Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33/08.9TMBRG-G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
DIREITO AO ARRENDAMENTO
RENDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. O critério geral para atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada da família na sequência de acção de divórcio não pode ser outro senão o de que deve ser atribuído ao ex-cônjuge que mais precise dela, pois o objectivo da lei é proteger o ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.
2. Para fixação da renda, o tribunal não tem que ficar condicionado pelos valores de mercado, desconsiderando a situação patrimonial dos cônjuges, o que poderia inviabilizar na prática os objectivos da lei, antes terá que tomar em consideração as circunstâncias do caso e, em particular, a situação patrimonial do cônjuge arrendatário.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A.. intentou acção de divórcio litigioso contra T.., pedindo que seja decretado o divórcio entre autor e ré, por culpa exclusiva desta e face à violação, de forma grave, reiterada e contínua dos deveres de respeito, cooperação e assistência para com o autor, que tornaram impossível a manutenção do vínculo conjugal e da vida em comum.
Após tentativa de conciliação gorada, a ré contestou impugnando a matéria alegada pelo autor e, em reconvenção, pedindo que seja decretada a dissolução por divórcio do matrimónio do autor e ré, mas declarando-se o autor o único culpado por violação dos deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência. Mais pede que seja concedida à ré a utilização exclusiva da casa de morada de família na pendência da presente acção, alegando que ela e os filhos não têm outro sítio onde viver, nem dispõe de meios económicos para comprar ou tomar de arrendamento outra casa, enquanto o autor tem uma situação económica que lhe permite facilmente fixar outro domicílio.
Replicou o autor impugnando a matéria alegada na reconvenção, mantendo o já afirmado na petição inicial e pugnando pelo indeferimento do pedido de atribuição exclusiva da casa de morada da família à ré ou, caso assim não se entenda, e porque se trata de um bem comum, devendo a ré ser condenada a pagar ao autor uma compensação pela ocupação, nunca inferior a € 250,00 mensais.
Treplicou a ré, mantendo o já alegado.
Em audiência preliminar foi elaborado despacho saneador e definida a matéria de facto assente e a base instrutória.
Foi instruído o incidente de atribuição da casa de morada da família, com junção de prova documental e inquirição de testemunhas.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que decretou o divórcio entre autor e ré, com culpas concorrentes de ambos os cônjuges, fixando-se regime provisório de atribuição da casa de morada de família à ré, até à adjudicação dos bens comuns do extinto casal por via extrajudicial ou judicial.
Discordando da decisão quanto à atribuição da casa de morada de família, dela recorreu o autor, formulando as seguintes
Conclusões:
1. O Recorrente requereu, em caso de atribuição da casa à Recorrida, uma compensação pela ocupação, condenando-se a Ré/Recorrida a liquidar-lhe quantia a fixar segundo o prudente arbítrio do tribunal mas nunca inferior a €250,00 mensais;
2. A Ré/Recorrida requereu a atribuição provisória da casa de morada de família, nos termos do n.º 7 do art. 1407º do C.P.C.;
3. No caso em apreço a casa de morada de família é bem comum do casal, ou seja, o Recorrente é dono e legitimo proprietário da meação do imóvel que constitui a casa de morada de família;
4. Com a atribuição provisória do uso exclusivo da casa à Recorrida existe uma limitação ao direito de propriedade do Recorrente;
5. A atribuição da casa de morada de família quando incida num bem próprio ou comum tem no entanto uma contrapartida para o ex-cônjuge, e a essa contrapartida há-de corresponder uma renda;
6. A atribuição da casa de morada de família à Recorrida deve ter como correlativa uma contraprestação adequada e justa para o Recorrente;
7. O Recorrente vê-se privado de usar e usufruir de um bem que também é seu, o qual não cedeu a qualquer título;
8. Errou, portanto, o tribunal a quo ao estabelecer que o Recorrente não carece de qualquer compensação pecuniária ou renda mensal (a aplicar-se o critério do art.1793º do CC);
9. Deveria o tribunal a quo fazer uso na decisão provisória, de que se recorre, do critério estabelecido no art.1793º do Código Civil, atenta a sua ratio legis;
10. A decisão sub judice referiu o regime, contudo, não aplicou o critério ou fundamentou a sua não aplicação;
11.Desconhece o Apelante a existência de qualquer “beneficio”, assim como desconhece em que critério o tribunal a quo se baseou para retirar tal conclusão;
12.Não goza o Recorrente de qualquer benefício bem pelo contrário goza de um prejuízo equivalente a todas as despesas mensais que despende em virtude de ter sido obrigado a sair da casa de morada de família;
