Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
73529/10.0YIPRT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: COMPRA E VENDA
DIREITO DO CONSUMIDOR
REGIME APLICÁVEL
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A menção nos factos provados que as facturas e a nota de débito têm vencimento em determinadas datas, não se pode considerar uma conclusão. Trata-se de uma expressão que tem significado comum (além de poder ter um significado jurídico), tal como a expressão “dar de arrendamento”. Dizer que uma factura tem vencimento em determinada data, equivale a dizer que a data de pagamento é nessa data, pelo que não há que considerar não escritas as referências ao vencimento das facturas.
II- Não recai sobre o comprador o ónus de provar que as cláusulas que lhe foram apresentadas não foram negociadas.
III - As características do bem fornecido descritas na proposta elaborada pela apelada, não constitui uma cláusula contratual geral, pelo que não se lhe aplica o disposto no DL 446/85.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
A…, LDA., intentou processo de injunção, agora transmutado numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias com valor superior ao tribunal da 1ª instância, prevista no art.º 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01/09, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/08, contra B…, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 14.950,88 (capital: € 14.176,40; juros de mora: € 723,48 e taxa de justiça: € 51,00).
Alega, em síntese, que forneceu e instalou um elevador na habitação da requerida, a solicitação desta, serviços expressos nas facturas nºs 90155, com vencimento em 10/07/2009, no valor de € 10.620,00 e nº 90162, com vencimento em 27/07/2009, pelo valor de € 3.540,00 e nota de débito nº 90009, com vencimento em 04/05/2009, pelo valor de € 16,40, todas elas vencidas e não pagas, não obstante as sucessivas interpelações que para tanto vem sendo efectuadas à requerida.
A Requerida, deduziu oposição, invocando, em síntese, que contratou a instalação de um elevador destinado a ser utilizado pelo seu marido, portador de uma incapacidade permanente global de 99% e uma incapacidade motora de 95%, para este se poder deslocar dentro da sua habitação que compreende um piso de rés-do-chão e três
andares, o que transmitiu expressamente ao responsável da requerente. Nas negociações
foram-lhe apresentadas algumas propostas de modelos, tendo a requerida optado por uma delas, conforme proposta junta como doc. nº 2 com a oposição. Optou por esse modelo porque a outra alternativa possível implicaria uma manutenção mensal no valor de euros 40,00, sendo que a única diferença entre os modelos é que o que não exigia a manutenção, sem lhe ter sido prestados quaisquer outros esclarecimentos. Nunca lhe foi explicado que para pôr em marcha o elevador, o utilizador teria que premir de forma permanente o botão correspondente ao piso pretendido. Se tal lhe tivesse sido explicado, nunca optaria por esse modelo, porquanto o seu marido devido às limitações que possui, não consegue utilizar um elevador que opere com o referido sistema.
A requerida formulou, ainda, pedido reconvencional.
Por despacho proferido a fls. 61 foi julgada inadmissível a reconvenção.
Foi realizada perícia ao elevador.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente.
A requerida não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, onde ofereceu as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida nos autos, que julgou procedente a acção e condenou a Recorrente a pagar à Autora € 14 176,40, acrescidos de juros de mora a contar da data de vencimento de cada uma das facturas e nota de débito em causa até efectivo e integral pagamento.
São as seguintes as razões da discordância da Recorrente:
2. O contrato em referência nestes autos não poderá deixar de ser considerado como um contrato entre profissionais e consumidores, nos termos e para os efeitos previstos nos n.º 1 e 2 do art. 1.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que regula a venda de bens de consumo (e cujo regime abrange, também, por força daquele n.º 2, os bens de consumo fornecidos no âmbito de contrato de empreitada ou qualquer outra prestação de serviços).
3. Resulta dos factos provados que o equipamento em causa se destinava a permitir obviar às “dificuldades de locomoção” do marido da Ré, a quem é “praticamente impossível” a “utilização autónoma das escadas”.
4. Resulta também da factualidade provada que o fim a que o equipamento se destinava não foi alcançado, na medida em que “O marido da requerida, pela sua fragilidade física, uma vez que mexe uma das mãos com muita dificuldade, não pode utilizar autonomamente um elevador que opere com um sistema de “pressão constante”.
5. O art. 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro, estabelece que “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.”
6. A al. b) do n.º 2 daquele dispositivo legal, por sua vez, determina que se presumem “não conformes com o contrato” os bens de consumo que não sejam “adequados ao fim específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado”.
7. A Recorrente entende que, por estar em causa um equipamento que não cumpre com o fim a que se destina e que foi comunicado à Recorrida aquando da celebração do contrato, a falta de conformidade com o contrato se presumia, por força do disposto na al. b) do n.º 2 do art. 2.º do Decreto- Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro.
8. Presumindo-se a falta de conformidade, forçosa se tornava a conclusão de que, ao contrário do que se afirmou na decisão recorrida, a Autora violou a obrigação de entregar um bem conforme com o contrato, imposta pelo n.º 1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro.
9. Nesse sentido, ao concluir que a Autora não incumpriu nenhuma obrigação, o Tribunal recorrido fez uma incorrecta subsunção dos factos provados ao direito aplicável e violou as disposições do art. 2.º, n.º 1 e 2.º , al. b) do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro.
