Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3754/14.3T8VNF-A.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
EMBARGOS
BENFEITORIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Em execução para entrega de coisa certa, instaurada na sequência de acção de divisão de coisa comum, não pode o comproprietário deduzir embargos com fundamento em benfeitorias por si realizadas na mesma.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO.

1. Instaurada pelos recorridos AA, BB e outros, execução para entrega de coisa certa, contra CC, DD e outros, todos com os sinais dos autos, vieram aqueles mesmos executados CC e DD deduzir os presentes embargos de executado alegando, em suma, que procederam a uma construção no imóvel objecto da sentença de divisão de coisa comum, pelo que lhes assiste o direito de retenção ao abrigo do estatuído no artº 754º do Código Civil.

2. Contestaram os exequentes pugnando pelo indeferimento dos mesmos, dizendo, nomeadamente, que essas benfeitorias foram já consideradas como parte integrante na venda por proposta em carta fechada, acrescendo que essa inclusão havia sido já decidida por acórdão do STJ.
Finalizaram pedindo a condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, que mereceu resposta destes.
3. Seguiram os autos os respectivos termos, tendo o Tribunal a quo proferido decisão de indeferir «liminarmente» os embargos e fixar o seu valor em €150.000,00, correspondente ao valor da execução.

4. Inconformados, os recorrentes alegaram, assim concluindo:
1. O valor dos embargos deverá ser o do crédito que o embargantes pretendem garantir com a retenção;
2. O indeferimento liminar dos embargos é extemporâneo; e
3. ofende o caso julgado formado pela decisão de recebimento dos embargos, de 18/10/2013, que esgotou o poder jurisdicional do juiz nessa questão;
4. a sentença exequenda não é condenatória;
5. os embargantes e recorrentes não poderiam ter cumulado com o pedido de dissolução da compropriedade, o pedido de indemnização por benfeitorias, do que resulta que esse direito à indemnização nunca poderia ter sido acautelado na acção de divisão de coisa comum;
6. o pedido de indemnização por benfeitorias só nasce na esfera jurídica do ex-comproprietário com a adjudicação da coisa comum a um terceiro;
7. razões de economia processual aconselham que os embargos prossigam os seus termos até final.

Conclui pela procedência da apelação e pela revogação da decisão recorrida que deverá ser substituída por acórdão que determine que os embargos prossigam os seus termos.

5. Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A. Na decisão recorrida foi consignado o seguinte:
«O novo CPC manteve no actual nº3 do artº 860º o que dispunha o anterior nº3 do artº 929º.
Assim, a oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.
De facto, a sentença proferida na acção de divisão de coisa comum que adjudicou aos exequentes o prédio misto cuja entrega é agora pedida aos executados contém em si a ordem implícita de entrega do bem adjudicado aos respectivos beneficiários, recaindo a responsabilidade por essa entrega, isto é, o dever de entregar o bem adjudicado, sobre quem está na detenção do bem.
Ora, tendo os executados construído no prédio misto a que se refere o título executivo uma casa, sem que disso tenham anteriormente dado conta na posterior acção de divisão de coisa comum, não podem agora, pelo respeito do caso julgado formado pela decisão de adjudicação, levantar tal questão em sede de embargos, não podendo funcionar a favor dos embargantes o mecanismo da acessão, a aludida construção só poderia ter sido tratada como benfeitoria e, como tal, deveria ter sido relacionada na acção de divisão de coisa comum, não o tendo sido, não pode agora a questão das benfeitorias ser invocada no âmbito do processo executivo e em sede de embargos (art.º 929, n.º 3, do CPC) – neste sentido, cfr. Ac. o STJ de 31-01-2006, Revista n.º 4099/05-1\ª Secção Moreira Alves (Relator) Alves Velho/Moreira Camilo, in www.pgdlisboa.pt.
Em face do exposto, indefere-se liminarmente os presentes embargos de executado deduzidos por CC e DD – cfr. artigo 860º, nº 3, do C. P. Civil.
Custas a cargo dos executados/embargantes, fixando-se o valor da causa (que é o valor da execução) em €150.000,00 – cfr. artigos 296º, 297º, 304º, 306º e 527º do C.P.Civil».
Além disso, da consulta de todo o processado, agora efectuada por este Tribunal de recurso, verifica-se, ainda, que:
Foram os recorrentes que intentaram a acção de divisão de coisa comum e nela se opuseram a que fossem reconhecidas benfeitorias, alegando que sempre consideraram que quaisquer obras ou edificações que os consortes realizassem no imóvel o seriam em proveito de todos, sendo também o animus com que aqueles as realizaram – artº 31º da réplica (fls. 39 da acção de divisão de coisa comum).
Neles, por despacho de 12.10.95, na senda da posição então defendida pelos ora recorrentes, foi considerado que a acção de divisão de coisa comum, por especial, não comportava a possibilidade de reconvenção por acessão imobiliária industrial.
Por requerimento conjunto das partes (fls.546) foi requerida a avaliação do prédio a vender, considerando dois artigos rústicos e um urbano e que nessa avaliação, separadamente, se inclua o valor do imóvel construído pelo recorrente Adolfo, o que foi deferido e feito.
Posteriormente, o prédio misto descrito na CRP de Esposende sob o nº961/130292 veio a ser adjudicado aos ora recorridos, onde se incluía a benfeitoria realizada pelo recorrente Adolfo, como decidido pelo STJ, por acórdão de 21 de Fevereiro de 2013.