13. O Recorrente viu-se obrigado a mudar de casa, a pagar uma renda mensal e a ficar privado de todo o recheio da casa composto por bens móveis também da sua propriedade;
14. A Ré/Recorrida tem ampla possibilidade de pagar a contrapartida devida ao Apelante atendendo a que, aufere €1.124,27 não se lhe conhecendo despesas e como ficou provado na matéria de facto despende a sua remuneração com produtos “Herbalife”, tratamentos de estética e vestuário;
15. A decisão sub judice não atendeu a qualquer critério, não fundamentando, quer nos factos, quer no direito, para decidir não atribuir uma compensação pecuniária ao Recorrente;
16. A decisão provisória de atribuição da casa de morada de família à Apelada manter-se-à até ao trânsito em julgado da decisão de adjudicação do mencionado prédio em inventário o que pode demorar anos;
17.Anos em que a Recorrida beneficiará exclusivamente do uso e fruição de um bem comum sem que o Recorrente seja compensado através do recebimento de uma renda mensal, sofrendo o consequente prejuízo e injustiça social;
18.Deveria a douta ter concedido ao Apelante contrapartida pecuniária pela atribuição da casa de morada de família à Apelada;
19.Decidindo como decidiu violou, salvo o devido respeito, a decisão sub judice o art.1407º n.º7 do C.P.C. e o art.1793º do C.C.
Termina pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra que atribua ao apelante, em virtude da atribuição provisória da casa de morada de família à apelada, contraprestação justa e adequada a fixar segundo o prudente arbítrio do tribunal, mas nunca inferior a € 250,00 mensais.

A ré não contra-alegou.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se deve ser atribuída ao autor uma compensação pela utilização exclusiva por parte da ré da casa de morada de família, propriedade de ambos.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1 - No dia 27-7-1985 A.. e T.. contraíram casamento civil sem convenção antenupcial (alínea A) dos factos assentes);
2 - Em 11-1-1986 nasceu Ana… e em 18-5-1990 nasceu Nuno…, os quais têm registado na paternidade A… e na maternidade T.. (alínea B) dos factos assentes);
3 - Após o casamento autor e ré foram viver para o imóvel sito na Rua Moura, em Maximinos (artigo 1º da base instrutória);
4 - Em 1992 autor e ré compraram uma moradia de três quartos onde passaram a viver com os filhos (artigo 2º da base instrutória);
5 - Entre 19 e 23 de Março de 2003 a ré submeteu-se a intervenções cirúrgicas na área da estética, na clínica privada Clipóvoa (artigo 3º da base instrutória);
6 - Após a cirurgia, a ré, quando regressou a casa, pediu ao filho Nuno que saísse do seu quarto para que o pudesse ocupar, passando o menor a dormir no quarto do casal com o autor (artigo 4º da base instrutória);
7 - Desde essa ocasião a ré deixou de dormir no quarto do casal com o autor (artigo 5º da base instrutória);
8 - Desde essa ocasião autor e ré deixaram de partilhar o mesmo quarto e a mesma cama (artigo 6º da base instrutória);
9 - Em Julho de 1985 o autor trabalhava na E.D.P. (artigo 7º da base instrutória);
10 - Em Janeiro de 2008 o autor encontrava-se na situação de pré-reforma (artigo 8º da base instrutória);
11 - Em Julho de 1985 a ré trabalhava na Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho (artigo 9º da base instrutória);
12 - Autora e ré geriam cada um os frutos dos seus rendimentos (artigo 10º da base instrutória);
13 - Até à referida cirurgia autor e ré contribuiam para a economia familiar, partilhavam as despesas, faziam as compras juntos e faziam as refeições em família (artigo 11º da base instrutória);
14 - No ano de 2002 a ré todos os dias começou a chegar a casa por volta das 23.00 horas, por força do seu trabalho (artigo 12º da base instrutória);
15 - Sendo, por isso, o autor que preparava o jantar, fazia a refeição com os filhos e deixava um prato preparado para a ré jantar quando chegasse (artigo 13º da base instrutória);
16 - Em 2005 a ré continuou a trazer o almoço para ela e para os filhos e o autor continuou a preparar a sua refeição e a almoçar sozinho (artigo 14º da base instrutória);
17 - A partir de 2005 a ré começou a sair à noite com pessoas amigas também às sextas-feiras e aos sábados, chegando a casa entre as 0.00 horas e as 3.00 horas da manhã (artigo 15º da base instrutória);
18 - É o autor quem trata da limpeza e da manutenção da casa de morada de família (artigo 16º da base instrutória);
19 - A partir da referida cirurgia é o autor quem paga a água, luz, internet e contribuição autárquica (artigo 17º da base instrutória);
20 - No dia 2-12-2007 no interior da casa de morada de família a ré arremessou um banco na direcção do autor para o atingir (artigo 18º da base instrutória);
21 - Logo de seguida empunhando duas facas dirige-se ao autor e diz que o mata (artigo 19º da base instrutória);
22 - O autor vive num constante sofrimento, transformando-se numa pessoa triste e ansiosa (artigo 20º da base instrutória).
23 - Desde 2004 o autor recusa-se a gozar a licença para férias na companhia do restante agregado familiar (artigo 22º da base instrutória);
24 - Desde meados de 2007 o autor, na presença de outras pessoas, impede a ré de emitir opiniões sobre o que quer que seja mandando-a calar (artigo 23º da base instrutória);
25 - Desde meados de 2007 o autor em qualquer local e à frente de quem se encontra dirige-se à ré e profere as seguintes expressões “Sua filha da puta”, “Sua vaca”, “Vai para a puta que te pariu”, “Abres as pernas a qualquer um” e “Vai para o caralho” (artigo 24º da base instrutória);
26 - Em 2-12-2007 o autor desligou o aquecedor e aproximou-se da ré e prendeu-lhe as mãos e os braços e contorceu-os, provocando-lhe hematomas nos membros superiores (artigo 25º da base instrutória);
27 - De seguida deitou as mãos ao pescoço da ré e apertou-o, só parando com a intervenção do filho Nuno (artigo 26º da base instrutória);
28 - Na mesma ocasião o autor dirigiu-se à ré e proferiu a seguinte expressão “Andas a abrir as pernas aos homens da rua” (artigo 27º da base instrutória);
29 - O autor desliga a água quente quando a ré toma banho (artigo 28º da base instrutória);
30 - Por uma ocasião o autor impediu a ré de viajar ao seu lado no veículo automóvel (artigo 29º da base instrutória);
31 - Desde Setembro de 2006 que o autor impediu a ré de ter acesso ao sistema de que era beneficiária pela entidade patronal do autor (artigo 30º da base instrutória);
32 - Diariamente, pelas 8.00 horas da manhã, aquando da sua higiene matinal e antes da ré fazer a higiene matinal, o autor utiliza uma laca de marca “Palmolive Naturalis” (artigos 31º e 44º da base instrutória);
33 - A ré sofre tristeza e angústia, a ré sempre dedicou o maior amor e carinho ao autor (artigo 34º da base instrutória);
34 - Autor e ré coabitam com os filhos Ana..e Nuno.. no mesmo domicílio (artigo 35º da base instrutória);
35 - A ré e os filhos não têm outro sítio para viver (artigo 36º da base instrutória);
36 - Até 19-3-2003 autor e ré partilharam o mesmo quarto e leito conjugal (artigo 37º da base instrutória);
37 - Em 1999 autor, ré e filhos do casal passaram férias em Palma de Maiorca, em 2000 foram uma semana para São Paulo, no Brasil, em 2002 estiveram em Sanxencho na Galiza, em 2003 foram oito dias para a Tunísia e em 2004 foram oito dias para o Egipto (artigo 38º da base instrutória);
38 - No ano de 2005 a ré acompanhada dos filhos foram de férias para Tenerife sem nunca ter informado o autor (artigo 39º da base instrutória);
39 - Desde o ano de 2005 que o autor se encontra na situação de pré-reforma (artigo 40º da base instrutória);
40 - Desde o ano de 2005 que a ré não informa o autor da altura e do local em que vai gozar as suas férias (artigo 41º da base instrutória);
41 - O sistema de aquecimento de água funciona com um termo acumulador eléctrico (vulgarmente conhecido por cilindro) e após ser desligado ainda pode fornecer água quente durante cerca de quinze minutos (artigo 42º da base instrutória);
42 - Pelo menos desde Junho de 2007 a ré deixou de querer viajar no mesmo veículo que o autor (artigo 43º da base instrutória);
43 - Desde o ano de 2003 a ré recusa-se a ter relações sexuais com o autor (artigo 45º da base instrutória);
44 - A filha Ana.. é estudante na Guarda encontrando-se apenas em casa de 15 em 15 dias (artigo 46º da base instrutória);
45 - A ré aufere a título de remuneração o montante de € 1.124,27 por mês (artigo 47º da base instrutória);
46 - O autor aufere a título de prestação pré-reforma a quantia de € 1.423,92 (artigo 48º da base instrutória);
47 - O autor paga a quantia de € 20,00 por mês de água, € 174,82 anuais de electricidade, € 345,64 de contribuição autárquica, taxa para actos médicos € 165,12 por ano, Internet € 29,73 por mês, uma tonelada de lenha, cerca de € 110,00 por ano (artigo 49º da base instrutória);
48 - O autor pagou de I.R.S. referente ao ano de 2007 a quantia de € 605,87 (artigo 50º da base instrutória);
49 - O autor paga cerca de € 300,00 mensais para as despesas de educação dos filhos (artigo 51º da base instrutória);
50 - A ré despende a sua remuneração com produtos “Herbalife”, tratamentos de estética e vestuário (artigo 52º da base instrutória);
51 - Em 2-12-2007 a ré solicitou a presença da G.N.R. no seu domicílio e efectuou uma denúncia junto da A.P.A.V. delegação de Braga (artigo 53º da base instrutória);
52 - O autor aufere cerca de € 20.000,00 anuais (artigo 54º da base instrutória).

A matéria relativa ao destino da casa de morada da família está regulada nos artigos 1793.º e 1105.º do Código Civil, conforme se trate, respectivamente, de casa própria (não tomada de arrendamento) ou de casa tomada de arrendamento.
Para o caso que aqui nos interessa, dispõe o artigo 1793.º:
«1. Pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, quer esta seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal.
2. O arrendamento previsto no número anterior fica sujeito às regras do arrendamento para habitação, mas o tribunal pode definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem.
3. O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária.»
Vemos, portanto, que, quando a casa de morada da família é bem comum do casal, pertence aos dois cônjuges em compropriedade ou pertence exclusivamente a um deles, o artigo 1793.º do Código Civil permite ao tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada da família, comum ou própria do outro. Verifica-se, assim, conforme referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in «Curso de Direito da Família», vol. I, 4.ª edição, pág. 675, que «a lei terá sacrificado o direito de propriedade, constitucionalmente protegido (cfr. Art. 62.º CRep), ao interesse da família, igualmente objecto de protecção constitucional (art. 67.º).
Pretende tal preceito defender a estabilidade da habitação familiar, querendo a lei que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e outro.
O critério geral para atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada da família na sequência de acção de divórcio não pode ser outro senão o de que deve ser atribuído ao ex-cônjuge que mais precise dela, pois o objectivo da lei é proteger o ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar. A necessidade da casa será, assim, o factor principal a atender, devendo o tribunal ter em conta, tanto a situação patrimonial dos cônjuges, como o interesse dos filhos, para além de outras razões atendíveis como, a idade e o estado de saúde dos ex-cônjuges, a localização da casa, o facto de algum deles dispor de outra casa em que possa viver, etc.
Quando, em face destes elementos, se possa concluir que a necessidade ou premência da necessidade de um dos ex-cônjuges é consideravelmente superior à do outro, deve o tribunal atribuir o direito ao arrendamento da casa de morada da família àquele que mais precise dela.
A culpa, imputada a um ou a outro na sentença de divórcio, apenas deverá ser considerada quando as necessidades de ambos forem iguais ou sensivelmente iguais.
No caso presente, tendo em conta os factos provados, não há qualquer dúvida que a utilização da casa de morada de família foi bem atribuída à ré.
Note-se, no entanto, que a ré havia requerido a utilização exclusiva da casa de morada da família ao abrigo do disposto no artigo 1407.º, n.º 7 do Código de Processo Civil, ou seja, na pendência da acção, com carácter provisório.
