Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
432/09.9TBPLT.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/27/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O incumprimento da prestação a cargo do devedor torna-se definitivo quando, por força do atraso na sua realização, o autor perdeu o interesse objectivo na sua efectivação.
II – A resolução contratual tem efeitos retroactivos, pelo que deve ser restituído tudo o que for prestado, nos termos dos art.s 434.º n.º 1 e 289.º n.º 1 do CC, aplicável por força do art.º 433.º.
III- Estando em causa a restituição de uma quantia pecuniária, a obrigação de restituição compreende apenas o seu valor nominal, sem actualização, uma vez que a restituição “do valor correspondente” só tem lugar quando não seja possível a restituição em espécie, para além de que, estando em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária, rege o princípio nominalista consagrado no art.º 550.º do Código Civil.
V- Sobre a quantia monetária a restituir como consequência da resolução de um contrato, são devidos juros de mora a partir da citação, como decorre das disposições conjugadas dos art.º 1269 e segs do Código Civil, aplicáveis por força do art.º 289.º n.º 3 , e do art.º 212.º do mesmo diploma legal.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO
MANUEL… e esposa, MARIA… , residentes em 165. Sells Rd. Bells – Beach, 3228 Victoria, Austrália e, quando em Portugal no lugar da Igreja, da freguesia de Arcos, do concelho de Ponte de Lima, vieram propor a presente acção declarativa com processo sumário contra LOPES… , LDA, com sede no lugar de Cárcua, freguesia de Bertiandos, concelho de Ponte de Lima, pedindo que seja condenada a pagar-lhes a quantia de € 11.105, 21, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4% a contar da data da citação e até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alegam, em síntese, que: a ré, em 11 de Maio de 1989, obrigou-se, para com o autor a efectuar obras de reconstrução e ampliação numa moradia de que os autores eram proprietários, sita em Britiandos, Ponte de Lima, pelo preço total de dez milhões de escudos; no decurso das negociações o autor deu a saber aos sócios gerentes da ré que tinha necessidade da casa arranjada para nela passar uns meses de repouso no verão de 1990; em 1 de Junho de 1989 o autor sofreu um enfarte de miocárdio, sendo que a sua convalescença exigia repouso; em finais de 1989 os gerentes da ré solicitaram ao autor a entrega de um milhão de escudos a título de adiantamento por conta do preço da obra, a fim de custear os materiais para a mesma necessários; o autor procedeu á entrega de tal quantia; esperou durante dois anos e meio pela realização das obras, que nem sequer se iniciaram, não obstante ter insistido junto dos gerentes da ré para que procedessem à sua execução; tais obras tornaram-se urgentes porque as paredes da casa corriam o risco de desabar sobre a casa contígua; em finais de 1991, a autora deslocou-se a Britiandos, verificando que as obras não se tinham iniciado, não existindo junto à casa quaisquer materiais de construção destinados à realização das mesmas; perante esta situação, o autor desistiu do projecto de casa de férias em Portugal, adquirindo na Austrália, onde reside, uma pequena quinta junto ao mar; pelo que a autora, que veio a Portugal vender a casa, como procuradora e representante do autor, comunicou aos gerentes da ré que este desistia da realização da obra, em virtude do incumprimento por parte da sua representada, solicitando a devolução da quantia que lhes tinha sido entregue, no valor de PTE 1.000.000$00, rescindindo assim o contrato celebrado; os gerentes da ré, porém, recusaram-se a fazer tal devolução, pedindo por isso o autor que a ré seja condenada a pagar-lhe a dita quantia que entregou, actualizada de acordo com a inflação até à data da propositura da acção, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Regularmente citada a ré contestou por impugnação e por excepção, alegando que nunca lhe foi comunicado que a obra deveria estar concluída no verão de 1990 o que nunca seria possível, como os autores bem sabiam, porque o alvará de licença de obras apenas foi emitido em 28 de Novembro de 1990; a quantia adiantada pelo autor foi gasta na aquisição de materiais de construção para a obra, que depositou no seu armazém, comunicando aos autores o local onde estavam e colocando-os à disposição destes, designadamente em 1991 quando a autora veio a Portugal; os autores nunca pediram a devolução da quantia que o autor adiantou; os autores é que se desinteressaram da obra, pelo que o incumprimento se deveu a uma atitude culposa por banda destes; defende ainda que não é aplicável o art.º 566.º n.º do CC, não havendo lugar á actualização da quantia entregue pelo autor; mais invoca que, ao pedirem agora, passados 20 anos, a sua condenação nesta acção, os autores incorrem em abuso de direito, devendo ser condenados como litigantes da má-fé.