B. O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sendo certo que nos recursos se apreciam questões e não razões;

C. Está, basicamente, em causa, apreciar da procedência das seguintes questões:
- O valor dos embargos deverá ser o do crédito que o embargantes pretendem garantir com a retenção ou o da execução?
- O indeferimento liminar dos embargos é extemporâneo e ofende o caso julgado formado pela decisão de recebimento dos embargos, de 18/10/2013, que esgotou o poder jurisdicional do juiz nessa questão?
- a sentença exequenda não é condenatória pelo que os embargantes não estão circunscritos aos fundamentos consignados no artº 729º e 860º, nº3, do novo Código de Processo Civil?

Seguindo os ensinamentos de Alberto dos Reis, a oposição por embargos tem a configuração de acção declarativa enxertada no processo de execução, sendo a sua petição equivalente a uma petição inicial (Processo de Execução, Vol. 2º, 48).
Na verdade, ainda hoje os embargos de executado constituem acções declarativas que, embora autónomas quanto à respectiva estrutura, não perdem o seu carácter instrumental relativamente às acções executivas porquanto visam impedir a produção dos efeitos decorrentes do título executivo.
E essa instrumentalidade tem reflexos no que concerne ao valor dos embargos porquanto, na medida em que garante ao executado obstar ao fim último da execução, corresponde ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão.
Sabendo-se que as normas processuais atinente à fixação do valor não dispõem especificamente sobre a oposição à execução (anteriormente artºs 305º e seguintes e hoje 296º e seguintes do Código de Processo Civil), na senda de inúmera doutrina e jurisprudência, também entendemos que o seu valor deverá coincidir com a da execução, salvo se tiver um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica.
Ora, é exactamente nesta dicotomia que nos encontramos quando, para o Tribunal a quo, o valor a considerar é o da execução, enquanto para os apelantes deverá ser o do crédito que pretendem garantir com a retenção.
Se numa primeira análise eramos levados a tender para a posição dos recorrentes, melhor ponderando julgamos ser acertado o despacho recorrido. É que, sendo embora verdadeiro que é o invocado crédito que pretendem fazer valer, não podemos esquecer que, com esse exercício, põem necessariamente em causa e acabam por obstar a que seja entregue aos exequentes o prédio onde as aludidas benfeitorias se encontram, ao qual corresponde um valor diverso destas. Sendo assim, como é, o valor dos embargos terá de coincidir com o da execução, sob pena de não traduzir a verdadeira utilidade económica da lide.
Mantém-se, pois, o decidido nesta matéria.

