Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
206/10.4TAVLN-B.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
GABINETE PARA OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: O Gabinete para os Meios de Comunicação Social, não pode intervir como assistente num processo, no qual pretende ver pronunciados arguidos como autores da prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio, em que a a aprovação da candidatura ao subsídio foi feita pela presidência do referido Gabinete.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
No ex Tribunal Judicial de Valença (Proc.nº 206/10.4TAVLN), após o MP ter arquivado o inquérito, o Gabinete para os Meios de Comunicação Social requereu ser admitido nos autos como assistente e a abertura de instrução, para que fossem pronunciados pela autoria de crimes de fraude na obtenção de subsídio os arguidos:
- … – Comunicação, Lda.;
- Miguel A.;
- … Unipessoal Lda.
- Fernando S.;
-… SL
- Fidel ….
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Foi proferida decisão a admitir o requerente Gabinete para os Meios de Comunicação Social a intervir nos autos como assistente.
Os arguidos Miguel A. e Fernando S. interpuseram recurso desse despacho.
A questão do recurso é a de saber se o Gabinete para os Meios de Comunicação Social pode constituir-se assistente num processo em que se investiga a prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio, em que a aprovação da candidatura ao subsídio foi feita pela presidência do referido Gabinete.
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Respondendo, o Gabinete para os Meios de Comunicação Social e a magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido defenderam a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Como se referiu no relatório deste acórdão, a questão do recurso é a de saber se o Gabinete para os Meios de Comunicação Social pode ser admitido a intervir como assistente num processo em que se investiga a prática de crimes de fraude na obtenção de subsídio, em que a aprovação da candidatura ao subsídio foi feita pela presidência do referido Gabinete.
Vejamos:
O Gabinete para os Meios de Comunicação Social, “é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa” (art. 1 do Dec.-Lei 165/2007 de 3-5). Como alega na resposta ao recurso, compete-lhe, além do mais, “executar as medidas respeitantes à aplicação dos sistemas de incentivos do Estado à comunicação social, bem como assegurar a fiscalização do respectivo cumprimento” e “exercer as atribuições de fiscalização, certificação e credenciação que lhe sejam cometidas por lei” – art. 2 als. e) e i).
Mas as atribuições que lhe são legalmente conferidas não lhe retiram a característica de «serviço central da administração direta do Estado».
Um tal serviço, adianta-se desde já, não se pode constituir assistente em processo penal.
O Ministério Público é o órgão que tem o exclusivo da representação do Estado no exercício da ação penal – cfr. arts. 219 nº 1 da CRP e 3 nº 1 da Lei n.º 62/2013, de 26-8. O Estado não se pode constituir assistente.
A figura do «assistente» em processo penal mantém a sua configuração essencial desde o Dec.-Lei 35007 de 13-10-1945, que dispunha, no seu art. 4 §1º, de forma similar ao que consta agora do art. 69 nº 1 do CPP: “os assistentes têm a posição de auxiliares do Ministério Público, a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo…
Com esta norma pretendeu-se limitar e circunscrever a possibilidade dos particulares intervirem no processo penal.
Transcreve-se do nosso maior Mestre:
O CPP atribuía ainda aos particulares a faculdade de intervirem em quase todos os processos na referida veste de parte acusadora, isto é, desenvolvendo uma atuação paralela à que, em princípio, era exercida pelo MP. Mas a atribuição desta faculdade aos particulares – faculdade, afinal, de se constituírem verdadeiras partes principais – vinha sendo desde longe combatida na medida em que permitia a sua utilização com a maior ligeireza e até porventura com fins de chantagem (…)
O DL 35007 procurou obviar aos aspetos mais sensíveis daquela desvantagem. Para isso, ao mesmo tempo que acentuou o caráter público da «ação penal», terminou com a existência das partes acusadoras, transformando os particulares, de sujeitos principais que podiam ser no domínio do CPP, em sujeitos acessórios que apenas auxiliam, de forma subsidiária a atuação do Ministério Público. São simples assistentes deste (…)” – Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pag. 510 (sublinhado e realce do relator).
Naturalmente, a evolução legislativa dos últimos 70 anos foi significativa.
Porém, no que interessa para a decisão deste recurso, o trecho transcrito contém o essencial: o assistente é um particular a quem é permitida uma intervenção acessória no processo penal de auxílio ao Ministério Público. O termo «particular» deve aqui ser entendido em contraponto ao conceito de Estado.
O apontado requisito do assistente ser um particular não é, manifestamente, uma característica dos órgãos do Estado, nomeadamente de um serviço central da administração direta do Estado, como é o caso do Gabinete para os Meios de Comunicação Social.
Para que uma entidade emanada do Estado possa ser equiparada a um «particular» para os efeitos indicados, tem, pelo menos, de ser dotada de personalidade jurídica própria, como é o caso dos Institutos Públicos. Ou, então, terá de haver lei especial que lhe confira esse direito – corpo da norma do art. 68 nº 1 do CPP.
Não pode, pois, ser acolhido o argumento do Gabinete recorrido que invoca, a favor da sua pretensão, a norma do art. 68 nº 1 al. e) do CPP, a qual dispõe que pode constituir-se assistente “qualquer pessoa nos crimes de (…) fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção”. O ponto relevante para a decisão da questão não está na natureza do crime investigado, nem na capacidade do Gabinete recorrido para produzir decisões, mas no facto de um serviço central da administração direta do Estado não ser uma «pessoa» jurídica.
O recurso procede.

DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento ao recurso, decidem que o Gabinete para os Meios de Comunicação Social não pode intervir nestes autos na qualidade de assistente.
Sem custas nesta instância.