Os Autores responderam, reafirmando no essencial o alegado na p.i.

Elaborou-se o despacho saneador do qual a Ré reclamou, reclamação que foi parcialmente atendida.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais e, após decisão que incidiu sobre a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada, condenando-se a ré no pedido.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação da sentença, que foi recebido, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Os autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

III FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nº 3 e 685-A.º do Código de Processo Civil na versão aplicável aos autos).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões, não visando os mesmos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:;
Se deve ser alterada a decisão que incidiu sobre a matéria de facto;
Se existiu incumprimento contratual culposo por parte da ré.
Se a ré deve ser condenada a restituir a quantia que entregou à ré, acrescida do valor correspondente ao valor da actualização da mesma, de acordo com os coeficientes da desvalorização da moeda entretanto ocorrida.

Os factos provados que fundamentaram a sentença recorrida são os seguintes:
1. Por ajuste escrito celebrado em 11 de Maio de 1989, a R. obrigou-se para com o A. a efectuar as obras de reconstrução e ampliação de uma moradia de que os AA. eram donos, situada na freguesia de Bertiandos, do concelho de Ponte de Lima, de acordo com projecto devidamente aprovado pela Câmara Municipal de Ponte de Lima,
2. Pelo preço global de PTE 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) mais o valor do IVA correspondente ao valor da mão-de-obra empregue nos trabalhos.
3. Segundo esse ajuste, a Ré deveria fornecer, à sua custa, todos os materiais a empregar na obra.
4. E esta deveria estar concluída no prazo de um ano, a contar da data da celebração e assinatura daquele ajuste.
5. Tal documento foi assinado pelo A. e pelo sócio da R., também seu gerente, José… , residente no lugar de Cárcua, da freguesia de Bertiandos (doc. 1, junto com a p.i.).
6. Por indicação dos gerentes da Ré, em 15/1/1990 o A. procedeu à entrega da referida quantia de PTE 1.000.000$00 por meio de transferência bancária da sua conta na agência de Ponte de Lima do Banco Borges & Irmão para a conta do sócio-gerente de Lopes…, Lda., de nome Silvestre… , nessa mesma agência,
7. A quem aquela sociedade encarregava habitualmente das compras de materiais e do seu transporte no camião próprio do gerente (doc. 2).
8. O Alvará de licença de foi emitido em 28 de Novembro de 1990, quando esta licença já estava concedida por despacho proferido em 29/11/1989.
DA BASE INSTRUTÓRIA
9. No decurso das negociações prévias ao ajuste referido em A. supra, o A. deu a saber ao José… e a outro sócio-gerente de Lopes… , Lda., de nome Silvestre… , também residente em Bertiandos, que tinha necessidade da casa arranjada, para nela vir passar uns meses de repouso, no verão de 1990.
10. Porque sentia-se cansado e a precisar de uma suspensão de actividade em local tranquilo.
11.Em 1 de Junho de 1989, o A. sofreu um enfarte do miocárdio.
12.A convalescença da situação cardiovascular do A. continuava a exigir o programado repouso e de forma ainda mais urgente.
13.Todos estes factos foram do conhecimento dos gerentes da R., não só por terem sido conhecidos na voz pública da freguesia de Bertiandos, donde o A. é natural,
14. Mas também por lhes terem sido comunicados pelos AA..
15.Em fins de 1989, os gerentes da R. solicitaram do A. a entrega de PTE 1.000.000$00 (um milhão de escudos), a título de adiantamento por conta do preço da obra.
16.A fim de, com essa quantia, custear as primeiras despesas com materiais destinados à obra.
17.Os meses iam passando e a R. não iniciava as obras a que se tinha obrigado.
18.O A. insistiu várias vezes junto dos gerentes da R. no sentido de serem efectuadas essas obras, mas sempre sem resultado.
19.Passaram o mês de Maio de 1990 e o mês de Maio de 1991, sem as obras sequer começaram
20.Os gerentes da R. iam prometendo começar as obras em breve.
21.E afirmavam ter já adquirido materiais para tanto, como determinadas peças de pedra trabalhada.
22.Nunca tais materiais foram depositados no terreno adjacente à casa.
23.O A. aguardou durante dois anos e meio o início das obras.
24.Que se tornaram ainda mais urgentes por, entretanto, a referida casa ter entrado em estado de ruína.
25.E as respectivas paredes correrem o risco de desabar sobre uma casa contígua, habitada por uma família.
26.Perante esta situação, a A. deslocou-se da Austrália a Portugal, em fins de 1991,a fim de vender a casa em ruínas e de recuperar os PTE 1.000.000$00 adiantados à R. .
27.O A. desistiu do projecto da casa de férias em Portugal .
28.E adquiriu uma pequena quinta junto ao mar, na Austrália, onde passa os seus períodos de repouso.
29.Quando, em fins de 1991, a A. se deslocou a Bertiandos, a R. não só não tinha iniciado a obra como não tinha colocado junto da casa quaisquer materiais de construção destinados à realização da mesma obra.
30.Em Dezembro de 1991, a A. comunicou aos gerentes da Ré, como procuradora e representante do A., então doente, que este desistia da realização da obra, por falta de cumprimento da Ré daquilo a que se obrigara .
31.E que o mesmo A. dava o ajuste celebrado com a Ré como rescindido, por falta de cumprimento da R..
32.Na mesma altura, pediu aos gerentes da Ré a devolução da quantia de PTE 1.000.000$00, entregue pelo A. como adiantamento por conta do preço.
33.Os gerentes da Ré recusaram-se a fazer essa devolução.
34.Sob o pretexto de que o A. teria de compensar a Ré com aquela quantia, como indemnização pela rescisão do ajuste contido no documento 1junto com a p.i. .
35.Familiares dos AA. procuraram, mais tarde, convencer os gerentes da Ré de que não tinham o direito de exigir qualquer indemnização, mas não os demoveram.
36.Em 22 de Junho de 1992, o A. enviou à Ré uma longa carta, que esta recebeu, em que historiou a situação com inteiro respeito pela verdade dos factos.
37.E concluiu com o pedido de que a Ré depositasse os PTE 1.000.000$00 adiantados na conta do A. no Banco Borges & Irmão, agência de Ponte de Lima, no prazo de 30 dias (doc. 3 junto com a p.i).
38. A R. não respondeu a esta carta nem efectuou o depósito de devolução.
39.A partir de Maio de 1990, caducava a licença municipal para a realização dos trabalhos.
40.A Ré só foi levantar o alvará de licença de obras em 28/11/1990.
41.A licença já estava concedida por despacho proferido em 29/11/1989.
42.A Ré depositou matérias de construção num pequeno armazém que tinha arrendado no Lugar de Balada, freguesia de Bertiandos em local próximo do local onde a obra seria realizada.

I – Da pretendida alteração da matéria de facto
(…)

Termos em que, deve manter-se a decisão recorrida.

II – Do incumprimento culposo por parte da ré e do direito dos autores à restituição da quantia que o autor entregou á ré, acrescida do valor correspondente ao valor da actualização da mesma, de acordo com os coeficientes da desvalorização da moeda entretanto ocorrida.

