Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
838/14.1T8BRG-F.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: PER
CIRE
INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. – Nas situações em que o processo especial de revitalização seja convolado em processo de insolvência e o Sr. administrador judicial provisório seja reconduzido como administrador da insolvência há lugar à fixação de uma única remuneração certa.
2. A extensão das tarefas que são confiadas ao Sr. Administrador reconduzido é susceptível de reflectir-se na remuneração variável.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Apelante: AA (Administrador da insolvência);
Apelado: Ministério Público;

AA, Administrador da Insolvência em que se encontra nomeado no processo em referência, no qual foi declarada a insolvência de BB, veio interpor recurso do despacho proferido em 28.04.2015, o qual, pronunciando-se sobre a sua remuneração - na qualidade de administrador judicial provisório, no âmbito do processo especial de revitalização requerido pelo mesmo BB, e que precedeu a declaração de insolvência deste - decidiu que o mesmo tinha direito a uma única remuneração a atender no processo de insolvência.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

Nas alegações de recurso apresentadas, formula o recorrente as seguintes conclusões que se transcrevem:
1, Impõe o art 154º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável por remissão do artº 172º do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas (doravante CIRE) o dever de fundamentação das decisões, não podendo a justificação consistir na "simples adesão aos fundamentos alegados" .
2. A inobservância do preceituado no art. 154º do CPC, nomeadamente se a decisão não especificar os fundamentos de facto e de direito que a justificam, acarreta a nulidade dessa mesma decisão, nos termos do art. 615º, n.º 1, aI. b), ex vi art. 613º, n,º 3, ambos do CPC.
3. A subscrição e reprodução em singelo da promoção do DM do MP, tal como foi feita no despacho do qual se recorre viola o disposto no art. 154º, n,º 2 do CPC, por consistir numa mera adesão aos fundamentos alegados na mencionada promoção,
4. O processo especial de revitalização (também designado por PER) tal como vem descrito no CIRE consubstancia um processo novo e autónomo relativamente ao processo de insolvência com uma finalidade própria e distinta do processo de Insolvência, não sendo uma modalidade do processo de insolvência, mas sim de uma espécie que vive em paralelo e autonomamente àquele, construído para a obtenção de resultados distintos,
5. O art. 17.º-E, n,º 6 do CIRE prevê a suspensão do processo de insolvência em que tenha sido anteriormente requerida a insolvência, desde que não tenha sido proferida sentença declaratório da insolvência, o que infirma a tese defendida pela promoção e despacho ora em crise segundo a qual o PER é uma fase prévia do processo de insolvência.
6. O Estatuto do Administrador Judicial determina que o administrador judiciai provisório (AJP) tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas.
7. A remuneração devida ao AJP nomeado em PER é aferida em função da aplicação dos normativos que integram o CIRE, o Estatuto do Administrador Judicial e a Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro.
8. Da conjugação daqueles normativos resulta que o AJP, no caso em apreço e uma vez que não foi aprovado e homologado o plano de recuperação apresentado, tem direito a uma remuneração fixa, que é de € 2.000,00, nos termos do art. P da Portaria n.2 51/2005, de 20 de Janeiro,
9. O legislador não estabeleceu ou fez acreditar que o AJP nomeado em PER convertido em processo de insolvência, por falta de plano aprovado ou homologado, e nomeado também no processo de insolvência, apenas tem o direito a uma única remuneração, sob pena de duplicação de remuneração.
10. Não raras vezes, o AJP nomeado no PER não o é no processo de insolvência.
11. A sufragar-se o entendimento segundo o qual, nos casos em que há conversão do PER em processo de Insolvência e em que é nomeado o mesmo administrador "judicial", este apenas tem direito a uma única remuneração, gerar-se-ia uma dualidade de critérios,
12. Pelo exposto, deve ser fixada a remuneração fixa no valor de € 2.000,00, acrescida do respectivo IVA à taxa legal, nos termos dos arts. 23º, n.2 1 da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro e 12 da Portaria n.2 51/2005, de 20 de Janeiro,
13. O aliás douto despacho recorrido fez, assim, uma errada apreciação e interpretação do vertido nos arts. 154º, 613º, n.º e 615º, n.º 1, a1, b), todos do CPC, dos arts. 17º, 17º-A, n.º 1, 17º-E, n.º6, l7-G, 55º,n.º 1, al. a) e 54º, n.º 1, al. b). todos do CIRE, do art, 23º do Estatuto do Administrador Judicial e do artº 1º da Portaria nº 51/2005, de 20 de Janeiro.
Pede a procedência do recurso.