Contudo, a demora na instrução do incidente respectivo, fez com que a sua decisão acabasse por ser tomada apenas na sentença final que decretou o divórcio, sentença essa que, face à ausência de recurso, transitou em julgado.
Ora, o que ficou definido na sentença foi que, a título de “regime provisório”, se atribuiu a casa de morada da família à ré, até à adjudicação dos bens comuns do extinto casal, por via extrajudicial ou judicial e, neste último caso, até ao trânsito em julgado da sentença proferida no inventário com essa finalidade.
Ou seja, estendeu-se o regime provisório previsto no artigo 1407.º n.º 7 do CPC até à adjudicação dos bens comuns do extinto casal.

E, se assim foi feito, não se vê motivo para não atribuir ao apelante uma compensação pecuniária pelo uso exclusivo por parte da apelada de um bem que também é seu.
O que acontecerá é que, fixado o valor da renda, o ex-cônjuge a favor do qual foi constituído o direito ao arrendamento, pagará ao outro ex-cônjuge metade dessa importância. Neste caso – veja-se Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in obra citada, pág. 677 - «se, em futura partilha, a casa for adjudicada ao arrendatário, extingue-se, naturalmente, o arrendamento; se for adjudicada ao ex-cônjuge senhorio, este passará a receber a importância total da renda».
Deve, portanto, ser fixada uma renda.
E qual, uma vez que os autos não fornecem muitos elementos, para além do tipo de habitação – moradia T3 – e dos rendimentos auferidos por cada um dos ex-cônjuges.
Num caso de atribuição da casa de morada da família, o tribunal não tem que ficar condicionado pelos valores de mercado, desconsiderando a situação patrimonial dos cônjuges, «o que poderia inviabilizar na prática os objectivos da lei» - autor e obra citada, pág. 676.
A renda terá que tomar em consideração as circunstâncias do caso e, em particular, a situação patrimonial do cônjuge arrendatário.
No caso concreto, considerando os factos que se apuraram relativos à situação patrimonial da apelada e considerando, também, que o apelante suporta cerca de € 300,00 mensais para as despesas de educação dos filhos, exonerando, assim, no mesmo montante, a apelada, resulta que ela poderá pagar, sem grande sacrifício, a quantia mensal de € 150,00, que pode não ser metade do valor locativo da casa em questão, na perspectiva do apelante, mas que é o que se revela adequado face ao seu rendimento mensal.
Do que fica dito deve concluir-se que o valor total da renda seria de € 300,00 mensais sendo que, uma vez que a casa é um bem comum do casal, a parte que a apelada terá que pagar ao apelante é de metade da mesma, ou seja, € 150,00.
O simples facto de o apelante auferir um rendimento mensal superior ao da apelada, não pode postergar, por si só – como se fez na sentença sob recurso – o raciocínio acabado de expor, pois, como se viu, a apelada tem uma situação económica que lhe permite suportar, em parte, a contraprestação pela utilização exclusiva de um bem que pertence a ambos.
Nestes termos, procede parcialmente a apelação, apenas sendo de considerar excessivo o valor de € 250,00 mensais, reputando-se mais adequado às possibilidades económicas da apelada a quantia de € 150,00.

Sumário:
1. O critério geral para atribuição do direito ao arrendamento da casa de morada da família na sequência de acção de divórcio não pode ser outro senão o de que deve ser atribuído ao ex-cônjuge que mais precise dela, pois o objectivo da lei é proteger o ex-cônjuge que mais seria atingido pelo divórcio quanto à estabilidade da habitação familiar.
2. Para fixação da renda, o tribunal não tem que ficar condicionado pelos valores de mercado, desconsiderando a situação patrimonial dos cônjuges, o que poderia inviabilizar na prática os objectivos da lei, antes terá que tomar em consideração as circunstâncias do caso e, em particular, a situação patrimonial do cônjuge arrendatário.
III. DECISÃO
Em face do exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que atribuiu a casa de morada da família à ré sem qualquer compensação pecuniária ao autor e substituindo-se por outra que atribua a casa de morada da família à ré mediante o pagamento ao autor de uma renda mensal no valor de € 150,00.
Custas por apelante e apelada na proporção do decaimento.
***
Guimarães, 17 de Maio de 2011
Ana Cristina Duarte
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar