissão ou por um excesso de pronúncia, espelhando um desrespeito pelo comando contido no actual artº 608º, nº2, do Código de Processo Civil e que se traduz, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso.
Todavia, é pacificamente adquirido que não integra a nulidade ali prevista a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões a apreciar.

Como salienta o Prof. Alberto dos Reis (in “CPC Anotado”, Vol. V, pg. 143) :
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artº 511º nº 1), as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido…”.
Resulta desta interpretação que a sentença não padece de nulidade quando não analisa um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito.
Ora, a alegação de que a sentença é nula por esse fundamento, consubstanciado na circunstância de o juiz não ter procedido a todas as diligências probatórias requeridas (cf. 17 das alegações), não é subsumível ao que se expôs e não pode, por isso, ser atendida, assim, improcedendo.

Invoca-se, ainda, o desrespeito pelo estatuído no artº 20º, nºs 1 e 4, da CRP que, sob a epígrafe “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, assim reza:
1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. (…)
3. (…)
4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
5. (…)
Para além de não se especificar que concretos fundamentos factuais alicerçam esta invocação, também se adianta que os mesmos não se descortinam.
De resto, todos os credores tiveram ao seu dispor os articulados respectivos através dos quais alegaram em pé de igualdade, dentro do prazo legalmente fixado, designadamente a recorrente, que pode reclamar o seu crédito.
Não cremos que a limitação da prova a determinado tipo, ou tipos, possa ofender os invocados princípios constitucionais, limitação, aliás, presente em inúmeros casos do nosso ordenamento jurídico, tanto mais que, como se verá infra, nos deparamos com um mero formalismo destinado a obter a lista definitiva de créditos cuja função primordial é a composição do quórum deliberativo, tanto maiis que a letra da norma refere-se a “credores” e não a “credores reconhecidos”. Improcede, igualmente.

Terceira questão: A impugnação de créditos no âmbito do processo de revitalização admite qualquer tipo de prova?
O processo de revitalização, tal como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 04/02/2014 (itij) é «um processo voluntário, negocial e extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a alcançar-se um acordo com vista à sua revitalização. O objetivo de tal processo é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização do devedor, pressupondo sempre a aprovação desse acordo por uma maioria qualificada de créditos, cfr. Artº 17º-F do CIRE, que ocorrendo torna, em princípio, o acordo vinculativo para a generalidade dos credores», pelo que, na solução mais adequada ao caso que ora nos ocupa, não poderá deixar de ter-se presente esta natureza.
Como ensinam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, 2ª Ed.2013, na reclamação de créditos, no âmbito do processo especial de revitalização, não há lugar a graduação de créditos, porque “seria um ato inútil, visto que não estão em causa procedimentos compulsórios de alienação de ativos do devedor e repartição do valor obtido pelos credores”, acrescentando que também “não há lugar a resposta às impugnações diferentemente com o que se passa com o processo de insolvência”.
Atinente à específica matéria que ora nos ocupa, regula o artº 17º-D, nº3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se preceitua que “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal CITIUS, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.
Sustentado em aresto deste Tribunal que conhecemos (Procº 180/14.8TBBRG-AutorG1), a recorrente invoca não se ver que a celeridade que o legislador pretendeu imprimir ao processo seja razão para apenas admitir prova documental, não encontrando tal limitação correspondência nem na letra, nem no espírito da lei.
Não subscrevemos esta posição e julgamos, até, que ela não corresponde ao entendimento maioritário sobre a matéria.
Se é certo que a letra da lei não veda expressamente a produção de qualquer tipo de prova, a sua interpretação sistemática e teleológica aponta, no nosso modesto entender, para conclusão diversa da acolhida no mencionado acórdão.
Desde logo, os curtíssimos prazos estabelecidos nos nºs 2 e 3 do artº 17º-D não são compagináveis com diligências de prova da índole das requeridas pela apelante, designadamente com a produção de prova testemunhal.
Basta atentar na dilação processual que implica qualquer diligência que imponha a intervenção de mandatários e testemunhas para logo se concluir que o respeito pelo prazo legal ficaria irremediavelmente comprometido.
Aliás, a admitir-se outro tipo de provas para além da documental, onde se quedaria essa possibilidade? Apenas pela testemunhal? E com que razão, então, se impederia a prova pericial?
A produção de prova que não seja de natureza meramente documental protela, necessariamente, a prolação da decisão, circunstância que o legislador não podia desconhecer quando fixou o prazo de 5 dias, legitimando, portanto, a interpretação acolhida na sentença em crise. Esta posição está sustentada, por exemplo, na leitura que fazem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, (O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 79) quando defendem que “a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do nº2 do artigo 96º do CPC não constitui caso julgado fora do respectivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objectivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objectivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária.”.
No mesmo sentido, vão os já citados autores Carvalho Fernandes e João Labareda quando escrevem que «a impugnação de créditos e as subsequentes avaliação e decisão judiciais só podem ser suportadas em prova documental e esta última tem carácter definitivo nos termos e para os efeitos do processo de revitalização em que se insere».
Não merece censura o decidido pela 1ª instância quando admite apenas prova documental.

Última questão: No entendimento da apelante a prova documental que juntou com a respectiva reclamação é bastante para dar procedência ao valor reclamado.
Todavia, como resulta das suas alegações, a procedência advém da subsistência do contrato de subarrendamento cuja vigência foi posta em crise pelo AJP com acolhimento pelo Tribunal recorrido.
Ora, como acima ficou dito, o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos e, nessa conformidade, é de manter a decisão que, invocando caducidade do contrato e uma conta-corrente que indica créditos da empresa a revitalizar, apenas reconhece parte do crédito reclamado, reafirmando-se que a posição da recorrente em nada sai beliscada porquanto tal decisão é meramente incidental e não constitui caso julgado fora do respectivo processo.
No sentido de que aqui não se visa a fixação definitiva dos débitos da requerente, mas sim permitir uma rápida tramitação do processo, ou seja, de que visa as negociações e aprovação do plano e não mais que isso, veja-se o acórdão deste Tribunal de 02 de Maio de 2013, onde interveio como adjunta a relatora do presente.
Concluindo, mostra-se arredado qualquer entendimento que, em sede de insolvência e com fundamento na decisão proferida no PER, possa coarctar a possibilidade de demonstrar a verdadeira dimensão e característica do crédito da recorrente porque aí se procede a graduação e pagamento.

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Guimarães, 26.03.2015
Raquel Rego
Isabel Rocha
Jorge Teixeira