10. O incumprimento do contrato conferia à Ré, como efectivamente confere, a faculdade de recusar a sua prestação enquanto a Autora não efectuasse a que lhe competia – fazer os trabalhos necessários a uma utilização autónoma do ascensor pelo marido da Recorrente: cfr. art. 428.º, n.º 1 do Cód. Civil.
11. Por força do exposto, a decisão recorrida violou também a disposição do n.º 1 do art. 428.º do Cód. Civil.
12. Não foi provado que a Autora não explicou à Ré o que era um sistema de pressão constante, mas também não se provou que a Autora explicou um tal funcionamento à Ré.
13. O Tribunal recorrido concluiu que não se provou que a Ré não foi esclarecida sobre o funcionamento do sistema de “pressão constante” fez impender sobre ela as consequências dessa não prova – ou seja, por outras palavras, concluiu que o ónus da prova dessa falta de comunicação era da Ré, e não da Autora.
14. O contrato em referência nos autos é, pela sua natureza, um contrato de adesão – veja-se a pág. 3 do doc. n.º 2, junto com a p.i.
15. Por força do estatuído no art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, impendia sobre a Ré a prova da comunicação à Ré das condições previstas no clausulado contratual e, concretamente, a prova de que esclareceu a Ré relativamente ao modo de funcionamento de um sistema de pressão constante.
16. Os termos “pressão constante” e “col. descida simplex” não são, salvo melhor opinião, termos compreensíveis para o cidadão comum e, mais concretamente, para a Ré, que é pessoa com mais de 70 anos de idade e não é pessoa letrada, no sentido em que não frequentou estudos superiores.
17. Nessa medida, dizer-se que o cidadão comum – ou, no limite, uma pessoa idosa e não letrada -, compreende o sentido e alcance da expressão “sistema de pressão constante” parece, salvo melhor opinião, uma conclusão que não tem correspondência com a realidade da vida.
18. As consequências da não prova da comunicação sobre o funcionamento do sistema de pressão constante não podem ser assacadas à Ré, mas antes à Autora, precisamente por força do disposto no art. 5.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que estabelece que “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
19. Não tendo a Autora provado que esclareceu a Ré sobre o modo de funcionamento de um sistema de pressão constante, deveriam ter-se por excluídas as cláusulas contratuais respeitantes a esse sistema, por força do preceituado no art. 8.º, al. a) do citado diploma, que dá por excluídas dos contratos singulares “as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art. 5.º”.
20. Nessa medida, ao fornecer um equipamento com sistema de pressão constante, que ademais não é passível de ser utilizado autonomamente pelo marido da Ré, a Autora violou as obrigações assumidas perante aquela.
21. E se assim é, forçosa se torna a conclusão de se impunha a procedência da excepção de não cumprimento, invocada pela Ré, nos termos acima expostos, diferindo-se o pagamento da quantia peticionada para momento em que a Autora leve a cabo os trabalhos necessários a uma utilização autónoma do equipamento pelo marido da Requerente.
22. A decisão recorrida violou, além do mais, as disposições dos arts. 5.º, n.º 3 e 8.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
23. O vencimento de uma obrigação de pagamento pressupõe a alegação e prova, em alternativa, de algum dos seguintes factos:
- de um acordo das partes, no sentido de que a obrigação tem prazo certo ou se vence, por exemplo, “a 30 dias”, ou - de que o devedor foi interpelado pelo credor para pagar.
24. De acordo com o disposto no art. 777.º, n.º 1 do Cód. Civil, o vencimento da obrigação pressupunha a alegação e prova do momento em que a Autora exigiu da Ré o pagamento das facturas acima referidas.
25. Basta uma leitura sumária dos factos provados para se concluir que nenhum desses factos – de que dependia o vencimento da obrigação – resultou provado em sede de audiência de julgamento.
26. Não tendo sido demonstrada a data da interpelação da Ré para pagamento, não pode deixar de se considerar que essa obrigação se venceu com a interpelação, resultante da citação para esta acção, e que será esse, e não outro, o momento em que se venceu a obrigação de pagamento.
De resto e em jeito de conclusão, interessa dizer o seguinte:
27. O vencimento de uma obrigação não é um facto, mas uma conclusão que resultaria da alegação dos factos acima referidos.
28. Dar como provada a existência de facturas, “com vencimento” em determinada data – al. c) dos factos provados -, é dar como provada uma conclusão, e não um facto, que como tal deve ter-se por não escrita, o que impõe a alteração da alínea c) dos factos provados, por forma a que dela sejam removidas as referências ao vencimento das facturas – o que expressamente se requer.
29. A decisão recorrida, ao condenar a Ré no pagamento de juros desde o vencimento das facturas, violou expressamente a disposição do art. 777.º, n.º 1 do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que, em caso de condenação da Ré (que não se aceita), a condene “apenas” no pagamento de juros contados desde a data da citação.
30. É do mais elementar bom-senso, pois, que o pagamento da quantia peticionada pela Autora fique subordinada à realização das alterações (que até poderão ser de pequena monta) que removam o sistema de pressão constante e, assim, permitam a utilização autónoma do equipamento pelo marido da Requerente.
