Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5767/11.8TBBRG-B.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
DOMICÍLIO
EXECUTADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Ressalvadas situações especiais, não sendo o executado uma pessoa colectiva, nem se verificando a situação de o domicílio do exequente se situar na área metropolitana de Lisboa ou Porto e o executado ter domicílio na mesma área metropolitana, o tribunal competente para conhecer da execução é o tribunal do domicílio do executado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) O Banco …, SA, veio intentar acção executiva comum no Tribunal Judicial de Braga contra J…, liquidando a quantia exequenda em €9.649,61 (capital, mais juros) e nomeando à penhora uma viatura automóvel que descreve.
Entretanto foi proferido o despacho de fls. 10 e seguintes onde se declarou o Tribunal Judicial da Comarca de Braga incompetente em razão do território e competente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
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B) Inconformado com esta decisão, veio o exequente interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo (fls. 24).
a) O apelante formula as seguintes conclusões:
A - Em 08-09-2011 o Banco …S.A., moveu uma acção executiva contra o executado J….
B - A referida acção executiva tinha por título executivo uma livrança.
C - O Banco…S.A., também requereu a apensação do Incidente de Providência Cautelar com o n.º 3764/11.2TBBR do 1.º Juízo Cível de Braga aos autos onde corre termos a referida acção executiva.
D - O exequente considerou competente o tribunal Judicial de Braga, uma vez que o executado reside em Braga.
E - O exequente seguiu a regra geral de competência em matéria de execuções, o domicílio do executado, de acordo com o plasmado no n.º 1 do artigo 94.º do C.P.C..
F - Sucede porém, que, por despacho datado de 12-09-2011, o tribunal ad quo entendeu que o lugar indicado na livrança como sendo aquele em que se deve efectuar o pagamento, é o que determina a competência territorial.
G - O tribunal ad quo, deveria averiguar, prima facie, a existência de uma disposição legal específica que determine a competência territorial do tribunal.
H - No entanto o 4.º parágrafo do artigo 75.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças está longe de ser um caso ou critério especial.
I - Este artigo refere apenas quais os requisitos essenciais da Livrança: a palavra “Livrança” inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a redacção desse título; a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada; a época do pagamento, a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento; o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada; a assinatura de quem passa a livrança (subscritor).
J - Da própria letra da lei é claro que estamos perante requisitos e não qualquer critério especial de competência em matéria de execuções.
K - A própria ratio legis do art.º 94.º n.º 1 do C.P.C. ao estabelecer a regra da competência territorial da comarca dos executados para este tipo de acções, reforça-se no valor constitucional da defesa do consumidor - porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtém-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível.
L - O próprio parágrafo 5.º do artigo 1.º da LULL que se aplica por força do art.º 77.º da referida lei, prevê como lugar do cumprimento da obrigação, na falta de outra menção, aquele que estiver indicado ao lado do nome do sacado , que, no caso concreto é Braga.
M - Como já afirmado anteriormente, importa atender ao prescrito no n.º l do artº 94.º do C.P.C., cuja norma prescreve, ipsis verbis “Salvo casos especiais previstos noutros disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicilio do exequente na área metropolitana do Porto ou Lisboa, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana”.
N - Neste caso não se aplica a segunda parte do art.º 94.º do C.P.C., uma vez que o executado não é pessoa colectiva, nem tem residência na área metropolitana do Porto ou Lisboa.
O - Deste modo, definindo tal n.º 1 a regra geral de competência territorial em matéria de execuções, salta à evidência que a execução foi movida no tribunal competente, porque o executado, pessoa singular, reside em Braga.
P - Como constata e bem o AC RC de 06-11-2007 in http://www.dgsi.pt – “(...) o preceituado na LULL sobre lugar de pagamento da letra de cambio ou livrança, não consubstancia qualquer regra especial de atribuição de competência territorial para a execução, como foi entendimento daquele tribunal”
Q - Mais refere e muito bem o referido acórdão que “os casos especiais ressalvados no citado n.º 1 do art.º 94.º, remetem obviamente para disposições que definem a competência do tribunal para a execução, como são todas as demais previstas no Código de Processo Civil que exorbitam da regra geral prevista no n.º l, aí não se incluindo pois, as normas que estabelecem o lugar de cumprimento da obrigação.”
R - O citado acórdão conclui de uma forma clara que “Se é certo que a obrigação cambiária deve ser cumprida pelos obrigados no lugar indicado no título, já a execução visando o pagamento coercivo deve correr no tribunal do domicílio dos obrigados/executados, sendo estes pessoas singulares”
S - Logo, o executado deve (ou deveria) cumprir a sua obrigação no Porto sendo que a respectiva execução deveria correr termos no tribunal do domicílio do executado, ou seja no Tribunal da Comarca de Braga.
T - Assim, a norma da LULL que impõe como requisito do título cambiário a indicação do lugar onde deve ser efectuado o pagamento, em nada determina a competência territorial do tribunal para a execução, devendo a competência ser aferida à luz da lei adjectiva.
U - Face a tudo o acima exposto, não se compreende nem aceita a decisão do Tribunal que se considerou incompetente em razão do território e considerou competente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sendo certo que ao proferir tal decisão, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 94.º do Código de Processo Civil e 75.º, 1.º e 77.º da Lei Uniforme das sobre Letras e Livranças.
V - Impõe-se, desta forma, a concessão de provimento ao presente recurso e, em consequência, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que considere como territorialmente competente o tribunal Judicial da Comarca do Braga, ordenando-se o prosseguimento da execução.
Termina entendendo dever ser concedido provimento ao recurso.
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C) Não foram apresentadas contra-alegações.
D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir neste recurso é a de saber qual o tribunal territorialmente competente para conhecer da presente execução.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
B) Quanto à questão da competência territorial, estabelece o artigo 94.º n.º 1 do Código de Processo Civil que “salvos os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana.”
Ora, como não existe norma especial que ressalve a situação, como o executado não é uma pessoa colectiva, nem se verifica a situação de o domicílio do exequente se situar na área metropolitana de Lisboa ou Porto e o executado ter domicílio na mesma área metropolitana, terá de se concluir que o tribunal competente para conhecer da execução é o tribunal do domicílio do executado, no caso, o Tribunal Judicial de Braga.
O tribunal a quo entendeu que sendo o título executivo uma livrança, existe um critério especial que decorre do parágrafo 4.º do artigo 75.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, por ser o local do pagamento.
Vejamos.
O referido artigo 75.º da Lei Uniforme limita-se a descrever o conteúdo da livrança, referindo no n.º 4 do referido artigo e diploma que a livrança contém “a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento”.
O estabelecido nesta disposição não é uma regra de competência territorial, mas, tão só, a indicação do local onde o pagamento deve ser efectuado.
Em abono da sua tese, na decisão recorrida, invoca-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 15/07/2009, disponível na base de dados da DGSI e, consultado o referido acórdão, o mesmo refere o que acabamos de afirmar: “a regra geral de competência territorial em matéria de execuções é o tribunal do domicílio do executado, quando a execução se baseie em título diverso da sentença.”
Mais invoca a decisão recorrida o Acórdão da Relação de Lisboa de 02 de Fevereiro de 2010, disponível no mesmo local, simplesmente o que aí se defende é relativo a uma situação diversa da que ocorre nos presentes autos.
Com efeito, aí se diz que “fundando-se a execução em mais do que um título extrajudicial, com locais de pagamento distintos, o critério definidor da competência territorial para a propositura da execução encontra-se estabelecido nos termos do artº 53º/4 do CPCivil por remissão para o artº 87º/2 do mesmo Código, podendo o exequente escolher qualquer um dos locais de pagamento das livranças.”
Isto é, nenhum dos acórdãos sufraga a posição defendida na decisão recorrida.
Ora, importa ter em conta que, de acordo com o disposto no artigo 22.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, “a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente”.
Dos autos resulta, designadamente do título executivo (livrança), bem como do requerimento executivo, que o executado reside na Rua…, em Braga (cfr. fls. 2 e 5), pelo que, nos termos do disposto no referido artigo 94.º n.º 1 do Código de Processo Civil, o tribunal territorialmente competente para conhecer deste processo, é o Tribunal Judicial de Braga, motivo pelo qual a apelação terá de proceder.
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C) Em conclusão:
- Ressalvadas situações especiais, não sendo o executado uma pessoa colectiva, nem se verificando a situação de o domicílio do exequente se situar na área metropolitana de Lisboa ou Porto e o executado ter domicílio na mesma área metropolitana, o tribunal competente para conhecer da execução é o tribunal do domicílio do executado.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida e declarando que o tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos é o Tribunal Judicial de Braga.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 13/02/2012