Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
144/00.9TBPVL-B.G1
Relator: PAULO FERNANDES SILVA
Descritores: PRISÃO SUBSIDIÁRIA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – A prestação de trabalho a favor da comunidade pressupõe a liberdade do arguido. Estando este preso é inviável o cumprimento de tal dever, fixado como condição da suspensão da execução de prisão subsidiária.
II – Em caso de não cumprimento da condição fixada para a suspensão da execução da prisão subsidiária, só deve ser decidida a execução da prisão se o não cumprimento for imputável a culpa do arguido, isto é, se for possível concluir que ele podia e devia ter agido de forma diversa.
III – Demonstrando-se que o não cumprimento da prestação de trabalho a favor da comunidade, enquanto condição de suspensão da execução da prisão subsidiária, se ficou a dever ao facto do arguido estar preso, justifica-se, não a revogação da suspensão, mas a modificação da condição imposta, nomeadamente com a prorrogação da suspensão e a estipulação de outros deveres ou/e regras de conduta que tenham em conta a situação de privação da liberdade.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: ---
I.
RELATÓRIO. ---
Nos autos de processo comum de que os presentes constituem apenso, em 15.02.2013, o Tribunal Judicial da Comarca da Póvoa do Lanhoso proferiu o seguinte despacho: (transcrição) ---
«Por sentença de 04.04.2001, foi o arguido Joaquim S... condenado, pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 23.º, n.º 1 do R.J.I.F.N.A., na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 30.000$00 (equivalente a €149,64), que ascende a € 44.892,00, ou em alternativa 200 dias de prisão.
Face à impossibilidade de pagamento da multa, foi a pena de multa convertida em pena de prisão, determinando-se que o arguido cumpra a pena de prisão subsidiária correspondente aos dias de pena de multa que resta liquidar (no montante de € 36.545,22, a que equivale 244 dias), reduzidos a 2/3: 162 dias de prisão. A execução da referida pena de prisão foi suspensa pelo período de 2 anos, subordinada ao cumprimento do dever de prestar, oportunamente, atendendo ao fim da pena que o arguido se encontra a cumprir e à saída previsível, à prestação de 35 horas de trabalho a favor da comunidade.
No entanto, foi proferida decisão de cúmulo e o arguido terá de cumprir pena de prisão até 18 de Agosto de 2017, com o mínimo (correspondente a metade da pena) até 18 de Fevereiro de 2014, ou seja, depois de decorridos os dois anos de suspensão.
Por outro lado, mostra-se inviável o cumprimento da prestação de trabalho na prisão (conforme informação já junta aos autos).
Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.° 3 parte final, não sendo viável o cumprimento dos deveres propostos, haverá que executar a prisão subsidiária de 162 dias de prisão.
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Notifique pessoalmente o arguido e I. Defensora, fazendo constar a menção que o arguido pode a todo tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
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Após trânsito, remeta cópia do presente despacho ao TEP a fim de oportunamente ser decidida a ligação do arguido aos presentes autos, uma vez que se trata de uma pena de pequena duração» Cf. fls. 21. ---. ---
Do recurso para a Relação. ---
Notificado daquele despacho, o Arguido dele interpôs recurso para este Tribunal em 12.03.2013, concluindo as suas motivações nos seguintes termos: (transcrição) ---
«I - Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls... o qual ordenou, ao abrigo do disposto no art.° 49.º, n.° 3 parte final do Código Penal (CP), a execução da prisão subsidiária de 162 dias de prisão ao arguido, sustentada em decisão de cúmulo jurídico, proferida no âmbito do processo número 236/06.0GDGMR que correu termos na 2ª Vara Mista de Guimarães e por inviabilidade do cumprimento dos deveres propostos, quais sejam a prestação de 35 horas de trabalho a favor da comunidade.
II - Por sentença proferida a 04.04.2001 e transitada em julgado em 7 de Novembro de 2002, foi o arguido condenado pela prática de um crime p. e p. pelo artigo 23.º, n.° 1 do RJIFNA, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 30.000$00 (equivalente a €149,64), que ascendeu a €44.892,00, ou em alternativa a 200 dias de prisão;
III - Instaurada a execução, foi penhorado o vencimento do arguido, efectuando-se os devidos descontos de 15 de Março de 2004 a Outubro de 2010 no montante total de €8.346,78 (oito mil, trezentos e quarenta e seis euros e setenta e oito cêntimos), posteriormente foi a execução extinta, por inexistirem outros bens penhoráveis.
