Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2227/16.4T8VNF.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RESOLUÇÃO
DENÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Apesar de ser legalmente admissível a revogação ou a denúncia do contrato de prestação de serviços de contabilidade, celebrado entre as partes, a cessação dos respectivos efeitos que a autora pretendeu com a comunicação à ré da cessação/resolução, sem qualquer aviso prévio, baseando-se no alegado cumprimento defeituoso das obrigações da contraparte, ou em motivos de força maior, corresponde ao exercício do direito de resolução, fundamentado, neste caso, em convenção (cfr. art. 432.º, n.º 1 do CC).

II- A resolução do contrato considera-se ilícita, no caso concreto, porquanto não ficaram demonstrados factos susceptíveis de revelar o inadimplemento imputado aos réus.

III- A ilicitude da resolução do contrato não impede a produção do efeito extintivo do contrato, salvo se ficarem provados os seguintes pressupostos cumulativos: possibilidade de cumprimento das prestações contratuais, manutenção do interesse da parte lesada na execução do contrato, não sendo esta excessivamente onerosa para o contraente que o resolveu ilicitamente.

IV- Não se justificando a resolução do contrato, nem a subsistência do mesmo, a declaração de cessação dos respectivos efeitos, como aconteceu no presente caso, deve ser convolada em denúncia, por se tratar de um contrato renovável automaticamente, e corresponder à vontade do declarante (cfr. art. 239.º do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

“Escola A– Ensino, Técnica, Educação, Lda.”, com sede na Rua das …, freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, Braga, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra “Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais, Lda.” e contra Manuel, com sede e residência, respectivamente, na Rua …, Vila Nova de Famalicão, alegando, em suma, que celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços, os quais foram deficientemente executados pelo Réu, enquanto colaborador daquela e para o efeito escolhido e indicado naquele contrato, o que lhe causou prejuízos vários, tendo a Autora procedido, por correio registado, à resolução desse contrato de prestação de serviços, bem como, à denúncia de um contrato de trabalho entretanto celebrado com o Réu.

Terminou pedindo que:

a) sejam os aqui réus condenados a reconhecer como válida e plenamente eficaz, a resolução e denúncia dos contratos de prestação de serviços e de trabalho, respectivamente, com efeitos em 7 de Dezembro 2015;
b) sejam os aqui Réus condenados solidariamente ao pagamento à A. a título de indemnização, pela conduta abusiva e ilegal, o montante que vier a ser apurado decorrente da conduta dos réus, a liquidar em execução de sentença;
Os Réus contestaram, excepcionando a incompetência material deste Tribunal, e alegando, em suma, que cumpriram as suas obrigações, não lhe competindo proceder a determinados pagamentos.
Terminaram pugnando pela sua absolvição da instância ou pela improcedência da acção, com condenação da Autora como litigante de má-fé numa multa de € 5.000,00.
Notificada para o efeito e, bem assim, para indicar o valor do pedido ilíquido formulado, a Autora veio repelir a invocada incompetência e reduziu o pedido nos seguintes termos: “sejam os aqui réus condenados a reconhecer como válida e plenamente eficaz, a resolução e denúncia do contrato de prestação de serviços efectuada pela Autora, com efeitos em 7 de Dezembro 2015”.
Mais se pronunciou sobre o referido valor – cfr. fls.126 e seg.
Os Réus mantiveram tudo o que foi alegado e reiteraram o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.
Por despacho de fls.146 e seg., foi fixado o valor da causa em € 105.000,01 e, verificada a incompetência, em razão do valor, do Juízo Local Cível, foram os autos remetidos a este Juízo Central Cível.
A redução do pedido foi admitida por despacho supra proferido, mais se tendo julgado improcedente a excepcionada incompetência material.
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Proferiu-se sentença que decidiu julgar a presente acção totalmente improcedente, e absolveu os Réus do pedido.
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Inconformada com a sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes

Conclusões

A- É inquestionável que estamos na presença da celebração de um contrato de prestação de serviços na sua definição legal, sendo que " ... O contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição ... é pois, um contrato típico previsto e regulado pela Código Civil nos Artigos 1154° a 1156°."
B- E dispõe o n.º 1 do Artigo 1170, que o mandato, e concomitantemente o contrato de prestação de serviços, é livremente revogado por qualquer das partes - consagra-se desta forma a regra da livre revogabilidade do mandato, versus, contrato de prestação de serviços- Artigos 1170 a 1173 ex vi do Artigo 1156 do Código Civil.
C- A circunstância de se tratar de mandato remunerado-como de prestação de serviços-não satisfaz, só por si, o requisito do interesse do mandatário, em termos de justificar a irrevogabilidade do mandato;
D- Desta forma, o interesse juridicamente relevante passa necessariamente pelo desenvolvimento da atividade desenvolvida, objeto do mandato. Pode afirmar-se que, no mandato há um interesse para além daquele do mandante, quando o mandatário ou um terceiro tenha um direito próprio a fazer valer, conexionado com o próprio encargo, e o mandato seja a condição ou a consequência, ou até o modo de execução do direito que lhe pertence.
E- Sendo porém que, conforme o disposto no n.º 2 do Artigo 1170, a revogação resultará ineficaz se o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, salvo se ocorrer justa causa.
F- Decorre da cláusula contratual designada por Sétima, que vincula ambas as partes (no caso Autora aqui recorrente e Réus aqui recorridos) a determinação da possibilidade de "resolverem" o contrato firmado, quer pelo mandatário a todo o tempo, desde que respeite uma antecedência de 60 dias para a sua comunicação, quer pelo mandante/mandatário a possibilidade de o fazer cessar, dir-se-á no nosso entendimento, com recurso à revogação unilateral, pela verificação de qualquer circunstancionalismo previsto nas três alíneas do seu número 2, desta feita sem qualquer aviso prévio.
G- Resulta provado que a Autora declarou inequivocamente a sua vontade em fazer cessar os efeitos do contrato de prestação de serviços, que se mostrava em vigor com a Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais, a partir de 7 de dezembro de 2015, caracterizando-o juridicamente desta forma, e que esta Ré e o Réu Manuel aceitaram expressamente aquela revogação/cessação.
H - Deveriam ter sido considerados assentes por provados os seguintes factos que não o foram:

• "Confrontado pessoalmente com os factos que antecedem, o Réu admitiu o lapso que lhe estava a ser imputado" (ponto 13 dos factos não provados), e
• "O referido em L19 ocorreu pelo facto de o Réu ter demonstrado perfeita perceção e compreensão do que lhe tinha sido transmitido" (ponto 14 dos factos não provados).
I- Quanto ao primeiro facto dado como não provado, sublinhe-se a contradição clara com a matéria assente no ponto 1.18, quando o Tribunal Recorrido dá por assente que no dia 2 de dezembro de 2015 foi transmitido pessoalmente ao Réu Manuel que estava irremediavelmente comprometida a confiança contratual nele e na empresa da qual era sócio, sendo intenção da Autora rescindir de imediato os respetivos contatos.
J- Tendo em conta os padrões médios de normalidade, compreensão e razoabilidade de um cidadão comum, não se nos assemelha credível que o Réu Manuel não tenha sido informado pessoalmente dos motivos que consubstanciavam a atitude da Autora, bem como, os factos (comportamentais ou derivados da sua conduta enquanto TOC) que lhe estavam a ser imputados.
L- Tal conclusão percebe-se tanto mais pertinente, quanto é certo que no dia imediato (3 de dezembro de 2015), o Tribunal recorrido dá como assente que o mesmo Réu, procedeu à comunicação eletrónica, junto do site da Autoridade Tributária e Aduaneira, que tinha deixado de ser o Técnico Oficial de Contas responsável pela contabilidade da Escola A/, aqui recorrente.
M- Para contrariar a força probatória de um documento da natureza que assume aquela referida declaração eletrónica, acentuada pelo facto de ser da autoria do próprio visado, não basta que em depoimento judicial/declarações de parte, o seu autor venha "desvalorizar" a declaração que lhe está necessariamente subjacente, alegando apenas um expediente de manifestação de uma intenção futura, e/ou no cumprimento de procedimentos apenas aconselhados por um eventual organismo, no caso vertente a Ordem dos Contabilistas Certificados.
N- Tribunal Recorrido deveria ter considerado como provado que: "O Réu confrontado pessoalmente com os factos que antecedem admitiu o lapso que lhe estava a ser imputado tanto assim que, demonstrando perfeita perceção e compreensão do que lhe tinha sido transmitido, no dia 3 de dezembro de 2015 procedeu à comunicação eletrónica junto do site da Autoridade Tributária e Aduaneira, que tinha deixado de ser o Técnico Oficial de Contas responsável pela contabilidade da Autora".
O- Quanto à matéria do ponto 15 dos "Factos Não Provados", não resulta concludente que o Réu não tenha procedido à recuperação das senhas de acesso aos Portais da Segurança Social e Autoridade Tributária com recurso à "Resposta de segurança" que era do seu conhecimento.
P- Aliás, é nesta esteira que novamente o Digno Tribunal Recorrido dá como facto assente no ponto 1.13 da matéria assente, o teor do documento junto pela Autora a fls. 17, e que não mereceu qualquer contraditório pelos Réus, logo aceite na íntegra o seu conteúdo.
Q- Neste documento a Autora comunicou ao Réu Manuel que teve conhecimento pelo acesso à plataforma da Autoridade Tributária, que tinha sido efetuada a recuperação da senha de acesso ao mesmo, sendo que à exclusão do Réu mais nenhum dos seus colaboradores tinha conhecimento dessa especificidade, advertindo-o para a sua ilegalidade.
R- Tanto assim é que, são os Réus que juntam na sua Contestação, um documento designado pelo n.º 3 e que constitui uma pesquisa informática ao Histórico de senhas do contribuinte … (NIPC da Autora), feita pelos próprios, onde consta expressamente a data de 16 de dezembro de 2015 com uma "SENHA ACTUAL", sendo certo que a origem ou motivo para a atualidade da senha é "…". Documento este que foi completamente ignorado pelo Digno Tribunal Recorrido, e através do qual se extrairia a prova do que tinha sido alegado pela Autora.
S- Não tem qualquer sustento probatório não ser considerado provado que o Réu procedeu à recuperação das senhas de acesso aos Portais referidos, apenas e através da negação dos factos pelo próprio Réu Manuel.
T- Deveria ser incluído na matéria dada como provada o ponto 15 dos Factos Não Provados - O Réu procedeu à recuperação das senhas de acesso aos portais da Segurança Social e AT com recurso à "resposta de segurança" que era do seu conhecimento.
U- Ainda quanto à matéria de facto dada como não provada, deveriam ter tratamento diferente os seguintes pontos:
• "Não obstante o conhecimento direto do Réu dos respetivos créditos a pagar e data do seu vencimento, o Réu procedeu ao parcelamento/distribuição dos créditos de forma arbitrária e por sua exclusiva iniciativa" - Ponto 8 dos Factos Não Provados
• "Os honorários devidos à Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2015 foram pagos pela Autora"¬Ponto 16 dos Factos Não Provados
V- Quanto ao Ponto 8 dos Factos Não Provados, toda a prova assenta igualmente em documentos, sendo que a "Declaração de Rendimentos 2014" (Documento 13 junto com a P.I.) relativa a um ex colaborador da Autora, foi elaborada pelo Réu Manuel, da sua exclusiva competência, ou melhor dizendo, constituindo uma das suas funções/tarefas enquanto Contabilista Certificado ao serviço da Autora.
X- Ao contrário do que o Réu pretendeu fazer crer ao Tribunal Recorrido, o cerne da sua atuação e os efeitos jurídicos nefastos para Autora (ilicitude do despedimento do seu colaborador e consequente pagamento de todos os créditos até à data da decisão/acordo), não derivam da discussão em torno da antiguidade daquele colaborador, mas antes e bem mais grave, da discrepância substancial entre valores efetivamente entregues ao ex colaborador pela Autora com aqueles outros constantes na "Declaração de Rendimentos 2014" elaborado pelo Réu, da sua exclusiva responsabilidade e autoria, no exercício das suas funções de TOC.
Z- Ao contrário do que foi valorado e decidido pelo Digno Tribunal Recorrido, pela confissão expressa do Réu Manuel do total conhecimento dos créditos que deviam ser pagos ao então trabalhador, e aqueles que por si foram declarados e atestados em Declaração de Rendimentos, deveria ter sido dado como provado o ponto 11.8 dos factos não provados.
AA- Resulta que a resposta a esse facto deveria ter sido positiva, passando a constar da matéria provada que: "Não obstante, o conhecimento direto do Réu dos respetivos créditos a pagar e data do seu vencimento, o Réu procedeu ao parcelamento/distribuição dos créditos de forma arbitrária e por sua exclusiva iniciativa':
BB- Quanto ao facto considerado não provado que constitui o Ponto 11.16, não se consegue descortinar a razão ou motivação que está subjacente à resposta negativa, pois é o Digno Tribunal Recorrido que dá como assente o facto que o Réu Manuel, em Novembro de 2015 já na qualidade de trabalhador dependente da Autora, recebeu o vencimento correspondente ao mês de Novembro de 2015 no montante entretanto acordado conforme o documento junto de fls 72 verso, cujo teor se deu como integralmente reproduzido.
CC- A natureza do vínculo contratual que o Réu Manuel detinha com a Autora, já não passava pele cedência desse colaborador da Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais enquanto TOC da Autora, mas antes estávamos perante uma relação tipicamente do foro laboral. Assim sendo, a que título a Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais deveria faturar à Autora os serviços prestados pelo seu colaborador cedido Manuel, nos termos do contrato de prestação de serviços?!?!?!
DD- Pese embora a resolução seja admitida fundada na lei ou em convenção (n.º 1 do Artigo 432 do CC), apenas está em causa nos presentes autos a resolução fundada em convenção, quanto é certo que as partes previram, aceitaram e firmaram a sua possibilidade, no contrato de prestação de serviços em análise, na sua Cláusula Sétima n.º 2.
EE- Deveria ter sido no contexto daquela cláusula sétima do contrato de prestação de serviços, que o Tribunal Recorrido deveria ter centrado a prova produzida e integra-la no direito aplicável.
FF- A comunicação enviada aos Réus em 7 de dezembro de 2015, pela qual se põe fim ao contrato e que constitui o documento número 18 junto com a P.I., que o Tribunal à quo dá como matéria assente, e o seu conteúdo integralmente reproduzido, a Autora apesar de utilizar a expressão "Cessação/Resolução de Contrato", na verdade está a proceder à sua revogação unilateral com efeitos ex nunc (Artigo 434 n.º 2).
GG- Ali é dito que, passa-se a transcrever, " ... somos a informar que não pretendemos dar continuidade aos serviços contratualizados com v/ Excias., motivo pelo qual cessará os seus efeitos de imediato. I • Daqui resulta que a Autora estava a revogar unilateralmente o contrato de prestação de serviços para o futuro, sem apagar os efeitos anteriormente produzidos.
HH- Ao contrário do que o Tribunal Recorrido decidiu, nos presentes autos não estamos perante a figura jurídica da resolução contratual, apesar da expressão utilizada que titula aquela cláusula sétima do contrato, apesar ainda do termo "resolução" utilizado e mencionado após "cessação" na comunicação feita pela Autora à Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais, mas que em si não vincula o Tribunal nos termos do disposto no Artigo 664 do C.P.C.
II- É notório que a Autora baseando-se numa possibilidade legal (Principio da livre revogabilidade do mandato/contrato de prestação de serviços) e na faculdade contratual da Cláusula Sétima n.º 2 do contrato de prestação de serviços, põe termo na continuidade do contrato, fazendo cessar os seus efeitos para o futuro, não pretendendo eliminar os efeitos anteriormente produzidos.
JJ- Estamos perante uma revogação unilateral do contrato, pois trata-se de uma cessação deste, destinada a operar para o futuro, que nos termos da supra referida cláusula contratual foi acordado pelas partes, a Autora podia livremente proceder independentemente de qualquer prazo e/ou aviso prévio.
LL- A manter-se a decisão colocada em crise, mantendo-se inalterada a matéria de facto assente e em consequência declarando-se ineficaz e inválida a comunicação da Autora à Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais, para a cessação do contrato de prestação de serviços, só podemos concluir que aquele encontra-se ainda em vigor.
MM- Mas tendo em conta que, a Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais, prestaria os serviços contratados de contabilidade pela cedência do TOC Manuel, e este, à data da cessação da prestação de serviços já era trabalhador por conta e sob as ordens da Autora, o contrato em análise não poderia continuar a ser executado pelo seu colaborador (Réu Manuel), nem cumpridos os serviços contratados, uma vez que no clausulado contratual é mencionado expressamente a pessoa que os irá executar!!!!
NN- Ponderando a prova documental apresentada e alterando a matéria de facto concretamente provada, interpretando-a e integrando-a no direito substantivo.
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O Réu contra-alegou, concluindo que :

A) Das conclusões apresentadas pela Recorrente, não conseguem os Recorridos perceber, com a precisão exigida, qual o objeto do presente recurso.
B) A comunicação feita pela Autora/Recorrente aos Réus consubstancia uma verdadeira resolução do contrato e não uma denúncia como pretende agora a Recorrente fazer crer.
C) A missiva remetida pela Recorrente à Recorrida refere expressamente «resolução» no assunto e refere-se à alínea c) do n.º 2 da cláusula sétima do contrato que alude à ocorrência de motivos de força maior que inviabilizem a manutenção do contrato.
D) A Autora/Recorrente não demonstrou, como lhe competia, que existiu fundamento lícito para resolver o contrato de prestação de serviços.
E) Assim como não logrou a Recorrente provar que os Réus tenham praticado algum facto suscetível de consubstanciar justa causa para a resolução do contrato de prestação de serviços ou que estes tenham causado algum prejuízo à Recorrente.
F) A apreciação da prova em 2.ª instância não pode constituir um segundo julgamento da matéria de facto nem contender com o princípio da livre apreciação da prova.
G) Na verdade, a factualidade aferida e julgada provada, impõe ao Julgador a decisão proferida nos exatos termos em que a mesma foi proferida.
H) Nas suas alegações, a recorrente limita-se a indicar o tempo de gravação das declarações de parte a que referência, não tendo identificado a concreta passagem da gravação que, alegadamente, no seu entender imporia ao Julgador decisão diferente da dos autos.
I) Incumprido este ónus, deverá o presente recurso ser liminarmente rejeitado, nos termos do artigo 640, n.º 1 do cpc. J) Não pode a Recorrente pretender que seja reapreciada a matéria de facto, sem que sejam invocados fundamentos que demonstrem, com clarividência, que se impunha decisão diversa.
K) Nada nestes autos demonstra o pretendido pela recorrente nas suas alegações de Recurso.
L) A douta sentença andou bem ao julgar que a cessação do contrato de prestação de serviços por iniciativa da Recorrente concretizou-se por via da resolução, resolução esta inválida.
M) Perante a factualidade assente, não existe qualquer contradição da douta sentença ao decidir nos termos em que decidiu.
N) Não existiu igualmente qualquer erro de julgamento, tendo o tribunal a quo feito uma correta e completa apreciação e valoração da prova testemunhal e documental produzida.
O) A Douta sentença fundamenta devidamente a valoração que atribui ao depoimento de cada testemunha e às declarações das partes.
P) Assim, bem andou a douta sentença proferida devendo ser mantida nos seus precisos termos.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II—Delimitação do Objecto do Recurso

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes :
-Da modificabilidade da decisão de facto;
-Da qualificação e validade da declaração de extinção do contrato de prestação de serviços.
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-Da modificabilidade da decisão de facto

O Réu suscitou a questão prévia de inadmissibilidade do recurso porquanto nas suas alegações, a Recorrente limita-se a indicar o tempo de gravação das declarações de parte a que faz referência, não tendo identificado a concreta passagem da gravação que, alegadamente, no seu entender imporia ao Julgador decisão diferente da dos autos.
Quando seja impugnada a matéria de facto, como no presente recurso, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição : os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al.a)); os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (al.b)) e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al.c))—v. art. 640.º, n.º 1 do C.P.Civil.
E quando os meios probatórios invocados com fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes—cfr. n.º 2, al. b) do art. 640.º do C.P.Civil.
Compulsadas as alegações recursórias, na parte referente à impugnação da decisão dos factos não provados dos pontos 13 e 14, verifica-se que a Recorrente sustenta a sua discordância na prova documental e nas declarações de parte da representante legal da Autora e do Réu, sem indicar qualquer período temporal dessas declarações nem sequer uma simples referência à gravação.
Não obstante se admita, seguindo a orientação do STJ, a falta de indicação precisa das horas, a verdade é que, no caso concreto, a omissão é total.
Relativamente ao ponto 15 dos factos não provados, indica o depoimento do Réu e o momento temporal da gravação.
Assim sendo, não deve ser admitida a reapreciação dos depoimentos em causa no que respeita aos pontos 13 e 14, por omissão total da indicação do registo das passagens de gravação dos mesmos, sem prejuízo da avaliação da prova documental produzida sobre esta matéria.

Nos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. (negrito nosso)
Assim, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal e ainda de outros que se mostrarem pertinentes, essa operação não pode nunca olvidar os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Discorda a Recorrente da decisão que julgou não provados os factos vertidos nos pontos 13, 14, 15, 8 e 16.
Assim, em relação aos factos dos pontos 13 e 14 sugere que seja dado como demonstrado que "O Réu confrontado pessoalmente com os factos que antecedem admitiu o lapso que lhe estava a ser imputado tanto assim que, demonstrando perfeita perceção e compreensão do que lhe tinha sido transmitido, no dia 3 de dezembro de 2015 procedeu à comunicação eletrónica junto do site da Autoridade Tributária e Aduaneira, que tinha deixado de ser o Técnico Oficial de Contas responsável pela contabilidade da Autora".
Sustenta a sua avaliação na prova documental, nas declarações da representante legal da Autora e do Réu (sem indicar as respectivas passagens da gravação, razão pela qual não serão ponderados), na contradição com a matéria assente no ponto I.18 e com os padrões médios da normalidade, uma vez que, no dia seguinte, o Réu procedeu à comunicação electrónica junto do site da Autoridade Tributária e Aduaneira, o que indicia ter sido informado dos motivos que determinaram a comunicação da Autora.
Salvo o muito e devido respeito, dissentimos da Recorrente.

Em primeiro lugar, cumpre recordar que ficou provado que:

18. No dia 2 de Dezembro de 2015, foi transmitido ao Réu, pessoalmente pela Direcção do X, que estava irremediavelmente comprometida a confiança contratual, nele e na empresa que era sócio gerente, sendo intenção daquela rescindir de imediato os contratos que se encontravam em vigor.
27. Em 02-12-2015, a Autora alterou as senhas de acesso ao portal da Administração Tributária e da Segurança Social.
28. Na mesma data, a Autora, na pessoa da sua gerente CC, impediu o segundo Réu de, por si ou na qualidade de representante da segunda Ré, voltar a entrar nas instalações da Autora, pelo que a partir da data de 02-12-2015, ficaram os aqui Réus, impedidos de acederem à situação contributiva ou fiscal da Autora.
19. No dia 3 de Dezembro de 2015, o Réu procedeu à comunicação electrónica, junto do site da Autoridade Tributária e Aduaneira, que tinha deixado de ser o Técnico Oficial de Contas responsável pela contabilidade da Escola A– Doc. 16.
Em relação aos pontos 18, 27 e 28, o tribunal formou a sua convicção, sem qualquer dúvida, nas declarações prestadas pelo Réu e pela legal representante da Autora, que confirmaram essa factualidade, de modo coincidente.
Foi ponderado o documento de fls. 120, comprovativo da alteração das senhas às 9.36 horas, nesse dia 02 de Dezembro de 2015, anterior à comunicação da gerente, no sentido de dispensar os serviços do Réu.
Por conseguinte, inexiste contradição entre a matéria de facto dada como não provada, ou seja, a admissão, pelo Réu, do lapso que lhe estava a ser imputado, e que procedeu, em consequência de ter compreendido os motivos da quebra de confiança, à comunicação electrónica referida no ponto 19).
Por outras palavras, a admissão, perante a Autora, do lapso que esta lhe imputou, o que pressupunha a transmissão do mesmo, constituem questões completamente diferentes da comunicação, pura e simples, naquele momento, da cessação do contrato, por estar comprometida a confiança contratual, afirmação de natureza genérica.
Nem se pode extrair a percepção dos motivos da cessação do contrato através da comunicação electrónica do Réu à Autoridade Tributária e Aduaneira porquanto foi a própria representante legal da Autora quem procedeu à alteração das senhas de acesso ao portal da Administração Tributária e da Segurança Social, às 9.36 horas, nesse dia 02 de Dezembro de 2015, antes da sua comunicação a dispensar os serviços do Réu.
Entende a Recorrente que ficou demonstrado o ponto 15, ou seja, que foi o Réu quem procedeu à recuperação das senhas de acesso aos portais da Segurança Social e AT com recurso à “resposta de segurança”, que era do seu conhecimento.
O Mmo. Juiz, neste particular, referiu ter ficado com dúvidas porque o Réu, naturalmente, negou essa factualidade e a representante legal da Autora confirmou a versão da petição, sendo certo que esta deixou claro que o Réu nunca recebeu as novas senhas de acesso aos portais da AT e da Segurança Social. E concluiu-se que não foi produzida qualquer outra prova fiável e objectiva que confirme, com um mínimo de certeza, que tenha sido o réu a fazer a operação de recuperação de senhas.
O documento de fls. 120 (doc. 3) reflecte um histórico de pesquisa de senhas, que demonstra a alteração da senha de acesso ao portal das Finanças, em três datas, e uma recuperação em 16/12/2015, mas não comprova quem foi o autor dessa operação de recuperação.
A missiva da Autora, junta a fls. 74, impugnada pelos Réus (cfr. art.º 131 da contestação) em que acusa o Réu de ter procedido à recuperação de senhas de acesso com recurso à designada “resposta de segurança” não tem a virtualidade, sem a confirmação obtida através de outros meios de prova, seguros, de demonstrar essa factualidade.
No que concerne à factualidade constante do ponto 8 (Não obstante o conhecimento direto do Réu dos respetivos créditos a pagar e data do seu vencimento, o Réu procedeu ao parcelamento/distribuição dos créditos de forma arbitrária e por sua exclusiva iniciativa) dada como não provada, também não se justifica qualquer alteração no sentido pretendido pela Recorrente.
Na decisão explicou-se que A convicção do julgador para a prova do referido em I.23 a I.26 resultou da consideração do documento junto a fls.62 (folha com o cálculos do valor de compensação), cuja autoria foi admitida pelo Réu, o qual, em declarações de parte, explicou que foi a gerência da Autora quem indicou a antiguidade reportada a 15 de Setembro de 1987, data em que o colégio se separou da Escola B.
E, de acordo com os demais elementos recolhidos nos autos, tal versão não é fantasiosa e encontra arrimo, desde logo, no facto de a própria legal representante da Autora ter admitido que pretendia discutir no julgamento do processo do Tribunal de Trabalho a questão da antiguidade do trabalhador José por este ter sido inicial e anteriormente admitido pela Escola B, do que se infere ser credível a versão aventada pelo Réu de que a Autora apenas pretendia pagar os direitos do José com base na antiguidade reportada a 15 de Setembro de 1987, posição essa que, certamente, se revelou insustentável em juízo (note-se que, conforme decorre da acta de fls. 68, a transacção foi alcançada já no decurso do julgamento e após cerca de duas horas de prestação de depoimento de parte da legal representante da Autora), não podendo, assim, concluir-se conforme o referido em II.6, II.9 a II.11 (posto que, em face da pretensão de discutir a verdadeira antiguidade em juízo só à própria estratégia escolhida pela Autora se pode imputar a efectivação da transacção e os motivos que estiveram na base da mesma), sendo certo que do referido em II.7, II.8, II.12 e II.13 não foi feita qualquer prova.
Neste particular, é de salientar também que, salvo melhor opinião e como resulta do contrato de prestação de serviços de fls.31 e seg., não competia ao Réu fazer assessoria jurídica à Autora, matéria que, ao que se sabe, está reservada a outros profissionais que não os TOC, sendo certo que, de acordo com as declarações de parte de ambos os contendores, existiram reuniões para discutir o assunto, nas quais esteve presente uma Advogada.
Portanto, os factos dados como provados em I.23 a I.26 (23-A Autora solicitou ao Réu que procedesse ao cálculo do valor da compensação a pagar ao trabalhador José por força da extinção do seu posto de trabalho com a antiguidade reportada a 15 de Setembro de 1987; 24.O Réu efectuou as contas constantes do documento junto a fls.62 conforme o solicitado, tendo comunicado tal conclusão à Autora. 25. A gerência da Autora decidiu, por sua exclusiva iniciativa e sem que para tal tenha sido aconselhada ou informada pelos aqui Réus, pagar ao referido trabalhador uma compensação de valor inferior ao valor que havia sido comunicado pelo aqui segundo Réu à Autora. 26. A antiguidade do trabalhador José remontava a 18 de Outubro de 1983.) estão em contradição com o alegado no sentido de que o Réu procedeu ao parcelamento/distribuição dos créditos de forma arbitrária e por sua exclusiva iniciativa, e que, em consequência, devia ser dado como não provado, como foi.
E o facto de o Réu ter elaborado a "Declaração de Rendimentos 2014" relativa ao ex-colaborador da Autora, com determinados valores não coincidentes com aqueles que a Autora decidiu pagar ao mesmo, por sua iniciativa, não merece relevância.
Reitera-se que ficou demonstrado que “A gerência da Autora decidiu, por sua exclusiva iniciativa e sem que para tal tenha sido aconselhada ou informada pelos aqui Réus, pagar ao referido trabalhador uma compensação de valor inferior ao valor que havia sido comunicado pelo aqui segundo Réu à Autora.”
Finalmente, a Recorrente considera ter ficado provada a factualidade do ponto 16, dada como não provada : "Os honorários devidos à Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2015 foram pagos pela Autora".
O julgador entendeu que, sobre essa matéria, não foi feita qualquer prova: se é certo que a Autora processou o salário de Novembro devido ao Réu (cfr. documento de fls.72) e o liquidou (cfr. ponto I.10), é de sublinhar que a própria Autora alega que o contrato de prestação de serviços se manteve em vigor (cfr. artigo 37º da douta petição inicial) – isto não obstante a formalização de um alegado contrato de trabalho com o Réu que cessou no decurso do período experimental) – mas não há prova documental, nem foi produzida qualquer outra prova em audiência de julgamento, de que tenham sido pagos os valores devidos à Ré pelos serviços prestados em Novembro e Dezembro, pelo que não se pode concluir no sentido de não ser verdade que havia valores em débito aquando do envio da missiva a que se alude em I.15.
Ora, parece-nos que, na argumentação expendida, a Recorrente apenas discorda sobre a legitimidade da facturação sobre os serviços prestados pelo colaborador da Ré, o qual, desde Novembro de 2015, passou a ser trabalhador da Autora, invocando, por isso, contradição entre a matéria de facto assente e aqueles factos, dados como não provados.
Inexiste qualquer contradição porquanto estamos perante factos diferentes: o pagamento dos honorários devidos à Ré pelos serviços prestados, no âmbito do contrato em vigor, com ou sem o Réu, e o facto deste ter passado a ser seu trabalhador a partir de Novembro de 2015.
Face ao exposto, não se impõe qualquer alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
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III- FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS

1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas, proprietária do estabelecimento de ensino designado “Externato X” doravante designado X.
2. A primeira Ré é uma sociedade comercial por quotas, cujo objecto social é a actividade comercial de contabilidade.
3. No exercício das suas actividades comerciais, no dia 1 de Julho de 2013, a Autora e a Ré, subscreveram um documento que designaram de “Contrato de Prestação de Serviços” – cfr. documento de fls.31 e seguintes (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4. Do chamado “Contrato de Prestação de Serviços” constam, entre outras, as cláusulas primeira, quarta, quinta e sétima, que dispõem:
Cláusula 1ª: 1 - A primeira outorgante, no exercício da sua actividade, contrata a segunda outorgante, para prestar os serviços de contabilidade, economia, finanças, fiscalidade e marketing, bem como, prestar acções de formação nessas matérias. 2 – Para o exercício das funções acima referidas, a segunda outorgante compromete-se a escolher e a fazer deslocar à sede da primeira outorgante um dos seus colaboradores devidamente credenciado, como Técnico Oficial de Contas, mais especificamente o Dr. Manuel.
Cláusula 4ª: 1 – Como contrapartida dos serviços prestados, a primeira outorgante liquidará à segunda outorgante o montante de 2.917€, acrescendo IVA à taxa legal em vigor. As deslocações e viagens que o Dr. Manuel, representante da segunda outorgante tiver que realizar em carro ou viatura própria, a primeira outorgante pagará o preço por quilómetro de acordo com o valor fixado para os colaboradores e servidores do Estado (...) 2 – A primeira outorgante confere ao representante da segunda outorgante, o benefício ou o direito a almoçar na cantina do colégio nas mesmas condições que são disponibilizadas aos empregados da Escola A, durante os dias de funcionamento dos serviços administrativos e do sector da contabilidade (...).
Cláusula 5ª: O contrato de prestação de serviços que agora se celebra, inicia-se a 1 de Julho de 2013, atinge o seu termo a 31 de Julho de 2014 e será renovado automaticamente por iguais períodos, caso nenhuma das partes manifeste por escrito, a vontade de o não renovar. (…).
Cláusula 7ª: 1 – A segunda outorgante poderá resolver o presente contrato de prestação de serviços, independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita enviada à primeira outorgante com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias. 2 – O contrato de prestação de serviços poderá cessar, sem aviso prévio quando: a) Houver incumprimento por parte de um dos outorgantes das obrigações resultantes deste contrato; b) Houver interrupção dos serviços por parte da segunda outorgante, sem autorização prévia da primeira outorgante; c) Ocorram motivos de força maior que inviabilizem o início, ou continuidade dos serviços aqui previstos.
5. O Réu passou a prestar os seus serviços, como Técnico Oficial de Contas (TOC) da Autora Escola A, deslocando-se e permanecendo diariamente, nas instalações daquele Externato X e, por sua vez, a Ré apresentava e enviava mensalmente à Autora, a factura correspondente aos serviços prestados por aquele seu colaborador, assim se tendo registado a regularidade e cumprimento das obrigações inerentes ao designado contrato de prestação de serviços.
6. Ocorreram, entretanto, duas renovações sucessivas do referido contrato em 31 de Julho de 2014 e 31 de Julho de 2015.
7. O X é uma escola subsidiada pelo Estado, equiparada ao ensino público do 5º ao 12º ano de escolaridade, beneficiando dos chamados “Contratos de Associação”.
8. Nestas circunstâncias, para a continuidade e regularidade destes tipos de contratos, é-lhe imposto como condição “sine qua non”, o cumprimento de todas as suas obrigações fiscais e contributivas, condição do perfeito conhecimento de ambos os Réus.
9. Nesta conformidade, necessita de, mensalmente, apresentar junto do Ministério da Educação e Ciência, certidões de não dívida obtidas junto da página oficial da Segurança Social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e da CGA.
10.Já na qualidade de trabalhador dependente, a A. procedeu ao pagamento ao Réu do vencimento do mês de Novembro de 2015, no montante entretanto acordado – cfr. documento junto a fls.72 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Em 7 de Dezembro de 2015, a Autora enviou, por correio registado, à Ré, comunicação de cessação/resolução do contrato de prestação de serviços que mantinha em vigor pela cedência de uma outra colaboradora – cfr. documento junto a fls.73, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. Em 7 de Dezembro de 2015, a Autora enviou, por correio registado, ao Réu missiva de denúncia de contrato de trabalho – cfr. documento junto a fls.73 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
13.Em 18 de Dezembro de 2015, a Autora enviou, por correio registado, ao Réu comunicação de conhecimento de que tinha sido efectuada uma recuperação da senha de acesso ao portal da ATA e de uma outra de acesso ao portal da Segurança Social e de que nenhum dos actuais colaboradores tinham conhecimento dessa especificidade e de que apenas o Réu tinha dela conhecimento, advertindo da ilegalidade do acto – cfr. documento junto a fls.77, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
14.Face à exigência legal e fiscal que lhe é imposta, a A. procedeu à contratação de um novo Técnico Oficial de Contas, quer para a gestão das áreas económicas e fiscais, quer para a prática de actos contributivos e fiscais, que apenas podem ser praticados por profissionais qualificados.
15.No cumprimento do seu Estatuto Deontológico, o novo TOC informou o Réu TOC cessante, do início da sua prestação de serviço técnico, tendo este comunicado a sua oposição, com fundamento em alegados créditos em dívida pela Autora – cfr. documento junto a fls.78, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Os serviços de Internet e Telefónicos utilizados no X são imprescindíveis ao normal funcionamento da escola, utilizada permanentemente por docentes (programa electrónico ESchooling”) e funcionários dos vários serviços administrativos.
17. No dia 1 de Dezembro de 2015, realizou-se a audiência de julgamento, na acção de impugnação de despedimento por extinção de posto de trabalho com o nº 58/15.8T8VNF, que correu termos na 4ª secção de Trabalho, da Instância Central do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, na qual foi alcançada uma transacção judicial com obrigação do pagamento, pela Autora, da quantia de € 157.167,33.
18.No dia 2 de Dezembro de 2015, foi transmitido ao Réu, pessoalmente pela Direcção do X, que estava irremediavelmente comprometida a confiança contratual, nele e na empresa que era sócio gerente, sendo intenção daquela rescindir de imediato os contratos que se encontravam em vigor.
19.No dia 3 de Dezembro de 2015, o Réu procedeu à comunicação electrónica, junto do site da Autoridade Tributária e Aduaneira, que tinha deixado de ser o Técnico Oficial de Contas responsável pela contabilidade da Escola A/X – Doc. 16.
20. No ano de 2015 o prazo para o envio do Relatório Único foi alargado até ao dia 17-04-2015.
21. O relatório único referente ao ano de 2015 foi remetido via informática em 17-04-2015.
22. Nas funções e competências atribuídas pela Autora aos Réus não se incluía a de efectuar pagamentos de coimas, juros, impostos, nem pagamentos a fornecedores.
23. A Autora solicitou ao Réu que procedesse ao cálculo do valor da compensação a pagar ao trabalhador José por força da extinção do seu posto de trabalho com a antiguidade reportada a 15 de Setembro de 1987.
24. O Réu efectuou as contas constantes do documento junto a fls.62 conforme o solicitado, tendo comunicado tal conclusão à Autora.
25. A gerência da Autora decidiu, por sua exclusiva iniciativa e sem que para tal tenha sido aconselhada ou informada pelos aqui Réus, pagar ao referido trabalhador uma compensação de valor inferior ao valor que havia sido comunicado pelo aqui segundo Réu à Autora.
26. A antiguidade do trabalhador José remontava a 18 de Outubro de 1983.
27. Em 02-12-2015, a Autora alterou as senhas de acesso ao portal da Administração Tributária e da Segurança Social.
28. Na mesma data, a Autora, na pessoa da sua gerente CC, impediu o segundo Réu de, por si ou na qualidade de representante da segunda Ré, voltar a entrar nas instalações da Autora, pelo que a partir da data de 02-12-2015, ficaram os aqui Réus, impedidos de acederem à situação contributiva ou fiscal da Autora.
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II. Factos não provados:

1. A A. foi notificada pela ACT de Vila Nova de Famalicão, que não submeteu via informática até 16 de Abril de 2015, como lhe competia, o designado “Relatório Único” modelo com a informação sobre a empresa, e os anexos correspondentes: Anexo A Quadro de Pessoal, Anexo B Fluxo de Entrada e Saída de Trabalhadores, Anexo C Relatório Anual de Formação Contínua, Anexo D Relatório Anual de Actividade do Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho, Anexo E Greves, Anexo F Existência de Prestadores de Serviços.
2. Os quais foram submetidos após decurso do referido prazo, o que originará, a seu tempo, processo de contra ordenação com a aplicação da coima que lhe corresponder, fixada em tabela legalmente estatuída.
3. O TOC da Autora e aqui Réu, não procedeu ao pagamento de uma coima que lhe foi aplicada pela Segurança Social, no montante de 0,01€ e os correspondentes juros de mora no valor de 152,13€, referente a Contribuição relativa ao ano de 2014.
4. O referido em II.3 era do conhecimento do TOC aqui Réu, que não desconhecia as consequências da sua omissão.
5. O Réu não procedeu ao pagamento dos serviços de “Comunicação Dados, Circuitos e Banda Larga” contratados pela A. com a “PT Empresas” desde Julho de 2015, o que originou a interrupção dos serviços de Internet e Telefónicos utilizados no X.
6. Aquando do referido em I.17, foi imposto à Autora a resolução consensual do litígio sob pena de ver o despedimento efectuado como ilícito, por falta de pagamento integral dos créditos salariais e compensação devida, pela cessação do contrato de trabalho que manteve com o docente.
7. A cessação do contrato de José ocorreu em 29 de Dezembro de 2014.
8. Não obstante, o conhecimento directo do Réu dos respectivos créditos a pagar e data do seu vencimento, o Réu procedeu ao parcelamento/distribuição dos créditos de forma arbitrária e por sua exclusiva iniciativa.
9. O Réu procedeu ao pagamento do vencimento mensal devido, dois dias após o término do referido contrato do docente, acrescido dos restantes créditos.
10. O facto de o estrito cumprimento dos prazos de pagamento e dos montantes devidos naqueles prazos constituírem requisitos legais substanciais exigíveis para a regularidade e licitude de extinção de qualquer posto de trabalho eram do conhecimento do aqui Réu, ao qual foram dadas ordens objectivas e concretas pela Directora Financeira do X para os cumprir.
11. Nesta sequência, para obstar a uma condenação como litigante de má fé, a A. viu-se forçada a fazer transacção referida em I.17.
12. A quantia de € 157.167,33 constitui o dobro daquela que deveria ter sido liquidada.
13. Confrontado pessoalmente com os factos que antecedem, o Réu admitiu o lapso que lhe estava a ser imputado.
14. O referido em I.19 ocorreu pelo facto de o Réu ter demonstrando perfeita percepção e compreensão do que lhe tinha sido transmitido.
15. O Réu procedeu à recuperação das senhas de acesso aos portais da Segurança Social e AT com recurso à “resposta de segurança” que era do seu conhecimento.
16. Os honorários devidos à Ré Instituto de Formação em Actividades e Ciências Organizacionais relativos aos meses de Novembro e Dezembro de 2015 foram pagos pela Autora.
17. O Réu sabia que os fundamentos referidos na missiva de I.15 não correspondiam à verdade e impediu deliberadamente a regularização técnica e legal relativa à área contabilística da A..
18. Em consequência, no pretérito dia 15 de Fevereiro de 2016, a A. viu-se impedida de proceder à submissão electrónica da sua declaração trimestral de IVA, de onde decorrerá o respectivo processo de contra ordenação e aplicação de coima, correspondendo a 30% do valor do imposto a entregar ao Estado: a A. deveria ter restituído e liquidado ao Estado o montante de 1.804,73€, estando impedida de o fazer, pelo que terá, no futuro, que proceder àquela liquidação, sujeita a todas as cominações legais, acréscimo de juros, coima e custos administrativos, que se prevê ascenda à quantia global aproximada de € 2.500,00.
19. Em consequência das infracções e omissões cometidas pelo R. relativas ao exercício de 2013, 2014 e 2015, foram instaurados processos com respectivos custos, entre Maio a Julho de 2016: - pela falta de entrega da prestação dentro do prazo de IVA, 4ºT 2015, foi paga a coima de 80,02€ -; - pela falta de entrega de prestação dentro do prazo de IVA 1ºT 2016, foi paga a coima de 33,07€; - pela falta de envio de Declaração Periódica dentro do prazo de IVA 4ºT 2015, foi paga a coima de 338,25€; - pela falta de envio de Declaração Periódica dentro do prazo de IVA 1ºT 2016, foi paga a coima de 37,50€; - pela entrega fora de prazo do Imposto Retido na Fonte, Retenção correspondente a de Dezembro de 2013 e apenas enviada em 2 de Maio de 2014, foi paga a coima de 317,90 €; - Juros compensatórios do pagamento tardio da retenção na fonte, foi pago o montante de 71,07€; - juros compensatórios no valor de 75,00€, o que perfaz até ao momento, a quantia global de 952,56€.
20. Em consequência do comportamento do Réu, a Autora está sujeita a ver resolvido o Contrato de Associação por falta de cumprimento dos requisitos legais impostos, ou seja, pela inexistência de dívidas ao Estado e de, consequentemente, de não ser liquidada à Autora a quantia correspondente ao subsídio do MEC, inerente ao Contrato de Associação, de cerca de € 270.000,00 colocará definitiva e irremediavelmente em causa a subsistência económica do estabelecimento de ensino X.
21. O Réu procedeu conforme referido em I.19 por ter sido obrigado pela Autora.
22. De imediato, o Réu voltou a reverter o referido em I.19.
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IV- DIREITO

A Autora, na presente acção, pretende obter o pagamento de uma indemnização em consequência do cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços, celebrado com a Ré, e executado pelo Réu, enquanto colaborador daquela, cujos efeitos foram declarados extintos, por comunicação de 7 de Dezembro de 2015.
O tribunal a quo julgou improcedente o pedido no qual se pretendia a declaração da “validade da resolução e denúncia do contrato de prestação de serviços” efectuada pela Autora, por se ter entendido que a situação em causa configura uma verdadeira resolução, uma vez que foi invocada justa causa para o efeito, nomeadamente a alínea c) da cláusula sétima do contrato de prestação de serviço que alude a “motivos de força maior que inviabilizem o início ou continuidade dos serviços”, não tendo sido demonstrada qualquer violação legal ou contratual dos Réus ou qualquer motivo de força maior que impedisse a continuação da prestação desses serviços.
A Autora não se conformou com este enquadramento legal, defendendo que, apesar de ter sido utilizada a expressão “Cessação/Resolução de Contrato” na comunicação efectuada à Ré, a verdade é que procedeu à sua revogação unilateral para o futuro, sem apagar os efeitos anteriormente produzidos.
Inexistindo dissenso sobre a qualificação do contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestação de serviços, que teve por objecto serviços de contabilidade, economia, finanças, fiscalidade e marketing, bem como, prestar acções de formação nessas matérias, a questão de direito que se suscita, em sede de recurso, cinge-se à qualificação da cessação do contrato, operada pela Autora.
Decorre do princípio da liberdade contratual que as partes, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de, essencialmente, fixar o conteúdo dos contratos—cfr. artigo 405.º do C.Civil.

No contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e a Ré ficou estipulado, na cláusula sétima, o seguinte:

1– A segunda outorgante poderá resolver o presente contrato de prestação de serviços, independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita enviada à primeira outorgante com a antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.
2– O contrato de prestação de serviços poderá cessar, sem aviso prévio quando:

a) Houver incumprimento por parte de um dos outorgantes das obrigações resultantes deste contrato;
b) Houver interrupção dos serviços por parte da segunda outorgante, sem autorização prévia da primeira outorgante;
c) Ocorram motivos de força maior que inviabilizem o início, ou continuidade dos serviços aqui previstos. (negrito e itálico nossos)
Em 7 de Dezembro de 2015, a Autora enviou, por correio registado, à Ré, uma missiva através da qual lhe comunicou que “Pela presente e de harmonia com o disposto nos artigos 1154 e ss do Código Civil, bem como, o previsto e aceite no número 2 al. c) da Cláusula Sétima do contrato de prestação de serviços que se encontrava em vigor, somos a informar que não pretendemos dar continuidade aos serviços contratualizados com v/Excias., motivo pelo qual aquele cessará os seus efeitos de imediato. (…)”-ponto 11 dos factos provados. (negrito nosso)
Nos termos do artigo 406.º, n.º 1 do c.Civil o contrato deve ser pontualmente cumprido (ponto por ponto) e só pode extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
Portanto, a questão de direito decidenda implica a distinção entre as figuras da revogação, denúncia e resolução.
Resumidamente, as referidas três figuras jurídicas destinam-se a extinguir a relação contratual.
A revogação pressupõe um acordo bilateral dos contraentes, posterior, nesse sentido ou a manifestação de vontade de um deles (revogação unilateral), sem necessidade de justificação, com eficácia para o futuro; no caso da resolução, ao invés, a declaração de cessação provém de um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, considerando-o como não celebrado.(1) (cfr. arts. 406.º, n.º 1, 437.º, 801.º, n.º 2 do CC).
Esclarece Brandão Proença (2), com pertinência para o caso sub judice, que o ordenamento jurídico não pode pactuar com a manutenção dos “estados contratuais alterados”, concedendo ao contraente lesado a possibilidade (ponderada) de uma desvinculação unilateral, conexa, em regra, com uma finalidade recuperatória do que tiver sido prestado.
Assim, para este autor (3), a resolução surge como “o poder unilateral de extinguir um contrato (máxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes (o facto subjectivo de um certo incumprimento) do interesse na execução contratual ou desequilibradoras (o facto objectivo de uma anómala alteração, ou a não verificação das condições contratuais pressupostas) da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadeando uma normal “liquidação” retroactiva.”
Importa não esquecer que, nos contratos de execução continuada, como é o caso do contrato de prestação de serviços de contabilidade em apreço, a resolução não tem efeito retroactivo (cfr. art. 434.º, n.º 2 do C.Civil), razão pela qual não abrange as prestações efectuadas.
A denúncia, como explica A. Varela, (4) é uma figura privativa dos contratos de prestações duradouras (…) que se renovam por vontade (real ou presumida) das partes ou por determinação da lei ou que foram celebrados por tempo indefinido.

Segundo o art. 1156.º do C.Civil “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.”
No caso concreto, a Ré obrigou-se a prestar à Autora, através do seu colaborador, serviços de contabilidade, pelo que, não estando especialmente regulado na lei, o contrato fica sujeito ao regime do mandato. (5)
O artigo 1170.º, n.º 1 do C.Civil consagra a regra (imperativa) da livre revogabilidade do mandato, aplicável ex vi art. 1156.º ao contrato de prestação de serviços.
Ora, a Autora invocou, na comunicação dirigida à Ré, de cessação dos efeitos do contrato, a alínea c), n.º 2 da cláusula sétima, estipulada pelas partes, ou seja, a ocorrência de motivos de força maior que inviabilizam a continuidade dos serviços ali previstos.
Não consta dessa missiva a concretização dos motivos, considerados pela Autora, de força maior, que inviabilizaram, na sua opinião, a manutenção do contrato de prestação de serviços de contabilidade.
Na petição, a Autora imputou ao Réu comportamentos que, na sua óptica, comprometeram a confiança na execução das obrigações contratuais por parte da Ré e que originaram prejuízos.
O direito de resolução constitui um dos mecanismos que o credor dispõe para reagir contra o incumprimento da contraparte, sendo este o fundamento normal (6) da declaração unilateral de cessação do contrato.
Assim, apesar de ser legalmente admissível a revogação ou denúncia do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Autora e a Ré, a verdade é que, a cessação dos efeitos que aquela pretendeu, sem qualquer aviso prévio, fundamentou-se no alegado cumprimento defeituoso das obrigações da contraparte.
A resolução do contrato não pode, contudo, considerar-se lícita porquanto não ficaram demonstrados factos susceptíveis de revelar o inadimplemento imputado ao colaborador da Ré.
Como se sublinha na sentença, a invalidade da resolução decorre de não ter sido demonstrado em juízo qualquer facto, subjectivo ou objectivo, que tenha posto em crise a continuação do vínculo contratual ou que então tornasse inexigível à Autora a sua permanência na relação contratual.
Argumenta a Recorrente, com lógica, que esta decisão não é defensável porque a declaração de invalidade da comunicação implica a continuação da vigência do contrato.
A resolução ilícita, explica Romano Martinez (7), por não estarem preenchidos os respectivos pressupostos, produz efeitos, ou seja, determina a cessação do vínculo, e, não sendo inválida, representa tão só o incumprimento do contrato, por constituir um acto carecido de autonomia, no âmbito do contrato. (sublinhado, negrito e itálico nossos)
Desenvolvendo o tema, o mencionado autor esclarece que a “subsistência do vínculo ilicitamente resolvido depende, pois, do preenchimento, cumulativo, de três pressupostos, que operam separadamente: o cumprimento das prestações contratuais ainda é possível; a parte lesada mantém interesse na execução do contrato; a execução do contrato não é excessivamente onerosa para aquele que o resolveu ilicitamente.” (8)
A excessiva onerosidade da subsistência do vínculo, acrescenta, tem de ser ponderada perante a situação concreta e normalmente verifica-se quando a relação pessoal, nos contratos de execução continuada, em particular no âmbito da prestação de serviços, se degrada a ponto de ser inaceitável a imposição do vínculo contratual.
Atendendo à factualidade assente, não podemos concluir pela verificação cumulativa dos três pressupostos necessários à subsistência do contrato, por não ter ficado demonstrado qualquer interesse dos Réus nesse sentido e ser, na nossa opinião, demasiado gravoso para a Autora manter com os Réus uma relação de prestação de serviços de contabilidade, matéria essencial à sua actividade.
Estipulou-se no contrato, na cláusula 5ª, que teria o seu início a 1 de Julho de 2013, atingindo o seu termo a 31 de Julho de 2014, renovável automaticamente por iguais períodos, caso nenhuma das partes manifestasse por escrito, a vontade de o não renovar.
Ora, a este propósito, Romano Martinez lembra que a doutrina e jurisprudência entendem que os contratos renováveis automaticamente ou celebrados por tempo indeterminado são livremente denunciáveis por qualquer das partes, desde que não vigore nenhuma limitação legal. (9)
Quando tal sucede, ou seja, não se justificando a resolução do contrato, nem a subsistência do mesmo, a declaração de cessação dos respectivos efeitos, como aconteceu no presente caso, deve ser convolada em denúncia, por se tratar de um contrato renovável automaticamente, e corresponder à vontade do declarante (cfr. art. 239.º do CC). (10)
Nesta linha de raciocínio, assiste razão à Recorrente quando pretende o reconhecimento da validade e eficácia do acto jurídico unilateral resolutivo/de denúncia, sob pena da continuidade da vigência das obrigações emergentes do negócio realizado.
Em resumo, pese embora não ter ficado demonstrada a licitude da resolução do contrato, por não se ter provado qualquer incumprimento contratual ou legal por parte dos Réus, temos de concluir que o contrato de prestação de serviços se extinguiu, através de denúncia válida e eficaz, com a comunicação enviada pela Autora à Ré, em 7 de Dezembro de 2015, o que foi peticionado pela Autora.
De qualquer modo, mesmo que não se considere a possibilidade de convolação da resolução para a figura de denúncia, a verdade é que, como acima se referiu, a resolução mesmo ilícita, produz o almejado efeito extintivo do contrato, o que, do ponto de vista prático, conduz ao mesmo resultado.
Pese embora a improcedência do recurso no que concerne à decisão proferida sobre a matéria de facto, deve a sentença ser alterada na parte jurídica, julgando-se procedente o primeiro pedido formulado pela Autora.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência, declaram válida e eficaz a denúncia do contrato de prestação de serviços efectuada pela Autora, com efeitos em 7 de Dezembro 2015, mantendo-se o mais decidido.
Custas pela apelante e apelados, em ambas as instâncias, na proporção de 2/3 (Autora) e 1/3 (Réus).
Notifique e registe.
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Guimarães, 07 de Dezembro de 2017


(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)


1. v. Varela, João de Matos, Direito das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª edição, pág. 264 e segs.
2. v. A Resolução do Contrato no Direito Civil, 1996, Coimbra Editora, pág. 64.
3. v. ob. cit., pág. 74.
4. v. Das Obrigações em Geral, vol.II, 4.ª edição, Almedina, pág. 269.
5. v. neste sentido, Varela, João de Matos, de Lima, Fernando Andrade Pires, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, pág. 705, nota 4.
6. v. Brandão Proença, ob. cit., pág. 76.
7. v. Da Cessação do Contrato, 2.ª edição, Almedina, pág. 221.
8. v. Ob. cit., págs. 222 e 223.
9. Ob. cit. , pág. 233.
10. v. neste sentido, Pedro Romano Martinez, ob. cit., pág. 224.