Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
372/10.9TCGMR.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: SERVIDÃO DE AQUEDUTO
APROVEITAMENTO DE ÁGUAS
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art.º 662º. do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo a Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos e valorá-las e ponderá-las, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção.
II – O titular do direito a águas particulares pode conduzi-las através de prédio de outrem para as aproveitar num prédio que lhe pertença, seja em proveito da agricultura ou da indústria, seja para gastos domésticos, constituindo uma servidão de aqueduto.
III - Os adminicula servitutis são todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que representam os meios adequados ao pleno aproveitamento da servidão.
IV – Se a condução da água é feita através de cano subterrâneo ou tubo enterrado no solo como, em princípio, não existe o perigo da água se perder os adminicula ficam restringidos às necessidades de reparação das avarias que se vierem a verificar – desabamento da cobertura do cano, ruptura do tubo, ou o seu entupimento -, já não se justificando o direito de passagem pelo prédio serviente para acompanhamento da água.
V – Provando-se que os consortes de uma água desde há mais de 40 anos, sem interrupção, de forma pacífica e pública, sempre passaram pelo prédio dos réus para acederem ao local onde a fariam derivar para o rego e, quando a entubaram, para o tubo, que a conduziria aos seus prédios, agindo na convicção de quem exerce direito próprio, deve ter-se por constituída uma servidão de passagem, onerando o prédio dos Réus, beneficiando os prédios dos Autores, a qual tem por finalidade o aproveitamento/utilização da água nestes prédios.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –

A) RELATÓRIO
I.- As AA. C…; M…; F… e mulher S…, J… e mulher M…, todos identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra os RR. A… e mulher M…, também identificados nos autos, pedindo que estes sejam condenados a:
a) reconhecerem que eles, AA., são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados em 2º a 4º da P.I.;
b) reconhecerem a existência de servidão de aqueduto e presa, relativas à água supra identificada, que atravessa o prédio dos RR., no sentido nascente-poente, a favor dos prédios de cada um dos AA., para sua rega;
c) reconhecerem que aos AA. assiste a respectiva “adminiculum” daquela servidão, ou seja o direito de passagem e acesso através do prédio dos RR. (prédio serviente) até à caixa de derivação da água, através da qual é feita a divisão, derivação, encaminhamento e condução das águas até aos prédios de cada um dos AA., para sua rega;
d) absterem-se de praticar quaisquer actos susceptíveis de ofender aqueles direito dos AA.;
e) indemnizarem os AA. pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a impossibilidade de utilização da referida servidão, e das águas através dela conduzidas, pela sua obstrução durante cerca de dois meses, em quantia global não inferior a € 11.000,00, dos quais € 5.000 são para ressarcimento dos danos patrimoniais, sendo € 1.000,00 para as 1.as AA., € 3.000,00 para os 2.os AA. e € 1.000,00, para os 3.os AA.; e € 6.000 para ressarcimento dos danos não patrimoniais, sendo € 2.000,00 para cada um dos 1.os, 2.os e 3.os AA..
Fundamentam alegando, em síntese, que são donos de prédios sitos em Leitões, Guimarães, os quais aproveitam para rega, durante todo o ano e segundo um giro pré-definido, as águas provindas da presa da “Grande-Chã” que desde 1994 são conduzidas através de tubo subterrâneo que, no seu percurso, passa no subsolo do prédio dos RR. e vai até uma caixa de derivação, a qual, por exigência dos mesmos RR., foi construída no terreno pertencente a A…, permanecendo, porém, o acesso à mesma caixa através do prédio daqueles RR.. Ora, em Agosto de 2009, estes decidiram tapar a passagem, vedando o acesso dos AA. à mencionada caixa, impossibilitando-os de utilizarem a água, do que lhes resultaram prejuízos visto haverem secado o milho, os legumes e outras plantações que tinham nos seus terrenos, causando- lhes a presente situação enormes incómodos, preocupações, inquietações e ansiedade, afectando o sistema nervoso e o sossego.
Os RR. contestaram pugnando pela improcedência da acção com fundamento, no essencial, na desnecessidade da persistência da adminicula atento o entubamento da água.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu:
1. Declarar que as 1.as AA. são proprietárias e legitimas possuidoras do prédio rústico denominado “Campo da Ribeira”, composto por terreno de cultura arvense de regadio, vinha em ramada e pomar misto, sito na Rua da… (anteriormente denominado Lugar da…), da freguesia de Leitões, do concelho de Guimarães, omisso à respectiva matriz, em resultado das avaliações gerais oportunamente efectuadas naquele concelho, onde se encontrava anteriormente inscrito sob o artigo …, mas tendo sido apresentada participação para a sua inscrição, no Serviço de Finanças de Guimarães-1, no dia 30.06.2010, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra registado e inscrito a favor da A. C….
2. Declarar que os 2º.s Autores são proprietários de um prédio urbano, constituído por uma parcela de terreno destinado a construção, sito na Rua da…, da dita freguesia de Leitões, inscrito na respectiva matriz sob o artigo… e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra registado e inscrito a seu favor.
3. Declarar que os 3ºs Autores são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, destinado a habitação, de dois andares, com cortes, barra, alpendres, eira e eido, sito na Rua de…, da freguesia de Leitões, concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo… e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra inscrito a favor do pai da Autora M…, A….4. Condenar os RR. a reconhecerem os direitos de propriedade referidos em 1., 2. e 3.
5. Condenar os RR. a reconhecerem a existência de uma servidão de aqueduto que onera o seu prédio a favor dos prédios dos AA., no sentido nascente poente.
6. Absolver os RR. do demais peticionado.
Inconformados, trazem os Autores o presente recurso pretendendo ver revogada aquela decisão, a ser substituída por outra que altere a matéria de facto quanto à facticidade que impugnam e julgue procedentes os pedidos que formularam sob as alíneas c); d) e e). Ou, mesmo que não seja alterada a matéria de facto, seja proferida decisão que condene os Réus a reconhecerem o direito que lhes assiste ao adminiculum da servidão de aqueduto, ou seja, o direito de acederem através do prédio deles, Réus, até à caixa de derivação da água, e bem assim, a indemnizá-los dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) que resultaram provados, advenientes da impossibilidade de utilização da servidão e das águas através dela conduzidas.
Contra-alegaram os Réus que defenderam a improcedência do recurso, quer quanto à matéria de facto quer no que respeita à matéria de direito, propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
II.- Os Autores/Apelantes fundam o recurso nas seguintes conclusões:
(…)
III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre:
- reapreciar a decisão de facto quanto aos pontos impugnados;
- reapreciar a decisão de direito quanto ao adminiculum servitutis invocado (passagem pelo prédio dos Réus até uma caixa onde é feita a derivação da água para os prédios dos Apelantes);
- reapreciar a decisão dos pedidos indemnizatórios formulados.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
IV.- Como acima se deixou referido os Apelantes impugnam a decisão de facto quanto à facticidade transcrita sob os n.os 55, 56 e 58, que consideram incorrectamente julgados, pretendendo que se julgue não provado o último e se altere a redacção dos dois primeiros por forma a que deles constem as operações de encaminhamento da água por cada um dos consortes. Mais impugnam a decisão quanto à facticidade transcrita sob os n.os 60, 61, 62, 64 e 65, que, tendo sido julgados não provados, pretendem que se corrija este julgamento e se tenham agora por provados.
O recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto tem de, obrigatoriamente, sob pena de rejeição do recurso quanto a esta parte, cumprir com o disposto em cada uma das alíneas do n.º 1 do art.º 640.º, do C.P.C.: indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida; e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida.
Os Apelantes fundamentam a sua dissensão referindo especificadamente os meios de prova que justificam a decisão por que pugnam, referindo a inspecção judicial ao local e as fotografias aí apresentadas, os depoimentos de parte, remetendo para a “assentada”, e depoimentos testemunhais e formulam o projecto de decisão.
Têm-se, assim, por cumpridas as imposições constantes das alíneas a); b) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do C.P.C.
Relativamente aos depoimentos de parte e testemunhais, pelo menos no corpo das alegações, indicam os minutos da gravação onde se localizam as afirmações que impunham decisão diversa da do Tribunal a quo.
Porque esta indicação não consta das conclusões, alegam os Réus (sem daí tirarem conclusões quanto à admissibilidade do recurso) incumprimento do disposto na alínea a) do n.º 2 do referido art.º 640.º, referido.
Sem embargo é de reconhecer que aquela indicação no corpo das alegações só por um rigorismo que não encontra justificação no actual Código é que poderá ser desconsiderada para efeitos do cumprimento do ónus imposto por aquela alínea a) do n.º 2 do art.º 640.º referido.
V.- O art.º 662º. do C.P.C. regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento.
Assim, a alteração daquela decisão que, se estiverem em causa direitos de natureza disponível, se restringirá à parte que foi delimitada pelo recurso, é agora um poder vinculado da Relação, desde que se verifiquem os pressupostos referidos no n.º 1, ou seja, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como consta da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Deste modo, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos que vêm referidos na alínea c) do nº. 2, e sem prejuízo da possibilidade de ser ordenada a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu-se agora à Relação o poder/dever de investigação oficiosa.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
Constitui ainda poder vinculado da Relação realizar as diligências de renovação da prova quando houver dúvidas sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, e de produção de novos meios de prova se houver dúvida fundada sobre a prova realizada, ou seja, sobre o sentido da decisão de facto tomada pelo Tribunal a quo.
O objectivo primordial é o de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, que é pressuposto de uma decisão justa.
As regras de julgamento a observar pela Relação são as mesmas por que se rege o tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções naturais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. art.os 466º., nº. 3 e 607º., n.os 4 e 5 do C.P.C., que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.).
Como refere o art.º 341.º, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
Sem embargo, não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a um elevado grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (cfr. Manuel de Andrade in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192).
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem Antunes Varela et Al. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Na situação sub judicio os factos em reapreciação admitem a prova testemunhal, cujo valor probatório está sujeito à livre (pressuposto que seja conscienciosa) apreciação do julgador – cfr. art.º 396.º do C.C. -, e daí que seja igualmente permitido o recurso às presunções judiciais, de acordo com o disposto no art.º 351.º, do C.C., que são ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – cfr. art.º 349.º, ainda do mesmo Cód..
Como explicita o Prof. Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” (in B.M.J. nº. 112º., pág. 190).
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas, normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também na situação aprecianda as coisas se passaram do mesmo modo, ou seja, perante um facto instrumental que tenha sido provado, conclui que ele revela a existência de outro facto, essencial à decisão.
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VI.- No que se refere à matéria de facto, o Tribunal a quo julgou:
a) provados os seguintes factos:
1. As 1ªs AA são as únicas herdeiras de J… falecido em 21 de Setembro de 2010, nas qualidades de esposa/cabeça-de-casal e filha, respectivamente.
2. Nessa qualidade são, por isso, as 1ªs AA as actuais proprietárias e legitimas possuidoras do prédio rústico denominado “Campo da Ribeira”, composto por terreno de cultura arvense de regadio, vinha em ramada e pomar misto, sito na Rua da…, da freguesia de Leitões, do concelho de Guimarães, omisso à respectiva matriz, em resultado das avaliações gerais oportunamente efectuadas naquele concelho, onde se encontrava anteriormente inscrito sob o artigo…, mas tendo sido apresentada participação para a sua inscrição, no Serviço de Finanças de Guimarães-1, no dia 30.06.2010, e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º…, onde se encontra registado e inscrito a favor da A. C….
3. Os 2ºs Autores são proprietários de um prédio urbano, constituído por uma parcela de terreno destinado a construção, sito na Rua da…, da dita freguesia de Leitões, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra registado e inscrito a seu favor.
4. Os 3ºs AA são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, destinado a habitação, de dois andares, com cortes, barra, alpendres, eira e eido, sito na Rua de…, da freguesia de Leitões, concelho de Guimarães, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …, onde se encontra inscrito a favor do pai da Autora M…, A….
5. Os Réus são donos e possuidores de um prédio actualmente rústico, de pinhal e mato, sito no Lugar da…, Freguesia de Leitões, deste Concelho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, com a área de cerca de 2350 m2, a confrontar actualmente de Norte com J… e a Auto- Estrada, de Sul com caminho público, de Nascente com A… e de Poente com J….
6. Tal prédio constitui o actualmente o descrito na Conservatória do Registo Predial deste Concelho, sob o n.º …, encontrando-se registado a favor dos Réus na mesma Conservatória sob o Ap. 31/04082000, do Livro G1.
7. O prédio das 1ªs AA foi adquirido pela Autora C…, por escritura de Compra e Venda outorgada em 30.08.1973.
8. O prédio do 2ºs AA foi por eles adquirido por escritura de compra e venda outorgada em 15.04.2009.
9. O prédio dos 3ºs AA foi por estes adquirido no âmbito do Inventário n.º 4684/07.0TBGMR, que correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães.
10. A Norte e Nascente do referido prédio dos Réus, existe, desde há muito tempo, um represa de água, denominada “Poça do Grande Laxão”, situada em terreno cuja propriedade os Autores desconhecem.
11. Represa esta onde são armazenadas e eventualmente nascem águas que, através de rego a céu aberto, eram conduzidas sobre prédios rústicos de vários proprietários, rego esse que conduzia as referidas águas por sobre o prédio rústico dos Réus, supra referido, entrando neste pela extrema Norte/Nascente, percorrendo depois até sensivelmente um terço do prédio dos Réus, um trajecto em linha perpendicular à extrema Norte/Nascente, curvando depois no sentido de Nascente/Sul para Poente e percorrendo nesse sentido uns 30 a 40 metros, ponto em que, curvando outra vez no sentido Norte/Sul, atingia a extrema Sul do prédio dos Réus.
12. A água para rega proveniente da “Presa de Grande-a-Chão” ou “Poça do Grande Laxão” ou da “Grande-Chã”, da freguesia de Leitões, localizada a nascente e montante de todos os prédios dos Autores e Réus, há mais de 20, 30, 40 anos, e desde tempos imemoráveis, rega cada um dos prédios dos Autores e de outros consortes, durante todo o ano, de modo público, pacífico e ininterrupto.
13. Essa água corria em aqueduto de rego de vala aberta, o qual atravessava o prédio do Réus, no sentido nascente/poente.
14. O acesso ao local de desvio/encaminhamento da água destinada aos prédios dos Autores, e seus antecessores, e o seu posterior acompanhamento, sempre se processou através do prédio dos Réus e junto do aludido rego, em paralelo a este, ao longo do qual se caminhava.
15. A utilização da referida água pelos AA e demais consortes processava-se, assim, inicialmente, por via do acompanhamento do rego a céu aberto que cruzava o descrito prédio dos RR.
16. A partir da extrema Sul/Poente do prédio rústico dos Réus o rego prosseguia percorrendo terrenos de vários proprietários até atingir os prédios dos Autores.
17. Para além daqueles atos, os Autores e antecessores limpavam o rego, quando necessário, e, com vista a evitar maiores perdas da água, a seguirem a pé, ao lado do rego, ajudando-a a percorrer aquele trajecto, restaurando os limites laterais do rego, evitando desperdícios, designadamente através da formação de “pijeiros”.
18. Para além dos Autores, a referida água sempre regou, e continua a regar, prédios de outros consortes, a saber: A…, R… e D….
19. Por acordo entre todos os consortes, e com a anuência dos Réus, procederam estes à substituição do rego a céu aberto por tubo subterrâneo, passando a referida água a ser conduzida por tubo colocado no subsolo do prédio dos Réus.
20. No decurso do mês de Agosto de 2009, os Réus procederam à colocação de estacas ao longo de toda a estrema sul do seu prédio, encostadas ao muro divisório, denotando pretender vedar completamente toda aquela estrema e, consequentemente, impedir o acesso, através daquele seu prédio, à caixa de derivação e regulação da água.
21. Perante tal intenção, os Autores interpelaram de imediato o Réu marido, por carta de 20.08.2009, junta aos autos a fls. 49 e 48 do procedimento cautelar, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
22. Os réus concluíram a vedação da sua estrema sul, com a colocação de rede a arame farpado em toda a sua extensão, com exceção do local por onde os autores sempre acederam à caixa de derivação das águas, onde deixou uma abertura com cerca de 80 cm a 1 m de largura, através da qual continuou a ser possível a passagem e acesso dos autores até à referida caixa.
23. Porém, decorrido um ano, os Réus procederam à tapagem completa da referida abertura, com arame entrelaçado.
24. Os Autores interpelaram o Réu marido, por carta de 28.07.2010, advertindo-o para proceder à respectiva reabertura até ao dia 29.07.2010, às 18.00 h, e alertando-o nos termos do doc. de fls. 53 do procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzido.
25. Contudo, os Réus mantiveram aquela vedação/tapagem, a qual só não se mantém ainda hoje por força da Providência Cautelar decretada nos autos.
26. Passagem que o réus reabriram logo que notificados da decisão tomada na providência cautelar que precedeu este processo.
27. A substituição do rego pelo tubo subterrâneo ocorreu, pelo menos, no ano de 1998.
28. Por força daquela mudança os Autores e os restantes consortes foram obrigados a construir uma caixa, com blocos e cimento, de divisão, derivação e encaminhamento da água, de acordo com o giro dos usos e costumes, em benefício de todos os consortes.
29. O local onde até então era feita a derivação das águas a céu aberto, na “tola”, iria ficar inacessível com a já projectada e certa passagem da Auto-Estrada A11 (Guimarães - Braga).
30. Tendo os consortes procedido à colocação daquela caixa junto à estrema sul do prédio dos RR., mas já no terreno com ele confinante, propriedade de um dos consortes, A….
31. Os Réus não se opuseram a que os Autores e seus antecessores continuassem a passar e a atravessar o seu prédio, acedendo através dele ao local da derivação, divisão e encaminhamento da água.
32. O consorte A… anuiu autorizar a colocação da referida caixa de derivação junto à estrema do seu prédio, encostada ao muro divisório do seu prédio e dos Réus, com a condição expressa de pelo menos os aqui Autores continuarem a ela aceder através do prédio dos aqui Réus, à semelhança do que até ali sempre haviam feito.
33. O tubo de condução da água foi colocado no subsolo do prédio dos Réus sendo que junto à sua estrema sul foi ligeiramente desviado para a caixa de derivação, colocada no terreno confinante a sul, pertença de um dos consortes, encostada ao muro divisório com o prédio dos Réus, dela derivando novamente para este prédio.
34. Os Autores continuaram a aceder àquela caixa de derivação de água, para a encaminharem de acordo com o giro dos usos e costumes, de forma ininterrupta e sem oposição, através do prédio do Réus, exactamente pelo mesmo percurso por onde sempre o fizeram, quando a água era conduzida a céu aberto e, posteriormente, por tubo.
35. Aquele acesso continua a constituir o percurso mais curto e, por isso, menos oneroso para os Autores, bem como o único que implica a utilização e oneração de um único prédio e de um único proprietário, de modo a que possam chegar até à caixa de derivação da água, para nela efectuarem, de forma rotativa e de acordo com o giro dos usos e costumes, a respectiva divisão, derivação e encaminhamento da água para os prédios de cada um deles, sem que daí tivesse resultado maior prejuízo para o prédio serviente a utilização da referida água e, consequentemente, da passagem e acesso até à caixa de derivação, que sempre continuou a ser feita, de forma pacífica, pública e ininterrupta, através do prédio dos RR., é feita de acordo com o seguinte percurso:
36. Depois da caixa de derivação da água o tubo que a conduz atravessa o prédio dos Réus, no sentido nascente/poente, até à estrema poente, após o que atravessa a estrada e é conduzido até uma caixa onde é feita a derivação para o Consorte J…. Depois deste segue, sempre no sentido nascente/poente, até uma caixa onde é feita a derivação para os 1ºs e 2ºs Autores, na proporção de 1 e 2 bicas, respectivamente, sendo a partir dali armazenada em dois tanques de cada um daqueles Autores e Consortes
37. O giro da água é o seguinte:
38. Os 1ºs e 2ºs Autores têm direito à água 6 dias, durante todo o ano, intercalados por 2 dias de utilização dos restantes consortes, e assim sucessivamente, os quais são geridos da seguinte forma:
39. - 2 dias por parte da consorte R… e dos 3ºs AA., sendo 1 dia para cada um deles, respectivamente, durante todo o ano.
40. - após mais 6 dias para os 1ºs e 2ºs Autores, 2 dias de água para o consorte D…, ao que se seguem 6 dias para aqueles, e assim sucessivamente, durante todo o ano.
41. - O consorte A… tem, por seu lado, direito a metade da água aos Domingos, desde o S. Pedro (29 de Junho) à Misericórdia (8 de Setembro), e três quartas-feiras, alternadas, do S. Pedro à Abadia (15 de Agosto).
42. Os consortes e os seus antecessores, sempre transitaram durante mais de 20, 30 e 40 anos, de forma pacífica, pública e ininterrupta, mesmo depois de terem entubado aquela água, em 1998, com a convicção de quem exerce direito próprio, para, dessa forma, acederem à caixa de derivação da água, encostada ao muro da sua estrema sul, e nela fazerem a divisão, derivação e encaminhamento das águas para cada um dos seus consortes, de forma rotativa e de acordo e em cumprimento do giro segundo os usos e costumes, bem como vigiarem a água e procederem à manutenção e limpeza daquela caixa de derivação.
43. A conduta dos Réus impediu os Autores, desde o dia 17 de Julho de 2010 até 13 de Setembro de 2010 - data em que repuseram a passagem e acesso aos AA. - de acederem – através do prédio dos RR. - à caixa de derivação da água.
44. Os 1.ºs AA. têm no seu prédio hortaliça e feijão que necessitavam de ser regados.
45. Os 2ºs AA utilizam a dita água para regadio, diário, de uma área com cerca de 6.000 m2 de milho, composta pelo seu terreno, ainda utilizado para cultivo, e pelo restante terreno donde aquele foi desanexado, de cultivo, cedido pelo vendedor daquele seu terreno.
46. Os 3ºs AA utilizam a referida água para rega de vários produtos hortícolas e legumes.
47. Os 1.ºs AA. tiveram de comprar legumes no valor de € 40,00 em virtude dos que tinham plantado terem secado.
48. Os 2.ºs AA. deixaram de vender o milho que tinham semeado, pelo valor de € 1.500,00, em virtude deste ter secado.
49. Na sementeira do milho gastaram € 500,00.
50. Os 3.ºs AA., em virtude dos legumes que tinham plantado terem secado, tiveram de comprar pelo menos cinco arrobas de batatas, a € 15,00 cada uma e tiveram de comprar legumes para a sopa, que faziam duas vezes por semana, no que gastavam não mais de € 2,00 por semana.
51. A actuação dos RR, causou aos AA. incómodos, preocupações, inquietações e ansiedades.
52. As 1.ºs AA. residem em Caldelas, Taipas, Guimarães.
53. Os 2.º AA. residem em S. Paio, Guimarães.
54. O custo de entubamento das águas foi integralmente suportado em partes iguais, pelo falecido J…, por M…, por R… e por A….
55. O sistema assim instalado consistia, para além da colocação do tubo desde a “Poça do Grande Laxão” até aos prédios dos Autores, na utilização da referida caixa, na qual os Autores fizeram entrar o tubo, num dos pontos, proveniente do lado Poente, e a partir da caixa, onde instalaram três passadores distintos, cada um destinado a abastecer cada um dos prédios dos Autores.
56. Para o sistema ser exequível, ficou sendo necessário, em consequência, que cada um dos Autores, no dia ou na hora a que se inicia o seu direito a usar a água, se dirija à caixa, para, depois de a abrir, fechar o passador do proprietário correspondente ao giro anterior, e abrir aquele que corresponde no giro a esse Autor, e assim sucessivamente.
57. Os AA. continuaram a passar pelo terreno dos RR.
58. Os AA. podem aceder à caixa de derivação através do prédio onde a mesma foi instalada, pertencente a A….
59. Os RR. decidiram destinar o seu prédio à construção urbana pelo que fecharam de novo a passagem do mesmo em 17 de Julho de 2010.

b) não provados os factos seguintes:
60. A conduta dos RR. tenha impedido os AA. de usufruírem e utilizarem a água para rega dos respectivos prédios
61. Inicialmente, os Réus autorizaram que a referida caixa fosse colocada no seu prédio tendo posteriormente retirado tal autorização.
62. Era do interesse de A… a conclusão das obras realizadas, bem como dos restantes consortes, na medida em que já haviam despendido elevadas verbas na execução das mesmas, já de si em estado bastante adiantado.
63. O tubo de condução da água tivesse sido colocado exactamente no mesmo local onde antes a água corria a céu aberto.
64. Os Autores estão também impedidos de acederem à caixa de derivação das águas de outra forma, nomeadamente através do prédio do consorte A…, confinante, a Sul, com o prédio do Réus, o qual expressamente se recusa a conceder autorização para o efeito.
65. Os Autores sempre tiveram e continuam a ter absoluta necessidade de transitar pelo prédio, dos Réus.
66. Os 1ºs AA têm no seu prédio: cerca de metade da sua área com milho, batata, feijão e outros legumes, semeados e cultivados por um seu arrendatário; cerca de 2.000 m2 por si ocupados com um pomar de variada fruta e com vários legumes e produtos hortícolas, tais como tomate, feijão, feijão verde e hortaliças; restante área ocupada por uma sua cunhada e tia, M…, que nela cultiva, com a sua autorização, variados legumes e produtos hortícolas e flores.
67. Os 3.ºs AA. utilizassem a água para regar milho.
68. A actuação dos RR. continua a causar aos AA. incómodos, preocupações, inquietações e ansiedade, com consequências nefastas para o seu sistema nervoso e sossego.
69. As 1ªs e os 2ºs AA não consigam exercer uma vigilância permanente sobre os seus prédios e sobre a utilização, ou privação, da água, a não ser quando ali se deslocam para procederem à derivação e encaminhamento da água.
70. O pai do autor J… há muito mais de trinta anos deixou voluntariamente de se aproveitar da dita água, à qual renunciou, abdicando dela, em favor dos outros consortes
71. O tubo das águas esteja a 80 cms de profundidade e o atravessamento que faz do prédio dos RR. seja na transversal.
72. A partir de determinada altura os Réus aperceberam-se de que – sem qualquer necessidade de o fazer, porque os prédios deles e o do consorte onde se situa a caixa, A…, se situam lado a lado e a caixa dista sensivelmente a mesma distância da via pública situada a Sul – os Autores começaram a passar no prédio dos Réus, junto à extrema, subindo até à zona que confina com a caixa, para aí, curvarem à direita, entrar no prédio do A… e abrir e fechar o passador.
73. O Réu marido fez saber que não consentia nessa devassa do seu prédio, tanto mais quanto é certo que o acesso à caixa se podia fazer, e em melhores condições, percorrendo somente o prédio do A…
VII. (…)
VIII.- Nos termos que acima se deixam expostos, decide-se alterar a decisão de facto quanto à facticidade constante dos números mencionados, que ficam com a seguinte redacção:
55.- O sistema assim instalado consistia, para além da colocação do tubo desde a “Poça do Grande Laxão” até à caixa de derivação construída no prédio do consorte A…, na utilização desta caixa, da qual partem três tubos, cada um deles dotado de um passador: um que conduz a água da consorte R…; outro que conduz a água dos AA. C… e F…; e um terceiro que conduz a água do consorte A….
56.- Para o sistema ser exequível, ficou sendo necessário, em consequência, que os consortes referidos, no dia ou hora a que se inicia o seu direito a usar a água, se dirijam à caixa para, depois de a abrir, fechar o passador do consorte correspondente ao giro anterior, e abrir o passador que lhe corresponde a si, e assim sucessivamente.
58.- Sem prejuízo do que acima ficou referido sob o n.º 35, é possível, também aos Autores, aceder à caixa de derivação através do prédio onde a mesma foi instalada, pertencente a A….
60.- A conduta dos Réus impediu os Autores de usufruírem e utilizarem a água para rega dos respectivos prédios.
61.- Inicialmente, o Réu A… autorizou que a referida caixa fosse colocada no seu prédio tendo posteriormente retirado tal autorização.
62.- Era do interesse de todos os Consortes a conclusão das obras na medida em que haviam despendido verbas na execução das mesmas, as quais já iam em estado bastante adiantado.
IX.- Resulta pacífico dos autos que o prédio dos Réus está onerado com uma servidão de aqueduto em benefício dos prédios dos Apelantes.
As servidões são direitos reais de gozo, definindo-as o artº 1543.º do Código Civil (C.C.) como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o prédio que dela beneficia.
Como resulta do disposto no n.º 1 do art.º 1561.º do C.C., o titular do direito a águas particulares pode conduzi-las através de prédio de outrem para as aproveitar num prédio que lhe pertença, seja em proveito da agricultura ou da indústria, seja para gastos domésticos.
A condução das águas pode fazer-se através de rego a céu aberto ou por cano subterrâneo ou tubo enterrado no solo.
As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título - cfr. art.º 1564.º, do C.C..
Se a servidão foi constituída por usucapião, o seu conteúdo ou extensão e o seu exercício determinam-se pela posse do titular respectivo, de acordo com o princípio tantum praescriptum quantum possessum.
Como refere o Ac. do S.T.J. de 23/10/2008, “Essa «posse da servidão» conduzirá, operada a usucapião, à constituição do ónus com o conteúdo e extensão dessa posse, de tal modo que, se uma servidão se inicia com determinado conteúdo e, posteriormente, esse conteúdo ou extensão sofre um aumento, o novo conteúdo exigirá o decurso do prazo de 20 anos para se operar a usucapião” (Proc.º 08B2004, Cons.º Santos Bernardino, in www.dgsi.pt).
Se o título for insuficiente aplicam-se as normas constantes dos art.os 1565.º a 1568.º do C.C..
De acordo com o que dispõe o n.º 1 do art.º 1565.º, no que se refere à extensão da servidão, entende-se que nela está compreendido tudo quanto seja necessário para o seu uso e conservação, e em caso de dúvida quanto à extensão e ao modo de exercício entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 1565.º, que consagra, assim, um duplo objectivo – o da maior utilidade possível para o prédio dominante e do menor dano possível para o prédio serviente, deste modo se obtendo o equilíbrio dos interesses do dono do prédio dominante e do dono do prédio serviente.
Compreendendo o conteúdo da servidão tudo o que seja necessário para o seu uso e conservação, segundo o Cons.º Rodrigues Bastos, terá sido propositadamente que não vêm enumerados os vários direitos que são de atribuir ao titular activo da servidão – adminicula servitutis – “tal a variedade de actos que podem ser necessários ao seu exercício”, havendo-os que “podem depender de circunstâncias puramente ocasionais (in “Direito das Coisas Segundo o Código Civil de 1966”, IV vol., págs. 194-195).
Os adminicula servitutis, como escreve Tavarela Lobo, são “todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que representam os meios adequados ao pleno aproveitamento da servidão”.
Sendo poderes ou faculdades acessórias da servidão, não são servidões acessórias, subsistindo apenas enquanto durar a servidão, mas “o seu exercício não obsta à extinção da servidão” (in “Manual do Direito de Águas”, Coimbra Editora, 1990, págs. 252-255).
Partindo do seu grau de necessidade para o aproveitamento da servidão, a doutrina distingue-os entre:
a) as faculdades acessórias absolutamente indispensáveis ao exercício da servidão; e
b) as faculdades sem as quais a servidão pode exercitar-se, mas em extensão ou medida inferior à resultante do título.
Relativamente à servidão de aqueduto, se a condução da água é feita por rego a céu aberto, é usual referir-se, como adminicula, o direito do titular da água passar no prédio serviente para a acompanhar e vigiar o livre curso dela, o direito de limpar o rego, de reparar os bordos do rego, de tirar torrões do solo do prédio serviente para tapar os buracos que, os animais ou mão humana tenham aberto no rego (cfr., v.g., Tavarela Lobo, ob. cit. págs. 253 e 254).
Se a condução da água é feita através de cano subterrâneo ou tubo enterrado no solo como, em princípio, não existe o perigo da água se perder os adminicula ficam restringidos às necessidades de reparação das avarias que se vierem a verificar – desabamento da cobertura do cano, ruptura do tubo, ou o seu entupimento -, já não se justificando o direito de passagem pelo prédio serviente para acompanhamento da água - cfr., neste sentido, Tavarela Lobo, ob. cit., pág. 392, e Ac. do S.T.J. de 28/10/2014 no qual se afirma que “Se a servidão de aqueduto se traduz, em concreto, numa canalização subterrânea no prédio serviente, é injustificado estar a ordenar, por via judicial, que os servientes sejam condenados a proceder à entrega imediata de um duplicado da chave própria para a fechadura do portão de acesso normal ao seu prédio ou que deixem esse portão aberto, para permitir o acesso dos titulares da servidão, considerando-se equilibrado que apenas seja facultado aquele acesso quando as circunstâncias imponham a necessidade de inspeccionar os tubos que compõem o aqueduto e nesse restrito condicionalismo (Proc.º 750/03.0TCGMR.G1.S1, Cons.º Martins de Sousa, in www.dgsi.pt). Foi no mesmo sentido a Relação de Coimbra, no Ac. de 13/04/2010 (Proc.º 2529/05.5TBGRD.C1, Desemb. Carlos Querido, in www.dgsi.pt).
No que respeita a esta Relação de Guimarães, o Ac. de 26/01/2005, em razão de os aí autores não haverem logrado provar a constituição, a favor do seu prédio, e por usucapião, de qualquer direito de servidão de passagem sobre o prédio dos réus, não lhes reconheceu “a faculdade acessória de acesso à “tola” de derivação de água e ao seu acompanhamento e vigilância” (tendo ficado provado que os referidos autores, aquando da compra do prédio, tinham de abrir um acesso dele para a via pública e ainda que a água passou a ser conduzida através de um tubo, enterrado no solo, desde a tola até ao prédio dos autores - Processo: 2349/04-1, Desemb.ª Rosa Tching, in www.dgsi.pt e tb C.J., ano XXX, tomo I/2005, págs. 283-285). Já, porém, o Ac. de 06/01/2014, considerou integrar os adminicula da servidão de aqueduto, em que, no prédio dos Réus, a condução da água se fazia por um tubo enterrado no solo, “a faculdade de passarem a pé … para cabal exercício da servidão de aqueduto … quando as circunstâncias o imponham para vigiar, inspecionar … o aqueduto bem como para abrir e tapar o tanque” (Processo: 539/10.0TBCBT.G1, Desemb.ª Helena Melo, in www.dgsi.pt e tb. C.J., ano XXXIX, tomo I/2004, págs. 295-299).
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X.- Na situação sub judicio extrai-se da facticidade acima transcrita sob os n.os 12 a 14; 28 a 32, 34, 35 e 42 (estes essenciais, como infra se verá), 55, 56 e 57, que há mais de 40 anos, e desde tempos imemoriais, os antecessores dos Autores/Apelantes regavam os prédios que a estes agora pertencem com a água provinda da “Poça do Grande Laxão”. Água que era conduzida por um rego a céu aberto que atravessava diversos prédios de diversos proprietários, dentre os quais aquele que pertence aos Réus/Apelados.
Os referidos antecessores dos Autores, e também estes até, pelo menos, até antes de 1998, nos dias em que a água lhes pertencia, dirigiam-se à “tola” para a desviarem para o seu rego, seguindo um percurso que passava sobre o prédio dos Réus, e, fazendo depois o percurso inverso, acompanhavam a água até ela atingir os respectivos prédios.
Este modo de actuação verificou-se, ininterruptamente, até cerca (antes) daquele ano de 1998, altura em que os consortes da água, para optimizarem o seu aproveitamento e também porque o local onde se situava a “tola” ia ser “destruído” para passar uma auto-estrada, decidiram fazer conduzir a água através de um tubo que enterraram no solo, para o que obtiveram o consentimento dos Réus (para a parte do trajecto que percorria o seu prédio).
Para tanto, houve necessidade de criar um local que possibilitasse “tornar” a água para o(s) prédio(s) de cada um dos consortes, nos dias que lhes cabiam, dotando-o de um sistema que permitisse derivar a água para o local do destino – assim, com blocos de cimento construiu-se uma caixa na qual foram colocados três tubos, munidos de um passador. Nos giros respectivos cada um dos consortes, no dia e/ou hora em que se inicia o seu direito à água, tem de se dirigir àquela caixa, fecha o passador do consorte cujo giro terminou e abre o que passador que lhe corresponde a si.
A mencionada caixa foi colocada encostada ao muro divisório do prédio dos Réus do do consorte A.., ainda que já em terreno deste.
E, tal como até então vinham fazendo, os consortes (designadamente os Apelantes e antecessores) passaram a ela aceder através do prédio dos Réus, que é o percurso mais curto e o único que implica a oneração de um único prédio pertencendo a um único proprietário “sem que daí tivesse resultado maior prejuízo para o prédio serviente”, passagem e acesso até à caixa de derivação, “que sempre continuou a ser feita, de forma pacífica, pública e ininterrupta, através do prédio dos RR.” (cfr. supra n.º 35).
Ficou provado que (n.º 42), “os consortes e os seus antecessores, sempre transitaram durante mais de 20, 30 e 40 anos, de forma pacífica, pública e ininterrupta, mesmo depois de terem entubado aquela água, em 1998, com a convicção de quem exerce direito próprio, para, dessa forma, acederem à caixa de derivação da água, encostada ao muro da sua estrema sul, e nela fazerem a divisão, derivação e encaminhamento das águas para cada um dos seus consortes, de forma rotativa e de acordo e em cumprimento do giro segundo os usos e costumes, bem como vigiarem a água e procederem à manutenção e limpeza daquela caixa de derivação”.
Ora, tendo sido constituída por usucapião, a servidão de aqueduto que onera o prédio dos Réus a favor dos prédios pertencentes aos Autores, é uma servidão voluntária e a sua extensão e o modo de exercício aferem-se pelos actos que integram a posse.
Saiu inequivocamente provado que um desses actos é a passagem pelo prédio dos Réus que nunca se limitou ao acompanhamento da água, quando a condução se fazia por rego a céu aberto, mas se estendia às deslocações à “tola” e, depois, à caixa construída, para fazerem derivar a água para os seus prédios, sendo que, por não existir no prédio dos Réus qualquer pijeiro cuja necessidade de tapagem devesse ser previamente acautelada, a razão da passagem para a “tola” é a mesma que motiva a passagem para a caixa - fazer derivar a água para o(s) prédio(s) do(s) consorte(s) a quem pertence, de acordo com o giro estabelecido.
Ficou, assim, constituída uma servidão de passagem, onerando o prédio dos Réus, beneficiando os prédios dos Autores, que tem por finalidade o aproveitamento/utilização da água nestes prédios (sendo neste ponto, que aqui se assume como essencial, que a situação sub judicio difere da que foi objecto de apreciação e julgamento no Ac. desta Relação de 26/01/2005, acima referido, no qual o Tribunal a quo declaradamente baseou a sua decisão).
Da alteração introduzida no sistema de condução da água e, bem assim, da passagem para a caixa para se fazer a derivação, não resulta, como ficou provado, qualquer aumento do conteúdo ou da extensão da servidão, sendo certo que o percurso que os Apelantes vêm seguindo até à caixa de derivação, no interior do prédio dos Réus, é mais curto que o que faziam quando se dirigiam à “tola”.
Não tendo sido pedida a extinção da servidão, à hipótese, ou possibilidade, de os Apelantes acederem à caixa de derivação por outro percurso, passando pelo prédio de um dos consortes, no contexto destes autos não pode ser atribuído qualquer efeito jurídico.
Impõe-se, pois, aos Réus respeitá-la, estando obrigados a absterem-se da prática de quaisquer actos que obstem ou dificultem o seu exercício, devendo, designadamente, facultar a passagem aos Apelantes, através do seu prédio, de forma a que acedam à caixa de derivação da água, como até agora vinha sendo praticado.
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XI.- Os Apelantes, alegando terem sofrido prejuízos e danos derivados da actuação dos Réus, pretendem ser ressarcidos por estes.
i) O direito à indemnização que os Apelantes pretendem fazer valer radica no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
Ora, nos termos do disposto no art.º 483.º do C. C., a obrigação de indemnizar depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto (voluntário do agente); a ilicitude desse facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; um nexo de causalidade entre aquele facto e este dano (cfr., dentre outros, P. Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, págs. 444 e sgs.).
O elemento básico da responsabilidade é o facto – “um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana” (Autores e ob. cit.).
Este comportamento tanto pode consistir numa acção como numa omissão. O que importa é que a vontade o domine.
In casu o facto é o que vem descrito sob os n.os 23 a 25 – tapagem completa, a que procederam os Réus, da abertura na vedação que haviam deixado para permitir a passagem dos Apelantes.
A ilicitude tanto pode consistir na violação de um direito (absoluto) de outrem, como na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Na situação sub judicio, como acima ficou demonstrado, foi violado um direito real de servidão, de que os Apelantes beneficiavam.
Acresce que, ainda que a actuação dos Réus se dirigisse apenas à defesa do seu direito de propriedade, sempre temos de convir que a facticidade apurada não permite julgar verificados os pressupostos que permitiam o recurso à acção directa, nos termos do art.º 336.º do C.C., que, a verificar-se, constituiria uma causa de exclusão da ilicitude.
A culpa, como escreve o Prof. Antunes Varela, “exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Ed., págs. 566).
Podendo a culpa revestir a forma de dolo ou a forma de negligência (também dita mera culpa), cabem naquele os casos em que o agente quis realizar o facto ilícito (dolo directo); ou, não o querendo realizar directamente o previu como uma consequência necessária da sua conduta mas, apesar disso, não a alterou (dolo necessário); ou ainda, não querendo realizar directamente o facto ilícito, previu-o como uma consequência possível (dolo eventual), mas, mesmo assim, aceitou-o.
A negligência caracteriza-se, essencialmente, por o agente não ter usado da diligência no grau que lhe é exigível, cabendo aqui os casos em que prevê a produção do facto ilícito como possível, mas, “por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação, e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar”– culpa consciente -, assim como aqueles em que o agente, “por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão” não chega, sequer, a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação se usasse da diligência devida – negligência inconsciente (vide Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág. 573).
Ainda segundo o mesmo Autor, a “mera culpa (quer consciente, quer inconsciente) exprime, assim, uma ligação da pessoa com o facto”, sendo, por isso, um dos elementos do nexo de imputação do facto ao agente, e é reprovável ou censurável em grau que “será tanto maior quanto mais ampla for a possibilidade de a pessoa ter agido de outro modo e mais forte ou intenso o dever de o ter feito”.
O C.C. consagrou o critério da culpa em abstracto - artº. 487º., nº. 2.
A significação do conceito do “bom pai de família” não é, porém, a do puro homem médio, mas antes a do “bom cidadão”, como refere ainda o Prof. Antunes Varela, que acrescenta, “o que significa que o julgador não estará vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado no meio, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento” (ob. cit. pág. 575/576, nota 3).
Na situação sub judicio a facticidade apurada permite qualificar a conduta dos Réus como dolosa já que actuaram com vista à concretização do resultado que se verificou.
O outro requisito necessário à constituição do direito de indemnização é a existência de danos, ou seja, que o facto, ilícito e culposo, provoque danos na esfera jurídica do titular do direito ofendido.
O dano, ainda segundo os ensinamentos de Antunes Varela, é “a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar”, ou seja é “a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea” (cfr. “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., págs. 598-599).
São danos patrimoniais aqueles que incidem sobre interesses de natureza material ou económica e se reflectem no património do lesado, sendo indemnizáveis os chamados danos emergentes assim como os lucros cessantes e ainda os danos futuros desde que sejam previsíveis.
São ainda indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº. 496º., nº. 1, do C.C. – gravidade que se mede por critérios objectivos.
Caracterizam-se estes danos por serem insusceptíveis de avaliação pecuniária por atingirem bens (in casu, de um modo geral, a saúde e o bem estar) também eles não susceptíveis daquela avaliação, e, por isso, não integram o património do lesado. O lesado será compensado pela obrigação imposta ao lesante de lhe pagar certa quantia, a qual se assume mais como uma satisfação do que como indemnização qua tale (cfr. ANTUNES VARELA, in “Das Obrigações em Geral”, 10ª. Edição, volume I, pág. 601).
O último requisito é o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Com efeito, dispõe o art.º 563.º do C.C. que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
A causalidade, que funciona como pressuposto de responsabilidade civil e como molde para a fixação da indemnização, comporta as duas formulações da teoria da causalidade adequada – a positiva e a negativa, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação.
Tendo presente que a causalidade adequada se refere ao “processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano”, entender-se-á existir a indiferença ou inadequação “quando o evento, segundo o normal decurso das coisas e a experiência da vida, não eleva ou favorece, nem modifica o círculo de riscos de verificação do dano”.
Ainda que sejam as circunstâncias a definir a adequação da causa, para a produção do dano podem intervir outros factos, do próprio lesado ou de terceiro, sendo que ocorrendo um concurso de causas adequadas e simultâneas ou subsequentes “qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano” (cfr. o Ac. do S.T.J. de 20/06/2006, in C.J., Acs. do S.T.J., ano XIV, tomo II, págs. 120-121).
Ora, como ficou provado, por via da acção ilícita dos Réus, os Apelantes foram impedidos de utilizarem a água a que tinham direito e da qual necessitavam para a rega das culturas que tinham nos seus prédios (cfr. n.os 43 e 60 da facticidade provada). O facto ocorreu em época de estio – finais de Julho – quando as necessidades de rega são imperativas pelo calor que se faz sentir. Não tendo sido regadas, perderam-se as culturas, o que resultou num prejuízo para os Apelantes.
Está, assim, estabelecido, o nexo de causalidade entre o facto e os danos.
ii) Mostrando-se preenchidos todos os pressupostos exigidos, estão os Réus/Apelados obrigados a ressarcir os Autores dos danos que estes, provadamente, sofreram.
a) Para se apurar o quantum da indemnização, no que se refere aos danos patrimoniais, há que ter presente o disposto nos art.os 562º.; 564º.; e 566º., do C.C., dos quais resulta que ela deverá tender para a reconstituição da situação patrimonial que existiria se o evento danoso se não tivesse verificado.
Como ensina Antunes Varela, “o fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes” (in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª. Edição, pág. 904).
Sempre que a reconstituição natural não seja possível, ou não repare integralmente os danos, ou ainda seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em dinheiro, devendo a respectiva importância ser quantitativamente equivalente à diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o evento.
Para a hipótese de se não conseguir apurar o valor exacto dos danos remete o nº. 3 daquele artº. 566º., do C.C. para o julgamento segundo as regras da equidade, assim permitindo ao julgador fazer a justiça do caso concreto.
Como se extrai da facticidade transcrita sob os n.os 44 e 47, as 1.as AA., C.. e Outra, tinham no seu prédio hortaliça e feijão, que secaram por não terem sido regados, pelo que foram obrigadas a comprar legumes, no que gastaram a importância de € 40 (quarenta euros).
Os 2.os AA., F.. e mulher, utilizavam a água para regadio de milho, que destinavam à venda. O milho secou tendo aqueles deixado de ganhar o valor que obteriam por ele, que, nos termos julgados provados, ascendia aos € 1.500 (mil e quinhentos euros) - cfr. n.os 45 e 48.
Ficou ainda provado que os mesmos AA. haviam gasto a quantia de € 500 (quinhentos euros) na sementeira do milho. Sem embargo, esta despesa não pode relevar no cômputo da indemnização porquanto o valor acima referido, sendo o valor da venda, consome tudo quanto, em circunstâncias normais, os AA. conseguiriam obter.
Finalmente, os 3.os AA., J.. e mulher utilizavam a água para a rega de vários produtos hortícolas e legumes, que secaram por não terem sido regados. Tiveram, assim, aqueles de comprar cinco arrobas de batatas, que pagaram à razão de € 15 por arroba, o que representou uma despesa de € 75 (setenta e cinco euros), e tiveram de comprar legumes para a sopa, no que gastaram € 2 por semana (cfr. n.os 46 e 50). Tendo estado privados da água durante oito semanas, o montante total desta despesa deve ser computado em €16 (dezasseis euros).
O valor dos danos patrimoniais que sofreram, correspondente ao valor da indemnização, é, assim, de € 91 (noventa e um euros).
b) No que se refere aos danos não patrimoniais, a indemnização não visa repor a situação que existia antes do acto lesivo, porque é impossível, visa antes compensar psicologicamente o lesado das dores e dos desgostos que sofreu e de que sofre, quer seja pela aquisição de bens materiais quer seja pela realização de algo que lhe traga satisfação, aliviando-lhe os sofrimentos.
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, podendo, no caso de a responsabilidade se fundar em mera culpa, ser inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem, nos termos das disposições conjugadas do nº. 3 daquele artº. 496º. e do artº. 494º., do mesmo C.C..
Como já se referiu, só são indemnizáveis os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Ora quanto a esta parte o que se provou (cfr. supra n.º 51) foi que “a actuação dos RR. causou aos AA. incómodos, preocupações, inquietações e ansiedades”.
Sendo estes os sentimentos que normalmente andam associados a situações de simples confronto de interesses, não se provaram quaisquer factos dos quais se possa inferir a gravidade dos sentidos pelos Apelantes, aos quais cabia o ónus da prova, por serem constitutivos do direito - cfr. n.º 1 do art.º 342.º, do C.C..
Como vem sendo entendimento jurisprudencial uniforme, os simples incómodos e preocupações não constituem fonte da obrigação de indemnizar por não atingirem o patamar de gravidade relevante que os torne merecedores da tutela do direito.
Na presente situação o mesmo julgamento deve ser feito relativamente às singelas inquietações e ansiedades, se não se provou que tenham afectado, em grau relevante, o estado de saúde dos Apelantes.
Termos em que, quanto a esta parte, improcede o pedido indemnizatório que formularam, restando a indemnização pelos danos patrimoniais, nos termos que acima se deixaram referidos.
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C) DECISÃO
Considerando tudo quanto acima vem exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em consequência decidindo:
- reconhecer aos Apelantes o direito de acederem através do prédio dos Réus/Apelados à caixa de derivação da água referida no n.º 28 dos factos provados, condenando estes a respeitarem aquele direito de passagem, abstendo-se da prática de quaisquer actos que a impeçam;
- condenar os Réus/Apelados a pagarem, de indemnização pelos danos patrimoniais que sofreram, às Apelantes C.. e Outra a quantia de € 40 (quarenta euros), aos Apelantes F.. e esposa, a quantia de € 1.500 (mil e quinhentos euros) e aos Apelantes J.. e esposa a quantia de € 91 (noventa e um euros).
- No mais peticionado, manter a decisão impugnada.
Custas pelos Réus/Apelados e pelos Apelantes, na proporção do vencido.
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Guimarães, 23/04/2015
Fernando Fernandes Freitas
Purificação Carvalho
Espinheira Baltar