IV - Comprovada que foi a impossibilidade de pagamento da multa e ao abrigo do disposto no art.° 49.º, n.° 1, do CP, converteu-se (em 22.06.2011) a pena de multa imposta ao arguido em pena de prisão subsidiária de 162 dias (correspondente aos dias de pena de multa que restava liquidar, reduzidos a 2/3), cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, "subordinada ao cumprimento do dever de prestar, oportunamente, atendendo ao fim da pena que o arguido se encontra a cumprir e à saída previsível, à prestação de 35 horas de trabalho a favor da comunidade".
V - Foi proferido despacho a 14.02.2013 ordenando a execução da prisão subsidiária de 162 dias de prisão fundado na decisão de cúmulo - a qual determinou que o arguido terá de cumprir pena de prisão até 18 de Agosto de 2017, com o mínimo (correspondente a metade da pena) até 18 de Fevereiro de 2014, depois de decorridos os dois anos de suspensão - e na inviabilidade do cumprimento da prestação de trabalho comunitário na prisão.
VI - A redacção do art.° 49.º, n.° 3, do CP, não estipula o regime aplicável caso o não cumprimento dos deveres ou regras de conduta, condição da suspensão da execução da pena, não seja imputável ao arguido.
VII - É jurídica e socialmente inadmissível que seja irrelevante o que levou ao incumprimento por parte do arguido dos deveres a que a suspensão da execução da pena se encontra subordinada, principalmente porque é exactamente esse facto que releva para a ineficácia daquela suspensão.
VIII - São manifestamente penosas as consequências do despacho ora em crise para o arguido, o qual apenas poderá ter sido o resultado de alguma falta de reflexão acerca da questão, expresso num raciocínio automático e acrítico da questão subjacente.
IX - Como tal, confrontamo-nos no despacho recorrido a manifestação de um excesso constitucionalmente proibido (art.118.º da Constituição da República Portuguesa).
X - Porquanto é desproporcional e inadequado aplicar ao arguido a pena de prisão subsidiária quando não lhe é imputável o facto que a despoletou, isto é, a medida restritiva aplicada in casu (prisão subsidiária por incumprimento dos deveres), não é o meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei, ou sequer se revela necessária ou indispensável, pois que, os fins visados pela lei podem ser obtidos por outros meios manifestamente menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias do arguido.
XI - Assim, violou o despacho recorrido o disposto no art.° 18 da CRP.
XII - 0 arguido requereu que se aguardasse pela sua libertação definitiva ou condicional para, então, prestar o serviço comunitário presente nestes autos ou, subsidiariamente, que lhe fossem concedidas as condições necessárias para que prestar tal trabalho comunitário, de imediato, mesmo no próprio estabelecimento prisional onde é recluso (veja-se requerimento de 07.02.2013).
XIII - Não é imputável ao arguido o não cumprimento daquele dever de prestação de trabalho porquanto apesar da sua vontade em cumprir, o mesmo se revelou inviável no estabelecimento onde se encontra em reclusão.
XIV - Caso o arguido estivesse num estabelecimento prisional que reunisse as condições necessárias para o cumprimento aquela prestação, a questão não se colocaria, pelo que tal circunstância viola expressamente o princípio da igualdade uma vez que para situações iguais, o resultado seria diferente;
XV - A decisão de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária foi proferida por despacho datado de 22 de Junho de 2011, em momento anterior à decisão de cúmulo jurídico que determinou a sua inutilidade superveniente.
XVI - Pelo que foi esse facto superveniente, a decisão de cúmulo, pouco expectável ao tempo da decisão da suspensão, que impediu o arguido de cumprir os deveres a que se encontrava adstrito.
XVII - Note-se porém, que a decisão de suspensão da execução da pena fundou-se no facto do arguido encontrar-se a cumprir pena de prisão, e como tal, ser inviável a conversão da pena em prestação de trabalho a favor da comunidade.
XVIII - Não se verificando as previsões feitas e não saindo o arguido da prisão a tempo de beneficiar daquela suspensão, devia a decisão de suspensão ter sido modificada por despacho, verificada que se encontrava a circunstância relevante e superveniente da decisão de cúmulo que o tribunal apenas posteriormente teve conhecimento, nos termos do art.° 492.º do Código de Processo Penal (CPP)
XIX - Não tendo sido modificado o dever a que se encontrava adstrito o arguido, nos termos descritos, a renovação da eficácia da pena de prisão subsidiária implicou, sem mais, a revogação da suspensão da execução da pena sem prévia audição do arguido, a qual constitui nulidade insanável, pois que a omissão da concessão ao arguido da faculdade prevista no art.º 495º, n.° 2, do CPP, de se pronunciar sobre o incumprimento das condições a que estava subordinada a suspensão da pena a que fora condenado, configura a nulidade insanável estabelecida na al. c), do art.° 119.° do CPP (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22 de Fevereiro de 2005; CJ, XXX, tomo 1, 267 e Acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Março de 2005; CJ, XXX, tomo 2, 123).
XX - O despacho recorrido viola igualmente o princípio do contraditório ao não proceder à prévia audição do arguido nos termos do art.° 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP e o art.° 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que consagra que o processo penal assegura todas as garantias de defesa e deve estar subordinado ao princípio do contraditório.
XXI - O tribunal entendeu que a mera informação já junta aos autos de que se mostrava inviável o cumprimento da prestação de trabalho na prisão, ou seja, mostrando-se inviável a execução do dever de que dependia a suspensão por dois anos da pena de prisão subsidiária, deverá aplicar-se, de forma automática, a prisão subsidiária por incumprimento dos deveres a que o arguido se encontrava adstrito.
XXII - Para que se possa executar a prisão subsidiária por incumprimento dos deveres a que o arguido foi condenado e dos quais dependiam a sua suspensão, não basta o não cumprimento das condições dessa suspensão, nem é suficiente o juízo de que o cumprimento continua a ser útil à prossecução dos fins das penas, é necessário demonstrar que o arguido agiu com culpa ao não cumprir.
XXIII - Na prolação do despacho recorrido, o julgador não formulou algum juízo de culpa relativamente ao arguido por não ter cumprido a condição da suspensão, aliás, nem que quisesse não o poderia fazer, uma vez que a prisão é, neste caso, incompatível com a prestação de trabalho comunitário a não ser que o mesmo seja prestado "lá dentro", possibilidade igualmente gizada pelo arguido, mas que lhe foi recusada;
XXIX - Para que o não cumprimento pudesse ser censurado ao arguido, era necessário que algum facto positivo da sua parte demonstrasse que tinha decidido não prestar serviço comunitário a que havia sido condenado, não tendo ocorrido ou sequer sido invocado algum facto deste cariz, sempre teria de se concluir pela improcedência da ineficácia automática da suspensão da pena subsidiária de prisão.
XXV - A interpretação do art.° 49.º, n.° 3, do Código Penal, no sentido de que o incumprimento dos deveres ou regras de conduta por parte do arguido a que se encontra subordinada a suspensão da execução da prisão subsidiária importa, independentemente da motivação ou fundamento desse incumprimento, a execução da prisão subsidiária é manifestamente inconstitucional por violação, designadamente dos artigos 13.º, 18.º e 32.º, n.° 1 da CRP.
XXVI - A decisão recorrida violou, designadamente, o disposto nos artigos 13º, 18.° e 32º da Constituição da República Portuguesa., artigos 49.º, n.° 1 e 3, 50.°, 55.° e 56.º do Código Penal e artigos 61.º, n.° 1, alínea b), 492.º, n.° 1 e 2, do Código de Processo Penal.
Termos em que, concedendo provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido de fls... e proferido despacho modificando a sentença que decretou a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária e subordinando-a a um dever, regra de conduta ou obrigação que tenha em consideração a situação de reclusão do arguido pelo menos até 18 de Fevereiro de 2014 e o prazo máximo da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária previsto no artigo 49º, n.° 3 do Código Penal, farão V. Exas inteira Justiça!» Cf. fls. 1 e 23 a 41. ---. ---
Notificado do referido recurso, o Ministério Público respondeu ao mesmo, sustentando a manutenção da decisão recorrida Cf. fls. 47 a 50. ---. ---
Neste Tribunal, na intervenção aludida no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que ---
«a douta decisão recorrida deverá ser substituída por outra que determine a realização da diligência requerida pelo arguido na alínea b) do seu requerimento de fls. 463 do processo principal, fls. 181 destes autos [se oficie ao Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira para indagar da possibilidade do Arguido prestar trabalho a favor da comunidade] e determine a realização de diligências complementares, no sentido de averiguar a viabilidade de a suspensão da execução ficar subordinada ao cumprimento de outros deveres ou regras de conduta» Cf. fls. 38 a 46. ---. ---
Devidamente notificado daquele parecer, o Arguido nada disse. ---
Proferido despacho liminar, colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre ora apreciar e decidir. ---
II.
OBJECTO DO RECURSO.
Atentas as indicadas conclusões apresentadas, sendo que é a tais conclusões que este Tribunal deve atender no presente recurso, definindo aquelas o objecto deste, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, cumpre aqui apreciar e decidir ---
· Da arguida nulidade insanável por falta de audição prévia do Arguido quanto à revogação da suspensão da pena de prisão subsidiária; ---
· Da justeza daquela revogação. ---
III.
FUNDAMENTAÇÃO. ---
1. Da arguida nulidade insanável por falta de audição prévia do Arguido quanto à revogação da suspensão da pena de prisão subsidiária. ---
Nesta sede, o Recorrente sustenta que tal revogação ocorreu sem a sua prévia audição e que tal constitui uma nulidade insanável. ---
Vejamos. ---
Sem ora cuidar da justeza da qualificação daquele alegado vício como «nulidade insanável», constata-se que no caso em apreço não se verifica a situação em que se funda tal alegado vício. ---
Com efeito, após se ter apercebido que o Arguido tinha de cumprir à ordem de outro processo uma pena de prisão cujo meio da pena sucedia em data posterior à suspensão da pena de prisão subsidiária determinada nos processos principais, o que inviabilizava o cumprimento da respectiva condição, o Tribunal recorrido, por despacho de 29.01.2013, ordenou a notificação do Arguido «para, no prazo de 10 dias, requerer o que tiver por conveniente» Cf. fls. 17. ---, tendo então o Arguido requerido, em 08.02.2013, que «a) Se aguarde pela libertação definitiva ou condicional do arguido para, então, o mesmo prestar o serviço comunitário determinado nestes autos; b) Se oficie ao Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira para indagar da possibilidade de tal trabalho a favor da comunidade ser de imediato prestado» Cf. fls. 18 e 19. ---. ---
Ou seja, o Arguido foi notificado para se pronunciar sobre a impossibilidade de cumprimento da condição de suspensão da prisão subsidiária e pronunciou-se devidamente. ---
Carece, pois, de fundamento alegar qualquer omissão de audição do Arguido na matéria e, pois, invocar qualquer vício processual decorrente daquela omissão. --
2. Da justeza da determinada revogação da suspensão da prisão subsidiária. ---
Dos autos decorre que ---
· Em 2001, o Recorrente foi condenado numa pena global de € 44.892,00 de multa pela prática de um crime de fraude fiscal, ---
· Entre 2004 e 2010, no âmbito de uma execução entretanto instaurada pelo Ministério Público contra o Recorrente, foram efectuados descontos no vencimento daquele, no montante de € 8.346,78; ---
· Em 2010, o Recorrente foi preso no âmbito do processo n.º 236/06.0GBGMR que corre termos na 2.ª Vara de Competência Mista de Guimarães;
· Em 22.06.2011, nos autos principais, foi determinado converter a pena de multa remanescente na pena de 162 dias de prisão subsidiária, a qual foi declarada suspensa pelo período de 2 anos, subordinada ao cumprimento do dever de prestar 35 horas de trabalho a favor da comunidade; ---
· Entretanto, no âmbito do referido processo n.º 236/06.0GBGMR foi rectificada a liquidação da pena de prisão que aí cumpre o aqui Recorrente, determinando-se que o meio, os 2/3 e o fim da pena ocorrem em 18.02.2014, 18.04.2015 e 18.08.2017, respectivamente. ---
Neste circunstancialismo fáctico, mostra-se inviável no caso o cumprimento da condição da suspensão da execução da prisão subsidiária. ---
Na verdade, a prestação de trabalho a favor da comunidade pressupõe, além do mais, a liberdade do Arguido. ---
Como refere Figueiredo Dias, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade «surge como pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes ela é, em si e por si mesma, uma pena». ---
Ela «aparece (…) como uma verdadeira pena de substituição de carácter não detentivo, destinada, ainda ela, a evitar a execução de penas de prisão de curta duração» As Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, página 371. ---. ---
A incompatibilidade da pena de prisão e da pena de trabalho a favor da comunidade reflecte-se no respectivo regime legal. ---
No Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade Aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12.10, e sucessivamente alterada pela Lei n.º 33/2010, de 02.09, Decreto-Lei n.º 40/2010, de 03.09, e Lei n.º 21/2013, de 21.02. --- e no diploma que «Estabelece os procedimentos e regras técnicas destinados a facilitar e promover a organização das condições práticas de aplicação e execução da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade estabelece» Decreto-Lei n.º 375/97, de 24.12. --- inexiste qualquer ponto de conexão entre as penas de prisão e de trabalho a favor da comunidade. --
Daí que, encontrando-se o aqui Recorrente em cumprimento de pena de prisão à ordem de um outro processo e estando a sua liberdade prevista para momento posterior ao período de suspensão da prisão subsidiária, mostra-se inexequível in casu o cumprimento da condição de que depende tal suspensão, tal como consta da decisão recorrida. ---
Discorda-se, contudo, dela quando em face de tal inexequibilidade determina o cumprimento da prisão subsidiária. ---
Na matéria, o artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal dispõe que «se os deveres ou regras de conduta» a que se encontra «subordinada» a «suspensão» da «execução prisão subsidiária» «não forem cumpridos, executa-se» tal prisão e se «o forem, a pena é declarada extinta». ---
Atenta a natureza do direito penal, assente na culpa, e as repercussões decorrentes do incumprimento dos deveres ou regras de conduta, tal incumprimento deve ser culposo, isto é, decorrer de conduta do Arguido, devendo haver entre tal incumprimento e o Arguido um nexo de imputação subjectiva que permita concluir que o Arguido podia e devia ter agido de forma diversa, assim evitando o incumprimento de deveres ou regras de conduta. ---
«Apesar de a lei não se referir aqui à culpa no incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos à suspensão, tal requisito não pode deixar de ser exigido, pois não faria sentido a imposição de uma pena de prisão ao condenado que se visse na impossibilidade de cumprir as condições impostas. Se é assim nos casos normais de suspensão da execução da pena de prisão, decretada logo ab initio (como decorre dos arts. 55º e 56º do C. Penal), não faria sentido outra solução nos casos em que a suspensão da execução da pena de prisão só ocorre posteriormente» Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07.09.2011, Processo 1524/00.5PAVNG.P1, in www.dgsi.pt/jtrp. ---. ---
No caso vertente é manifesta a falta de culpa do Recorrente no incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos à suspensão da prisão subsidiária: estando ele preso é evidente que não podia prestar as referidas 35 horas de trabalho a favor da comunidade. ---
Em consequência, impõe-se revogar a decisão recorrida. ---
Tal não justifica, contudo, a declaração de extinção da pena em causa, pois esta pressupõe, nos termos da parte final do referido artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal, o cumprimento dos deveres e regras de conduta, o que não caso não sucedeu.
Uma vez que o incumprimento inculposo decorre do facto de ter sido rectificada a liquidação da pena que o aqui Recorrente cumpre à ordem de outros autos e, pois, de «circunstâncias relevantes supervenientes» à decisão que converteu a pena de multa na de prisão subsidiária, em conformidade com o disposto nos artigos 51.º, n.º 3, e 52.º, n.º 4, ambos do Código Penal, justifica-se no caso a modificação da condição imposta para a suspensão da prisão subsidiária, nomeadamente com a prorrogação por mais um ano da suspensão, até 22.06.2014, e estipulação de outro(s) dever(es) ou /e regra(s) de conduta que tenham em conta a situação de preso do Recorrente. ---
Por essa forma, se alcançarão no caso vertente os fins das penas quanto ao crime de fraude fiscal em causa nos autos principais: «a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». ---
Claro que na ponderação necessária a tal desiderato, no escrupuloso respeito pelo contraditório e sem prejuízo de outras diligências que o Tribunal recorrido tenha por necessárias, importa solicitar aos Serviços de Reinserção Social a elaboração de relatório na matéria, nomeadamente com ponderação e eventual indicação de medidas que, sem prejuízo da prisão que o Recorrente cumpre, sejam susceptíveis de constituir no caso deveres ou/e regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro adequadas à suspensão da prisão subsidiária. ---
IV.
DECISÃO. ---
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e prorroga-se até 22.06.2014 o período de suspensão da prisão subsidiária, o qual deve ficar sujeito a dever(es) ou/e regra(s) de conduta que o Tribunal recorrido tenha por conveniente(s) no caso, na sequência de relatório apresentado na matéria pelos Serviços de Reinserção Social, sem prejuízo de outras diligências que se julguem necessárias, e com observância do devido contraditório. ---
Sem custas. ---
Guimarães, 11 de Julho de 2013