Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
544/11.9TBFLG-A.G1
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
PRAZO PEREMPTÓRIO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: O oferecimento prematuro da oposição à execução (antes da citação do executado) não é causa do seu indeferimento liminar.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I.
F… veio deduzir oposição à execução por apenso ao processo que contra ela dirigiu a exequente BANCO…, S.A., alegando, no essencial, que não existe título executivo e que o requerimento de execução é inepto. Impugnando os factos alegados no requerimento de injunção, no sentido de que nada deve à exequente, apresentou a sua versão a eles relativa.
Requereu:
- A suspensão da instância executiva;
- A absolvição da executada da instância executiva;
- A absolvição da executada do pedido executivo;
- Na negativa, a redução da quantia exequenda de acordo com o vertido nos artigos 86 a 93 da oposição; e
- A condenação da exequente nas custas da oposição.

O requerimento de oposição à execução foi apresentado por via eletrónica com data de 19 de março de 2012.
Autuados os autos nessa mesma data, a M.ma Juiz, no dia 28 do mesmo mês, proferiu despacho liminar cujo conteúdo se transcreve, ipsis verbis:
“Em 19/03/2012 veio a executada deduzir a presente oposição à execução.
No entanto, como resulta do teor da informação prestada nos autos principais sob refª 890007, prestada em 23/03/2012, a mesma ainda não foi citada para tal execução.
Ora, nos termos do disposto no artigo 813º nº 1 do CPC, "O executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora", acrescentando o artigo 817º nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal que a oposição é indeferida liminarmente quando tiver sido deduzida fora do prazo.
Considerando as normas supra citadas, conclui-se assim, que a presente oposição à execução é manifestamente intempestiva, uma vez que foi deduzida sem a executada ter sequer sido citada.
Consequentemente, e ao abrigo do disposto nos artigos 813º nº 1 e 817º nº 1 alínea a) do CPC, indefere-se liminarmente a oposição à execução deduzida.
Custas a cargo da oponente.”

Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a oponente, de cujas alegações apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
«A) A recorrente deduziu oposição antes de ser citada para tal.
B) O nº 1 do art. 813 do CPC estabelece um prazo peremptório, um prazo fixado para a prática de um acto processual, acto esse que uma vez decorrido o prazo deixa de poder ser praticado; e é nesse contexto que se deverá considerar o disposto no nº 1, al. a) do art. 817º do CPC, no sentido de que deverá ser indeferida liminarmente a oposição quando excedido o prazo peremptório que a lei define para a sua apresentação, ou seja de que expirado o prazo sem que a oposição seja oferecida o executado fica inibido de a oferecer.
C) Sucede que, nos presentes autos, o prazo para dedução da oposição não havia expirado. De facto, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não se teria, ainda, iniciado o prazo para deduzir oposição.
D) Estaríamos, assim, fora do que se prende com a transposição dos limites no que concerne ao prazo peremptório previsto.
E) A previsão de a oposição ser oferecida apenas depois da citação tem a ver com o conhecimento que só então será dado ao executado dos termos do processo e que lhe permitirão tomar uma posição perante este, sendo esse o momento adequado para tal. No caso dos autos, a executada tomou conhecimento destes elementos, pelo que desde logo requereu benefício de apoio judiciário e nomeação de patrono e deduziu a presente oposição.
F) O facto de a executada ter deduzido oposição, antecipando-se ao momento previsto na lei para a prática do acto não implica que o Tribunal indefira, desde logo, a oposição – susceptível de atendimento na ocasião adequada – o Tribunal deveria ter determinado que os autos aguardassem até ao momento da citação da executada nos autos de execução, só então - no momento próprio - se pronunciando sobre o recebimento da oposição apresentada e dando seguimento à mesma.
G) De facto, respeitando o momento e a ordem da actividade processual prevista na lei, respeitaria também o princípio da economia processual.
H) Se o executado, embora não citado, oferecer oposição à execução, em que revela conhecimento do processo que contra ele corre, há-de ter-se como boa, independentemente de não ter ainda começado a correr o prazo para esse efeito.
I) Assim, o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente a oposição à execução deduzida, violou os artigos 813º nºs 1 e 3 e 817º, nº 1, al. a) ambos do CPC, bem como o princípio da economia processual.» (sic)
Terminou no sentido de que seja revogada a decisão e se substitua por outra que consagre as conclusões que antecedem.

Cumprido o contraditório, com notificação da exequente para os termos do recurso, não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a apreciar
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-A, do Código de Processo Civil [1], na redação que foi introduzida pelo decreto-lei nº 303/2007, de 24 de agosto, aqui aplicável).
Está para decidir apenas se deve ser liminarmente indeferido o requerimento de oposição à execução apresentado antes da citação do oponente para os termos daquele processo.
III.
O art.º 813º, nº 1, dispõe que “o executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora”.
Entendeu o tribunal que, sendo o requerimento de oposição anterior à citação, está fora de prazo e, como tal, seria de indeferir liminarmente nos termos do art.º 817º, nº 1, al. a), segundo o qual a oposição é liminarmente indeferida “quando tiver sido deduzida fora de prazo”.
Ensina Alberto dos Reis [2], citando Carnelutti, que o prazo tem dois extremos, que são precisamente dois pontos, isto é, dois dias: o dia de início ou de partida (dies a quo) e o dia de termo ou de vencimento (dies ad quem); a distância entre os dois pontos marca a sua duração. A estatuição do prazo resulta da indicação dum dia (dies a quo ou dies ad quem) e de um período, isto é, de um determinado número de unidades de tempo (ordinariamente dias); o primeiro constitui o ponto fixo, o segundo a duração do prazo.
O prazo dilatório destina-se a estabelecer uma certa pausa, um certo compasso de espera; o prazo peremptório marca o período, de tempo dentro do qual há de realizar-se um determinado ato do processo. Assim, o art.º 145º define aquele prazo como sendo o que “difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo” (nº 2); e define o prazo perentório como aquele que, uma vez decorrido, extingue o direito de praticar o ato (nº 3), sem prejuízo da invocação de uma situação de justo impedimento ou, independentemente deste, da prática do ato fora de prazo, nas condições previstas nos nºs 4 e 5 do mesmo normativo legal e do subsequente art.º 146º.
O prazo previsto no citado art.º 813º, nº 1, é perentório, no sentido de que o executado dispõe de 20 dias a contar da citação no processo de execução para se opor à execução. Expirado este, ou seja, ultrapassado que esteja o dies ad quem, o termo final do prazo, e não se verificando as referidas condições excecionais dos nºs 4 e 5 do art.º 145º, o ato praticado é extemporâneo, tendo-se por extinto o direito de o praticar; efeito que se produz automaticamente.
Já o ato praticado antes do dies a quo, do início do prazo, tem que se considerar também fora do prazo judicial; porém, prematuro, não propriamente extemporâneo.
A questão é saber se pode ser inferida liminarmente a oposição da executada apresentada antes do início do prazo perentório previsto no referido art.º 813º, ou seja, antes dela ter sido citada para os termos da execução.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Dada a natureza daquele prazo, o mesmo corresponde a um período de tempo (20 dias) de que a executada dispõe para deduzir oposição. Mas não é pelo facto de ter praticado o ato antes do seu início que deixa de poder beneficiar daquele prazo.
Citado o executado, inicia-se sempre o prazo que terminará 20 dias depois, independentemente daquele ter ou não ter deduzido a oposição. Se o executado retirar a oposição e não a apresentar no dito prazo, é manifesto que, decorrido este, perde o direito de praticar o ato. Mas se nada fizer, tendo a oposição deduzida desde momento anterior ao início do prazo, nada mais lhe é exigível, devendo o ato considerar-se praticado no primeiro dia do prazo. Seria um ato inútil --- como tal proibido por lei (art.º 137º) --- praticar de novo o ato processual prematuro.
O que o legislador não quer é que seja excedido o prazo, resultando o termo inicial do mesmo como indispensável elemento de contagem e garantia de salvaguarda do direito do seu beneficiário, no sentido de que antes não lhe é exigível a prática do ato, mas sempre sem prejuízo de o poder praticar prescindindo das vantagem do seu decurso (mais tempo de preparação da oposição no exercício do seu direito de defesa).
E tanto assim é que, ao contrário da extemporaneidade, a lei não prevê a extinção do direito ou preclusão para o ato prematuro, não nos parecendo uma boa prática rejeitar a oposição à execução e admiti-la mais tarde depois da citação do executado.
Se o ato foi praticado antes do termo do prazo, pode e deve ser aproveitado. A não ser assim também não poderia ser admitida a prática do ato processual durante o período de dilação nos casos previstos na lei (art.º 252º-A). Tal como o próprio nome indica, a dilação é um prazo dilatório, isto é, um período de pausa, um determinado compasso de espera, designadamente atirando o início da contagem de um outro prazo para momento posterior. É o que poderá acontecer com o prazo de contestação nas ações declarativas ou com o prazo de oposição à execução (ação declarativa enxertada na ação executiva), nas situações da sua admissibilidade previstas no referido art.º 252º-A.
Não se compreenderia que, praticado o ato no período da dilação, e decorrido o subsequente prazo perentório previsto para a defesa, o réu ou o executado se confrontasse com a preclusão do direito.
Neste conspecto, há que revogar a decisão recorrida, determinando-se que os autos aguardem a citação da executada e o decurso do prazo de oposição proferindo-se depois novo despacho liminar que leve em consideração que a prematuridade da oposição já oferecida não é causa de indeferimento liminar.
*
SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
O oferecimento prematuro da oposição à execução (antes da citação do executado) não é causa do seu indeferimento liminar.
IV.
Nesta conformidade, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo proferir-se novo despacho liminar, decorrido que esteja o prazo de que o executado dispõe para a oposição à execução, que não considere a prematuridade daquele articulado inicial como causa de indeferimento liminar.
Custas pela parte vencida a final.
Guimarães, 10 de setembro de 2013
Filipe Caroço
António Santos
Figueiredo de Almeida
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pág.s 52 e seg.s.