Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1842/17.3T8VCT.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Basta a verificação de dois dos indícios enumerados no art. 12.º do Código do Trabalho para que se considere que o prestador de actividade beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao beneficiário a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.

II – No que respeita à retribuição, nos termos do art. 261.º do Código do Trabalho, é certa a que seja calculada em função de tempo de trabalho, sendo irrelevante que, por força do diferente número de dias de trabalho, o montante global mensal varie, não sendo nesse sentido que é utilizado pela lei o conceito de retribuição variável, que se refere antes à que resulta do uso de outro critério de determinação, por exemplo o número ou valor de peças produzidas ou vendidas.

III – Todas as relações jurídicas contratuais, em concreto, podem suportar elementos típicos de vários contratos, importando, pois, atentar na feição que predominantemente apresentam, devendo entender-se que existe um contrato de trabalho se a factualidade apurada, no seu conjunto, evidencia através de factores relevantes a inserção do prestador da actividade na organização do beneficiário e a sujeição do mesmo a este na execução do contrato.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Através de participação no tribunal recorrido, a Autoridade para as Condições do Trabalho deu conta da existência de indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviços por parte da sociedade Auto Viação X, Lda., relativamente a T. L..

Na sequência do recebimento da aludida participação, o Ministério Público instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos do disposto no art. 186.º-K, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, pedindo a declaração de existência do contrato de trabalho relativamente à pessoa acima referida.

A ré apresentou contestação.

Realizada a audiência de julgamento, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Nessa medida, decide-se julgar a presente acção totalmente procedente, reconhecendo a existência de um contrato de trabalho entre T. L. e “Auto Viação X, Lda”, desde 30 de Setembro de 2014.
Custas pela R.»

Inconformada, a ré interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«A) Vem o presente recurso interposto da Douta sentença proferida pelo Meritíssimo Tribunal “a quo”que julgou a presente acção procedente, condenando a R. de todos os pedidos contra a mesma formulados.
B) Salvo o devido respeito por melhor opinião, considera a R., aqui Apelante que a Douta sentença proferida não faz uma correcta subsunção jurídica dos factos, com a consequente desapropriada aplicação do Direito, no que concretamente diz respeito à qualificação da relação jurídica mantida entre as partes na presente demanda.
C) São três as questões objecto do presente recurso e que se submetem a Douta sindicância deste Venerando Tribunal da Relação, a saber:

1) Erro de julgamento quanto aos factos vertidos nos pontos 1, 4, 5, 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada.
2) A qualificação jurídica do contrato celebrado entre a R./Apelante e o A./Apelado como contrato de trabalho e não como prestação de serviços.
A omissão de pronúncia quanto a factos constantes da contestação e não considerados pelo Tribunal “a quo”.

O ERRO DE JULGAMENTO:

D) O presente recurso estriba-se, em primeira linha, na errada apreciação da prova no que diz respeito aos factos vertidos nos pontos 1, 4, 5, 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada, dos factos considerados como não provados e daqueles que foram objecto de não pronúncia pelo Tribunal “ a quo”.
E) Os meios de prova que impunham decisão diversa quanto à proferida são os seguintes:

a. Depoimento da testemunha FILIPE, gravado em suporte digital, ficheiro 20171016145748_1445565_2871833;
b. Depoimento da testemunha S. M., gravado em suporte digital, ficheiro 20171016150211_1445565_2871833;
c. Depoimento da testemunha MANUEL, gravado em suporte digital, ficheiro 20171016152354_1445565_2871833;
d. Depoimento da testemunha JORGE, gravado em suporte digital, ficheiro 20171016154127_1445565_2871833.
F) Salvo o devido respeito por diverso entendimento, perante a prova produzida, verifica-se que o Meritíssimo Tribunal a quo incorreu em verdadeiro erro de julgamento, pois não teve em devida conta, na prolação da decisão de facto, o que foi carreado aos autos pelas testemunhas e relativamente aos factos vertidos nos pontos 1, 4, 5, 7, 9 e 10 da matéria de facto dada como provada.
G) Cortejados os supra transcritos trechos dos depoimentos das referidas testemunhas, verifica-se que se impunha considerar relativamente aos factos provados as seguintes redacções:

PONTO 1: “Nos dias 16/03/2017, 30/03/2017 e 31/03/2017, T. L. encontrava-se no veículo pesado de passageiros de matrícula SR a prestar actividade de motorista, desempenhando, nomeadamente, as tarefas de condução desse veículo, controlo de entrada de passageiros e emissão de bilhetes ao serviço da Ré.”
PONTO 4: “O T. L. exerceu funções de motorista, conduzindo as viaturas da Ré, utilizando ainda os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, designadamente os tacógrafos, caixa do dinheiro e aparelho de emissão de bilhetes.”
PONTO 5: “O Exmo. Sr. T. L. prestava o seu serviço, de acordo com os horários de transportes de passageiros públicos, elaborados pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes (IMT) ou pelas Câmaras Municipais, e em relação aos quais a R. se encontrava adstrita, e que por acordo com o primeiro os atribuía.”
PONTO 7: CONSIDERADO NÃO PROVADO
PONTO 9: CONSIDERADO NÃO PROVADO
PONTO 10: Salvo o devido respeito por entendimento diverso, entende a R./Apelante que o supra mencionado facto dado como provado não poderá ser considerado como tal, na medida em que é manifestamente conclusivo, não se extraindo do mesmo qualquer factualidade. Pois o mesmo é totalmente omisso no que concerne às ordens, instruções e regras que alegadamente o Exmo. Sr. T. L. recebia, assim como ao tipo de funções, condições e regras a que todos os demais motoristas estavam adstritos.

MOTIVO PELO QUAL, DEVERÁ O MESMO SER CONSIDERADO COMO NÃO ESCRITO E CONSEQUENTEMENTE ELIMINADO, O QUE SE REQUER.

SEM PRESCINDIR E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,

Sempre se dirá que da prova produzida resultou à saciedade que o Exmo. Sr. T. L. não se encontrava subordinado a quaisquer ordens, regras ou instruções emanadas pela R., motivo pelo qual, não se encontra nos factos provados qualquer descrição das mesmas.
Dos depoimentos prestados também se extrai a sua inexistência, assim como a diferenciação clara entre a “liberdade” com que o Exmo. Sr. T. L. prestava os seus serviços de transportes, em comparação com os demais motoristas, pois este tinha o poder de escolher quais os transportes que queria realizar, e não o querendo bastava comunicar tal facto à R., ao contrário dos demais, que tinham que se conformar com as “chapas” que lhe eram atribuídas, não se podendo recusar a prestá-las.

MOTIVO PELO QUAL, DEVERÁ O MESMO SER CONSIDERADO COMO NÃO PROVADO.

DOS FACTOS NÃO PROVADOS:

H) Considerar provadas, e de acordo com a prova supra elencada todas os factos constantes da matéria de facto dada como não provada e com a seguinte redacção:

ALÍNEA A): “que o T. L. efectuasse serviços ocasionais.”
ALÍNEA B): “que ficou acordado que a R. não teria qualquer poder de direcção ou autoridade sobre o T. L.”
ALÍNEA C):“que o T. L. exercia a sua actividade de motorista, de forma remunerada, para outras entidades;
ALÍNEA D): “que o T. L. geria com plena autonomia os serviços e os horários em que prestava os seus serviços e sempre de acordo com a sua disponibilidade”
ALÍNEA E): “que o T. L. é que propunha à R. os percursos que pretendia realizar no mês seguinte e a R. organizava os seus serviços que lhe pretendia adjudicar de acordo com tais disponibilidades.”
ALÍNEA F): “que o T. L. não tinha um horário de trabalho definido pela R.”
ALÍNEA G): “que a R. não controla a assiduidade do T. L.”
ALÍNEA H):“que o T. L. se podia fazer substituir por qualquer outro motorista caso não pudesse ou não quisesse realizar determinada rota”
ALÍNEA I): “que a R. chegou a propor ao T. L. a celebração de um contrato de trabalho”

OMISSÃO DE PRONÚNCIA:

I) Na contestação apresentada em juízo, e concretamente nos artigos 65.º, 66.º e 79.º daquele articulado, foi alegado pelo R., ora Apelante, o seguinte:

Art. 65.º O valor mensal auferido pelo T. L. era variável.
Art. 66.º O T. L. recebia como contrapartida dos seus serviços que aceitava realizar e, por essa razão, a r. não o retribuía nos dias em que o mesmos não prestasse os seus serviços.
Art. 79.º Acrescem as obrigações voluntariamente assumidas pelo T. L. no que diz respeito:
b) a não receber subsídios de férias e de natal.
J) Todavia, a sentença recorrida é omissa quanto a esta concreta matéria factual, não havendo referência à mesma, nem nos factos considerados como provados, nem nos factos considerados como não provados.
K) E, em face da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, conforme infra se demonstrará, IMPUNHA-SE DAR TAIS FACTOS COMO INTEGRALMENTE PROVADOS, e em virtude dos mesmos serem essenciais para a boa decisão da causa e não se traduzirem em matéria manifestamente conclusiva e com a seguinte redacção:

· O valor mensal auferido pelo T. L. era variável.
· O T. L. recebia como contrapartida dos seus serviços que aceitava realizar e, por essa razão, a R. não o retribuía nos dias em que o mesmo não prestasse os seus serviços.
· O T. L. não recebia subsídios de férias e de natal.
L) O que se requer, e para os devidos efeitos legais.
M) Salvo o devido respeito por entendimento diverso, perante a prova produzida, verifica-se que o Meritíssimo Tribunal “a quo” incorreu em verdadeiro erro de julgamento, não tendo em devida conta, na prolação da decisão de facto, o que foi carreado aos autos pelos depoimentos das testemunhas.
N) Nessa medida, deverá a Douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que, fazendo jus à prova produzida, altere a decisão de facto quantos aos aludidos pontos, e tal como propugnado nas presentes alegações.
O) O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais, designadamente para alteração da decisão de mérito.

SEM PRESCINDIR:

P) Ainda que se considere que a Douta decisão proferida quanto à matéria de facto não se mostra merecedora de qualquer reparo – o que por mero dever de patrocínio se concebe, sem jamais se conceder – ainda assim considera a R./Apelante que o Meritíssimo Tribunal “a quo” procedeu a uma desadequada aplicação do Direito porquanto dos factos provados, se impunha qualificar a relação jurídica havida entre as partes como um verdadeiro contrato de prestação de serviços.

– DO DIREITO

Q) A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definidos, respectivamente, nos art.ºs 1152º e 1154º do C. Civil, assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato (prestação de actividade ou obtenção de um resultado) e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
R) O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.
S) A subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
T) No contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte, conforme dispõe o art.º 1154.º, do Cód. Civil.

ISTO POSTO:

U) Parece-nos igualmente inequívoco que chamados a apreciar a questão objecto dos presentes autos, a nossa doutrina e jurisprudência têm privilegiado a subordinação jurídica como elemento essencial e critério aferidor da distinção entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços.
V) Vejamos, neste sentido, o que se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/01/2011, disponível em www.dgsi.pt.
W) Tratando-se de um elemento de carácter subjectivo, importa, pois, perante o circunstancialismo do caso concreto, apurar se se verifica, então, essa subordinação jurídica caracterizadora do contrato de trabalho.
X) E tal aferição, nos termos aliás propugnados de forma praticamente unânime na nossa jurisprudência, tem-se realizado com recurso a um método indiciário, ou seja, a análise de um quadro de indícios demonstrativos dos poderes do empregador e/ou da dependência do trabalhador que, a verificarem-se, determinam que estaremos, pois, perante uma situação em que existe subordinação jurídica e, portanto, um contrato de trabalho.
Y) Os indícios apontados no sentido da existência de subordinação jurídica no âmbito dos contratos celebrados são os seguintes:

§ O de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado.
§ O horário de trabalho ser o definido pelo empregador.
§ A existência de poder disciplinar.
§ A organização do trabalho depender estritamente da vontade o empregador.
§ Serem os instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador.
§ A opção pela modalidade de retribuição certa.
§ O aumento periódico da retribuição.
§ O pagamento de subsídios de férias e de Natal.
§ A exclusividade da actividade laboral por conta do empregador.
§ A sindicalização e a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
Z) Cumpre, todavia, deixar claro que tais indícios devem ser valorados na sua globalidade e não de forma isolada ou parcelar e sempre por referência ao caso concreto.
AA) No caso em concreto, com excepção dos instrumentos de trabalho pertencerem à R., nenhum dos demais indícios se verifica.
BB) O que se alega para os devidos efeitos legais.

POR OUTRO LADO:

CC) “O n.º 1 do art.º 12.º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho.
DD) Como resulta do teor do corpo do n.º 1 do cit. art.º 12.º (presume-se a existência de contrato de trabalho quando (…) se verifiquem algumas das seguintes características), é condição suficiente para a presunção da laboralidade a verificação de dois dos indícios elencados.
EE) Esta presunção é ilidível, admitindo prova em contrário nos termos do art.º 350.º, n.º 2, do Cód. Civil.
FF)Assim, nos termos, do cit. art.º 12.º, n.º 1, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
GG) Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que entendeu o Tribunal “a quo” que resultaram demonstradas as características previstas nas als. a), b) c) e d) do n.º 1 do citado art.º 12.º, entendendo de igual forma que a R. não logrou ilidir a presunção de laboralidade que das mesmas resulta.
HH) Porém, e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, mal andou a douta sentença.
II) Em primeiro lugar, sempre se dirá que não se verifica a característica da actividade ser realizada em local determinado pela beneficiária da prestação, ou seja, pela R., ora Recorrente.
JJ) Pois em face do tipo de negócio prestado a fixação do local da prestação de serviços está dependente das concessões de transporte públicos que lhe são adjudicadas quer pelas Câmaras Municipais, quer pelo Instituto de Mobilidade dos Transportes.
KK) E é em razão dos mesmos que a Apelante contrata os profissionais para que possa cumprir com as referidas concessões, as quais são manifestamente periódicas.
LL) Assim sendo, o local de prestação da actividade não é determinado pela R., e traduz-se na circunstância de ser absolutamente necessário em função da natureza da prestação a que o beneficiário da actividade está vinculado perante terceiros.
MM) Facto que por si só tem necessariamente de enfraquecer o indício de laboralidade respectivo e conduzir à sua desconsideração no confronto com outras realidades de execução.
NN) Ao que acresce que o Exmo. Sr. T. L. tinha liberdade de prestar serviços de transportes em local por si escolhido, e afastar outros que assim entendesse não querer executar.
OO) Isto é, salvo o devido respeito por melhor opinião, objectivamente, a característica enunciada na al. a) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho não se encontra verificada.
PP) Em segundo lugar, a douta sentença proferida sustenta que a R. fixou um horário de prestação de serviços ao Exmo. Sr. T. L., porém, quer da prova documental quer da prova testemunhal não resultou provada tal factualidade.
QQ) Da prova documental sempre se dirá que se encontram juntos aos autos documentos com um lapso temporal compreendido entre Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, o que implica que nos demais períodos se desconhece os horários realizados pelo Exmo. Sr. T. L..
RR) As testemunhas arroladas pela A. desconhecem em concreto os horários de trabalho do Exmo. Sr. T. L..
SS) E a testemunha arrolada pela R. referiu que o Exmo. Sr. T. L. prestou os serviços com interrupções e nomeadamente no período de férias escolares.
TT)Assim como também atestou que o horário era imposto pelas Câmaras Municipais e pelo IMT, e que os operadores, neste caso a R., ficavam legalmente sujeitas ao mesmo.
UU) E que antes de delegaram um serviço ao Exmo. Sr. T. L., primeiro o questionavam se ele estaria disponível para fazer aquele horário de serviço.
VV) E que nos intervalos entre os transportes, o Exmo. Sr. T. L. estacionava o autocarro nos Centros de Camionagem e fazia aquilo que bem entendia, não ficando adstrito a cumprir quaisquer 8 horas diárias, a fazer os chamados interfaces ou as ausências dos demais motoristas.
WW) Assim sendo, sempre se dirá que o Exmo. Sr. T. L. não observava horas de início e de termo da prestação, determinadas pela R..
XX) Pelo que, terá de considerar-se como não verificada a característica em causa, ou seja, por determinação da R. (beneficiária da actividade para a qual contratou a autora) o Exmo. Sr. T. L. não observava horas de início e termo da prestação.
YY) Uma terceira característica que a sentença considerou foi a elencada na al. d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho – o pagamento, com determinada periodicidade, de quantia certa ao prestador da actividade, como contrapartida desta.
ZZ)Relativamente a este facto, sempre se dirá que ficou provado que o Exmo. Sr. T. L. recebia 40,00 por dia, sendo certo que, não logrou a A. provar quantos dias por mês é que auferia tal retribuição, não ficou provada a periodicidade, como não se pode extrapolar o pagamento de uma prestação de serviços ao dia, para a existência do pagamento de uma quantia certa e periódica.
AAA) Assim sendo, não se provou qual o prazo para o pagamento e se este era feito com uma periodicidade regular, ao dia, à semana ou ao mês, por exemplo.
BBB) Não podendo negar-se que o pagamento foi acordado numa quantia certa ajustada a um período temporal certo - € 40,00 por dia –, não pode, a nosso ver, considerar-se verificada a característica em causa.
CCC) Justificando-se esta característica por um reconhecimento que nos contratos de trabalho, na normalidade das situações é disponibilizado o pagamento das remunerações em períodos certos, seria necessário apurar-se uma periodicidade, praticada entre as partes, para o pagamento efectivo da remuneração, o que objectivamente não sucedeu.
DDD) Por fim, e relativamente aos instrumentos de trabalho utilizados serem da propriedade da R., sempre se dirá que neste caso em concreto e atenta a especificidade do serviço (transporte de passageiros), não é expectável ou sequer possível que quer a viatura, quer os tacógrafos (impostos pela lei), quer a caixa do dinheiro quer a máquina dos bilhetes pertencesse ao prestador de serviços.
EEE) Se fossemos a atender a tal critério para caracterizar o contrato como de trabalho, então todos o seriam.
FFF) Motivo pelo qual e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não logrou a A. provar quaisquer dos indícios existentes no art. 12.º do Código de Trabalho.
GGG) E não tendo logrado provar tal requisitos, nem quaisquer outros que pudessem indiciar a existência de um contrato de trabalho, sempre teria de improceder a presente acção.

PORÉM, E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA O QUE SE ACEITA PARA EFEITOS ACADÉMICOS

HHH) Sempre se dirá que, atentos os factos provados e cuja alteração ora se requereu, se encontra iludida a presunção constante do art.º 12.º do Código Trabalho.
III) Pois não podemos deixar de considerar que, à data da celebração do contrato, foi manifestada a vontade real das partes em celebrar o contrato nesses termos.
JJJ) Aliás, aquando da celebração do mesmo contrato, o T. L. comprometeu-se a prestar serviços de acordo com as boas regras da arte.
KKK) O mesmo aceitou prestar serviços à R./Apelante, sendo que, no caso, a única forma de regularização dos valores pagos ao mesmo seria única e exclusivamente mediante o respectivo “recibo verde”.
LLL) A remuneração acordada entre as partes, tal como ficou provado nos autos, era de 40,00 (quarenta) euros por dia, sendo tal valor estipulado e acordado entre ambas as partes, sem possibilidade de aumento.
MMM) Montante esse que como se viu, era variável em função do serviço que o mesmo prestava, de onde advém, portanto, uma clara variabilidade de valores consoante os meses, não sendo desta forma, a sua retribuição fixa, nem tão-pouco igualitária todos os meses.
NNN) Não auferia qualquer valor a título de subsídio de férias ou de natal.
OOO) Nunca pretendeu celebrar contrato de trabalho, muito pelo contrário sempre se recusou a fazê-lo.
PPP) Aliás, o facto de a actividade exercida pelo T. L. ser colectada nas finanças como trabalhador independente, dando, assim, quitação das importâncias pagas pela R./Apelada, revela, mais uma vez, a vontade do mesmo em continuar neste regime.
QQQ) Não tendo, em momento algum, demonstrado protesto ou reclamação mediante tal situação.

OU SEJA:

RRR) Resulta, ainda, claro e notório que o Exmo. Sr. T. L. não foi colocado em qualquer situação de dependência económica absoluta, existindo sim um forte indício que a relação estabelecida sempre foi a de um verdadeiro contrato de prestação de serviços.
SSS) No tocante ao seu horário de trabalho, resultou provado nos depoimentos supra transcritos que o mesmo não era pré-determinado, e que era comunicado ao Exmo. Sr. T. L. os horários disponíveis, cabendo-lhe a si decidir, se tais, eram ou não convenientes.
TTT) Ainda, o Exmo. Sr. T. L. não estava obrigado a aceitar todos os serviços que a R./Apelante lhe propunha, podendo, sempre que assim o entendesse recusar os mesmos.
UUU) Em caso de recusa do serviço e, consequentemente ausência na sua prestação, tal era facilmente colmatada através da sua substituição por outro motorista, não incorrendo em qualquer consequência, como não poderia deixar de ser.
VVV) Isto é, o Exmo. Sr. T. L. nunca esteve sujeito a qualquer regime disciplinar por parte da R./Apelada, nunca tendo existido qualquer poder disciplinar sobre o mesmo.
WWW) Ainda, neste seguimento, o Exmo. Sr. T. L. não estava sujeito a qualquer cláusula de exclusividade, muito pelo contrário, sempre lhe foi dada a liberdade para prestar serviços a outras entidades, tendo, inclusive, resultado da prova produzida que tal acontecia.
XXX) Todavia, se eventualmente, o Exmo. Sr. T. L. prestasse maioritariamente a sua actividade à R./Apelante é porque assim o quis e foi da sua vontade, não tendo existido, em momento algum, qualquer impedimento por parte da R./Apelante a que tal não acontecesse.
YYY) A prestação de serviços é compatível, também, com directrizes que sejam emitidas no âmbito da indicação e definição dos concretos serviços que o contratante pretende que sejam realizados ou prestados.
ZZZ) A existência de instruções e ordens, só por si, não importa a conclusão de que existe subordinação jurídica, na medida em aquela é compatível e própria do contrato de prestação de serviços, tal como resulta do disposto no art.º 1161.°, al. a), conjugado com o art.º 1156°, ambos do Cód. Civil.
AAAA) Sendo certo que não logrou a A. provar a existência de quaisquer ordens ou instruções que tivessem sido proferidas pela R. ao Exmo. Sr. T. L..
BBBB) No que diz respeito aos instrumentos de trabalho utilizado pelo T. L., não poderá ser expectável nem tão-pouco exigível ao prestador de serviços que disponha, neste caso em concreto, dos seus próprios instrumentos.
CCCC) Instrumentos tão específicos como um autocarro de passageiros ou um tacógrafo não pode ser expectável que os mesmos não sejam providenciados pela entidade adjudicante do serviço.
DDDD) Tal como supra referido, os indícios de subordinação jurídica têm de ser analisados mediante o caso em concreto e a actividade a ser prestada. E, perante este tipo de actividade impõe-se esta análise casuística.
EEEE) A jurisprudência dominante do STJ entende que a prestação laboral é infungível, pelo que, o facto do sujeito que presta a actividade ter a faculdade de se fazer substituir por outra pessoa tem obrigatoriamente que significar que a relação jurídica é de prestação de serviços.
FFFF) Entendendo, inclusivamente, que em caso de dúvida sobre a qualificação jurídica do contrato, atender-se-á à existência ou não, da exigência do carácter pessoal da prestação, nomeadamente, a possibilidade ou não, da dita substituição.
GGGG) Pelo exposto, e de acordo com a matéria apresentada pela R., inexiste o vínculo de subordinação jurídica, pois não se encontram presentes os elementos que compõem esta realidade jurídica, nomeadamente, o facto do Exmo. Senhor T. L.:

· não estar inserido na estrutura organizativa da empresa, e não estar sujeito às ordens ou direcções da R.;
· dispor de plena autonomia técnica no desenvolvimento da sua actividade;
· não ter um horário definido unilateralmente pela R.;
· não estar obrigado à assiduidade, e não ter que justificar as suas ausências, podendo, inclusive, fazer-se substituir por outro profissional;
· não estar sujeito a um regime de exclusividade, podendo prestar a sua actividade a outras entidades;
· não haver uma obrigação de continuidade e obrigatoriedade da sua prestação, definindo-se, por acordo com a R., mensalmente, os serviços a prestar pelo Exmo. Senhor T. L.;
· não receber uma quantia fixa mensal pela prestação da sua actividade, sendo a mesma variável, conforme o número e tipo de serviços ministrados;
HHHH) Acrescem as obrigações voluntariamente assumidas pelo Exmo. Senhor T. L. no que diz respeito:

· a estar sujeito ao regime fiscal de trabalhador independente e emitir os competentes recibos verdes;
· a não receber subsídios de férias e de Natal.
· O Exmo. Senhor T. L. nunca reclamou o pagamento de qualquer crédito à R., para além do que foi efectivamente pago ao mesmo.
· Nunca o Exmo. Senhor T. L. reclamou pelo facto de ter sido contratado com um regime contratual inerente ao seu estatuto de trabalhador independente, que aliás requereu individualmente junto da Administração fiscal, sem qualquer interferência da R.;
· Nunca o Exmo. Senhor T. L. manifestou qualquer discordância sobre a forma como executou a sua prestação.
IIII) Face ao exposto, facilmente se conclui que o Exmo. Senhor T. L. não era trabalhador dependente da R..
JJJJ) O Exmo. Senhor T. L. agiu sempre consciente da relação jurídica de prestação de serviços estabelecida com a R., aceitando e executando a sua prestação, sem nunca ter manifestado não concordar com qualquer procedimento.
KKKK) Importa ainda referir, que a R. chegou a propor ao Exmo. Senhor T. L. a celebração de um contrato de trabalho, e em condições análogas às dos seus trabalhadores.
LLLL) Todavia, a celebração de um contrato de trabalho e com submissão aos direitos e deveres das partes numa relação laboral foi prontamente recusada pelo Exmo. Senhor T. L., só tendo sido aceite pelo mesmo em Agosto do corrente ano.
MMMM) Face ao supra exposto, temos que andou mal a Douta sentença recorrida ao considerar que, perante a factualidade que resultou provada, que a relação “tem de ser caracterizada como uma relação de trabalho”.
NNNN) Os factos provados mostram-se elucidativos e suficientes para que se considere cabalmente verificado um contrato de prestação de serviços celebrado entre a R./Apelante e o Exmo. Sr. T. L..
OOOO) Nessa medida, deverá a Douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que, fazendo jus à prova produzida, altere a decisão de facto quanto aos aludidos pontos, e tal como propugnado nas presentes alegações.
PPPP) O que se deixa expressamente alegado, para todos os devidos efeitos legais, designadamente para alteração da decisão de mérito.»
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões que são de conhecimento oficioso, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- se entre T. L. e a Auto Viação X, Lda. existiu um contrato de trabalho.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:

1 - Nos dias 16/03/2017, 30/03/2017 e 31/03/2017, T. L. encontrava-se no veículo pesado de passageiros de matrícula SR, a prestar a actividade de motorista, desempenhando, nomeadamente, as tarefas de condução desse veículo, controlo de entrada de passageiros e emissão de bilhetes. (alterado em conformidade com o ponto 4.1.)
2 - A Ré dedica-se à actividade de transporte colectivo de passageiros nacionais e internacionais, actividade que exerce, nomeadamente, na área do distrito de Viana do Castelo, incluindo Ponte de Lima e Arcos de Valdevez e em diversos serviços/rotas de transporte público de passageiros de que é concessionária, na sequência de contratos de concessão de transporte público rodoviário celebrados com entidades públicas, contratos, no mínimo, com duração anual.
3 - A Ré admitiu, em 30/09/2014, o T. L. ao seu serviço para exercer funções de motorista de transporte de passageiros, mediante a contrapartida de € 40,00 por dia, não sendo retribuído pela Ré nos dias em que não prestasse a sua actividade. (alterado em conformidade com o ponto 4.1.)
4 - Desde essa data, T. L. vem exercendo funções de motorista, conduzindo as viaturas da Ré que esta lhe determina, utilizando ainda os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, designadamente os tacógrafos e respectivas folhas de registo, caixa do dinheiro e aparelho de emissão de bilhetes.
5 - Cumpria um horário de trabalho previamente elaborado e segundo ordens de serviço emitidas pela Ré, sendo que as carreiras normalmente atribuídas correspondiam a horários entre as 7h00 e as 9h00 (Arcos/Viana), 9h30 e as 11h45 e as 13h30 (Viana/Nogueira/Corredouras), entre as 13h45 e as 15h30 (Viana/Arcos), entre as 16h30 e as 20h00 (Arcos/Ponte de Lima).
6 - Fazia ainda outras carreiras em substituição de outros trabalhadores da Ré.
7 - Durante os períodos de não condução, era responsável pela viatura que lhe estava atribuída, normalmente a viatura de matrícula SR.
8 - O T. L. não era responsável pela manutenção e reparação das viaturas que lhe estavam atribuídas.
9 - O T. L. estava obrigado a comunicar previamente as ausências para que a Ré pudesse proceder à sua substituição.
10 - (eliminado em conformidade com o ponto 4.1.)
11 - O T. L., por estar inserido no regime fiscal de trabalhador independente, emitia recibos verdes.
12 - O T. L. não estava sujeito a qualquer dever de exclusividade.
13 - O T. L. não recebia da Ré subsídios de férias e de Natal. (aditado em conformidade com o ponto 4.1.)

4. Apreciação do recurso

4.1. Suscita-se em primeiro lugar a questão da impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto» no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)
Retornando ao caso dos autos, constata-se que a Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova – designadamente dos depoimentos das testemunhas Filipe, S. M., Manuel e Jorge, que transcreve parcialmente, identificando as passagens da gravação correspondentes –, no sentido de se considerarem não provados ou provados apenas parcialmente os factos dados como provados sob os pontos 1, 4, 5, 7, 9 e 10, e, por outro lado, provados todos os factos considerados como não provados, bem como os factos dos artigos 65.º, 66.º e 79.º da contestação, sobre que indevidamente não houve pronúncia.

Antes de mais, atentemos no teor dos pontos em causa:

A) Factos dados como provados:

1 - Nos dias 16/03/2017, 30/03/2017 e 31/03/2017, T. L. encontrava-se no veículo pesado de passageiros de matrícula SR, a prestar a actividade de motorista, desempenhando, nomeadamente, as tarefas de condução desse veículo, controlo de entrada de passageiros e emissão de bilhetes por conta da Ré em condições análogas ao contrato de trabalho.
4 - Desde essa data, T. L. vem exercendo funções de motorista, conduzindo as viaturas da Ré que esta lhe determina, utilizando ainda os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, designadamente os tacógrafos e respectivas folhas de registo, caixa do dinheiro e aparelho de emissão de bilhetes.
5 - Cumpria um horário de trabalho previamente elaborado e segundo ordens de serviço emitidas pela Ré, sendo que as carreiras normalmente atribuídas correspondiam a horários entre as 7h00 e as 9h00 (Arcos/Viana), 9h30 e as 11h45 e as 13h30 (Viana/Nogueira/Corredouras), entre as 13h45 e as 15h30 (Viana/Arcos), entre as 16h30 e as 20h00 (Arcos/Ponte de Lima).
7 - Durante os períodos de não condução, era responsável pela viatura que lhe estava atribuída, normalmente a viatura de matrícula SR.
9 - O T. L. estava obrigado a comunicar previamente as ausências para que a Ré pudesse proceder à sua substituição.
10 - No exercício das suas funções cumpria ordens e instruções e obedecia às regras instituídas pela Ré, exercendo as suas funções nas mesmas condições e sujeito às mesmas regras dos restantes motoristas ao serviço da Ré.

B) Factos dados como não provados:

ALÍNEA A): “que o T. L. efectuasse serviços ocasionais”;
ALÍNEA B): “que ficou acordado que a Ré não teria qualquer poder de direcção ou autoridade sobre o T. L.”;
ALÍNEA C): “que o T. L. exercia a sua actividade de motorista, de forma remunerada, para outras entidades”;
ALÍNEA D): “que o T. L. geria com plena autonomia os serviços e os horários em que prestava os seus serviços e sempre de acordo com a sua disponibilidade”;
ALÍNEA E): “que o T. L. é que propunha à Ré os percursos que pretendia realizar no mês seguinte e a Ré organizava os seus serviços que lhe pretendia adjudicar de acordo com tais disponibilidades”;
ALÍNEA F): “que o T. L. não tinha um horário de trabalho definido pela Ré”;
ALÍNEA G): “que a Ré não controla a assiduidade do T. L.”;
ALÍNEA H): “que o T. L. se podia fazer substituir por qualquer outro motorista caso não pudesse ou não quisesse realizar determinada rota”;
ALÍNEA I): “que a Ré chegou a propor ao T. L. a celebração de um contrato de trabalho”.

C) Factos sobre os quais ocorreu omissão de pronúncia:

ALÍNEA J): O valor mensal auferido pelo T. L. era variável.
ALÍNEA K): O T. L. recebia como contrapartida dos seus serviços que aceitava realizar e, por essa razão, a Ré não o retribuía nos dias em que o mesmo não prestasse os seus serviços.
ALÍNEA I): O T. L. não recebia subsídios de férias e de Natal.

Vejamos.

Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.

Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.

Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta(1).

Retornando ao caso em apreço, constata-se que diversos enunciados de supostos factos são na realidade meras conclusões que, a manterem-se, importariam um imediato juízo de direito sobre a pretensão deduzida pelo Autor, sem necessidade de intervenção do tribunal na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito aos factos concretos da situação equacionada.

Considerando que o cerne da questão dos autos é determinar – por aplicação do direito a factos – a verificação de subordinação jurídica de T. L. perante a Ré, de molde a se concluir pela existência de um contrato de trabalho entre ambos, é inadmissível que se possam dar como “factos” assentes os seguintes enunciados, dado que são na verdade conceitos de direito ou expressões que juridicamente os definem:

1 - «por conta da Ré, em condições análogas ao contrato de trabalho»;
10 - No exercício das suas funções cumpria ordens e instruções e obedecia às regras instituídas pela Ré, exercendo as suas funções nas mesmas condições e sujeito às mesmas regras dos restantes motoristas ao serviço da Ré.
ALÍNEA B): “que ficou acordado que a Ré não teria qualquer poder de direcção ou autoridade sobre o T. L.”;
ALÍNEA D): “que o T. L. geria com plena autonomia os serviços e os horários em que prestava os seus serviços e sempre de acordo com a sua disponibilidade”.
Por outro lado, por se tratar de uma conclusão de facto, genérica e abstracta, é também inadmissível que se possa dar como “facto” assente o seguinte:
ALÍNEA J): O valor mensal auferido pelo T. L. era variável.

Em ambas as situações, os enunciados mencionados não devem ser aceites como susceptíveis de integrar o acervo factual, pois se reconduzem a conclusões que ao tribunal caberia retirar de factos concretos e circunstanciados devidamente articulados e demonstrados.

Em face do exposto, impõe-se expurgar tais afirmações da factualidade susceptível de ser dada como provada ou não provada (alterações já acima constantes no local próprio, no que respeita aos pontos 1 e 10).

Posto isto:
Resulta da generalidade da prova produzida que é verdadeira a factualidade acima constante das alíneas K) e I), ou seja, que a Ré não retribuía o T. L. nos dias em que o mesmo não prestasse a sua actividade e que não recebia subsídios de férias e de Natal, tratando-se, aliás, de desenvolvimentos da ideia subjacente ao facto do ponto 3, que, todavia, se concorda que merecem expressa consignação.

Assim, altera-se o ponto 3 e adita-se um ponto 13 em conformidade (alteração e aditamento já acima constantes no local próprio).
Relativamente aos restantes pontos da matéria de facto, recorda-se que o tribunal recorrido motivou a sua convicção subjacente à decisão que tomou nos seguintes termos:

«A convicção do tribunal, no que se refere à matéria de facto provada supra referida, resultou da análise crítica dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de julgamento.
Importa desde já referir que os documentos 8 verso a 38 verso – “ordem de serviço …” e “Escala de serviço …” – são demonstrativos de que T. L. integra os serviços normais efectuados pela R.
Esta referência é feita na medida em que a R., na sua douta contestação, justifica que aquele foi contratado por não possuir meios humanos necessários à realização dos serviços ocasionais que lhe são adjudicados.
Acresce referir que as testemunhas S. M., inspectora da ACT, Manuel, motorista da R. e presidente da respectiva comissão de trabalhadores, e Jorge, economista da R., atestaram que o T. L. integrava as escalas diárias das ligações que a empresa fazia, designadamente no transporte escolar.
As referidas testemunhas foram igualmente determinantes para aquilatar a forma como o T. L. prestava a actividade para a R., designadamente no que diz respeito à utilização dos veículos, dos tacógrafos e respectivas folhas de registo, da caixa do dinheiro e aparelho de emissão de bilhetes.
Importa ainda referir que as testemunhas S. M. e Manuel atestaram que o T. L. não se distinguia dos outros motoristas. A primeira esclareceu que a única diferença que resultou da conversa que teve com o responsável pelo pessoal, foi que o T. L. podia prestar serviço para outras entidades. A segunda testemunha referiu que o T. L. não fazia “serviços de luxo”, referindo-se a outro tipo de transportes, sendo que no mais – horários, escalas e ordens – era igual a qualquer outro motorista da Ré.
Finalmente, mais importa referir que a testemunha Jorge, apesar de ter procurado justificar a versão da R., não deixou de esclarecer a forma como era organizado o trabalho – as chamadas chapas -, bem como a politica da R. em fidelizar os clientes – dando relevância à relação destes com os motoristas, tendo, por isso, o cuidado de manter os motoristas nas mesmas carreiras, e a circunstância de o T. L. – alegadamente por acordo de cavalheiros – comunicar com antecedência qualquer falta. Esclareceu ainda a forma como se efectuava a troca de motoristas, tendo referido que a cultura da empresa era igual para todos.
Finalmente, importa referir que nenhuma prova segura foi apresentada quanto à matéria que se deu como não provada. Aliás, a este respeito, cumpre referir que as testemunhas ouvidas em audiência atestaram uma diferente realidade.»

Como refere Luís Filipe Pires de Sousa (2), “[a] livre apreciação da prova significa, desde logo, que o juiz não está sujeito às regras de prova legal que fixam, a priori e de forma abstracta, o valor probatório de cada meio de prova. O juiz fica liberto de tais regras de prova legal mas continua vinculado às regras da razão, devendo seguir as regras da lógica e do discorrer humano para valorar a prova de forma prudente, sem incorrer em voluntarismos ou em arbitrariedades. A valoração da prova faz-se caso a caso segundo padrões flexíveis e critérios razoáveis, devendo o juiz enunciar os motivos pelos quais aceita ou rejeita o valor de convicção de cada meio de prova.”

Quanto ao standard de prova, isto é, a regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira, deve entender-se que no processo civil é, em regra, “(…) o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:

(i) Entre as varias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.

Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.

Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis”. (3)

E se, após a produção das provas, acontecer que duas ou mais hipóteses contraditórias sobre os factos em discussão estão suficientemente fundadas, têm sido propostos vários critérios conjuntos de escolha entre as hipóteses alternativas excludentes, como sejam o da simplicidade, o da coerência narrativa, o da coerência lógica, o da congruência da narração dos factos e o da correspondência entre os factos e a norma jurídica substantiva (4).

Ora, perante as duas hipóteses contraditórias sobre alguns dos factos, uma correspondente à versão apresentada nos autos pelo Autor e outra à versão apresentada nos autos pela Ré, consubstanciadas, grosso modo, no acervo de factos provados e no acervo de factos não provados, respectivamente, concorda-se com o Mmo. Juiz recorrido na decisão de considerar prevalecente a primeira, tendo em conta a credibilidade decorrente de as duas primeiras testemunhas do Autor não terem relação com as partes e a terceira se ter revelado equidistante na medida em que, por um lado, é presidente da Comissão de Trabalhadores da Ré, e, por outro lado, é seu trabalhador subordinado, sendo que os seus depoimentos, no essencial, se mostram consentâneos e corroborados pelos documentos mencionados e até, parcialmente, pelo depoimento da testemunha da Ré.

Neste panorama, compulsados os segmentos dos depoimentos das testemunhas indicados pela Ré, constata-se que os mesmos se apresentam como fragmentos descontextualizados e (aparentemente) contraditórios com a essência do teor dos mesmos ou os esclarecimentos a que foram sujeitos, no sentido consignado pelo tribunal recorrido, ou, mais ainda, não têm sequer a virtualidade de confirmar a factualidade a que se referem, reportando-se à mesma em termos distintos ou apenas de modo vago, abstracto e indirecto.

Em face do exposto, compulsada a prova documental e testemunhal produzida, nos termos analisados supra, não pode concluir-se que os trechos de depoimentos invocados, só por si, impõem – como o exige o art. 662.º do Código de Processo Civil – que a Relação altere a decisão proferida sobre a matéria de facto.

4.2. Importa, então, apreciar e decidir se entre T. L. e a Auto Viação X, Lda. existiu um contrato de trabalho.

Nem sempre sendo fácil distinguir o contrato de trabalho de outras relações jurídicas, a doutrina e a jurisprudência são, porém, unânimes no entendimento de que o critério de distinção reside na subordinação jurídica, que consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.

Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao autor fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), tendo o Código do Trabalho de 2003, contudo, vindo introduzir uma presunção de existência de contrato de trabalho nas condições aí indicadas.

Ora, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz e apenas tem de provar o facto que lhe serve de base, cabendo à parte contrária ilidir a presunção legal mediante prova em contrário, salvo se a lei o proibir (art. 350.º do Código Civil). Isto é, a presunção legal que pode ser ilidida por prova em contrário – presunção juris tantum –, como é o caso da estabelecida pelo Código do Trabalho, importa a inversão do ónus da prova (art. 344.º, n.º 1 do Código Civil). Já se o autor não demonstrar o preenchimento dos requisitos ali previstos, de modo a beneficiar da presunção de existência dum contrato de trabalho, terá de, nos termos do citado art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, fazer a prova cabal dos seus elementos constitutivos, a saber, que desenvolve uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do respectivo beneficiário.

Sucede, contudo, que a suposta presunção de laboralidade, nos termos em que ficou estabelecida no Código do Trabalho de 2003, quer na versão inicial, quer na introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, mais não é do que a reprodução dos elementos integrantes da noção de contrato de trabalho, ou do que a exigência de verificação cumulativa de diversos indícios de laboralidade, sem qualquer utilidade prática, o que deixou de se verificar apenas com a publicação do Código do Trabalho de 2009.

Na verdade, diz o n.º 1 do art. 12.º deste último diploma que presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Assim, como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho (5), “(…) o tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento de subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho; e a terceira diferença reporta-se às consequências da qualificação fraudulenta do vínculo de trabalho para o empregador, que são agora mais gravosas, dando um sinal claro do desvalor associado pelo legislador à qualificação fraudulenta do negócio laboral.

Com a actual configuração, pode, pois, dizer-se que, pela primeira vez, a presunção de laboralidade desempenha uma função útil na qualificação do contrato de trabalho.”

Em sentido semelhante, nomeadamente admitindo que basta a verificação de dois dos indícios enumerados para que se considere que o trabalhador beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao empregador a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica, vejam-se António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, Almedina, 2012, pp. 126-127), João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pp. 76-77), Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Almedina, 2013, p. 307) e, ainda que de forma mitigada, Bernardo da Gama Lobo Xavier (Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2014, pp. 366 e ss.).

Retornando ao caso dos autos, constata-se que se verificam vários dos índices que fazem presumir a subordinação jurídica, como sejam a realização da actividade em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado, a pertença dos equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados ao beneficiário da actividade, a observância pelo prestador de actividade de horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma, e o pagamento com determinada periodicidade de quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma (cfr. os pontos 3, 4 e 5 dos Factos Provados).

Sublinha-se que, no que respeita à retribuição, nos termos do art. 261.º do Código do Trabalho, é certa a que seja calculada em função de tempo de trabalho, o que ocorre no caso em apreço, visto que o prestador da actividade auferia a quantia de 40,00 € por dia de trabalho, sendo irrelevante que, por força do diferente número de dias de trabalho, o montante global mensal variasse, não sendo nesse sentido que é utilizado pela lei o conceito de retribuição variável, que se refere antes à que resulta do uso de outro critério de determinação, por exemplo o número ou valor de peças produzidas ou vendidas.

Posto isto, nos termos expostos, compete à ora Recorrente a prova do contrário, ou seja, de que se verificam outros indícios que, pela sua quantidade e impressividade, impõem a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.

Ora, provou a Apelante que T. L. não era retribuído pela Ré nos dias em que não prestasse actividade, que, por estar inserido no regime fiscal de trabalhador independente, emitia recibos verdes, e que não recebia subsídios de férias e de Natal.

Todavia, esses elementos têm cariz meramente formal, na medida em que decorrem precisamente da qualificação do contrato atribuída pela Apelante, não podendo ser determinantes se tal qualificação houver de ceder em face da realidade substantiva.

A Recorrente logrou ainda demonstrar que T. L. não estava sujeito a qualquer dever de exclusividade, um elemento habitualmente associado à autonomia inerente ao contrato de prestação de serviço.
Porém, para além dos já mencionados indícios que integram a presunção de laboralidade, o certo é que se provou também que o prestador da actividade fazia ainda outras carreiras, em substituição de outros trabalhadores da Ré, que durante os períodos de não condução era responsável pela viatura que lhe estava atribuída, normalmente a viatura de matrícula SR, que não era responsável pela manutenção e reparação das viaturas que lhe estavam atribuídas e que estava obrigado a comunicar previamente as ausências para que a Ré pudesse proceder à sua substituição, tudo factores indiciadores de subordinação jurídica.

Neste enquadramento, e sendo certo que todas as relações jurídicas contratuais, em concreto, podem suportar elementos típicos de vários contratos, importando, pois, atentar na feição que predominantemente apresentam, julga-se que no caso em apreço a factualidade apurada, no seu conjunto, evidencia através dos factores mencionados a inserção de T. L. na organização da Recorrente e a sujeição do mesmo a esta na execução do contrato.
Improcede, pois, o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 5 de Abril de 2018

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)


Sumário (elaborado pela Relatora):

I – Basta a verificação de dois dos indícios enumerados no art. 12.º do Código do Trabalho para que se considere que o prestador de actividade beneficia da presunção de existência de contrato de trabalho, passando a competir ao beneficiário a prova do contrário, isto é, da ocorrência de outros indícios que, pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica.
II – No que respeita à retribuição, nos termos do art. 261.º do Código do Trabalho, é certa a que seja calculada em função de tempo de trabalho, sendo irrelevante que, por força do diferente número de dias de trabalho, o montante global mensal varie, não sendo nesse sentido que é utilizado pela lei o conceito de retribuição variável, que se refere antes à que resulta do uso de outro critério de determinação, por exemplo o número ou valor de peças produzidas ou vendidas.
III – Todas as relações jurídicas contratuais, em concreto, podem suportar elementos típicos de vários contratos, importando, pois, atentar na feição que predominantemente apresentam, devendo entender-se que existe um contrato de trabalho se a factualidade apurada, no seu conjunto, evidencia através de factores relevantes a inserção do prestador da actividade na organização do beneficiário e a sujeição do mesmo a este na execução do contrato.

(Alda Martins)


1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
2. Prova Testemunhal, Almedina, 2013, p. 324.
3. Aut. cit., op. cit., p. 378.
4. Aut. cit., op. cit., pp. 370 e ss..
5. Tratado de Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, p. 55.