31. A decisão recorrida violou, assim, as disposições dos arts. 2.º, n.º 1 e 2.º , al. b) do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Outubro, 428.º, n.º 1 do Cód. Civil, 5.º, n.º 3 e 8.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, e 777.º, n.º 1 do Cód. Civil.
32. Deve, pois, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que, julgando procedente a apelação, absolva a Ré dos pedidos contra ela formulados, sem prejuízo de lhe assistir o direito ao pagamento dessas quantias, logo que promova as alterações necessárias para que o equipamento instalado na moradia da Ré cumpra com os fins a que se destina (utilização autónoma pelo marido dela) – tudo na linha do afirmado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/01/2013 (dgsi.pt, proc. 3341/08.5TBVCD.P1).
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da Douta Sentença recorrida e sua substituição por Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas.
A parte contrária contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I - QUESTÃO PRÉVIA
Inconformada com a douta sentença que julgou procedente o pedido formulado na presente acção, veio a Recorrente a dela interpor recurso.
Para tanto, no sentido de tentar fundamentar a sua pretensão, apoia o seu recurso em três fundamentos:
a) no alegado incumprimento de obrigações contratuais, uma vez que, no seu, muito seu, entender, sendo o contrato em causa nos autos um contrato entre profissionais e consumidores, o equipamento fornecido não cumpre a finalidade para a qual foi adquirido:
b) no alegado incumprimento da obrigação de comunicar cláusulas contratuais por, no seu entender, estarmos na presença de um contrato de adesão;
c) na alegada inexistência da obrigação de pagamento de juros.
Porém, como ao diante se demonstrará, nenhuma razão assiste à Recorrente.
Como se demonstra:
II- DOS FACTOS
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que, no nosso entender, a Recorrente confunde grosseiramente o objecto da presente acção.
Isto porque confunde “ascensor” com “plataforma elevatória”.
E, o curioso, é que faz letra morta do que a legislação exige para a instalação de uns e outros equipamentos, nem tocando, sequer, nesta questão.
Questão que, no entender da Recorrida, é absolutamente pertinente para o desfecho do presente recurso.
Com efeito, o equipamento que foi instalado pela Recorrida na habitação da Recorrente é uma plataforma elevatória, em cumprimento do disposto pelo Decreto Lei 320/2001 de 12/12 (diploma que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva 98/37/CE de 22/06).
Ora, analisado o teor daquele Diploma, mais precisamente o ponto 6.2, verifica-se que existe uma imposição legal de que “os órgãos de comando desses movimentos devem ser de accionamento mantido…”.
Ora, sendo certo que o contrato de fornecimento em causa nos autos foi celebrado em Abril de 2009 (data em que, apesar de já publicado o Decreto Lei 103/2008 de 24 de Junho que transpôs para o nosso ordenamento jurídico a Directiva Comunitária n.º 2006/42/CE, o mesmo ainda não estava em vigor, pois só produziu efeitos a partir de 29 de Dezembro de 2009 – vide artigo 24º), dúvidas não podem restar de que era aquela a legislação aplicável.
Pelo que outra solução não poderia existir que não fosse a de os botões de accionamento da plataforma instalada na habitação da Recorrente serem de “accionamento mantido” ou “pressão constante”.
E aqui chegados é muito importante ter em conta que o Decreto Lei 320/2001 utiliza a expressão “accionamento mantido” e, conforme resulta dos factos provados, a Recorrente sempre utilizou a expressão “pressão constante”, muito mais acessível a qualquer pessoa e de melhor compreensão – vide alínea k) dos factos provados.
Decorre do exposto que face à legislação em vigor à data da outorga do contrato a plataforma escolhida pela Recorrente e que lhe foi vendida cumpria rigorosamente as exigências legais.
Aliás, isso mesmo resulta do teor do relatório pericial (do qual a Recorrente faz letra morta nas suas alegações) que refere que “…a plataforma elevatória foi instalada segundo a directiva 98/37/CE de 22/06, transposta para o direito interno pelo DL 320/2001 de 12/12…” – vide ponto 5 do relatório pericial.
Pelo que a plataforma não poderia ser accionada de outra forma que não através de uma “pressão constante”.
Esclarecido isto, cumpre agora analisar cada um dos argumentos invocados pela Recorrente nas alegações em resposta.
A) DA ADEQUAÇÃO DO EQUIPAMENTO AO FIM
No que respeita ao primeiro dos argumentos da Recorrente, ou seja, da existência de incumprimento por parte da Recorrida de obrigações contratuais, por, no seu entender, o contrato em causa nos autos ser um contrato entre profissionais e consumidores e o equipamento não se adequar ao fim a que se destina, não lhe assiste qualquer razão.
Com efeito, e não obstante não se pôr em causa que o contrato de fornecimento da plataforma elevatória foi celebrado entre um profissional e um consumidor, a verdade é que a coisa vendida foi exactamente a coisa encomendada.
E a plataforma é apta à finalidade a que se destina, isto é, não padece de qualquer vício ou defeito. (vide último facto dado como não provado).
Na verdade, e conforme resulta da alínea k) dos factos provado, a Recorrida apresentou à Recorrente vários modelos, sendo que a Recorrente escolheu exactamente aquele que lhe foi vendido.
Resulta ainda da alínea l) dos factos provados que a Recorrente transmitiu ao responsável da Recorrida que o equipamento se destinava a ser utilizado por uma pessoa que se movimentava numa cadeira de rodas.
Sendo que resulta não provado que a Recorrente tenha transmitido à Recorrida que o equipamento iria ser utilizado por uma pessoa portadora de deficiência altamente incapacitante.
Sendo certo que o ónus da prova deste facto incumbia à Recorrente.
Ora, assim sendo, e não estando provado que Recorrente tenha transmitido à Recorrida que o equipamento iria ser utilizado por uma pessoa portadora de deficiência altamente incapacitante, o bem vendido pela Recorrida estava conforme o contrato e conforme o fim a que se destinava, isto é, “…ser utilizado por uma pessoa que se movimentava numa Cadeira de rodas…” (sic – alínea l dos factos provados).
Isso mesmo decorre quer dos esclarecimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pelo Senhor Perito, tal como do depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida, Afonso Dias.
Decorre igualmente do relatório pericial, mais concretamente do seu ponto 4, que refere “O equipamento instalado cumpre os requisitos do Dec. Lei 163/06 de 08 de Agosto”, o tal diploma da mobilidade reduzida, nomeadamente, pessoas que se desloquem em cadeiras de rodas.
Motivo pelo qual não assiste qualquer razão à Recorrente no que sustenta, devendo ser desatendidas as conclusões constantes dos números 3, 4, 7, 8, 9, 10 e 11.
B) DA ALEGADA EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO DE ADESÃO
Vem ainda a Recorrente alegar que existe incumprimento por parte da Recorrida da obrigação de comunicar cláusulas contratuais por, no seu entender, estarmos na presença de um contrato de adesão.
Desde logo, não se compreende como é que a Recorrente chegou à conclusão de que estamos na presença de um contrato de adesão.
É que não existe qualquer facto dado como provado de onde se possa indiciar tal realidade.
Nem sequer foi alegado qualquer facto que pudesse levar àquela conclusão, a da existência de um contrato de adesão.
Sendo certo que o ónus de demonstrar a existência de um contrato de adesão sempre seria da Recorrente.
Aliás, tal circunstância nem sequer vem alegada na oposição (vinha apenas na reconvenção que não foi admitida).
Dispõe o artigo 489º n.º 1 do C.P.C. que: “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação…”.
Assim, e não resultando dos autos qualquer facto susceptível de demonstrar a existência de um contrato de adesão, caem pela base todas as considerações que a Recorrente tece acerca do ónus da prova da comunicação do funcionamento do equipamento.
Porque, como já se disse, em primeiro lugar o ónus de alegar e demonstrar a existência de um contrato de adesão era sempre da Recorrente.
O que não fez.
Muito pelo contrário, o que resulta provado nos autos é que foram apresentadas várias propostas de modelos à Recorrente (alínea k dos factos provados) e que esta decidiu em detrimento de outras alternativas apresentadas (alínea m dos factos provados).
Pelo que só à própria Recorrente podem ser assacadas as consequências da falta de prova da comunicação sobre o funcionamento do sistema de “pressão constante”, uma vez que é um facto por si invocado.
Decorre do exposto que também no que respeita a este argumento não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo ser desatendidas as conclusões constantes dos n.º 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.
C) DA ALEGADA INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE JUROS
Por fim, alega a Recorrente que inexiste qualquer obrigação de pagamento de juros.
Ora, tal alegação não tem qualquer cabimento.
Desde logo, ao não terem sido impugnadas as facturas juntas aos autos cujo pagamento se reclama, foi expressamente aceite a data de vencimento constante das mesmas.
Sendo que essas mesmas datas de vencimento constam dos factos provados – alíneas b) e c) dos factos provados.
Acresce ainda que é a própria Recorrente, em 48º da oposição, que confessa que “…a Requerente veio reclamar o pagamento da parte do preço em falta…”.
Tratando-se, como se trata, de uma obrigação com vencimento de prazo certo, existe, desde logo, mora assim que se mostre decorrido o prazo estabelecido para o cumprimento da obrigação, sem necessidade de qualquer interpelação prévia.
Mas, e ao contrário do que invoca nas alegações em resposta, também foi demonstrada a data da interpelação da Recorrente.
Pelo que também quanto a este argumento não assiste qualquer razão ao Recorrente, devendo ser desatendidas as conclusões constantes dos n.º 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32.
Por fim, cumpre esclarecer que, ao contrário do que pretende a Recorrente, o equipamento fornecido não pode ser alterado ou removidos os botões da tal “pressão constante”, pelos motivos já atrás alegados, desde logo, a legislação ao abrigo do qual o equipamento foi fornecido e instalado.
Motivos pelos quais deverá improceder o recurso apresentado, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, e, deste modo, se fazendo prudente Justiça.

II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se a apelante se pode recusar a cumprir o contrato – excepção de não cumprimento – enquanto a R. não fizer alterações ao bem que lhe vendeu;
. se a apelada não cumpriu o dever de comunicação, exigido pelo nº 3 do artº 5º do DL 446/85; e,
. se são devidos juros de mora.

III– Fundamentação
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
a) Por contrato celebrado em 15/04/2009, requerente e requerida, acordaram no
fornecimento e instalação na habitação da requerida, de um elevador de “pressão constante”, pelo preço global de € 17.700,00, com IVA incluído.
b) Por conta do preço acordado, a requerida pagou a quantia de € 3.540,00, a que
respeita a factura nº 31 90125, de 22/05/2009.
c) O fornecimento e instalação do referido elevador deu, ainda, origem à emissão das facturas nºs 90155, com vencimento em 10/07/2009, no montante de € 10.620,00 e nº 90161, com vencimento em 27/07/2009, no montante de € 3.540,00, bem como à nota de débito nº 90009, com vencimento em 04/05/2009, no montante de € 16,40.
d) A requerida não procedeu ao pagamento das referidas facturas, mesmo depois de sucessivas interpelações que lhe foram feitas.
e) A requerida é casada com C... que, é portador de uma incapacidade permanente global de 99% e de uma incapacidade motora de 95% que o impossibilitam de se deslocar na via pública sem o auxílio de uma cadeira de rodas.
f) A requerida e o marido habitam num prédio que compreende o piso de rés-do-chão e três andares.
g) Atenta a sua condição física, o marido da requerida tem sérias dificuldades em deslocar-se dentro do referido prédio, sendo praticamente impossível a sua utilização autónoma das escadas.
h) Em meados de Abril de 2009, a requerida tomou a decisão de instalar em sua casa um elevador que abrangesse os três primeiros pisos, destinado a obviar às dificuldades de locomoção do marido.
i) Para o efeito, contactou D…, encarregado de obras, pedindo-lhe que diligenciasse no sentido de efectuar as obras necessárias e contactar uma empresa que procedesse ao fornecimento e instalação do sistema de elevador.
j) O referido D… solicitou os serviços da requerente, para fornecer e instalar o ascensor.
k) Em meados de Abril de 2009 a requerida recebeu a visita de um responsável da requerente, que lhe apresentou algumas propostas de modelos, tendo a requerida optado pela proposta de um equipamento de “pressão constante”, conforme documento junto com a oposição como doc. nº 2, e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
l) A requerida transmitiu ao responsável da requerente que o equipamento se destinava a ser utilizado por uma pessoa que se movimentava em cadeira de rodas.
m) Na sua decisão pesou o facto de lhe ter sido transmitido pelo responsável da requerente que, se preferisse a outra alternativa apresentada, tal implicaria o pagamento de uma mensalidade de cerca de € 40,00 para manutenção.
n) O responsável da requerente comunicou à requerida que se tratava de um equipamento de “pressão constante”.
o) O sistema de “pressão constante” implica que quem queira utilizar o elevador é obrigado, dentro da cabine, a pressionar o botão relativo ao piso pretendido durante toda a viagem efectuada.
p) O marido da requerida, pela sua fragilidade física, uma vez que mexe uma das mãos com muita dificuldade não pode utilizar autonomamente um elevador que opere com um sistema de “pressão constante”.
q) No final do mês de Julho, a requerente terminou a instalação do ascensor.
r) Após a instalação, a requerida notou várias anomalias de funcionamento do elevador instalado, designadamente encravamento de portas a fecharem.
s) A requerida contactou a requerente, que fez deslocar à sua residência em duas visitas a assistência técnica, a 3 e a 19 de Agosto de 2009, que procedeu à reparação das anomalias verificadas.
Adita-se aos factos provados por estar provado por documento e por admissão por acordo, os seguintes factos[1] :
. As partes subscreveram o contrato junto aos autos a fls 79 a 80.
Para uma melhor apreciação, transpõem-se ainda o elenco dos factos considerados não provados:
. A requerida comunicou ao responsável da requerente que o elevador se destinava a ser utilizado por pessoa portadora de deficiência altamente incapacitante.
. Os responsáveis da requerente não esclareceram ou prestaram quaisquer explicações à requerida sobre o significado da expressão “pressão constante” nem nas negociações prévias à celebração do contrato, nem no momento da concretização do referido negócio.
. A requerida não teve consciência de que estava a adquirir um ascensor que, afinal, o seu marido não conseguiria utilizar sozinho.
. A requerida se tivesse tido conhecimento do real significado da expressão “sistema de pressão constante”, nunca teria adquirido o modelo de ascensor que adquiriu.
A requerida tomou conhecimento de que a necessidade de “pressão constante” se tratava de uma característica e não de um defeito do modelo do ascensor que adquirira, mediante comunicação escrita da requerente datada de 01 de Outubro de 2009.
. Após a intervenção da assistência técnica o elevador continuou a apresentar anomalias de funcionamento.
. Por referência à data de apresentação da oposição (20/04/2010) o elevador apresentava as seguintes anomalias: a porta de acesso à cabine não abre quando puxada, como seria normal suceder: apenas através da utilização de uma chave de serviço fornecida pela requerente, destinada a uma situação de encravamento da porta é possível abrir a mesma e aceder ao interior da cabine; o mesmo sucede a partir do interior: é impossível abrir a porta e sair para o exterior da cabine a não ser que uma outra pessoa, por fora, utilize a referida chave; os botões de comando existentes no interior da cabine não funcionam: uma vez premidos no sentido de dar ordem de marcha ao ascensor, o elevador permanece imóvel – apenas é possível a deslocação do elevador por recurso aos botões de comando exteriores “chamando-o” desde um piso diferente.

