Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
67/12.9TCGMR.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: FUNDAÇÃO
REVOGAÇÃO DE MANDATO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS MORAIS
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
REDUÇÃO SALARIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A revogação de mandato de membro de órgão de Fundação de direito privado e de utilidade pública, não se mostrando estar alicerçada em Justa Causa, sendo embora e em rigor um acto licito, obriga porém o mandante/Fundação a pagar ao referido membro do órgão e/ou mandatário uma indemnização;
II - A indemnização referida em I será então equivalente ao quantum que o membro do órgão deixou de auferir até o termo normal do mandato , deduzido do que vier ele a auferir até a mesma data e pelo facto de ter deixado de o ter de cumprir até o seu final.
III - Visando a responsabilidade com base em factos lícitos restabelecer o equilíbrio patrimonial no âmbito do mandato , e ainda que o exercício legítimo do direito à sua revogação cause danos não patrimoniais ao mandatário, não são porém tais danos indemnizáveis.
IV- Provado que a grave crise económico-financeira e orçamental do País obrigou à redução significativa do financiamento da Fundação por parte do Orçamento de Estado, existindo efectiva e provada correlação directa entre ambas, e verificados os demais requisitos do artº 437º, do CC [ alteração relevante das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, afectando gravemente os princípios da boa fé contratual a exigência da obrigação à parte lesada , e não estar a referida alteração coberta pelos riscos do negócio ] , a redução salarial imposta - e efectuada com equidade - pela Fundação a membros dos respectivos órgãos não configura a prática de acto ilícito.
V - Não havendo elementos nos autos para proceder ao cômputo exacto do montante indemnizatório indicado em II, deverá o respectivo cálculo ser relegado para fixação/liquidação em momento posterior, nos termos do art. 661.º, n.º 2, do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEl do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
C.. intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo Ordinário, contra Fundação Cidade de Guimarães, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia total de € 800.504,80, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo pagamento, sendo :
a) € 688.004,80, devida a titulo de indemnização por danos decorrentes de benefícios (ou lucros cessantes) que deixou de obter, em consequência da revogação do seu mandato ao serviço da Ré;
b) € 37.500,00, devida a título de indemnização pelo incumprimento parcial do contrato por parte da Ré, relativo ao período que medeia entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011, consubstanciado na redução da remuneração da Autora em tal período; ec) € 75.000,00, devida a título de indemnização por danos morais.
1.1. - Alegou, para tanto e em síntese, que :
- Quando em Agosto de 2009, exercia funções na CCDRN - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, auferindo, como contrapartida do seu trabalho, a remuneração mensal de € 7.101,24, acrescida de subsídios de férias e de Natal, a Ré propôs-lhe integrar o seu Conselho de Administração para o primeiro mandato, a terminar em 31 de Dezembro de 2015, tendo a autora, atentas as condições propostas e a natureza das funções a desempenhar, entendido dever aceitar tal “convite”;
- Em razão do referido, a autora fez cessar a comissão de serviço em que se encontrava e foi designada Vogal Executiva do Conselho de Administração da Ré, para o seu primeiro mandato, a terminar a 31 de Dezembro de 2015, auferindo - logo a partir de Setembro de 2009, inclusive a remuneração mensal fixa de € 12.500,00x14,tudo acrescido do direito ao uso, sem restrições, de um veículo automóvel (com seguro, portagens, parqueamento e 200 litros de combustível mensal incluídos) e de um telemóvel, direito este com um valor médio mensal não inferior a € 1.450,00;
- Sucede que, a partir de 1 de Janeiro de 2011, a Ré , unilateralmente, reduziu a componente pecuniária da sua retribuição de € 12.500,00 para € 8.750,00 mensais e, poucos meses decorridos, em Setembro de 2011, revogou sem justa causa o mandato que a vinculava à Ré, facto que implicou o seu regresso imediato ao seu lugar no IGFCSS, passando, doravante, a auferir a remuneração mensal correspondente a esse trabalho, no valor de € 2.289,92 ;
- Em razão do referido, tem a autora a haver da Ré a competente indemnização decorrente da revogação antecipada do mandato, maxime dos valores pecuniários que deixou de auferir a partir da redução unilateral do seu vencimento ao serviço da Ré, referente ao período que medeia entre 1 de Janeiro de2011 e 31 de Agosto de 2011 [ no total de € 37.500,00 (€ 12.500,00 - €8.750,00 = € 3.750,00 x 10) ] , dos benefícios que deixou de obter até 31/12/2015 [ 688.004,80 ( 12.500,00€ - 2 289,92€ = 10 210,08 x 60 + 1450,00€ x 52 ), e da quantia de € 75.000,00 a titulo de indemnização por danos morais.
1.2. - Citada, contestou a Ré, no essencial por impugnação motivada, pugnando pela improcedência in totum da acção.
Contrariando o estatuto remuneratório da autora, aduziu ainda a Ré que o exercício do mandato pela Autora, enquanto administradora executiva da Fundação, não foi isento de criticas, antes pelo contrário ( no âmbito da produção da Capital Europeia da Cultura e na execução de actividades públicas com tal evento relacionadas ) , razão porque se optou por fazer caducar o mandato e não lançar mão do mecanismo de justa causa, evitando-se assim a exposição e um julgamento público da própria autora.
Em síntese, e para a Ré, a caducidade do mandato conferido à Autora foi, no essencial, legítima, não consubstanciando a respectiva cessação um qualquer susceptível de desencadear uma obrigação de indemnização, razão porque deve a acção improceder in totum.
1.3.- Seguindo-se a réplica ( sendo que a tréplica foi mandada desentranhar dos autos, porque legalmente inadmissível ), proferiu o Exmº Juiz a quo o despacho saneador e, fixada a matéria de facto assente, foi igualmente organizada a base instrutória da causa ( peças estas que não foram objecto de qualquer reclamação ), vindo finalmente a 4/3/2013 a dar-se inicio à audiência de discussão e julgamento , a qual decorreu com observância de todo o formalismo legal.
1.4.- Por fim, encerrada a discussão, proferiu o Exmº Juiz a quo o despacho ( que não foi objecto de quaisquer reclamações ) a que alude o nº2, do artº 653º, do CPC, e , conclusos os autos para o efeito , foi proferida Sentença , sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ III.- Decisão
Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condenar a Ré Fundação Cidade de Guimarães a pagar à Autora C.. o seguinte:
a) a quantia pecuniária já líquida de € 224.541,20, a título de indemnização do dano sofrido com a revogação unilateral do mandato da Autora ao serviço da Ré, correspondente ao valor do vencimento que a Autora teria recebido no âmbito desse mandato, desde a produção de efeitos da sua destituição - 1 de setembro de 2011 - até março de 2013, data em que foi anunciada a extinção da Ré, inclusive, descontado do valor da efetiva retribuição auferida pela Autora ao serviço do IGFCSS – Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social;
b) a quantia pecuniária que vier a ser liquidada ulteriormente, também a título de indemnização do mesmo dano a que se alude em a), referente ao valor do vencimento que a Autora receberia da Ré, descontado do valor da efectiva retribuição por si auferida ao serviço do IGFCSS, no período compreendido entre abril de 2013 e a data efetiva da extinção da Ré, no caso de tal extinção se concretizar em momento anterior a 31 de dezembro de 2015, sendo que, no caso de ocorrer posteriormente a esta data, o valor da indemnização aqui em causa a atribuir à Autora será o contabilizado até essa data de 31 de dezembro de 2015;
c) a quantia pecuniária de € 33.750,00, correspondente ao valor global da redução ilícita do vencimento da Autora ao serviço da Fundação Cidade de Guimarães, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de agosto de 2011;
d) a quantia pecuniária de € 10.000,00, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, em consequência da revogação do seu mandato ao serviço da Ré;
e) os juros de mora, contabilizados sobre os valores referidos em a), c) e d), à taxa de 4%, desde a data da citação da Ré até efectivo pagamento.
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Custas da seguinte forma:
- uma vez que se relegou para liquidação ulterior parte da indemnização a que a Autora tem direito, as custas serão provisoriamente repartidas por Autora e Ré em partes iguais, relegando-se a liquidação definitiva da responsabilidade correspondente para o momento da liquidação definitiva da referida indemnização.
Registe.
Notifique.
Guimarães, 3 de junho de 2013”
1.4. - Inconformada , veio então a Ré Fundação Cidade de Guimarães ,da referida sentença, apelar, sendo que, na respectiva instância recursória, formulou a recorrente as seguintes conclusões :
1ª - A autora, em data anterior à instituição da Fundação Cidade de Guimarães, concretamente em fins de Junho de 2009, foi convidada pela pessoa que estava indigitada para ser presidente do seu conselho de administração, para ficar exercendo funções como vogal desse conselho de administração, cargo que aceitou, tendo, em consequência, tomado posse do mesmo após a escritura de constituição da Fundação.
2ª - Encontrava-se, quando recebeu aquele convite, a exercer funções profissionais na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, em regime de comissão de serviço, e por requisição ao Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, sua entidade patronal, à qual se encontrava vinculada por contrato individual de trabalho, para o exercício de funções públicas, por tempo indeterminado.