Houve contra alegações, pugnando-se pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II- Fundamentação de facto:
Analisados os autos e os elementos disponíveis, temos por assente, com interesse para a apreciação do presente recurso:

1. As incidências fáctico-processuais constantes do relatório I) supra.
2. Nos autos, o Digno Magistrado do MºPº pronunciou-se da seguinte forma:
« Preceitua o art. 23° n01 da Lei nO 22/2013, de 26 de Fevereiro (que estabelece o estatuto do administrador judicial) preceitua que: "O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia".
O legislador fez, pois, uma equiparação entre o administrador judicial provisório nomeado em processo de revitalização e o administrador de insolvência (e não entre aquele e o administrador judicial provisório nomeado no processo de insolvência), em termos da remuneração que lhes é atribuída.
Assim, o administrador judicial provisório não pode ter direito a uma remuneração pelas funções desempenhadas no processo especial de revitalização e a outra pelas que, posteriormente, desempenha no processo de insolvência.
Na verdade, entendemos que, nos casos em que, no processo de revitalização, não é aprovado e homologado um plano de recuperação e o processo se "transforma" em insolvência (art. 17°-6, n03 do CIRE), o administrador judicial provisório apenas tem direito a uma remuneração autónoma pelo exercício dessas suas funções, se os cessar e não for nomeado administrador da insolvência.
Face ao preceituado nos artigos 32° nº2 e 52° nº2 do CIRE, a regra é que, nestes casos, o administrador judicial provisório é nomeado administrador da insolvência, pois que lhe cabe a preferência nessa nomeação.
Ora, o administrador judicial provisório que é nomeado administrador da insolvência tem direito, apenas, a uma única remuneração pois, de outra forma, para além de distinguimos aquilo que o legislador não quis distinguir, estaríamos a fazer uma duplicação de remuneração.
Além do mais, nada há na Lei 22/2013 que abra portas ao entendimento de que o administrador Judicial provisório tem direito a uma remuneração pelo exercício de funções no processo de revitalização (2.000.00€) e a mais uma pelas funções posteriores de administrador da insolvência (mais 2 000,00€), ou seja, a uma remuneração global de 4 0000,00€.
Tal não faria sentido, desde logo quando, de acordo com o preceituado no artigo 17º-G nº7 do CIRE, após a declaração da insolvência do requerente, é aproveitada a tramitação do processo especial de revitalização o qual, nestas situações, é encarado como uma "fase prévio" do processo de insolvência.
Assim, em casos como o dos autos, entendemos que não é devida uma remuneração autónoma pelo exercício das funções de administrador judicial provisório e as despesas suportadas nesse âmbito, deverão ser incluídas nas contas a apresentar no processo de insolvência (art. 62° nºs 1 e 2 do CIRE)».

3. A decisão recorrida é do seguinte teor:
«Subscrevendo os doutos fundamentos da promoção do DM do MP, que aqui se dão por expressamente reproduzidos, entendo que não é devida uma remuneração autónoma pelo exercício das funções de administrador judicial provisório e as despesas suportadas nesse âmbito deverão ser incluídas nas contas a apresentar no processo de insolvência (art. 62° nºs 1 e 2 do CIRE). Indefere-se, portanto, a fixação da remuneração ao agora AI nos termos promovidos».


***

III- Fundamentação de Direito:


A primeira questão que é objecto do recurso prende-se com a invocada nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 615º, do CPC.
Tal normativo refere-se às causas da nulidade da sentença, sendo que a dita alínea se reporta à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [al.b)].
As nulidades da decisão previstas no artº 615º do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
E é entendimento jurisprudencial dominante que apenas a ausência total de fundamentação conduz à nulidade da decisão, não se bastando com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente.
Ora, no caso em apreço, não obstante a singeleza ou exiguidade de fundamentação do despacho judicial que indeferiu o pedido do Sr. Administrador, certo é que não revela uma falta absoluta de fundamentação, nem se limita a aderir aos fundamentos invocados pelo Digno Magistrado do MºPº, nele justificando os motivos de facto da sua decisão, nomeadamente razões de direito, citando normas jurídicas aplicáveis.
Não pode, portanto, falar-se em decisão nula por omissão (absoluta) de fundamentes. Estes podem ser incompletos ou insuficientes, mas foram nela explicitados.
Note-se que a ratio legis da necessidade de fundamentação das decisões judiciais é a de se obstar à prolação de decisões arbitrárias e insindicáveis. Isso só ocorre se a carência de fundamentação for total. Mas se existe motivação, ainda que incompleta, inexacta ou insuficiente, tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não ocorrem.
Inexiste, assim, in casu a apontada nulidade da decisão.

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A outra questão que é objecto do recurso prende-se com a existência ou não do direito a uma remuneração autónoma e independente pelo exercício das funções inerentes ao cargo de administrador judicial provisório quando é reconduzido ao cargo de administrador da insolvência.
Ou dito de outro modo, reportando-nos ao caso concreto, em que a declaração de insolvência ocorre por via do requerimento apresentado pelo administrador judicial provisório nos termos do disposto no nº 4 do artº 17º G do CIRE e em que o administrador judicial provisório se mantém como administrador de insolvência, há ainda assim lugar ao pagamento de duas remunerações certas, uma enquanto administrador judicial provisório e outra enquanto administrador de insolvência?
Entende-se que não.
Na verdade, no caso sub judice, o Srº Administrador Judicial Provisório nomeado, no processo especial de revitalização de BB veio, nos termos do disposto no artº 17ºG, nº4, do CIRE, requerer que se declarasse a insolvência do devedor, convertendo-se o processo de revitalização em processo de insolvência, alegando, em síntese, que o mesmo se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas e que não tinha qualquer perspectiva de obter receitas de modo a contrariar a deficitária situação económica em que se encontrava, sendo o passivo manifestamente superior ao activo.
Por douta decisão proferida em 11 de Dezembro de 2014, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência do devedor, nomeando-se administrador da insolvência o aqui recorrente.
Trata-se, portanto, de caso em que o processo especial de revitalização se convola em processo de insolvência, a requerimento do administrador judicial provisório, nos termos do artº 17º-G, nº 4, do CIRE, por um lado, e aquele administrador provisório é reconduzido como administrador (definitivo) de insolvência, por outro.
Ora, nestas situações, o processo especial de revitalização não tem autonomia em relação ao processo de insolvência, sendo aquele uma primeira fase - preliminar - do processo de insolvência e sendo manifesta a estreita relação entre o processo de insolvência e o processo especial de revitalização, de tal modo que se aproveitam os actos que tenham sido praticados naquele processo especial, designadamente aqueles que autorizaram o administrador judicial provisório a concluir no sentido de que o devedor se encontrar em situação de insolvência, impondo-lhe neste caso o encargo de requerer a insolvência do devedor.
Veja-se que o processo especial de revitalização visa estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, consistindo neste desiderato a actividade primordial do administrador judicial provisório – cfr. artº 17º-D, nºs 8 e 9, 17º-F, nºs 1, 3 e 4, 17º-G, nº 4, todos do CIRE.
Afigura-se-nos, como defende o digno recorrido, que atento o disposto no artº 23°, nº1, da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro, o legislador fez uma equiparação entre o administrador judicial provisório nomeado em processo de revitalização e o administrador de insolvência, em termos da remuneração que lhes é atribuída.
Ou seja, em casos como o presente, em que, no processo de revitalização, não é aprovado e homologado um plano de recuperação e o processo se transmuta forçosamente em insolvência (art. 17°-G, nº 3 do CIRE), o administrador judicial provisório não pode ter direito a uma remuneração pelas funções desempenhadas no processo especial de revitalização e a outra pelas que, posteriormente, continua a desempenhar no processo de insolvência, quando foi reconduzido nas funções de administrador, já que essa convolação processual é obrigatória, deve ser requerida pelo administrador judicial provisório (nº4 do citado artº 17º-G) e é dada preferência legal a essa sua recondução (artº 52º, n 2, do CIRE).

Acresce que o artº 27º, da Lei nº 22/2013, de 26.02, que estabelece o estatuto do administrador judicial, sob a epígrafe “Remuneração do administrador judicial provisório no processo de insolvência”, aponta precisamente no sentido exposto, ao referir que a fixação da remuneração do administrador judicial provisório, nos termos do nº 2, do artigo 32º, do CIRE (nomeadamente no caso de recondução como administrador da insolvência), deve respeitar os critérios enunciados no nº 2 do artº 25º, bem como ter em conta a extensão das tarefas que lhe são confiadas: in casu, a liquidação da massa insolvente.
Ou seja, a remuneração a fixar não é distinta quando o administrador judicial provisório seja reconduzido a administrador da insolvência, sendo a remuneração uma única, mas deve ter em conta a extensão das tarefas atinentes ao processo de insolvência. Aqui já em sede de remuneração variável.

Não procede, pois, a apelação.

Sumariando:

1. – Nas situações em que o processo especial de revitalização seja convolado em processo de insolvência e o Sr. administrador judicial provisório seja reconduzido como administrador da insolvência há lugar à fixação de uma única remuneração certa.
2. A extensão das tarefas que são confiadas ao Sr. Administrador reconduzido é susceptível de reflectir-se na remuneração variável.
***


IV – Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Guimarães, 09.07.2015
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira