Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3310/13.3TBBRG.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A imposição da indicação discriminada dos factos sobre os quais há-de recair a prestação de declarações da parte, não impede que a parte requeira a prestação de declarações a toda a matéria.
Decisão Texto Integral: Processo 3310/13.3TBBRG.G1

Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

No processo declarativo sob a forma sumária que F… instaurou contra A…, Lda., veio a R. apresentar requerimento probatório, requerendo, declarações de parte do seu gerente F… .

Sobre o requerido foi proferido despacho com o seguinte teor:

“ A Ré veio requer a prestação de declarações de parte do seu representante, este requerimento é indeferido nos termos do artigo 466º n.º2 uma vez que é aplicável o regime do depoimento de parte e impõe-se a identificação dos factos a que se pretende que sejam prestadas as declarações, o que não foi feito.”
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção integralmente procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de 10.213,36, acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento.

A R. não se conformou com o despacho que indeferiu a prestação de declarações e interpôs o presente recurso, oferecendo as seguintes conclusões:

1. O presente recurso é interposto do douto despacho de 28/11/2013, compilado a fls…dos autos e gravado no sistema Habilus Média Stúdio com hora de inicio 11:03 e hora de fim 11:04, que indeferiu o requerimento apresentado pela Ré de declarações de parte do gerente F… suscitado nos autos.
2. A Recorrente em 18/10/2013 apresentou um requerimento aos autos para prestação de declarações de parte no qual requereu:
(…)vem junto de V.Ex.ª requerer declarações de parte do seu gerente F…, com domicilio profissional na sede da R, uma vez que o mesmo tem conhecimento directo sobre toda a matéria constante dos autos”
3. Por despacho proferido a fls …autos e gravado no sistema Habilus Média Stúdio com hora de inicio 11:03 e hora de fim 11:04, foi indeferido o requerimento com o seguinte fundamento:
Minuto 00:00:01 a 00:00:34 da gravação áudio referida:
“ A Ré veio requer a prestação de declarações de parte do seu representante, este requerimento é indeferido nos termos do artigo 466º n.º2 uma vez que é aplicável o regime do depoimento de parte e impõe - se a identificação dos factos a que se pretende que sejam prestadas as declarações, o que não foi feito.”
4. Não se conformando com o douto despacho acima referido a recorrente veio interpor o presente recurso.
5. Confrontando o artigo 466º, que disciplina a matéria do presente recurso, com o requerimento apresentado constata-se que a Recorrente no seu requerimento de declarações de parte cumpriu todos os requisitos previstos nesse mesmo artigo pelo que
não se pode aceitar a decisão de indeferimento proferida pelo M.º Juiz a quo.
6. Na verdade o Recorrente requereu que as declarações de parte do seu gerente recaíssem sobre toda a matéria dos autos uma vez que o mesmo tem conhecimento directo sobre a mesma.
7. Ora, a Recorrente indicou que a matéria que a parte deveria prestar as suas declarações seria toda a matéria dos autos.
8. Pois, toda a matéria que se discutia nos presentes autos era aferir se as partes tinham ou não celebrado um contrato de mútuo, matéria essa que está diluída por todos os articulados,
9. Aliás, foi pela simplicidade da matéria alegada nos autos que o M.º Juiz a quo se absteve de fixar base instrutória.
10. As declarações de parte, por remissão para o regime do depoimento de parte, só podem ter por objecto factos pessoais ou factos de que a depoente deva ter conhecimento directo, pelo que o tribunal deveria admitir as declarações de parte requeridas, cingindo tais declarações a essas mesmas questões, em observância aos supra referidos preceitos legais.
11. Nesse sentido, pelo menos, ter-se-ia que considerar as declarações de parte da Recorrente aos artigos 7º a 13º da contestação, que mais não é do que a toda a matéria discutida nos presentes autos,
12. Ao decidir como decidiu o M.º Juiz a quo violou, entre outras disposições, o disposto nos artigos 466º, 452º e 454º, todos do CPC.
Sem prescindir e por mera cautela jurídica,
13. O normativo previsto no artigo 452º n.º2 não estabelece, na sua actual redacção, qual a sanção ou até mesmo se existe sanção, para o facto de o Recorrente não ter indicado, discriminadamente, os factos sobre os quais pretendia que a parte prestasse declarações.
14. Ora se a norma não prevê uma sanção para essa falta de indicação o M.º Juiz sempre
teria a obrigação, no uso do poder de direcção e tendo em conta o principio da cooperação, de convidar o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento. Neste sentido AC. Relação de Guimarães de 21-05-2013, processo n.º2629/11.2TBBCL-A.G1, Acórdão TRL de 24-03-2011, Processo n.º 167/10.0TTLRS-A.L1-4, Ac TRL de 27-09-2012, Processo n.º 12051/05.4TMSNT.L1-8, todos in www.dgsi.pt.
15. Em igual sentido entende Miguel Teixeira de Sousa que o dever de convidar a parte a aperfeiçoar o seu requerimento trata-se na realidade de um poder-dever ou dever funcional que para o Tribunal se desdobra em quatro outros deveres essenciais.
16. Acontece que a Recorrente viu o seu requerimento indeferido sem a possibilidade de o aperfeiçoar.
17. Violou, assim, o douto Tribunal o princípio da cooperação e colaboração das partes, assim como o disposto nos artigos 466º, 452º, 453º e 454º, todos do CPC.
18. De resto atendendo a que o requerimento de declarações da parte foi apresentado ao
abrigo das últimas alterações legislativas sempre haveria a obrigação do M.ºJuiz a quo, ao abrigo no disposto no artigo 590º do CPC, convidar o Recorrente a suprir as eventuais irregularidades, imprecisões ou insuficiências dos articulados fixando, uma prazo para o suprimento ou correcção do vicio.
19. Mais, tal obrigatoriedade do M.º Juiz decorre ainda do disposto no artigo 3º alínea b) da Lei 41/2013 de 26 de Junho que aprova o Código de Processo Civil pois resulta da
mesma que“ Quando da leitura dos articulados, requerimentos ou demais peças processuais resulte que a parte age em erro sobre conteúdo do regime processual
aplicável, podendo a vir praticar ato não admissível ou omitir ato que seja devido, deve o juiz, quando aquela prática ou omissão ainda sejam vitáveis, promover a superação do equívoco.”
20. Pelo que, o Mº Juiz a quo ao indeferir o requerimento apresentado nos termos que o fez violou o disposto nos artigos 590º do CPC e artigo 3º alínea b) da 41/2013 de 26 de Junho que aprova o Código de Processo Civil.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II - Objecto do recurso

