Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
220/13.8TJVNF.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
CONTRATO DE ADESÃO
ANULABILIDADE
DECLARAÇÃO INEXACTA
OMISSÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. A avaliação do que sejam declarações inexactas ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feita caso a caso.
2. A verificação da anulabilidade pressupõe não apenas a prova das declarações omissas e/ou reticentes, mas também a sua relevância na outorga do contrato (as omissões susceptíveis de influir na outorga do contrato não se reconduzem necessariamente à existência de patologias graves).
3. O ónus de prova desse nexo de causalidade impende sobre quem pretende beneficiar da anulabilidade, que não dispensará a análise e confronto das declarações inexactas e das questões colocadas no questionário apresentado pela seguradora à aderente, bem como o recurso às regras da experiência.
4. Não se tendo provado que os autores tenham efectivamente prestado informações inexactas, que a IPG de 83% seja uma situação pré-existente à subscrição da proposta do seguro e que os autores soubessem da essencialidade e da importância do então estado de saúde do autor marido e/ou da situação que a reforma tinha para a seguradora (é à data da formação do contrato que se deve extrair essa ilação para aplicação o normativo do artigo 429º do Código Comercial, não relevando os factos do superveniente conhecimento da segurada) - não pode a ré prevalecer-se dessas mesmas circunstâncias para efeitos de aplicação da cláusula de exclusão prevista no artigo 6º, nº1, alínea a), das condições gerais da apólice, até porque nada foi apurado sobre o cumprimento do ónus de informação do conteúdo e relevância da mesma [cfr. artigo 5º e 8º, alínea a), do regime legal das cláusulas contratuais gerais].
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

Processo 220/13.8TJVNF.G1.

I – RELATÓRIO.
1.AA e mulher, BB, intentaram esta ação ordinário, contra CC, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes: a) €34.788,17 a título de capital seguro pela invalidez total e permanente que o afeta; b) os juros vencidos desde 9.11.2011, e os vincendos até efetivo e integral pagamento; subsidiariamente, ser declarada a nulidade do contrato, a ser restituído aos mesmos Autores tudo quanto pagaram a título de prémio pelo contrato de seguro vida celebrado com a Ré e que totaliza o montante de €6455,59.
Para tanto, no essencial e em síntese, alega que por escritura pública de 11 de Março de 2007 compraram uma fracção autónoma, financiada pelo Banco DD por mútuo hipotecário, subscrevendo um seguro de grupo ramo vida para garantia do capital de €34 788,17 ao mutuante, tomador do seguro, através da apólice 0061190. Que em Janeiro de 2010, tendo o autor marido sido vítima de AVC, ficando com uma incapacidade permanente global de 83%, foi reclamado à ré seguradora o pagamento do capital, o que ela recusou por, aquando da subscrição do seguro, não ter mencionado na resposta ao questionário a situação de reforma.



2.Na contestação, para além da excepção de ilegitimidade, a ré refere que o autor marido já se encontrava na situação de invalidez à data em respondeu ao questionário, pelo que está excluído o risco nos termos do artigo 6º, nº1, alínea a), das condições gerais do seguro, e com base na prestação de declarações inexactas, pela carta a que se reporta o documento foi anulado o contrato com efeitos a partir de 28.10.2011.




