Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
134/11.6TBPTB.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
REQUISITOS
FALTA DE CONTESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. No caso de citação edital da devedora e não oposição desta, não opera o efeito cominatório pleno, de modo a considerar-se confessados os factos articulados pela requerente, visto o disposto nos artºs 17º do CIRE e artº 485º do CPC.
2. A nomeação de defensor oficioso à devedora ausente para a representar em juízo não cumpre o pressuposto legal previsto no artº 35º, nº 2, do CIRE, uma vez que aquele defensor carece de poderes para transigir.
3. A ausência em parte incerta da requerida e do seu legal representante é elemento indiciador de insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pela devedora.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório;

Recorrente (s): Grupo V…, SA;
Recorrido (s): AS , Ldª;

*****
“Grupo V…, SA” requereu a insolvência de “AS…, Ldª”, com os sinais dos autos, alegando, em síntese, que, no âmbito da sua actividade de aluguer de equipamentos contratou com a requerida em 2010, tendo esta ficado a dever o valor de € 26.334,00, o qual foi acordado ser pago em 12 prestações mensais de valor igual - € 2194,50 - e sucessivas.
Mais articulou que, face ao atraso no pagamento das respectivas facturas relativas ao aluguer desse equipamento, a requerida emitiu 12 cheques para titular as respectivas prestações, os quais não obtiveram boa cobrança; consequentemente, intentou duas acções executivas, não tendo tido, até agora, qualquer resultado; que a requerida não paga porque não tem como o fazer, não dispondo de património que possa responder pelo pagamento da dívida e que essa situação deficitária é insuperável.

A requerida foi citada editalmente, por se frustrar a citação pessoal, designadamente na pessoa do seu legal representante.
Não foi deduzida qualquer oposição.

De seguida, após audiência de julgamento, foi proferida decisão que indeferiu o pedido de insolvência por ser improcedente.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Requerente, em cujas alegações formula, em suma, as seguintes conclusões:

1. A citação edital do devedor não é obstáculo à produção dos efeitos previstos no n.º 5 do artigo 30.º do CIRE, que consagra um regime especial para o Processo de Insolvência, sendo contra o conjunto de normas jurídicas em que se alicerça o direito da insolvência, o afastamento da cominação aí prevista.
2. Toda a matéria alegada pela aqui Recorrente deveria ter sido considerada confessada pela ora Recorrida.
3. O Tribunal a quo, além de ter quesitado matéria que havia dado por assente, ficou, na selecção da matéria relevante para o mérito da causa, aquém da matéria alegada pela Recorrente na Petição Inicial, dela excluindo referências à matéria constante dos artigos 11.º, 12.º, 19.º, 20.º e 22.º a 27.º, onde eram alegados factos relevantes para a boa decisão da causa, e portanto deveriam ser tidos em conta na prolação da Decisão Final.
4. Igualmente, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 35.º do CIRE, os factos deviam ter-se por admitidos, em face da ausência do representante da Recorrida na Audiência de Julgamento, não sendo de aceitar, ao contrário do que julgou o Tribunal a quo, que a presença da Defensora Oficiosa supriria tal requisito.
5. A representação da Requerida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento não cumpre com os requisitos exigidos pelo legislador em tal preceito, visto que, a lei visa garantir a presença das próprias partes em audiência, independentemente da representação forense.
6.O artigo 15.º do Código de Processo Civil prevê uma constituição ex officio de defensor, pelo que, a extensão do mandato assim conferido corresponde ao disposto no n.º 1 do artigo 1159.º do Código Civil, ou seja, não é apto a cumprir com a exigência de poderes acrescidos para transigir, motivo pelo qual se preconiza que a Recorrida não se encontrava validamente representada em Juízo, havendo, consequentemente, lugar à cominação prevista no n.º 2 do artigo 35.º do CIRE: deviam ter sido por admitidos todos os factos alegados em sede de Petição Inicial.
7. Acresce que à Recorrente cabia alegar os factos atinentes ao seu crédito e, bem assim, factos que permitissem a subsunção da situação em análise nos Autos a uma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o que sucedeu, porquanto dos factos alegados resulta, de forma inequívoca que a recorrente é titular de um crédito sobre a recorrida, no montante de € 22.007,00 (vinte e dois mil e sete euros), que esse crédito sobre a recorrida se encontra vencido há mais de um ano, e, bem assim, que o capital social da referida sociedade é de € 10.000,00, menos de metade do valor da referida dívida.
8. A factualidade supra referida é, de per si, bastante para o decretamento da insolvência da Recorrida, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, mas nem por isso mereceu qualquer menção em sede de Aresto Recorrido, apesar de ter sido ao abrigo de tal normativo que a presente insolvência foi requerida.
9. Ademais, não cabe sequer ao requerente da insolvência provar a existência de outras obrigações vencidas, que existam a favor de outros credores; bastará ao requerente da insolvência provar a existência de obrigações vencidas, bem como a impossibilidade de cumprimento das mesmas.
10. Cabe ao requerente da insolvência cabe provar, de forma precisa, os dois factos essenciais que lhe permitem o aproveitamento do seu direito a executar, de forma universal, o património do devedor, materializado no requerimento de declaração de insolvência do devedor: por um lado, o facto essencial “impossibilidade de cumprimento”; por outro lado, incumprimento de “obrigações vencidas” (tal é o sentido e letra do artigo 25.º, n.º 1, do CIRE).
11. Este entendimento é ainda acentuado com o disposto no artigo 23.º, n.º 3, do CIRE, na medida em que “não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor”; porém, tal veio a ser impossível de concretizar, em face da completa ausência da Recorrida dos presentes Autos.
12. Os factos-índice elencados no artigo 20.º, n.º 1, do CIRE, quando provados constituem, salvo melhor opinião, presunções legais da situação de insolvência do devedor, ao abrigo do disposto no artigo 350.º do CC, pelo que, apenas cederão perante prova em contrário.
13. Isto mesmo resulta, também, da conjugação do disposto nos artigos 30.º, n.º 5, parte final, e 35.º, n.º 4, primeira parte, do CIRE, porquanto a verificação (prova) de um dos factos-índice (os elencados nas várias alíneas do n.º 1, do artigo 20.º, do CIRE), implica a declaração de insolvência.
14. As características da dívida em causa (longevidade superior a 1 ano e montante muito elevado por comparação com o valor do capital social da Requerida) revelam, para efeitos da verificação do factor-índice constante na alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º, do CIRE, “a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
15. Acresce que, nos termos do disposto no artigo 30.º, n.º 4, do CIRE, cabe ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, ónus que esta não respeitou, motivo pelo qual deveria ter sido decretada a insolvência da Recorrida.
16. Por último, não pode a Recorrente deixar de abordar uma questão que surgiu na pendência dos próprios Autos, ou seja, para o facto materializado no desconhecimento do paradeiro do Recorrida: dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida caso se verifique a "fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo".
17. Na verdade, resulta das diligências realizadas nos Autos, que neles se encontram plenamente demonstradas, que a Requerida abandonou os locais em que laborava e, bem assim, a sua sede social, não tendo sido também possível localizar o seu legal representante.
18. Dispõe o artigo 11.ºdo CIRE que "no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes", motivo pelo qual é legítimo sustentar a fundamentalidade do princípio do inquisitório em processo de insolvência – através deste princípio pretende-se limitar o alcance do princípio do dispositivo (ver artigo 264.º, do CPC), subjazendo-lhe a lógica de favorecer o descobrimento da verdade material e as decisões de mérito, e atribuindo-se ao juiz um poder-dever de considerar factos não alegados pelas partes e um poder-dever de requerer, ex oficio, as necessárias diligências probatórias, por oposição às decisões meramente formais.
19 Assim, ao abrigo do princípio do inquisitório, constante do artigo 11.º do CIRE e atenta a superveniência dos próprios factos, deverão os mesmos ser valorados nos presentes Autos, e, em consequência, ser decretada a insolvência da Recorrida.
Nestes termos e nos mais de direito, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e, consequentemente ser substituída, declarando-se a Insolvência da Recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

As questões suscitadas pela Recorrente podem sintetizar-se no seguinte:
1. No caso de citação edital da devedora e não oposição desta, opera o efeito cominatório pleno, considerando confessados os factos articulados pela requerente?
2. Houve omissão na selecção da matéria de facto relevante para o mérito da causa e constante dos artºs 11º, 12º, 19º, 20º, 22º a 27º da petição?
3. Mostram-se preenchidos os requisitos legais que impunham o deferimento do pedido de insolvência requerido?
4. A não localização do paradeiro da requerida nem do seu legal representante na pendência da causa devia ter sido valorada, nos termos dos artºs 11º e 20º, nº 1, al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE)?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade considerada na decisão recorrida é a seguinte:

1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de aluguer e venda de máquinas e equipamentos destinados à indústria, lazer e construção e transporte de mercadorias por conta de outrem.
2. A Requerida é uma sociedade comercial que dedica a sua actividade ao trabalho de serralharia pesada e fabricação de produtos metálicos, nomeadamente, estruturas metálicas
3. Gerida por AMS, titular do NIF1…, com domicílio no Lugar de Ventuzelo,… Ponte da Barca.
4. No seguimento e após as várias tentativas de resolução extrajudicial da questão (esta matéria certamente por mero lapso de escrita não consta da decisão, face aos factos assentes que foram considerados a fls 61 verso – alínea D), a Requerente deu entrada a dois requerimentos executivos contra a Requerida, em 07/06/2010 e 27/12/2010 e que correm termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Ponte da Barca, com o n.ºs de processo 198/10.0TBPTB e 379/10.6TBPTB, respectivamente.
5. O capital social da Requerida é de € 10.000,00.
6. No exercício da sua actividade, a Requerente alugou à Requerida diversos equipamentos.
7. A Requerida procedeu à emissão dos seguintes cheques:
a. Cheque n.º 3824822883, de 31/01/2010, no valor de € 2.194,50;
b. Cheque n.º 3824822980, de 28/02/2010, no valor de € 2.194,50;
c. Cheque n.º 3824823077, de 30/03/2010, no valor de € 2.194,50;
d. Cheque n.º 3824823368, de 30/06/2010, no valor de € 2.194,50;
e. Cheque n.º 3824823465, de 30/07/2010, no valor de € 2.194,50;
f. Cheque n.º 3824823562, de 30/08/2010, no valor de € 2.194,50;
g. Cheque n.º 3824823659, de 30/09/2010, no valor de € 2.194,50;
h. Cheque n.º 3824823756, de 30/10/2010, no valor de € 2.194,50;
i. Cheque n.º 3824823853, de 30/11/2010, no valor de € 2.194,50;
j. Cheque n.º 3824823950, de 30/12/2010, no valor de € 2.194,50
8. Os cheques foram devolvidos por falta de provisão, implicando custo de € 62,00 com despesas bancárias.
9. Sete dos oito cheques dados a execução pertencem aos devolvidos;
10. Através de consulta pelo Solicitador de Execução foi possível detectar a inexistência de quaisquer bens imóveis na titularidade da sociedade ora Requerida
11. Sobre dois dos quatro veículos existem penhoras no âmbito de processos judiciais anteriores.

*****

2. De direito;

1. No caso de citação edital da devedora e não oposição desta, opera o efeito cominatório pleno, considerando confessados os factos articulados pela requerente?
2. Houve omissão na selecção da matéria de facto relevante para o mérito da causa e constante dos artºs 11º, 12º, 19º, 20º, 22º a 27º da petição?
3. Mostram-se preenchidos os requisitos legais que impunham o deferimento do pedido de insolvência da requerida?
4. A não localização do paradeiro da requerida nem do seu legal representante na pendência da causa devia ter sido valorada, nos termos dos artºs 11º e 20º, nº 1, al. c) do CIRE?

Começa a apelante por se insurgir quanto à circunstância de, não tendo havido oposição da requerida-devedora, deviam ter sido considerados confessados todos os factos por si alegados na petição, por força do disposto no artº 30º, nº 5, do CIRE.
Entende-se não lhe assistir razão.
Com efeito, in casu a requerida foi citada editalmente e não de modo pessoal, por se encontrar ausente - artº 15º do Código de Processo Civil (CPC) - encontrando-se representada por defensor, pelo que nos termos do artº 485º, al. b), do CPC, aplicável por via do artº 17º do CPC, mostra-se excepcionado aquele efeito cominatório.
Aliás, conjugado o artº 30º, nº 5, do CIRE, com o normativo previsto no seu artº 12º, para o qual remete, aquele efeito cominatório de confissão dos factos pressupõe o não desconhecimento do paradeiro do devedor, enfim que ele possa estar presente, querendo, o que não sucede no caso de parte ausente, citada por editais e cuja defesa cabe a um defensor oficioso, nos termos do artº 15, nº 2, do CPC.
Por seu turno, a nomeação de defensor oficioso à devedora ausente para a representar em juízo não cumpre o pressuposto legal previsto no artº 35º, nº 2, do CIRE, uma vez que aquele defensor carece de poderes para transigir.
*
A segunda questão respeita à invocada omissão da selecção da matéria de facto constante dos artºs 11º, 12º, 19º, 20º, 22º a 27º da petição relevante para o mérito da causa, a qual teria relevância para o mérito da causa.
Todavia, à luz do que preceitua o artº 511º, nº 1, do CPC, quanto à selecção da matéria de facto, se atentarmos na factualidade dada como assente e levada à base instrutória, podemos concluir que foi observado tal preceito, sendo seleccionada a matéria fáctica relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, expurgando-se toda a alegação jurídica ou conclusiva vertida na petição.
É o que sucede com os mencionados artºs 12º, 19º, 20º, 22º a 27º da petição, que contêm matéria conclusiva e com o artº 11º, que se reveste de natureza jurídica e respeita ao pedido de juros de mora.
*
Outra problemática que a recorrente sublinha prende-se com o preenchimento dos requisitos legais que impunham o deferimento do pedido de insolvência da recorrida, designadamente nos termos da al. b), do nº 1, do artº 20º do CIRE.

No que concerne à verificação dos pressupostos legais que legitimam o pedido de insolvência, entendemos ser de atender, no caso concreto, a argumentação do Apelante.
Segundo o artº 3º, nº1, do CIRE, «é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas».
O art.20º do mesmo Código, nas várias alíneas do seu nº1, enumera uns quantos «factos-índice» susceptíveis de justificar e fundamentar a declaração de insolvência do devedor:
a) suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
d) dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente, verificada em processo executivo movido contra o devedor;
g), i) e ii) incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas tributárias ou de contribuições para a segurança social.

Como se pode concluir, no que ao caso presente diz respeito, importa destacar os factos ou situações enumerados nas alíneas b) e e).
“ Trata-se daquilo a que, correntemente, se designa por factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto” – neste sentido Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pp. 205.
Ora, em face da matéria alegada e provada, e ainda dos demais elementos que os autos contêm, designadamente a situação de ausência da devedora em parte incerta (incerteza do lugar em que a mesma se encontra, ocorrendo a sua citação edital), afigura-se-nos que se apuraram os factos necessários a legitimar o pedido de declaração de insolvência da recorrente.

Com efeito, alegou e provou a requerente que a requerida contraiu perante si uma dívida de €: 26.334,00, acrescida de juros de mora de €: 1.446,33, referente ao aluguer de equipamento, tendo emitido 10 cheques entre 31.01.2010 e 30.12.2010, no valor de €: 2.194,50 cada um, para pagamento, o que não satisfez.
Mais alegou e provou que, no seguimento e após as várias tentativas de resolução extrajudicial da questão, a requerente deu entrada de dois requerimentos executivos contra a requerida, em 07/06/2010 e 27/12/2010 e que correm termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Ponte da Barca, com o n.ºs de processo 198/10.0TBPTB e 379/10.6TBPTB, respectivamente, vindo-se a apurar que os únicos bens penhoráveis foram quatro veículos, identificáveis a fls. 27 e verso, encontrando-se dois deles já sujeitos a penhora relativa a processos judiciais anteriores – cfr. fls. 56 e 57 – em que os sujeitos activos são “ F… Ldª” e IGFSS – Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Viana do Castelo.
Ora, se é certo que o mero não pagamento de uma dívida só por si seria incapaz de traduzir uma insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas, fundamentadora de uma situação de insolvência, no que tange à requerida - já a demonstração de que i) o valor do crédito em dívida é de €: 27.780,33, relativo a várias prestações (10) mensais não pagas, ao longo do ano de 2010, ii) tal dívida corresponde a mais do dobro do capital social da sociedade devedora, iii) aquela dívida exequenda não se mostra paga porque nas respectivas acções executivas não foram encontrados quaisquer outros bens susceptíveis de penhora - vide pontos nºs 10 e 11supra - além de quatro veículos, encontrando-se dois deles já sujeitos a penhora registada anteriormente por outros credores da executada, iv) os outros dois veículos livres de ónus e encargos respeitam a matrículas dos anos de 1986 e 1995, o que torna diminuto o seu valor, v) a recorrente-credora tentou extrajudicialmente o pagamento daquele débito, é de molde a preencher os pressupostos previstos nas citadas alíneas b) e e) do artº 20º.
Aliás, como refere a aludida al. e), exige-se uma insuficiência de bens penhoráveis e não necessariamente uma total ausência de bens penhoráveis, se bem que, no caso concreto, pode afirmar-se que se verifica uma quase ausência de bens penhoráveis, com eventual reflexo na própria tramitação do processo de insolvência – cfr. artº 39º, do CIRE.
Tal impossibilidade da devedora satisfazer a generalidade das suas obrigações, mormente o pagamento deste crédito, resulta ainda reforçado dos elementos contidos nos autos respeitantes à situação actual da requerida, no que tange à incerteza do lugar em que se encontra e, consequente, de exercício de qualquer actividade comercial, por estar ausente em parte incerta, não sendo possível encontrar nos autos sequer o seu legal representante.
Trata-se de factores que manifestam, em razão da assinalada experiência de vida, globalidade e informatização do giro comercial, uma insusceptibilidade de a devedora cumprir as suas obrigações Luís Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, pág. 133..
Ademais, cumpre não olvidar que o estabelecimento daqueles factores presuntivos da insolvência têm como principal objectivo permitir aos legitimados o desencadeamento do processo, fundado na ocorrência de algum deles, sem haver a necessidade de fazer a demonstração efectiva da situação de “penúria generalizada” ( artº 3º, nº 1 ), cabendo ao devedor trazer ao processo factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente – circunstância esta de que a devedora simplesmente se alheou, face à sua ausência e à não dedução de qualquer oposição.
Torna-se também relevante como incumprimento generalizado das suas obrigações a circunstância de o crédito da requerente respeitar ao não pagamento de diversos cheques que titulavam o dito aluguer de equipamentos e com vencimento mensal e ao longo de todo o ano de 2010 – o que denota a falta de cumprimento de uma obrigação, de forma duradoura e contínua, susceptível de configurar uma impossibilidade de a devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
*
Por fim, quanto à não localização do paradeiro da requerida nem do seu legal representante na pendência da causa no sentido de que devia ter sido valorada, nos termos dos artºs 11º e 20º, nº 1, al. c) do CIRE.
A apelante estriba-se primordialmente no argumento de que o princípio do inquisitório consagrado no apontado artº 11º do CIRE impunha que o tribunal recorrido atendesse o seu pedido, considerando a inovação dos factos levados ao conhecimento do tribunal.
Vejamos.
O citado artº 11º prescreve que no processo de insolvência a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes.
Trata-se de um poder-dever que confere ao juiz a faculdade implícita de, por sua própria iniciativa, investigar livremente esses factos, bem como recolher as provas e informações que entender convenientes Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, pp. 104..
Ora, se é certo que esse princípio do inquisitório deve ter em conta os efeitos cominatórios previstos na lei, como seja o efeito preclusivo decorrente da não oposição - o que, no caso em análise, nem sequer sucede, pelas razões acima explanadas – não está a parte ausente postergada de contraditar a factualidade carreada para os autos, encontrando-se representada para o efeito.
Além disso, se, por força do princípio geral do inquisitório, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer – artº 265º, nº 3, do CPC, por maioria de razão, se imporá, no âmbito do processo de insolvência, a indagação e consideração na decisão dos factos trazidos à lide na sequência da actuação processual desenvolvida por um dos intervenientes processuais, a saber a ausência da requerida-devedora em parte incerta, desconhecendo-se concomitantemente o paradeiro do seu legal representante.
Isto porque, como se disse, neste tipo de processo a fundamentação da decisão pode alicerçar-se inclusive em factos não alegados pelas partes.
Destarte, tendo-se a devedora ausentado para parte incerta, não sendo possível sequer citar a pessoa colectiva nem o seu representante legal, cujo paradeiro também é desconhecido, tal circunstancialismo é de molde, em termos de juízo de prognose, a sufragar a apontada insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pela devedora e, em suma, inculca a impossibilidade da requerida prover à satisfação pontual da generalidade das suas obrigações.

Porquanto se deixa exposto, impõe-se a revogação da decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que decrete a insolvência da requerida.

Sintetizando:
1. No caso de citação edital da devedora e não oposição desta, não opera o efeito cominatório pleno, de modo a considerar-se confessados os factos articulados pela requerente, visto o disposto nos artºs 17º do CIRE e artº 485º do CPC.
2. A nomeação de defensor oficioso à devedora ausente para a representar em juízo não cumpre o pressuposto legal previsto no artº 35º, nº 2, do CIRE, uma vez que aquele defensor carece de poderes para transigir.
3. A ausência em parte incerta da requerida e do seu legal representante é elemento indiciador de insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas pela devedora.


IV – Decisão;

Em face do exposto, na procedência da apelação, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que declare a insolvência da requerida, observando-se o disposto no artº 36º, do CIRE.

Sem custas.



Guimarães, 26.01.2012
António Sobrinho
Isabel Rocha
Jorge Teixeira