Decidir se deveria ter sido admitida a prestação de declarações pelo legal representante da R. nos termos requeridos.

III – Fundamentação

A situação factual é a supra descrita.

Dispõe o nº 1 do artº 466º do CPC que “as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo”.

Trata-se de uma inovação introduzida pela Lei 41/2013, de 26/6 que prevê a possibilidade das próprias partes pedirem a prestação do seu depoimento quando, face à natureza dos factos a averiguar, se justifique esta diligência. Estas declarações são apreciadas livremente pelo tribunal, na parte em que não constituírem confissão.

O nº 2 do artº 466º do CPC manda aplicar às declarações das partes o disposto no seu artº 417º - dever de cooperação para a descoberta da verdade - e, ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido quanto ao depoimento de parte. E dispõe o nº 2 do artº 452º do CPC que, quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há de recair.

A R. requereu o depoimento nos seguintes termos “vem junto de V.Exa. requerer declarações de parte do seu gerente F…, com domicílio profissional na sede da R., uma vez que o mesmo tem conhecimento directo sobre toda a matéria constante dos autos”. Ao requerer nos termos em que o requer, há que interpretar o requerido, no sentido de que a parte pretende prestar declarações a toda a matéria. Mas, embora não se tenha expressado do modo mais claro, o que motivou o indeferimento, conforme consta do despacho recorrido, foi o não cumprimento pela requerente da indicação discriminada dos factos. Ora, o ónus que recai sobre a parte de discriminar os factos, não impede que a parte peça a prestação de declarações sobre toda a matéria[1]. No caso, discutindo-se um empréstimo que o A. alega ter feito ao sócio-gerente da R., tendo este assumido a obrigação de devolver a quantia emprestada até ao final de 2002, o que a R. nega, alegando que a quantia entregue lhe foi doada, os factos são todos pessoais e estão quase todos controvertidos[2]. A R. admite apenas que se dedica ao aluguer de aparelhagens de som e luz e que o A. foi seu trabalhador (artºs 1º e 2º da pi., admitidos no artº 1º da contestação). A circunstância de se requerer a prestação de declarações a toda a matéria e de estarem alguns factos admitidos por acordo (os referidos artºs 1º e 2º da p.i.), não conduz, contudo, ao indeferimento do requerido, mas sim ao indeferimento parcial, restringindo-se o depoimento à matéria controvertida.

Deveria assim ter sido admitida a prestação de declarações, ficando prejudicado o conhecimento da questão suscitada subsidiariamente pela apelante, sobre se deveria ou não ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento.

Sumário:

A imposição da indicação discriminada dos factos sobre os quais há-de recair a prestação de declarações da parte, não impede que a parte requeira a prestação de declarações a toda a matéria.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e admitindo a prestação de declarações do legal representante da R. a toda a matéria controvertida e, em consequência, anulam o julgamento e a sentença proferida.

Sem custas.

Guimarães, 3 de Abril de 2014

Helena Melo

Heitor Gonçalves

Amílcar Andrade (vencido, porque entendo que a decisão recorrida está correcta e de conformidade com o estatuído no ar. 452º/2 do CPC. Requerer o depoimento de parte “porque esta tem conhecimento directo sobre toda a matéria constante dos autos”, sem indicar, de forma discriminada os factos sobre há-de recair, não obedece ao preceituado no art. 452º/2 do CPC)

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[1] Cfr. se defende a propósito do depoimento de parte, no Ac. do TRG de 26.09.2013, proferido no proc. 106/12, no qual fomos 1ª adjunta.

[2] Esta situação é diferente da apreciada no Ac. do TRE de 21.08.2008, proferida no proc.2647/07, onde a parte se limitou a pedir o depoimento de parte e onde se entendeu que na falta de tal indicação, não se podia interpretar o requerido como pretendendo o depoimento de parte a toda a matéria incluída na base instrutória, na medida em que essa matéria abrangia vários factos a que os depoentes nunca poderiam ser inquiridos, por não serem pessoais nem devessem ter conhecimento.

[3] Sempre se dirá, no entanto, que um dos três acórdãos citados pela recorrente, para fundamentar o entendimento de que, se o tribunal considerava não ter sido cumprido o ónus de discriminação, deveria ter previamente proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando o requerente a precisar os factos, o Ac. do TRG de 21.05.2013, defende precisamente o contrário daquilo que a apelante diz defender.