3. Em contestação, a Ré pede que se julguem partes ilegítimas os Autores e seja absolvida da instância, sem prescindir de pedir que se julgue a ação improcedente e seja absolvida do pedido.
4. Na réplica, para a eventualidade de ser considerado que o beneficiário do capital segurado é o Banco DD, seja a Ré condenada a proceder ao pagamento do capital seguro ao Banco DD, concretamente da quantia que à data em que procedeu à anulação do contrato ainda estava em dívida,
5.Exarado despacho saneador, onde se apreciou concretamente a excepção de ilegitimidade (julgada improcedente), seguida da seleção da matéria de facto assente e da organização da base instrutória, prosseguiram os autos para julgamento que culminou com a prolação da sentença, condenando a Ré no pagamento ao Banco DD do capital seguro que vier a ser liquidado (em dívida à data do sinistro referido em 2.1.23.) nos termos acima explicitados, tendo como limite máximo o valor do pedido, absolvendo a ré do demais peticionado.
II. É dessa sentença condenatória que recorre a ré, concluindo:
1 - Tendo em conta a prova testemunhal e documental produzida, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto do ponto 19, dando-se como provado apenas que: "As propostas de adesão ao seguro e respectivos questionários foram preenchidos informática e integralmente pela funcionária do Banco de acordo com as respostas às questões colocadas à Autora, tendo após os Autores assinado a documentação que lhes era fornecida para o efeito. "
2 – A resposta à matéria do ponto 20º está em clara contradição com o facto assente sob o ponto 29º, a saber, "Os Autores, conscientemente, prestaram declarações inexactas e omitiram factos na proposta de adesão mencionada supra em 2,1.6., designadamente sobre o estado de invalidez do Autor marido e patologia crónica referida em 2.1.29., que envolvia episódios de trombose e acidente vascular cerebral anterior à mesma ". Assim, deverá proceder-se à sua alteração, dando-se como provado apenas que: "À referida funcionária foi fornecida pelos Autores a documentação solicitada. "
3. A matéria de facto dos pontos 21, 22 e 25 deve considerar-se como não provada.
4. Deve considerar-se provada a matéria do ponto 6, e a do artigo 15º da contestação: que os Autores declararam na proposta de adesão que "O questionário médico faz parte integrante do seguro de vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de (actos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a CC S.A. do pagamento de qualquer indemnização".
5. Estando assente que os Autores falsearam declarações na proposta de seguro e que o fizeram de forma consciente e com a requerida modificação das respostas dadas à matéria de facto, a presente acção teria necessariamente que improceder.
6. Ora, do que se trata aqui é da inexistência do risco que a Ré aceitou segurar, a invalidez total e permanente do Autor. À data da subscrição da proposta de adesão, o Autor encontrava-se já numa situação de invalidez pelo que, relativamente à cobertura de invalidez total e permanente, verifica-se inexistência do risco proposto, elemento este típico do contrato de seguro.
7. Não se consideram cobertos pelo contrato de seguro os riscos resultantes de pré-existência (art. 6°, n? 1, al. a) das condições gerais).
8. - Tendo os Autores declarado que tomaram conhecimento das condições gerais e especiais do contrato no momento em que o mesmo foi outorgado, não podem invocar o seu desconhecimento com vista à exclusão do contrato das cláusulas que integram tais condições.
9. A inexistência do risco contratado, a existência de falsas declarações, a situação de doença pré-existente e a nulidade do contrato de seguro é matéria modificativa ou impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pelos Autores e importa a absolvição do pedido.
38a - Ao decidir como decidiu, o Tribunal "a que" violou os arts. 227°, 238°, 286°, 341 0, 342°, 346°, 351 ° e 396° do Código Civil e os arts. 5° e 466° do Código de Processo Civil.
Os autores pugnam nas contra-alegações pela manutenção do julgado e, para a hipótese de procederem as conclusões de recurso da seguradora, requerem a ampliação do recurso nos termos do artigo 636º, nº2, do CPC, dando-se como não provada a matéria do artigo 29º.

IV. Colhidos os vistos, cumpre decidir:
A recorrente sustenta o incorrecto julgamento da matéria de facto dos pontos 19, 20, 21, 22 e 25 do acervo provado da sentença recorrida e do ponto 6 dos não provados, reclama a aquisição processual do alegado no item 15º da contestação;
No segmento de direito as questões suscitadas prendem-se em saber se o risco está excluído nos termos do artigo 6º, nº1, a), das condições gerais da apólice, e se o contrato de seguro é de considerar nulo com fundamento nas falsas declarações prestadas pelo segurado/aderente.

Apreciando a impugnação deduzida à decisão da matéria de facto, em primeiro lugar consigna-se que, nos termos do artigo 607º, nº5, do C.P.C., nada obsta à aquisição processual do facto alegado no artº 15º da contestação, o qual passa a integrar o ponto 30º da matéria provada e com a seguinte redacção: Da proposta escrita do seguro de vida, no segmento previamente impresso, consta que o questionário médico faz parte integrante do seguro vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a CC S.A., do pagamento de qualquer indemnização”.





Em segundo lugar, quanto à matéria provada constante do ponto 25 (O descrito em 13, supra, impossibilita o autor marido de desenvolver qualquer actividade), não nos parece que a recorrente pretenda questionar que a IPG de 83% declarada em 30 de Agosto de 2011 pela Junta Médica (documento de fls. 35) impossibilita o autor marido de desenvolver qualquer actividade, pois esse estado é não só a presunção judicial que aquele grau de incapacidade permite estabelecer (a médica Maria Helena, no atestado que emitiu em 21 de Outubro de 2011, refere-se a grande invalidez- cfr. doc. de fls. 83) como é também o resultado lógico e óbvio de quem conhece o autor e com ele convive mais de perto, naturalmente a sua mulher e o lar onde se encontra (cfr. teor da declaração de fls. 36 emitida em Janeiro de 2013 pelo Lar Associação de Moradores das Lameiras).
Questão bem diferente é saber se o facto do autor marido se encontrar reformado por invalidez à data da adesão ao seguro de vida é a mesma coisa que afirmar a pré-existência do risco que se pretendia cobrir, que é a IPG superior a 66% segundo a Tabela Nacional de Incapacidade. Porém, essa conclusão é a nosso ver temerária, uma vez que se desconhecem as circunstâncias e os termos em que essa reforma foi atribuída, e em que grau de incapacidade se traduz a invalidez que a determinou. Ademais, se a invalidez do autor era já tão acentuada e evidente, a tomadora do seguro não o teria notado à data em que foi celebrado o mútuo com hipoteca? (a presença a esse acto concede até credibilidade às declarações da autora e das testemunhas Artur e de Sílvia, de que o autor marido tinha autonomia, designadamente de locomoção).
A reforma do autor por invalidez desde 12 de Novembro de 1999 não é pois necessariamente incompatível com a IPG de 83% que em 2011 a Junta médica reportou a 2010, ou com a circunstância dessa situação e da patologia de que vinha padecendo o autor ter sido eventualmente omitida ao tomador de seguro à data da proposta de adesão.

Passando-se aos demais pontos impugnados, recorda-se desde já o que consta do acervo factual provado nos pontos 19, 20, 21 e 22:
As propostas de adesão ao seguro e respectivos questionários foram preenchidos integralmente pela funcionária do Banco, limitando-se os autores a assinar a documentação que lhes era fornecida para o efeito”-ponto 19; “À referida funcionária foi fornecida pelos autores toda a informação e documentação solicitada - ponto 20; “Sendo do seu conhecimento pessoal a situação de reforma que o autor marido ostentava” -ponto 21; “Não tendo levantado qualquer objeção aquando da celebração e formação dos contratos de mútuo e seguro subscritos” -ponto 22.






A ré/recorrente, invocando o depoimento da testemunha Antonieta, reclama resposta restritiva/explicativa para o ponto 19: “as propostas de adesão ao seguro e respectivos questionários foram preenchidos informática e integralmente pela funcionária do banco de acordo com as respostas às questões colocadas à autora, tendo após os autores assinado a documentação que lhes era fornecida para o efeito, alegando que o ponto 20º está em contradição com o 29º (“os Autores, conscientemente, prestaram declarações inexatas e omitiram factos na proposta de adesão mencionada supra em 2.1.6., designadamente sobre o estado de invalidez do Autor marido e a patologia crónica referida em 2.1.29., que envolvia episódios de trombose e acidente vascular cerebral anteriores à mesma”), diz que se impõe que se considere como provado apenas que “à referida funcionária foi fornecida pelos autores a documentação solicitada”, por ser o que se pode extrair dos depoimentos das testemunhas Antonieta, Bruno e Maria Rosa, e que a matéria dos pontos 21º e 22 deve ser dada como não provada, porque a resposta positiva não está em sintonia com os depoimentos da testemunha Antonieta, corroborado por Bruno e Maria Rosa.

Na avaliação da prova que incidiu sobre a matéria atinente à elaboração da proposta de seguro de vida deve dar-se a devida atendibilidade ao estatuto dos próprios intervenientes, às ligações de índole pessoal e profissional das pessoas que prestaram os seus depoimentos, e demais circunstâncias que ajudam a compreender o contexto, expectativas e fins dos contratos celebrados.
Sublinha-se desde logo que os intervenientes directos na elaboração da proposta de seguro de vida foram a autora mulher e a funcionária do DD, Maria Antonieta, embora não se deva desvalorizar o papel da testemunha Artur - para o êxito da compra e venda da fracção predial que mediou, disponibilizou os seus préstimos à autora para obtenção do precisado financiamento no DD (entidade que lhe pagava uma comissão por cada cliente angariado), e para o efeito apresentou-a à funcionária desse banco em Ribeirão, a Maria Antonieta, a quem relatou as dificuldades encontradas pela autora noutras instituições, designadamente em função das idades e da situação de reformado do autor, quanto a isso não parece haver qualquer dúvida.
Tudo se processou posteriormente entre a autora mulher e a referida funcionária bancária Maria Antonieta (que nunca chegou sequer a ver e a conhecer o autor, mesmo quando passava pela loja de costura da Rosina, onde aliás lhe terá levado os papeis para assinar). A recorrente não dissente que as propostas de adesão ao seguro e respectivos questionários foram preenchidos informática e integralmente pela funcionária do Banco, limitando-se os autores a assinar a documentação que lhes era fornecida para o efeito, apenas pretende que se acrescente que o questionário foi preenchido mediante as respostas que a autora ofereceu às questões colocadas. É certo que foi o que a Maria Antonieta afirmou em audiência, mas esperava-se que dissesse coisa diferente, considerando que isso poderia afectar a sua imagem perante a entidade patronal, para além doutras consequências?

Note-se por outro lado que nessa altura (2007), é noticiado que havia grande a abertura na atribuição de crédito bancário para habitação (pelos vistos havia muita gente a tirar proveito disso), nesse aspecto os depoimentos dos funcionários bancários são concordantes, segundo os quais o critério determinante do empréstimo era a capacidade dos clientes de solverem as suas obrigações (v.g. Maria Antonieta e Manuel Ferreira). Mas nesse contexto, era necessário que fosse subscrito um questionário do seguro de vida não impeditivo do êxito da operação, daí que no caso tudo leva a crer que nos contactos/encontros entre a autora e a Maria Antonieta se passou ao lado de questões relacionadas com o estado de saúde do autor marido, ou sobre as condições e cláusulas de exclusão do seguro de vida, sendo a proposta levada a assinar aos aderentes na lógica de “lavo daqui as minhas mãos”, ou seja, cada um é responsável pelo que subscreve.
Mas será verosímil que a Antonieta não estivesse ao corrente da situação de reforma do autor?; Qual a razão por que, no lugar da profissão do autor marido assinalou na proposta de seguro “sem”, e da proposta de crédito se fez constar comerciante/proprietário? ; acaso também foi por informação da autora que a Antonieta colocou “não” à pergunta «Já lhe foi recusada a celebração de um seguro de vida, de doença ou de acidentes pessoais», sabendo-se que os motivos por que o Artur lhe prometeu interceder junto do DD foi precisamente devido às dificuldades encontradas noutras instituições bancárias?

A nosso ver nada permite concluir com segurança que os AA. prestaram conscientemente declarações inexactas sobre a invalidez e a patologia crónica (é a essas que se referem o item 29), porque não se provou que algo de concreto tenha ou não sido perguntado ou discutido (nada se pode concluir com segurança no sentido positivo ou negativo), ou que a autora estivesse ou não ciente da importância e essencialidade desses factos para as pessoas e entidades com quem estava a negociar. Aliás, pelo menos está instalada a dúvida e, nos termos do artigo 414º do CPC, «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus de prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita», que no caso é a ré/recorrente.

Assim, entendem os Juízes deste colectivo em manter a decisão relativa à matéria dos pontos 19º, 20º, 21º e 22º, do acervo provado, e do ponto 6 do acervo não provado, e altera-se o item 29º com vista a harmonizar o seu teor com a demais matéria e a própria prova, que passa a ter a seguinte redacção: Da proposta de adesão não consta o estado de invalidez do autor marido e a patologia crónica que envolvia episódios de trombose e acidente cascular cerebral».

Pelo exposto, considera-se estabilizada a matéria de facto provada, nos termos que se passam a enunciar:
1. Os Autores, no dia 11/5/2007, através de escritura pública e mediante o preço de € 64.000 (sessenta e quatro mil euros) compraram uma fração autónoma designada pelas letras "AP" correspondente a uma habitação no quarto andar, letra …, do prédio urbano sito no lugar de Quinta dos Plames, rua Ernesto Carvalho, Edifício Milão, freguesia e concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n° 43.
2. Para aquisição do supra identificado imóvel os Autores tiveram de recorrer a um empréstimo bancário, tendo celebrado com o Banco DD, S.A. um contrato de mútuo no valor de € 55.000 (cinquenta e cinco mil euros).
3. Na décima cláusula do documento complementar elaborado nos termos do número 2 do artigo 64° do Código do Notariado e que faz parte integrante da escritura a que se refere a alínea A) pode ler-se que: "1. os mutuários obrigam-se a subscrever um seguro multiriscos do imóvel ora hipotecado em sociedade de seguros de reconhecido crédito e confiança do Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice a existência desta hipoteca para o efeito de, em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações asseguradas, o Banco receber a respetiva indemnização, assim como a trazer pontualmente pagas as contribuições que incidirem sobre o imóvel hipotecado. 2. Os Mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respetiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e confiança do Banco, a pagar atempadamente os respetivos prémios, a fazer inserir na respetiva apólice que o Banco é credor hipotecário e que, em consequência, as indemnizações que sejam devidas em caso de sinistro reverterão para o Banco. 3. As apólices e as atas adicionais dos seguros acima referidos ficarão em poder do banco mutuante como interessado nos mesmos, na qualidade de credor hipotecário. Só por intermédio do Banco e com o seu acordo por escrito os seguros poderão ser anulados ou alterados”.
4. A seguradora Ré, CC, e o DD jamais exigiram exames médicos aos Autores.
5. E aprovaram o financiamento bancário dos Autores com os inerentes seguros.
6. A proposta de adesão junta a folhas 66 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, mostra-se subscrita pelos Autores a 16/3/2007.
7. O contrato de seguro do ramo vida associado a crédito à habitação, contratado para garantia do empréstimo n° 1195973153 e titulado pela apólice n° 00061190 submetia-se às respetivas condições gerais e especiais, conforme consta do documento junto de folhas 39 a 48, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido.
8. Consta do artigo 1°, alínea e) das condições especiais do contrato de seguro do ramo vida a que corresponde a apólice n° 00061190, que: "Para efeitos desta cobertura complementar, considera-se (...) invalidez total e permanente - a pessoa segura encontra-se na situação de invalidez total e permanente se, em consequência de doença ou acidente, estiver total e definitivamente incapaz de exercer uma atividade remunerada, com fundamento em sintomas objetivos, clinicamente comprováveis, não sendo possível prever qualquer melhoria no seu estado de saúde de acordo com os conhecimentos médicos atuais, nomeadamente quando desta invalidez resultar paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência de paralisia, cegueira completa ou incurável, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidade de trabalho, devendo em qualquer caso o grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional das Incapacidades, ser superior a 66,6% que, para efeitos desta cobertura, é considerando como sendo igual a 100%".
9. Consta do artigo 2° das condições especiais do contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice n° 00061190 que: "Objeto da cobertura: Pelo presente contrato, o Segurador garante, em complemento das garantias da cobertura principal, o pagamento de um capital seguro, definido nas condições particulares ou certificado individual da apólice, em caso de invalidez total e permanente da pessoa segura, em consequência de doença manifestada ou de acidente ocorrido durante a vigência desta cobertura”.
10. O seguro em causa teve início a 11/5/2007, tem o capital seguro de € 55.000 (cinquenta e cinco mil euros), sendo que na anuidade 2011/2012 o capital seguro máximo garantido era de € 37.788,17.
11. Conforme consta das condições gerais, da proposta de seguro e do certificado individual, o "tomador" do seguro é o Banco DD.
12. Desde 12/11/1999 que está a ser concedida ao Autor marido a pensão de invalidez com o valor mensal de € 538,35.
13. Foi declarada ao Autor, em 30/8/2011, reportada ao ano de 2010, uma incapacidade permanente global de 83% (incapacidade motora permanente com elevada dificuldade de se deslocar na via pública sem auxilio de cadeira de rodas, que impede a condução).
14. Foi solicitada à Ré o pagamento do capital seguro (€ 34.788,17) que, de acordo com as condições especiais da apólice deveria ser efetuado pela Ré à pessoa segura, tendo a Ré recusado ao Autor marido o pagamento através de escrito datado de 9/11/2011 nos seguintes termos: " (...) Da apreciação efetuada à referida documentação verificamos que V.Exa foi aposentado com efeitos a 12 de novembro de 1999, conforme declaração emitida pela Segurança Social, em 3 de Outubro de 2011. Assim, aquando do preenchimento da Proposta de Adesão ao Seguro de Vida e respetivo Questionário, em 16 de março de 2007 (cópia em anexo), não foi mencionada a situação de reforma de V.Exa., tendo pelo contrário respondido de forma negativa à pergunta se era reformado. Nestas condições verificamos que existia uma situação de reforma por invalidez, o que revela a inexistência do risco proposto por já se haver concretizado à data da celebração do presente contrato de Seguro de Vida. Esclarecemos ainda que é através da Proposta de Seguro e do teor das condições gerais e especiais da Apólice, de que juntamos cópia, declinamos qualquer responsabilidade pelo pagamento do capital seguro na apólice, procedendo, nesta data, à anulação do contrato. (…) ".
15. A título de prémio de Seguro Vida pagavam os Autores mensalmente a quantia de € 119,73 (cento e dezanove euros e setenta e três cêntimos).
16. Os Autores deslocaram-se a várias instituições bancárias no sentido de se informarem das condições dos contratos, fazerem simulações, etc. e optaram por efetuar o contrato de mútuo identificado em 2., supra.
17. Tendo sido a Antonieta, funcionária do DD que tratou de toda a documentação, preencheu formulários e agilizou o processo para a aprovação do mútuo.
18. Todos os elementos documentais solicitados foram disponibilizados pelos Autores, tendo o Banco DD exigido algumas condições, como uma hipoteca sobre o imóvel identificado em 1. supra e a subscrição de vários seguros.
19. As propostas de adesão ao seguro e respetivos questionários foram preenchidos integralmente pela funcionária do Banco, limitando-se os Autores a assinar a documentação que lhes era fornecida para o efeito.
20. À referida funcionária foi fornecida pelos Autores toda a informação e documentação solicitada.
21. Sendo do seu conhecimento pessoal a situação de reforma que o A. marido ostentava.
22. Não tendo levantado qualquer objeção aquando da celebração e formação dos contratos de mútuo e seguros subscritos.
23. Em janeiro de 2010, o A. marido foi vítima de um acidente vascular cerebral (AVC).
24. Jamais a seguradora Ré e o DD exigiram exames médicos aos Autores.
25. O descrito em 13., supra, impossibilita o A. marido de desenvolver qualquer atividade.
26. Ficando dependente de cuidados de terceiros.
27. Estando o Autor marido, atualmente, aos cuidados da instituição Centro Social e Comunitário da Associação de Moradores das Lameiras.
28. Com o pedido de participação do sinistro foi enviado à Ré o atestado de doença junto a folhas 82, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual se declara que o Autor se encontra com patologia crónica desde 1998, que se tem vindo a agravar e que conduziu à sua grande invalidez.
29. Da proposta de adesão não consta o estado de invalidez do autor marido e a patologia crónica que envolvia episódios de trombose e acidente cascular cerebral».
30. Da proposta escrita do seguro de vida, no segmento previamente impresso, consta que o questionário médico faz parte integrante do seguro vida. As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a CC S.A., do pagamento de qualquer indemnização”.

2ª. Apoiando a recorrente a pretendida revogação da sentença recorrida na alteração da matéria de facto, singelamente poder-se-ia dizer que as questões de direito igualmente têm de soçobrar, acolhendo-se os bons fundamentos que nesse segmento foram aduzidos na sentença recorrida.

Da anulação do contrato de seguro por aplicação do normativo do artigo 429º do Código Comercial.




O contrato titulado pela apólice 0061190 integra-se nos denominados seguros de grupo (artigo 1º, g), do Decreto-Lei 176/95), na modalidade seguro de vida crédito à habitação – que os aderentes se limitam a subscrever sem prévia negociação individual da elaboração das cláusulas contratuais gerais, e por isso mesmo constituem contratos de adesão sujeito ao regime do DL 446/85, de 25.10-, visando garantir o pagamento por parte da ré seguradora ao tomador de seguro DD do capital mutuado em dívida até ao montante de €34 788,17, em caso de sobrevinda invalidez total e permanente superior a 66% segundo a Tabela nacional de Incapacidades.

Tendo o autor marido sido vítima de doença que lhe determinou em 2010 uma IPG de 83% segundo a TNI, por ter aderido Março/2007 ao referido seguro de grupo, nasceu consequentemente a obrigação da ré seguradora pagar o capital em dívida. Para obstar ao cumprimento do contrato de seguro, alegando a violação dos deveres de boa-fé e lealdade dos segurados ao preencher o questionário que versava sobre o estado de saúde e antecedentes clínicos do autor marido, invocou a ré como excepção peremptória a anulabilidade do contrato, abrigada no disposto no artigo 429º do Código Comercial Norma revogada pelo artigo 6º do DL nº72/2008, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009. O artigo 2º (aplicação no tempo) prevê a aplicação do novo regime ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, ou seja, como refere Pedro Romano Martinez, nesses casos “a lei nova não se aplica à formação do contrato, mas tão-só ao seu conteúdo, ou seja, a questões relacionadas com a execução do vínculo” (lei do contrato de seguro, 2011, pág. 25)., em vigor à data da adesão ao seguro de grupo (artigo 12º, nº1, do Código Civil), e o objecto do recurso que interpôs prende-se precisamente com a aplicação desse normativo (“Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato toram o seguro nulo”).

A resolução dessa questão, que consubstancia uma excepção peremptória ao direito dos autores, passava assim por apurar se foram ou não produzidas declarações inexactas, ou reticentes conhecidos dos segurados sobre o seu estado de saúde e, em caso afirmativo, se isso teria objectivamente influído na análise do risco, fixação das condições contratuais e/ou se eram até idóneas a que a seguradora recusasse a adesão. Parece-nos oportuno transpor para o caso o expendido pelo S.T.J. no acórdão uniformizador de jurisprudência do n.º 10/2001, de 21.11: “sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. A avaliação do que sejam declarações inexactas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio terá de ser feita caso a caso” (sublinhado nosso).

Ou seja, tal como foi entendimento do acórdão do S.TJ de 23.02.2012 (disponível em www.dgsi.pt), que secundou outros arestos do mesmo tribunal, a verificação da anulabilidade pressupõe não apenas a prova das declarações omissas e/ou reticentes, mas também a sua relevância na outorga do contrato (as omissões susceptíveis de influir na outorga do contrato não se reconduzem necessariamente à existência de patologias graves), e o ónus de prova desse nexo de causalidade impende sobre quem pretende beneficiar da anulabilidade, que não dispensará naturalmente a análise e confronto das declarações inexactas e das questões colocadas no questionário apresentado pela seguradora à aderente, e o recurso às regras da experiência.

Ora, não se provou que os autores tenham efectivamente prestado informações inexactas (a circunstância do teor das respostas ao questionário não ser conforme à realidade não significa que isso decorra da violação de qualquer dever por parte dos autores, dada a natureza demasiado genérica das questões, e sabendo-se quem procedeu ao seu preenchimento e que condições presidiram à subscrição da proposta), que a IPG de 83% seja uma situação pré-existente à subscrição da proposta do seguro, e que os autores soubessem da essencialidade e da importância do então estado de saúde do autor marido e/ou da situação que a reforma para a seguradora (é à data da formação do contrato que se deve extrair essa ilação para aplicação o normativo do artigo 429º do Código Comercial, não relevando os factos do superveniente conhecimento da segurada, neste sentido, cfr. acórdão do STJ de 04.03.2004, www.sgsi) e que dessas mesmas circunstâncias a ré se possa prevalecer para efeitos de aplicação da cláusula de exclusão prevista no artigo 6º, nº1, alínea a), das condições gerais da apólice, até porque nada foi apurado sobre o cumprimento do ónus de informação do conteúdo e relevância da mesma (cfr. artigo 5º e 8º, alínea a), do regime legal das cláusulas contratuais gerais).

III. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirmam a sentença recorrida.

Custas pelos recorridos.

G. 12.03.2015

(Heitor Gonçalves)

(Amilcar Andrade)

(José Rainho)