A apelante não impugnou a matéria de facto, pelo que os factos a considerar são aqueles que foram dados como provados pelo Tribunal a quo e o aditado supra.
Requer, no entanto a apelante, que as expressões “com vencimento” em determinadas datas utilizadas na alínea c) dos factos provados, sejam consideradas não escritas, por serem, em seu entender, conclusivas.
O Tribunal de recurso deverá, mesmo oficiosamente, considerar não escritas, por aplicação nº4 do artº 646º do CPC, as respostas sobre questões de direito e as conclusões de facto. Conforme ensina José Lebre de Freitas[2] “…às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência. Mas nem sempre são nítidos os critérios utilizados e as fronteiras estabelecidas”. Concordamos plenamente com o referido. A fronteira entre o que é facto e conclusão de facto e conclusão de direito, nem sempre é clara.
E conforme se refere no Ac. do TRL de 2.11.2009[3], os factos no domínio processual abrangem as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação das pessoas e das coisas, («(…) Dir-se-á ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos, incluindo as actuações dos seres humanos, sem excluir as do foro interno. Neste quadro, pode, grosso modo, considerar-se questão de facto a que visa determinar o que aconteceu, designadamente as ocorrências da vida real, ou seja, os eventos materiais e concretos, as mudanças operadas no mundo exterior. (…)»[4],Por seu turno «(…)a matéria de direito respeita à aplicação das normas jurídicas aos factos, à valoração feita pelo Tribunal, de acordo com a interpretação ou aplicação da lei, e a qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, ou seja, sempre que, para se chegar a uma solução, haja necessidade de recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate da interpretação de uma simples palavra da lei.(…)»[5].
A redacção da alínea c) foi retirada do requerimento de injunção que não foi impugnado quanto aos valores e datas de vencimento das facturas. A menção nos factos provados que as facturas e a nota de débito têm vencimento em determinadas datas, não se pode considerar uma conclusão. Trata-se de uma expressão que tem significado comum (além de poder ter um significado jurídico), tal como a expressão “dar de arrendamento”. Dizer que uma factura tem vencimento em determinada data, equivale a dizer que a data de pagamento é nessa data, pelo que não há que considerar não escritas as referências ao vencimento das facturas.

Excepção de não cumprimento
A excepção de não cumprimento é uma excepção dilatória de direito material que verificada conduz à absolvição do pedido.
Nos contratos bilaterais, a obrigação de cada um dos contraentes funciona como contrapartida da outra. Existe uma correspectividade (ou vínculo sinalagmático) entre as obrigações (principais) assumidas por cada um dos contratantes (cf. art.795ºCC). Uma das manifestações típicas do sinalagma funcional é a excepção de incumprimento do contrato que, no essencial, consiste na faculdade que cada um dos contraentes tem de subordinar a execução da sua prestação ao cumprimento da contraprestação pelo outro contraente (cf. art. 428º, CC); correspondendo a uma concretização do princípio da boa fé, é assim um meio de compelir os contraentes ao cumprimento do contrato e de evitar resultados contraditórios com o equilíbrio das prestações.
Na doutrina e jurisprudência é defendido que o instituto opera também no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso. “Todavia, neste âmbito, importa ter (ainda) em conta a regra da proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. Ou seja: à inexecução parcial ou à excepção defeituosa de uma das partes só poderá ser oposta uma recusa de prestar também em termos parciais. Daí que, em regra, o devedor apenas possa recusar a sua prestação na parte proporcional ao do incumprimento do outro contraente[6].”
Invoca a apelante que o bem adquirido à apelada não serve o fim para o qual foi contratado, pelo que lhe assiste o direito de recusar o pagamento, enquanto a apelada não adequar o bem vendido ao fim para o qual foi contratado – elevador destinado a ser utilizado por uma pessoa com incapacidade de 95%.
Pugna a apelante pela aplicação ao caso do regime legal do DL 67/2003 de 8/4 (alterado pelo DL 84/2008, de 21/5). Este diploma aplica-se, designadamente, aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores e ao contrato de empreitada de bens de consumo (artº 1º-A nº 1 e 2 do DL 67/2003).
Por contrato celebrado em 15.04.2009, requerente e requerida acordaram no fornecimento e instalação na habitação da requerida de um elevador de “pressão constante” pelo preço global de 17.700,00, com IVA incluído.
Dúvidas não há que face à definição do que se deve entender por bem de consumo, um elevador é um bem de consumo (artº 1ºB, alínea b) do DL 67/2003)[7], estando o contrato celebrado entre as partes sujeito às regras do DL 67/2003.
No caso apurou-se que a apelante em Abril de 2009 tomou a decisão de instalar um elevador em sua casa que abrangesse os três primeiros pisos, tendo para efeito contactado um encarregado de obras para que efectuasse as obras necessárias e contactasse uma empresa para proceder ao fornecimento e instalação do elevador.
A apelante recebeu a visita de um responsável da apelada que lhe apresentou algumas propostas de modelos, tendo a apelante optado por um equipamento de pressão constante e tendo transmitido ao responsável da requerente que o equipamento se destinava a ser utilizado por uma pessoa que se movimenta em cadeira de rodas. Não se provou que a requerida tivesse comunicado ao responsável da requerente que o elevador se destinava a ser utilizado por pessoa portadora de deficiência altamente incapacitante.
Nos termos do nº 1 do artº 2º do DL 67/2003 o devedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes ao contrato de compra e venda. O nº 2 consagra presunções de não conformidade, nomeadamente, quando os “bens não são adequados ao uso específico para o qual o consumidor o destine e de que tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado”.
Ora, como se referiu, não logrou a apelante provar que informou a apelada que o equipamento se destinava a ser utilizado por pessoa portadora de deficiência altamente incapacitante, incapaz de sozinha operar o ascensor, sendo que o que pretendia era um modelo que ela pudesse utilizar por si só. O ter informado que se destinava a uma pessoa que se movimentava em cadeira de rodas, não é impeditivo da utilização do ascensor adquirido e da sua afectação a esse fim. Qualquer declaratário normal colocado no lugar do real declaratário, entenderia que uma pessoa que se movimenta em cadeira de rodas está impossibilitada do uso das pernas, mas sem outra informação, não entenderia que não pode utilizar os membros superiores, designadamente para fazer a necessária pressão no comando do elevador.
E não se tendo demonstrado que a compradora informou o vendedor que o bem adquirido se destinava a ser utilizado por uma pessoa que não podia utilizar os membros superiores, a situação dos autos não se subsume à previsão da alínea b) do nº 1 do artº 2º, pelo que não se presume que o bem não seja conforme com o contrato celebrado entre as partes.
Não assiste consequentemente à R. o direito de continuar a recusar-se a pagar à A.

Do não cumprimento do dever de informar no contrato de adesão
Invoca ainda a apelante que a requerente não logrou provar que cumpriu o dever de comunicar as cláusulas contratuais gerais, conforme impõe o artº 5/3 do DL 446/85.
Em seu entender o contrato celebrado entre as partes é um contrato de adesão sujeito à disciplina do DL 446/85 - diploma que regula o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (RJCCG), alterado pelo DL 220/05, de 31/08, a fim de ficar em conformidade com a Directiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993 e, posteriormente pelo DL 249/99, de 7 de Julho.
Dispõe o nº 1 do artº 1º do DL 446/85 que o RJCCG se aplica às cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar. O mesmo regime aplica-se às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar (nº 2 do artº 1º).
Assim, para que um contrato ou alguma das suas cláusulas esteja submetido ao regime do DL 446/85, é pressuposto prévio que se demonstre que o contrato em causa ou parte da suas cláusulas revestem a natureza de contrato de adesão. E para que se considere a existência de um contrato de adesão não é bastante a existência de algumas cláusulas pré-ordenadas pelo oferente; importa que o núcleo essencial modelador do regime jurídico assumido constitua um bloco que se aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação, e que o teor das cláusulas careçam de adequada informação para que o aderente saiba e pondere se é conforme aos seus interesses subscrever o texto impresso que lhe é proposto. Entre o contrato de adesão e o contrato consensual há ainda uma figura híbrida, o contrato de adesão individualizado a que se refere o nº 2 do artº 1º do DL 446/85, onde juntamente a cláusulas que se mantém inalteráveis de contrato para contrato, coexistem disposições específicas moldadas no interesse das partes e em especial do aderente[8].
Nos Acs. do STJ de 24.10.2006 e de 13.05.2008[9] defendeu-se que quem invoca a existência de um contrato de adesão é que tem de demonstrar os pressupostos que permitam como tal qualificá-lo. Com o devido respeito, entendemos que a alteração imposta pelo artº 1º do DL 220/95 que introduziu um novo número ao artº 1º do DL 446/85 com a seguinte redacção “O ónus da prova de que uma cláusula contratual geral resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”, não permite este entendimento. Com a introdução desta cláusula o critério da aplicação do regime passou a ser o da não negociação, incumbindo à parte contrária alegar e provar que as cláusulas foram precedidas de negociação e não a quem invoca a aplicabilidade do regime, a prova de que não houve negociação[10].
É também ao contraente que submeta outrém às cláusulas contratuais gerais que cabe o ónus da prova da comunicação adequada (nº 3 do artº 5º do DL 446/85) e de informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique, devendo ainda prestar todos os esclarecimentos razoáveis que lhe forem solicitados (nºs 1 e 2 do artº 6º do DL 446/85).
A apreciação das cláusulas terá que ser feita casuisticamente.
Desde logo, o invocado pela apelante não pode proceder. É que a apelante não indica qualquer cláusula contratual geral relativamente à qual a requerente não cumpriu o dever de informar.
Segundo interpretamos do alegado pela apelante, a vendedora ao não comunicar-lhe como funcionava o sistema de pressão constante, incumpriu o disposto no nº 3 do artº 5º do DL 446/85.
Ora a característica do bem fornecido – comando de pressão constante – não é uma cláusula contratual geral. Pelo contrário, trata-se de uma cláusula negociada.
Ainda que se pudesse qualificar o contrato junto a fls 79 a 80, denominado “condições gerais de fornecimento” como contrato de adesão, as características do bem a fornecer não constitui qualquer cláusula contratual geral, não constando das denominadas condições gerais de fornecimento, pelo que não se aplica o disposto no artº 5/3 do DL 446/85 e, consequentemente, também não tem aplicação ao caso o disposto no artº 8/a do DL 446/85.

Da obrigação do pagamento de juros
Entende a apelante que não são devidos os juros peticionados que foi condenada a pagar, dado não constar dos factos provado que acordou com a R. pagar as facturas nas datas constantes da alínea c), nem demonstrou provado em que data foi interpelada para pagar.
A R. não impugnou as facturas e a nota de débito junta aos autos, estando assentes as datas de vencimento, pelo que aceitou que as mesmas se venciam nas datas que delas constam. Ainda que assim não se entendesse, no contrato junto aos autos (fls 79e 80) subscrito pela apelante constam as seguintes condições de pagamento: 20% com a adjudicação, 60% com a chegada de cabines, máquinas, quadro de comando e aros de portas à obra e 20% no final da instalação, a qual terminou no final do mês de Julho (cfr. os factos apurados). As facturas têm a data de vencimento de 10.07.2009 e 27.07.2009 e nas mesmas consta respectivamente 60% com a chegada da cabina, máquina, quadro de comando e aros de portas à obra (factura 31 90155, no montante de 10.620,00) e 20% no final da instalação (factura nº 31 90162, no montante de 3.540,00). Tendo em conta o convencionado no acordo junto a fls 79 e 80, sempre teria que ser considerado que as facturas foram emitidas e nelas foram apostas as datas de vencimento de acordo com o convencionado entre as partes.
Se a obrigação com prazo certo não for cumprida, o devedor incorre em mora a partir da data em que a mesma deveria ter sido paga (artº 805/2/a do CC). Questão diferente é se as facturas deveriam ser pagas na data de vencimento, questão que se entende que a apelante suscitou, uma vez que defende que pode recusar o pagamento até que a apelada efectue as transformações que reclama no bem fornecido.
Ora apurou-se que após a instalação, a requerida notou várias anomalias de funcionamento do elevador instalado, designadamente encravamento das portas a fecharem, anomalias que foram resolvidas após a assistência técnica da apelada à apelante em 3 a 19 de Agosto de 2009.
O cumprimento da apelada até à eliminação dos defeitos foi pois defeituoso (artº 913º do CC), pelo que até essa data, 19 de Agosto de 2009, assistia à apelante o direito a não pagar a última prestação. A questão não se coloca face à factura relativa a 60% do preço, não só por força do princípio da proporcionalidade, como também essa factura venceu-se antes de terminar a instalação, sendo que só depois de esta ter terminado é que surgiram as anomalias e consequentemente, poderia a apelante invocar a excepção de não cumprimento. Mantém-se consequentemente a decisão da 1ª instância, alterando-se apenas a data a partir da qual são devidos juros de mora, relativamente à factura 31 90162 - 19 de Agosto de 2009 - em vez de 27.07.2009.

Sumário:
.A menção nos factos provados que as facturas e a nota de débito têm vencimento em determinadas datas, não se pode considerar uma conclusão. Trata-se de uma expressão que tem significado comum (além de poder ter um significado jurídico), tal como a expressão “dar de arrendamento”. Dizer que uma factura tem vencimento em determinada data, equivale a dizer que a data de pagamento é nessa data, pelo que não há que considerar não escritas as referências ao vencimento das facturas.
. Não recai sobre o comprador o ónus de provar que as cláusulas que lhe foram apresentadas não foram negociadas.
. As características do bem fornecido descritas na proposta elaborada pela apelada, não constitui uma cláusula contratual geral, pelo que não se lhe aplica o disposto no DL 446/85.


IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se a R. a pagar a factura 31 90162, acrescida de juros a partir de 19 de Agosto de 2009, à taxa legal e até integral pagamento, confirmando no mais a decisão recorrida.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento.

Guimarães, 10 de Outubro de 2013
Helena Gomes de Melo
Heitor Gonçalves (dispensei o visto)
Amílcar Andrade
____________________________________________
[1] Actuais artigos 663/2 ex vi do 607/3 e 662º do NCPC e artºs 659/3 ex vi do artº 713º/2 e 712º , todos do CPC vigente à data da interposição do presente recurso.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol.3, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.605.
[3] Proferido no processo 373/1998, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Apud Ac STJ de 23 de Abril de 2009 (Relator Salvador da Costa), disponível em www.dgsi.pt.
[5] Apud Ac STJ de 9 de Junho de 2009 (Relator Helder Roque), in www.dgsi.pt.
[6] Cfr se defende no AC da RL de 13.05.2008, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Que define como bem de consumo qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão.
[8] Conforme se defende no Ac. do STJ de 17.02.2011, proferido no proc. nº 1458/05.
[9] Proferidos respectivamente nos processos 06A2978 e 08A1287.No mesmo sentido Ac. do TRL de 14.11.2009.
[10] Conforme defende José Manuel de Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p.32.