Vejamos, agora, se o indeferimento liminar dos embargos é extemporâneo e ofende o caso julgado formado pela decisão de recebimento dos embargos, de 18/10/2013, que esgotou o poder jurisdicional do juiz nessa questão.
À oposição oferecida pelos recorrentes seguiu-se o despacho datado 18 de Outubro nos termos do qual se ordenou a notificação dos exequentes para, querendo, contestar os embargos, o que estes fizeram.
Nessa sequência e após a contestação, foi proferido o despacho ora em crise, que considerou não ser admissível a oposição com fundamento em benfeitorias e decidiu indeferir liminarmente os embargos.
De acordo com o disposto no artº 732º do Código de Processo Civil, os embargos podem ser liminarmente indeferidos quando forem intempestivos, quando não tiverem fundamento ajustável ao disposto no artº 729º a 731º ou quando forem manifestamente improcedentes.
No nosso caso não se considerou a verificação de quaisquer uma destas situações, tendo-se ordenado a notificação dos exequentes para, querendo, contestar os embargos, o mesmo é dizer, não ocorreu indeferimento liminar.
Ora, se os embargos forem recebidos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo.
Significa, então, que, após a contestação, deverá seguir-se a audiência prévia (dispensável nos termos do artº 593º) e o despacho saneador que, além do mais, pode conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória – artº 595º do Código de Processo Civil.
Portanto, na aplicação deste processado ao caso dos autos, bem verificam os recorrentes que o despacho em crise se traduziu no conhecimento do mérito dos embargos já na fase posterior aos articulados, com elaboração de relatório e prolação de decisão de mérito, não obstante de, erradamente, ter ficado, por lapso manifesto, consignado que era um indeferimento liminar.
A fase liminar há muito se encontrava ultrapassada e nela havia sido ordenada coisa diversa, porém não colidente com o ora decidido.
E, sendo assim, não ocorre qualquer violação de caso julgado, que se verificaria se esta última decisão visasse revogar ou retirar efeito útil à primeira, o que não fez.
Improcede, pois.

Terceira e última questão: Na execução, podem os embargantes invocar retenção pelas benfeitorias?
Em termos hermenêuticos, devemos confessar que não se vislumbra qualquer coerência na pretensão dos recorrentes; por um lado, defenderam anteriormente que o direito a benfeitorias ou a acessão não podia ser considerado no processo especial de divisão de coisa comum, por ter tramitação especial, apesar de - dizemos nós - a própria lei prever que possa seguir os termos do processo comum (artº 926º, nº3 e anterior 1053º, nº3, do Código de Processo Civil).
Ora, não o admitem ainda em sede de processo declarativo, mas defendem-no quando nos encontranos já a dar eficácia prática ao que daquele resultou! Se é para averiguar e decidir, porquê proibi-lo na acção declarativa e admiti-lo na executiva que se lhe segue?
Na linha de pensamento dos recorrentes, relativamente às benfeitorias, não podendo as mesmas separar-se do prédio em que foram realizadas, constituem direitos de crédito cujo pagamento só através de acção declarativa comum pode ser exigido.
Mas, se ao invés e na senda de outra posição jurisprudencial, se admite pedido por benfeitorias no âmbita da acção de divisão de coisa comum (sendo disso exemplo o acórdão desta Relação de Guimarães datado de 25 de Setembro de 2014), então os recorrentes deveriam ter exercido esse direito na acção declarativa, porquanto, agora por força do artº 860º, nº3, a oposição com esse fundamento não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja, oportunamente, feito valer o seu direito a elas.
E, também nós, estamos inteiramente de acordo quando, como no aresto do STJ já citado na 1ª instância (Revista nº4099/05 – 1ªSecção), se decidiu que «A sentença proferida na acção de divisão de coisa comum que adjudicou aos exequentes o prédio misto cuja entrega é agora pedida aos executados contém em si a ordem implícita de entrega do bem adjudicado aos respectivos beneficiários, recaindo a responsabilidade por essa entrega, isto é, o dever de entregar o bem adjudicado, sobre quem está na detenção do bem» e ainda que, pelas razões que acima aduzimos, «Tendo os executados construído no prédio misto a que se refere o título executivo uma casa, sem que disso tenham anteriormente dado conta, quer no processo de inventário por via do qual surgiu a compropriedade, quer na posterior acção de divisão de coisa comum, não podem agora, pelo respeito do caso julgado formado pela decisão de adjudicação, levantar tal questão em sede de embargos».

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Guimarães,09.07.2015
Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):
Em execução para entrega de coisa certa, instaurada na sequência de acção de divisão de coisa comum, não pode o comproprietário deduzir embargos com fundamento em benfeitorias por si realiza