Resulta dos autos que autor e ré celebraram entre si um contrato de empreitada, pelo qual a segunda se obrigou, em relação ao primeiro, a realizar uma obra de reconstrução e ampliação de uma moradia propriedade de ambos os autores (cfr. art.º 1207.º do CC).
Pedem os autores que a ré lhes devolva a quantia de PTE 1.000.000$00 que o autor lhe entregou como antecipação parcial do preço acordado no contrato (cf. art.º 440.º do CC).
Tal pedido funda-se no incumprimento do contrato de empreitada por banda da ré.
Como decorre do disposto nos art.s 406.º n.º 1 e 762.º do CC, os contratos devem ser pontualmente cumprida e a prestação a que cada um dos contraentes se obriga, deve ser efectuada integralmente.
São três as formas de não cumprimento: cumprimento defeituoso, mora e incumprimento definitivo.
O cumprimento defeituoso, em sentido amplo, corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que é realizada CF. Pedro Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso…”, pag. 129.: o devedor não se encontra em mora nem há impossibilidade definitiva, mas a prestação enferma de irregularidade ou vício. Está previsto, em termos gerais nos art.s 798.º e 799.º do CPC, tendo um regime especial em sede de contrato de empreitada (cfr. art.º1218.º e ss).
A mora do devedor consiste no atraso culposo no cumprimento da obrigação, constituindo um não cumprimento temporário. O devedor incorre em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realiza a prestação no tempo devido, continuando a prestação a ser ainda possível. Está regulada nos art.s 804.º a 807.º do CC.
O incumprimento definitivo, por sua vez, ocorre nas seguintes situações: a) quando, no momento da prestação, esta não seja cumprida pelo devedor, impossibilitando-se de seguida; b) quando, por força da sua não realização ou do atraso na prestação, o credor perca o interesse objectivo na sua efectivação; c) quando, havendo mora do devedor, este não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor; d) quando o devedor manifeste que não quer cumprir ou que não cumprirá, podendo esta manifestação resultar de declaração expressa ou de actos concludentes ( cfr. art.s 801 a 803.º e 808.º do CC).

No caso concreto a ré, por força do contrato que celebrou com o autor em 11 de Maio de 1989, ficou obrigada a realizar a obra objecto desse contrato no prazo de um ano a contar da data da sua celebração.
Contudo, como resulta da factualidade provada, a ré nem sequer iniciou a obra nesse período. Estando em causa uma obrigação com prazo certo, a ré constitui-se em mora, decorrido que foi o período estipulado (cfr. art.º 805.º n.º 2 al. a) do CC).
A mora é imputável à ré, uma vez que, nos termos do disposto no art.º 799.º do CC, se presume que o não cumprimento procede de culpa sua.
Na verdade, a ré não logrou elidir tal presunção, como era seu ónus, não podendo imputar a causa da sua mora à alegada demora na obtenção do Alvará de licença de construção, emitido pela Câmara Municipal de Ponte de Lima, em 28 de Novembro de 1990. É que, o despacho que concedeu a licença municipal exigida no art.º 8.º do Regulamento Geral de Edificações Urbanas então vigente, já tinha sido proferido em 29 de Novembro de 1989. Ora, como é sabido, a obtenção subsequente do alvará é normalmente um processo rápido, (ao contrário do que sucede com o licenciamento propriamente dito) que depende do pagamento, pelo requerente, de determinadas taxas e da apresentação, também pelo requerente, de outros documentos, tais como o termo de responsabilidade do técnico responsável pela direcção da obra, ou o comprovativo do contrato de seguro contra acidentes de trabalho. Ademais, não resultou provado o tempo que decorreu entre os pedidos de licenciamento e de emissão de Alvará e os respectivos deferimentos pela Câmara Municipal de Ponte de Lima. O que sabemos é que a ré apenas foi levantar o alvará de licença de construção no dia 28 de Novembro de 1990.
Mais se provou que, depois de excedido o prazo estipulado, o autor foi insistindo por várias vezes com a ré para que fizesse a obra acordada, tendo-lhe até entregue a quantia de PTE 1.000.000$00, a pedido desta, a fim de custear as primeiras despesas com materiais.
Porém, volvidos mais de dois anos e meio após a celebração do contrato, a obra continuava por iniciar, sendo certo que não logrou a ré provar que tenha sequer adquirido quaisquer materiais para a mesma.
Foi então que, como resulta dos factos assentes, em Dezembro de 1991, a autora, em representação do autor seu marido, comunicou aos legais representantes da ré que dava o “ajuste” celebrado com a ré como “rescindido” por falta de cumprimento desta, solicitando, a devolução da quantia adiantada pelo autor por conta do preço da obra em causa.
O termo “rescisão”, usado pela representante do autor para pôr fim ao contrato em causa, deve ser interpretado no sentido de que o autor pretendia resolver esse contrato. Na verdade, o termo rescisão não tem um sentido unívoco Ver a propósito, Pedro Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, pags 85 e ss. e o facto de ter sido exigida a devolução da quantia entregue, suporte a nossa interpretação, por tal devolução ser precisamente uma das consequências da resolução como adiante se precisará.
A questão está então em saber se assistia ao autor o direito de resolver o contrato que celebrou com a ré.
Em nosso entender a resposta só pode ser positiva.
O efeito fundamental do não cumprimento imputável ao devedor consiste na obrigação de indemnizar os prejuízos causados pelo credor (art.º 798.º do cc). Este prejuízo compreende o dano emergente e o lucro cessante e corresponde ao interesse contratual positivo, abrangendo o equivalente da prestação e a reparação dos danos da sua inexecução. CF, A. Varela, “Das Obrigações em Geral”,7.ª edição, vol. II, pag. 93.
Mas, os direitos do credor por virtude de incumprimento da obrigação, não se esgotam neste direito à indemnização dos danos sofridos. No caso de a prestação se tornar impossível por causa imputável ao devedor, ou tendo-se a obrigação por definitivamente não cumprida e inserindo-se a obrigação num contrato bilateral, pode o credor resolver o contrato, sem prejuízo da indemnização do interesse contratual negativo ou de confiança, ou mesmo, segundo doutrina e jurisprudência mais recente, pelo interesse contratual positivo. CF, neste sentido, Prf. Paulo Mota Pinto, revista de Legislação e Jurisprudência, ano 140.º n.º 3968, pags. 300 a 324 e Ac. do STJ ali comentado, de 12 de Fevereiro de 2009.
No caso dos autos a prestação a cargo da ré não se afigura objectivamente impossível. Contudo, o incumprimento da prestação do devedor torna-se definitivo quando, por força do atraso na sua realização, o credor perde o interesse objectivo na sua efectivação.
Nos termos do disposto no art.º 808.º n.º 1 do CC, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, considera-se para todos os efeitos não cumprida definitivamente a obrigação.
A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente (art. 808º, nº 2).
A perda de interesse susceptível de legitimar a resolução do contrato afere-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, embora atendendo a elementos capazes de serem valorados pelo comum das pessoas. Há-de, assim, ser justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas Cf Baptista Machado, RLJ 118º-55 e Almeida Costa, RLJ 124º-95. Cof. R.L.J. 118-54 .
Por isso, a perda de interesse não pode filiar-se numa simples mudança de vontade do credor desacompanhada de qualquer circunstância além da mora, como seja o facto de, por causa da mora, o negócio, já não ser do seu agrado; também não basta, para fundamentar a resolução, qualquer circunstância que justifique a extinção do contrato aos olhos do credor. Não basta a simples diminuição do interesse da prestação, mas a perda completa, resultante da mora no cumprimento, aferida segundo o referido critério da razoabilidade. Trata-se de uma perda de interesse subjectivo, justificada objectivamente. Cf. RLJ 118.º - 54.

Para Baptista Machado, a disposição do art.808 nº2 do CC tem um significado semelhante à do nº2 do art.793 do CC, sendo que a objectividade do critério há-de ser aferida em função do interesse subjectivo do credor afectado pelo incumprimento, embora apreciada objectivamente. Pressupostos da resolução por incumprimento “, Obra Dispersa, vol.1º, pág.159 e segs
Para a valoração do carácter objectivo da perda de interesse do credor, não pode prescindir-se do contexto, da natureza e finalidade do negócio.
Tal perda ocorrerá, por exemplo, quando, em consequência da mora, o credor já não sabe em que empregar o objecto que o devedor lhe deveria prestar, ou quando o credor se viu obrigado a pôr-se a coberto da sua necessidade por outros meios, já não necessitando por isso da prestação do devedor. Cf Vaz Serra, citado no Código Civil anotado de A. Varela e P de Lima, Vol. II, pags 71 e 72,
Está provado nos autos que:
No decurso das negociações prévias contrato celebrado entre autor e ré, o autor. deu a saber ao José… e a outro sócio-gerente de Lopes… , Lda., de nome Silvestre… , também residente em Bertiandos, que tinha necessidade da casa arranjada, para nela vir passar uns meses de repouso, no verão de 1990.
Porque sentia-se cansado e a precisar de uma suspensão de actividade em local tranquilo.
Em 1 de Junho de 1989, o A. sofreu um enfarte do miocárdio.
A convalescença da situação cardiovascular do A. continuava a exigir o programado repouso e de forma ainda mais urgente.
Todos estes factos foram do conhecimento dos gerentes da R., não só por terem sido conhecidos na voz pública da freguesia de Bertiandos, donde o A. é natural,
Os meses iam passando e a R. não iniciava as obras a que se tinha obrigado.
O A. insistiu várias vezes junto dos gerentes da R. no sentido de serem efectuadas essas obras, mas sempre sem resultado.
Passaram o mês de Maio de 1990 e o mês de Maio de 1991, sem as obras sequer começaram
Os gerentes da R. iam prometendo começar as obras em breve.
O A. aguardou durante dois anos e meio o início das obras.
Que se tornaram ainda mais urgentes por, entretanto, a referida casa ter entrado em estado de ruína.
E as respectivas paredes correrem o risco de desabar sobre uma casa contígua, habitada por uma família.
O A. desistiu do projecto da casa de férias em Portugal.
E adquiriu uma pequena quinta junto ao mar, na Austrália, onde passa os seus períodos de repouso.

Em face desta factualidade, concluímos que a ré foi protelando, para além do razoável, a realização da obra que devia fazer no prazo de um ano. Passados dois anos e meio, ainda não tinha sequer iniciado essa obra, apesar de conhecer a finalidade e os objectivos e motivações do autor quando celebrou o contrato e, bem assim, as circunstâncias que determinaram a maior urgência da prestação a que se obrigou, decorrente do grave problema de saúde do autor (e, posteriormente, da eminente ruína da casa). Todas estas circunstâncias levaram a que o autor se tenha visto obrigado a adquirir a necessária e desejada casa onde pudesse repousar, deixando assim de necessitar da prestação a que a ré estava vinculada .
Este comportamento do autor, no contexto das referidas circunstâncias afigura-se, objectivamente, perfeitamente razoável.
Verificando-se perda objectiva do interesse contratual por parte do autor, por causa imputável à ré, que não elidiu a presunção de culpa prevista no art.º 799.º do CC, a resolução do contrato em causa, que se operou por meio de declaração unilateral (art.º 436.º do CC) é válida e legítima.
A resolução é equipada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (art.º 433.º do CC), sendo pois aplicável o disposto no art.º 289.º do CC.
Tal como a nulidade, a resolução tem efeitos retroactivos, sem embargo da salvaguarda dos direitos de terceiro e das limitações resultantes da vontade das partes ou da finalidade da resolução (art.º 434.º do CC).
A consequência imediata desta retroactividade consiste na obrigação, imposta nos art.s 434. n.º 1 e 289.º n.º 1 do CC, de restituição de tudo o que foi prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, do valor correspondente.
A restituição da quantia em caso de resolução (tal como no caso de nulidade), é devida com fundamento directo nesta” e não com fundamento no instituto de enriquecimento sem causa (cfr. o Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 18 de Fevereiro de 1993, C.J., I, 147 e seguintes).
Assim sendo, não restam dúvidas de que o pedido de restituição, por parte da ré, da quantia adiantada pelo autor como antecipação do preço da obra, deve proceder na íntegra.
Pedem também os autores que, a quantia a restituir, seja actualizada de acordo com os “números índice” de inflação publicados pelo INE.
É certo que o poder aquisitivo da quantia prestada é actualmente inferior àquele que tinha à data da realização do contrato.
Contudo, o citado artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, só permite a restituição do “valor correspondente” quando não seja possível a restituição em espécie, o que não é obviamente o caso.
Ademais, a restituição em causa consubstancia uma obrigação pecuniária, e não de uma obrigação indemnizatória, pelo que o seu cumprimento rege-se pelo princípio nominalista, ou seja, faz-se em moeda que tenha curso no país à data em que for efectuado, e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver (artigo 550.º do Código Civil).
Não pode pois proceder o pedido de “actualização” do valor a restituir.
Os autores também não alegaram nem provaram factos concretos de onde resulte que sofreram danos indemnizáveis.
Tal como é pedido pelos autores, sobre a quantia a restituir (sem a peticionada actualização), são devidos juros de mora desde a citação.
Como referimos, resulta do art.º 289.º n.º 1 do CC, que a resolução tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
O n.º 3 desta disposição manda aplicar a esta situação, directamente ou por analogia, o disposto no art.º 1269 e segs. do CC
“Ora, através da remissão feita nesse n.º 3 para estes preceitos, chega-se á segura conclusão de que a obrigação de restituir, fundada na nulidade do negócio, abrange não só o que tiver sido prestado, mas também os juros contados desde a citação, dado que, nos termos do disposto no art.º 212.º, os juros são frutos civis.” Ac. da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 1989, publicado na Colectânea de Jurisprudência , ano XIV, tomo 2, pags 143 a 147.
É que, no momento da citação, os legais representantes da ré não podiam deixar de ter conhecimento da sua obrigação de restituição e que estavam a lesar os direitos dos autores, tendo por isso cessado a sua boa fé, passando a ré a responder pelos “rendimentos que um homem diligente – um bom pai de família – teria obtido” com a aplicação da quantia adiantada.
E assim, como se escreve no acórdão citado da Relação de Lisboa, tal como ocorre com os possuidores de má fé, deve a ré restituir os frutos que esse capital poderia produzir, ou seja, os juros legais, neste caso sobra a dita quantia de PTE 1.000.000$00 actualmente correspondente a €4.987,98 (art.s 1260.º e 1271).

Termos em que deve proceder parcialmente a apelação.


III DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando a Ré a pagar aos autores a quantia de € 4.987,98 – quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos - acrescida de juros de mora, á taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Custas pelos autores e pela ré na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Guimarães, 27 de Outubro de 2011
Isabel Rocha
Jorge Teixeira
Manuel Bargado


Sumário:
I – O incumprimento da prestação a cargo do devedor torna-se definitivo quando, por força do atraso na sua realização, o autor perdeu o interesse objectivo na sua efectivação.
II – A resolução contratual tem efeitos retroactivos, pelo que deve ser restituído tudo o que for prestado, nos termos dos art.s 434.º n.º 1 e 289.º n.º 1 do CC, aplicável por força do art.º 433.º.
III- Estando em causa a restituição de uma quantia pecuniária, a obrigação de restituição compreende apenas o seu valor nominal, sem actualização, uma vez que a restituição “do valor correspondente” só tem lugar quando não seja possível a restituição em espécie, para além de que, estando em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária, rege o princípio nominalista consagrado no art.º 550.º do Código Civil.
V- Sobre a quantia monetária a restituir como consequência da resolução de um contrato, são devidos juros de mora a partir da citação, como decorre das disposições conjugadas dos art.º 1269 e segs do Código Civil, aplicáveis por força do art.º 289.º n.º 3 , e do art.º 212.º do mesmo diploma legal.