3ª - O instrumento jurídico através do qual a autora passou a exercer aquelas funções no conselho de administração da ré, foi um “acordo de cedência de interesse público”, celebrado em 31 de Agosto de 2009, através do qual o Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, a Fundação Cidade de Guimarães e a própria autora, convencionaram que esta última iria integrar o conselho de administração da Fundação Cidade de Guimarães, na qualidade de trabalhadora cedida pelo referido Instituto, sendo a cedência por tempo indeterminado e enquanto exercesse essas funções, cessando na data em que cessassem as funções de vogal do conselho de administração da Fundação, sem que o acordo implicasse a suspensão do estatuto de origem da autora, ficando convencionado que o acordo de cedência, conforme o clausulado, cessaria automaticamente e sem pré-aviso, no caso de cessação de funções da trabalhadora cedida como vogal do conselho de administração da cessionária Fundação, sendo o acordo, conforme igualmente clausulado, regido, nas partes não previstas pelo art. 58º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
4ª - A Dra. T.., presidente do conselho de administração da ré Fundação Cidade de Guimarães, que convidara a autora para aquelas funções, e a quem competia, nos termos do art. 26º, n.º 2 dos estatutos da Fundação Cidade de Guimarães, designar os vogais do Conselho de Administração, renunciou ao cargo em Agosto de 2011, o que implicou a sua substituição pelo Prof. J.., que, atendendo à obrigação que lhe era imposta pelo referido art. 26º, n.º 2 dos estatutos da Fundação Cidade de Guimarães, designou novos vogais para o “seu” conselho de administração, o que implicou a cessação das funções da autora na ré.
5ª - Inconformada, a autora propôs a presente acção contra a ré Fundação Cidade de Guimarães, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização respeitante aos danos por si invocados decorrentes da perda de vencimentos que teve em consequência da cessação de funções, e considerando que estas, a seu ver só deviam ter findado em 31 de Dezembro de 2015 (688.004,80€), a uma indemnização por incumprimento parcial do contrato por parte da ré Fundação, porque esta reduzira o seu vencimento, quando em funções, entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011 (37.500,00€), e, por último, a uma indemnização por danos não patrimoniais resultantes do alegado comportamento ilícito da ré (75.000,00€).
6ª - Discutida a causa, a acção foi julgada parcialmente procedente, com a condenação da ré Fundação Cidade de Guimarães a pagar à Autora, a título de indemnização dos prejuízos sofridos com a revogação unilateral do contrato (o valor de 224.541,20€), até Março de 2013, eventualmente acrescida do que resultar do facto de a extinção ocorrer mais tarde, mas sempre até 31 de Dezembro de 2015, a título da redução ilícita do vencimento da autora entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011 (o valor de 33.750,00€), e a título de ressarcimento de danos não patrimoniais (o valor de 10.000,00€).
7ª - Para assim decidir, o tribunal, no probatório, respondeu à matéria de facto do modo que adiante referiremos, e que nos parece errado, mas, sem prescindir, decidiu as questões de direito que lhe eram postas por forma a considerar que: entre a autora e a ré se estabeleceu uma relação de administração, através de um contrato de mandato, que o novo presidente do conselho de administração da ré fez cessar licitamente, por revogação unilateral, mas de que resultaram prejuízos patrimoniais para a autora de que esta deve ser ressarcida, para o que considerou que o acordo de cedência de interesse público atrás referido não podia ser considerado por não alegado pela ré no seu articulado, e sempre seria inaplicável, porque ele era “autónomo” em relação à relação contratual da autora e “contraditório” com esta; que havia lugar, mercê da redução ilícita do vencimento da autora, à compensação desta com um valor resultante da diferença não paga; e que, por fim, os danos não patrimoniais invocados pela autora resultaram do comportamento da ré, e mereciam a tutela do direito.
8ª - A decisão assim sumariada é a vários títulos inadmissível, começando pelo modo como foram fixados os factos, no que respeita às respostas que foram dadas aos quesitos 3º, 4º, 5º, 17º, 18º, 33º, 40º, 51º, 52º, 53º e 54º, cujas respostas devem ser alteradas nos termos e pelas razões sugeridas nas alegações supra, para, respectivamente, “3º - Não provado” (porque a proposta que a autora recebeu foi anterior à constituição da ré e feita pela pessoa que viria a ser presidente do seu conselho de administração, como se comprova com o depoimento de T.., e de R..), “4º - Não provado” (pelos mesmos motivos), “5º - Não provado” (pelos mesmos motivos), “17º - Não provado” (porque a alegação da autora era de que a ré tinha agido por forma a causar-lhe lesões não patrimoniais, mas o tribunal não considerou verificada aquela causa, pelo que não podia considerar verificado o efeito), “18º - Não provado” (pelos mesmos motivos), “33º - Provado” (porque toda a matéria quesitada resultou absolutamente confirmada pelo depoimento da testemunha J.. e, em parte, das testemunhas L.. e R..), “40º - Provado” (pelas mesmas razões referidas quanto ao quesito anterior), “51º - Provado” (ainda pelas mesmas razões), “52º, 53º e 54º - Provado” (sempre pelas mesmas razões).
9ª - São, pois, inaceitáveis - e incomportáveis pelo teor dos depoimentos ouvidos e constantes da gravação – as respostas dadas aos referidos quesitos, já que são desconformes com a prova produzida e devem, por isso, ser alteradas, nos termos preconizados, para o que a recorrente, nos termos do disposto no artº 690º A e 712º nº 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, indicou os concretos factos que considerou incorrectamente julgados, e os concretos meios probatórios que, a seu ver, impunham respostas diversas.
10ª - Com efeito, a recorrente transcreveu nas alegações os depoimentos de T.. (que respondeu à matéria de facto dos quesitos 1º a 16º, 19º a 30º, 32º a 35º, 43º a 47º, 49º a 54º, 58º a 70º, foi ouvida na sessão de 25 de Fevereiro de 2013, conforme a respectiva acta estando o seu depoimento em registo digital de prova no CD n.º 1, desde 00.00.00 até 00.27.52); de L.. (que respondeu à matéria de facto incluída nos quesitos 8º a 10º, 21º e 71º da base instrutória indicada pela autora e aos quesitos 8º, 9º, 19º, 20º, 55º, 56º e 57º da base instrutória indicada pela ré, foi ouvida na sessão de 25 de Fevereiro de 2013, estando o seu depoimentos em registo digital de prova no CD n.º 1, desde 00.00.00 até 00.43.40); de R.., (que respondeu à matéria de facto incluída nos quesitos 1º a 18º da base instrutória, e foi ouvido na sessão de 1 de Março de 2013, estando o seu depoimento em registo digital de prova no CD n.º 1, desde 00.00.00 até 01.11.01); e de J.. (que respondeu à matéria de facto incluída nos quesitos 13º, 29º a 58º da base instrutória, que foi ouvido na sessão de 4 de Março de 2013, estando o seu depoimento em registo digital de prova no CD n.º 1, desde 00.00.00 até 01.27.47).
11ª - Essa matéria de facto foi julgada, pois, em desconformidade com a prova produzida, e em violação do disposto no art. 653.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, tendo a recorrente na sua alegação cumprido o ónus imposto pelo art. 690.º-A do Código de Processo Civil, especificando os concretos pontos de facto incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa.
12ª - Sem prejuízo, também a decisão de direito não é aceitável, porque à autora nenhum direito indemnizatório pode ser reconhecido, pois, sendo livre a revogação dos membros dos corpos sociais, nos termos do art. 170º do Código Civil, daí resulta a possibilidade de fazer cessar as funções de qualquer desses membros, independentemente da natureza jurídica da figura que caracteriza essa cessação (destituição, com ou sem justa causa, ou caducidade), sem direito a qualquer compensação ou ressarcimento.
13ª - Com efeito, a cessação de funções do administrador, que não é qualificável como uma relação de mandato (por a tanto se opor o art. 164º, n.º 1,do Código Civil, que apenas consente a remissão para o mandato quanto às obrigações e responsabilidades dos titulares, não sendo extensível à hipótese), é regida nas suas consequências pela norma do art. 170º, n.º 2 do Código Civil, que dispõe que as funções dos titulares eleitos ou designados são revogáveis, sem prejuízo dos direitos eventualmente constantes do acto de constituição.
14ª - Ora, o “acto de constituição”, no caso, é o “acordo de cedência de interesse público” atrás citado, que se rege pela Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, que, entre o mais (cfr. os arts. 1º, 2º, 3º, 9º, 14º, 15º) prescreve no seu art. 34º que a cessação jurídica de emprego público, quando o trabalhador se encontra em comissão de serviço, cessa a todo o tempo, por iniciativa da entidade empregadora pública ou do trabalhador, com aviso prévio de 30 dias, implicando o regresso à situação jurídico-funcional anterior, com direito a indemnização apenas se prevista em lei especial (art. 34º), e no art. 58º, n.os 1 a 8, que o acordo pode ser feito cessar a todo o tempo, por iniciativa de qualquer das partes que nele tenham intervindo, com aviso prévio de 30 dias, pelo que, não havendo lei especial que preveja qualquer indemnização, não há direito a ela.
15ª - Sem prescindir, apesar de não expressamente invocada (o que aliás pareceria sempre dispensável porque a demissão da presidente do conselho de administração implicava a caducidade do mandato dos vogais, porque o novo presidente do conselho de administração tinha de nomear os “seus” vogais) ocorreu manifestamente justa causa de cessação da relação da autora com a ré, porquanto ficou provado que o conselho de administração ao qual pertencia, sem qualquer desresponsabilização pessoal da autora, agiu em manifesto detrimento dos interesses da ré, e em prejuízo dos fins que esta visava atingir.
16ª - Com efeito, quer o tratamento, manifestamente negligente, dado à relação com a Oficina (descrito nas respostas dadas aos quesitos 29º a 54º e 61º a 67º), quer o tratamento dado ao protocolo, que devia ser subscrito, e que sofreu atrasos indesculpáveis por razões absolutamente desprezíveis, da responsabilidade da própria autora, quer as contínuas reticências, desconsiderações e atrasos, quer as sucessivas e graves reservas manifestadas pelo Presidente da Câmara de Guimarães, quer os desmentidos que a CCDRN fez em relação às falsas objecções postas pela autora, quer a convicção de inviabilidade do projecto assumida pelo director, Dr. C.., quer o pedido do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães dirigido ao conselho geral para que fizesse cessar o mandato da presidente da Fundação, quer a convicção generalizada existente na cidade de Guimarães de que com aquele conselho de administração não era possível levar por diante a Capital Europeia da Cultura, por falta absoluta de estruturas capazes de garantir a produção dos projectos, tudo eram razões mais do que suficientes para a destituição do conselho de administração, com justa causa, e, por isso, para a destituição da autora.
17ª - De resto, não é possível aceitar que se considere, como se considerou na sentença, que a responsabilidade individual dos membros do órgão é distinta e separável da do órgão, no caso concreto, pois nem por isso a autora alegou ou sugeriu que procurasse evitar as más consequências do comportamento do colégio dos seus co-administradores, bem pelo contrário, também do probatório não resultou que ela se desresponsabilizasse, ou procurasse sensibilizar os outros membros para a necessidade de corrigir o rumo.
18ª - Contra o suposto pela sentença recorrida não se vê como sustentar que entre o “acordo de cedência de interesse público” celebrado entre a autora, a sua entidade patronal e a ré e a relação jurídica contratual estabelecida entre a autora e a ré, exista qualquer “autonomia” ou “incompatibilidade”, porque nesse próprio “acordo de cedência de interesse público”, matriz da relação estabelecida entre a autora e a ré, expressamente se faz referência à aplicação, aliás imperativa, da lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e , designadamente, do seu art. 58º, nem parece concebível, tecnicamente falando, a existência de um conflito entre o que está legislado e a doutrina formada sobre a situação concreta, pois, em qualquer caso, num conflito entre o direito constituído e o direito constituendo, o intérprete sabe que tem de optar pelo primeiro.
19ª - Não é aceitável também, contra o decidido na sentença recorrida, que a alegada falta de referência expressa nos articulados, designadamente na contestação, ao “acordo de cedência de interesse público” pudesse redundar em prejuízo da tese da ré, por aplicação do disposto no art. 489º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pois, tendo a autora proposto a acção, e formulando nela um pedido indemnizatório, era ónus da prova dela, e não da ré, carrear para o processo todos os elementos necessários à caracterização do contrato, mais a mais quando pretendia que lhe fosse aplicada a disciplina do contrato de mandato.
20ª - A autora não tinha qualquer direito adquirido a manter-se em funções até 31 de Dezembro de 2015, pelo que pela cessação de funções anterior a essa data nenhuma indemnização pode pedir, porquanto nem os estatutos da Fundação Cidade de Guimarães lhe asseguram qualquer direito, enquanto vogal do conselho de administração, pois nem ao assunto se referem (cfr. art. 21º, n.º2, art. 22º, art. 27º, art. 33º, n.º 2), como, se a sentença aceita, como aceitou, que o mandato da autora é revogável a todo o tempo e sem justa causa, não pode ao mesmo tempo dizer que ele teria de durar até Dezembro de 2015, por insanável contradição.
21ª - A autora nunca teria, por outro lado, direito a qualquer indemnização por danos não patrimoniais, não apenas porque é manifesta a licitude do seu afastamento de funções, que a sentença reconhece, como pelo facto de vir alegado (e só isso, em consequência havia de considerar-se) que os danos não patrimoniais por si invocados eram causa directa e necessária (quesitos 13º, 14º, 15º e 16º) de actividade concreta da autora, (que teria feito declarações públicas negativas para o bom nome e imagem da autora, que teria feito referências à mesma em jornais, estações de rádio e televisão, que não teria explicitado as circunstâncias da cessação do mandato da autora, o que fez com que a sua destituição surgisse publicamente como uma agressão da ré contra a sua capacidade de liderança e de gestão e o seu bom nome e prestígio - o que nada, porém, se provou), pelo que não se tendo provado essas causas, era impossível dar-se como provados os efeitos (quesitos 17º e 18º).
22ª - Por último, como ficou amplamente demonstrado nos autos, designadamente através do depoimento da testemunha Dra. L.., a autora “acatou a decisão” de lhe ser reduzida a remuneração, conjuntamente, aliás, com todas as demais remunerações, sendo esta redução, de resto, absolutamente legal e legítima, por várias razões: se a ré podia o mais (fazer cessar a relação contratual estabelecida com a autora a todo o tempo), podia o menos (manter essa relação contratual, reduzindo as condições remuneratórias) ; entre a autora e a ré, aquando da admissão daquela não ficou estabelecida qualquer remuneração a que tivesse direito, remuneração essa que foi externamente ao contrato e autoritariamente, sem contraditório, fixada pela comissão de vencimentos; ocorreram circunstâncias exógenas, e o tribunal tomou delas conhecimento, justificativas da redução de vencimentos (al. M)); provaram-se factos concludentes no sentido de que a autora aceitou a redução de vencimentos, sem qualquer oposição, e até tendo ela própria determinado a aplicação a si própria e aos demais membros da Fundação dessa redução, tendo dado instruções para que essa redução fosse processada (factos 55, 56 e 57 da sentença), tudo sem, tão pouco, ter dirigido à comissão de vencimentos ou ao conselho geral qualquer reclamação, fosse de que natureza fosse.
Termos em que, na integral procedência do recurso, deve ser alterada a matéria de facto nos termos referidos, e ,com ou sem essa alteração, ser revogada a sentença recorrida e a acção ser julgada inteiramente improcedente e não provada, com as legais consequências, para se fazer JUSTIÇA!
1.5.- A Apelada C.. respondeu à apelação da Ré Fundação Cidade de Guimarães ( impetrando que seja ele julgado totalmente improcedente ) , e , concomitantemente, recorreu subordinadamente , concluindo a respectiva peça nos seguintes termos :
1ª) A anunciada extinção da Fundação Cidade de Guimarães não tem nem pode ter como consequência, no tocante ao montante da indemnização e medida da mesma, a que nela é extraída na douta sentença;
2ª) Tal (anunciada) extinção é um meio de defesa e um facto superveniente, designadamente para efeito do que dispunha o CPC nos seus arts. 489º e 506º antes da sua ultima alteração, e dispõe agora nos arts. 573º e 588º;
3ª) Ora, a Ré jamais invocou e deduziu no processo, pela forma adequada e prevista na lei para tanto, este eventual seu meio de defesa, tendo-se limitado a juntar aos autos um parecer jurídico, antes do julgamento no qual, entre outras questões, o seu autor abordava também esta questão, e a juntar também aos autos, noutra ocasião, um outro documento publicado em Diário da República do qual decorria a intenção do Governo de vir a extinguir a Fundação Ré, a par de outras;
4ª) Sendo tal facto ou meio de defesa superveniente, teria a Ré, para dele se poder aproveitar, de o ter deduzido em articulado posterior à contestação ou em novo articulado, até ao encerramento da discussão, de acordo com os referidos arts. 489º e 506º do CPC, competindo-lhe inequivocamente a ela efectuar tal dedução e arguição, nos termos do disposto no art. 342º do CC;
5ª) Não o tendo feito, não cumpriu esta sua obrigação processual, em consequência da qual o facto ou meio de defesa em causa e superveniente não poderia jamais ser apreciado e conhecido no processo, uma vez que, não tendo sido deduzido nos termos legais em articulado superveniente, não foi proferido qualquer despacho liminar sobre a sua admissão ou rejeição, não foi sequer apreciada a tempestividade do articulado em causa nem ordenada a notificação da parte contrária para lhe responder em dez dias, como o impõe a lei, não tendo sido igualmente seguidas todas as demais formalidades constantes dos n.º 4, 5 e 6 do referido art. 506º;
6ª) Pelo que o tribunal estava impedido de conhecer de tal facto ou meio de defesa, ou seja, de atribuir a tal extinção o relevo que lhe deu, atento o disposto nas normas atrás referidas;
7ª) Por outro lado, o que ocorreu, relativamente à A., foi uma revogação do mandato desta, com a consequente indemnização, não havendo que condicionar a indemnização ou parte dela à não ocorrência de uma anunciada mas ainda não verificada extinção, como se fez na douta sentença recorrida;
8ª) E, sendo o facto gerador da obrigação de indemnizar a revogação do mandato, a fixação da indemnização ou o recebimento de parte dela não pode ficar dependente da não ocorrência de eventos futuros e condicionais;
9ª) Para além disso, a referida extinção, a ocorrer e se a A. se mantivesse à data da mesma em funções por não lhe ter sido, como foi, revogado o seu mandato, não teria então como consequência uma simples e pura caducidade do seu mandato;
10ª) De facto, da anunciada extinção da Ré extraiu-se na sentença uma necessária consequência, em termos absolutos: a caducidade do mandato da A. ocorreria inelutavelmente, caso ela estivesse então em funções no Conselho de Administração da Ré, por não lhe ter sido (como foi) revogado o seu mandato;
11ª) Porém, mesmo que a A. não tivesse visto ser-lhe revogado o seu mandato, como viu, e hipoteticamente se mantivesse no exercício das suas funções de administradora da Ré à data da ocorrência da extinção desta, ainda assim daí não decorreria que a A. não continuasse a ter direito à indemnização por lucros cessantes, desde tal extinção e até 31 de Dezembro de 2015;
12ª) A Ré Fundação Cidade de Guimarães teve apenas dois fundadores: o Estado e a Câmara Municipal de Guimarães;
13ª) Tendo um desses dois fundadores, o Estado, decidido avançar com um procedimento com vista à extinção da Ré;
14ª) E tendo igualmente a própria Ré solicitado ou proposto ao fundador Estado a sua própria extinção para 2013, proposta esta efectuada em Setembro de 2011 pela actual administração, na altura em que tomou posse – de tal proposta tendo dado o Presidente da Fundação Ré e do seu Conselho de Administração, Prof. J.., conhecimento público, e sendo este, pois, um facto notório;
15ª) Assim, sempre estaremos então aqui, aquando da extinção da Ré, perante uma “caducidade provocada”, pois foi a própria Ré a propor ao Governo a sua extinção, a qual, ademais, terá ainda sido decidida por um fundador da Fundação Cidade de Guimarães - o Estado -, que a criou e fundou por Decreto-Lei;
16ª) Sempre estaríamos aqui então, aquando da extinção da Ré, perante um caso de regulação omissa que a lei não prevê – caso estes que são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos, atento o disposto no n.º 1 do art. 10º do Código Civil;
17ª) Pelo que, por razões de justiça e em obediência ao princípio da igualdade, sempre se imporá ou imporia à extinção da Ré a aplicação da normas da revogação do mandato;
18ª) Por outras palavras, a extinção Ré levaria também à aplicação da regra constante da al. c) do art. 1172º do CC, que confere ao mandatário o direito a uma indemnização por revogação do mandato por parte do mandante;
19ª) Já no que toca á decisão tomada quanto à matéria de facto, o tribunal deu como não provada a matéria que constava dos quesitos 13º, 14º 15º e 16º;
20ª) Toda a matéria de facto constante dos referidos quesitos, e muito em especial a que consta dos quesitos 15º e 16º, deveria ter sido dada como provada, em face dos depoimentos prestados pelas testemunhas R.., M.. e P.. – e, não o tendo sido, deverão as respostas a tais quesitos ser alteradas, após reapreciação da matéria em causa e da respectiva prova gravada, dando-se os mesmos como provados;
21ª) Esta alteração consubstancia um aumento significativo e não despiciendo do grau de culpabilidade da Ré, traduzindo ainda novas circunstâncias que devem ser tidas em conta na fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com o disposto no art. 494º e 496º do CC – e que, no caso concreto, justificam que o valor da mesma indemnização seja elevado ou aumentado pelo menos para 50.000,00 €, sendo fixado pelo menos na referida quantia;
22ª) Seguindo estritamente o mesmo preciso critério estabelecido na sentença recorrida para a fixação da indemnização pelo dano sofrido com a revogação unilateral do mandato da A. ao serviço da Ré, o montante desta por virtude das remunerações que a A. deixou e deixará de auferir desde 1 de Setembro de 2011 até 31 de Dezembro de 2015, já descontado do valor da efectiva retribuição por si auferida ou a auferir ao serviço do IGFCSS entre tais datas, deverá ser fixado na quantia de 614.481,20 €;
23ª) Para fixação do valor global da indemnização, a este valor acresce a quantia de 33.750,00 €, estabelecida na decisão final constante da sentença, em c), correspondente ao valor global da redução ilícita do vencimento da A. ao serviço da Ré, entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de agosto de 2011;
24ª) E deverá ainda acrescer a quantia de 50.000,00 €, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais.
Termos em que o presente recurso deverá ser julgado procedente, sendo parcialmente revogada a sentença recorrida e condenada a Ré a pagar à A. a quantia global de 698.231,20 €, como é de J U S T I Ç A !
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente [ cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil - com as alterações introduzidas pelo DL nº 303/07, de 24 de Agosto - revogado que foi pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 7º, nº1, deste último diploma legal ] , as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - No recurso independente interposto por Fundação Cidade de Guimarães:
A) Se devem ser alteradas/modificadas as respostas dadas pelo tribunal a quo a concretos pontos de facto controvertidos, maxime às que incidiram sobre o perguntado nos quesitos 3º, 4º, 5º, 17º, 18º, 33º, 40º, 51º, 52º, 53º e 54º;
B) Aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao condenar a apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária a título de indemnização pelo dano sofrido com a revogação unilateral do mandato ao serviço da Ré, e isto porque nada obstava a que a Ré fizesse cessar as funções da autora e sem direito a qualquer compensação ou ressarcimento ;
C) Aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao condenar a apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária a título de indemnização por danos não patrimoniais;
D) Aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao condenar a apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária correspondente à redução da remuneração da apelada.
I - No recurso subordinado interposto por C.. :
A) Se devem ser alteradas/modificadas as respostas dadas pelo tribunal a quo a concretos pontos de facto controvertidos, maxime às que incidiram sobre o perguntado nos quesitos 13º, 14º, 15 º e 16º ;
B) Se a primeira instância incorreu em error in judicando ao levar em consideração, no tocante ao cálculo do montante da indemnização e medida da mesma, a anunciada extinção da Ré Fundação Cidade de Guimarães ;
C) Se a alteração da factualidade provada obriga a um aumento significativo do grau de culpabilidade da Ré, justificando assim que o valor da indemnização por danos não patrimoniais seja elevado para, pelo menos, o valor de 50.000,00 €.
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2.- Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foi considerada provada a seguinte factualidade:
2.1.- A Ré foi instituída pelo Decreto-Lei nº 202/2009, de 28 de agosto, sendo, nos termos do disposto no art. 1.º deste diploma, uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, com duração indeterminada, dotada de personalidade jurídica (al. A dos factos assentes).
2.2. - A Autora é, desde 1991, licenciada em gestão de empresas, com curso de pós graduação em direcção de empresas, concluído em 1999 (al. B dos factos assentes).
2.3. - Encontrava-se, em Agosto de 2009, a exercer funções profissionais na CCDRN - Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, onde auferia a remuneração mensal de 7.101,24 €, acrescida de subsídios de férias e de Natal (al. C dos factos assentes).
2.4.- A Autora foi designada pela Ré vogal executiva do Conselho de Administração desta, auferindo uma remuneração mensal fixa de € 12.500,00, paga catorze vezes durante cada ano (doze meses, acrescido de subsídios de férias e de Natal) (al. D dos factos assentes).
2.5. - Enquanto administradora da Ré a Autora tinha a seu cargo a gestão de toda a área administrativa e financeira da Ré, pela qual era responsável, competindo-lhe, ainda, substituir a Presidente do Conselho de Administração nos impedimentos desta (al. E dos factos assentes).
2.6.- A retribuição a que se alude em 2.4 foi reduzida para € 8.750,00, a partir de 1 de Janeiro de 2011 (al. F dos factos assentes).
2.7.- Em Agosto de 2011 o novo Presidente do Conselho de Administração da Ré, Professor J.., informou a Autora de que decidira designar novos vogais para o conselho de administração, designadamente, para o exercício das funções que a Autora vinha exercendo, e que iria fazê-lo (al. G dos factos assentes).
2.8.- Mais informou a Autora de que, por tal razão, as suas funções e o seu mandato cessariam com a tomada de posse do novo administrador por si escolhido e que também por si iria ser designado para o cargo que a Autora vinha exercendo (al. H dos factos assentes).
2.9. - O que veio a acontecer no dia 1 de Setembro de 2011, com a designação e tomada de posse do novo vogal executivo do Conselho de Administração da Ré - P.. - a qual foi, de imediato, do conhecimento da Autora (al. I dos factos assentes).
2.10.- A remuneração da Autora a que se alude em 2.4 foi fixada por despacho de 17-09-09 do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, pelo facto de, nessa data, não ter, ainda, tomado posse a Comissão de Vencimentos da Ré (al. J dos factos assentes).
2.11. - Nos termos desse despacho a retribuição fixada à Autora estava sujeita aos descontos e às retenções legais (al. K dos factos assentes).
2.12. - Após a tomada de posse da Comissão de Vencimentos, em reunião realizada para o efeito em 18 de Dezembro de 2009, esta deliberou ratificar a decisão a que se alude em 2.10 e atribuir aos vogais executivos do Conselho de Administração as seguintes remunerações e regalias:
- remuneração fixa, paga em catorze meses/ano, no valor fixado pelo despacho referido em 2.10;
- uso de uma viatura da Fundação especialmente afecta ao Conselho de Administração da mesma; e
- uso de telemóvel da Fundação especialmente afecto ao Conselho de Administração da mesma (al. L dos factos assentes).
2.13.- Em 16 de março de 2011 o Ministério da Cultura remeteu à Ré o ofício que constitui o documento de fls. 64 a 66, cujo teor se dá aqui por reproduzido, por via do qual comunicava um corte no orçamento da Ré de € 750.000,00 (al. M dos factos assentes).
2.14.- A redução da remuneração da Autora a que se alude em 2.6 foi decidida pela Comissão de Vencimentos da Ré, por deliberação tomada por unanimidade em 11-11-10, comunicada à Autora por carta enviada em 17-11-10, constante do documento de fls. 67, cujo teor se dá aqui por reproduzido (al. N dos factos assentes).
2.15.- A Autora está vinculada por contrato individual de trabalho, para o exercício de funções públicas, por tempo indeterminado, ao IGFCSS - Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, auferindo, como contrapartida da execução desse trabalho, a remuneração mensal de € 2.289,92, acrescida de diuturnidade de € 74,94 e de subsídio de alimentação de € 7,60 por 22 dias (al. O dos factos assentes).
2.16.- A Autora exercia as funções a que se alude em 2.3 em regime de comissão de serviço, por requisição ao IGFCSS - Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (resposta ao quesito 1.º).
2.17.- Ao qual se encontrava já vinculada nos termos referidos em 2.15 (resposta ao quesito 2.º).
2.18.- No decurso do processo de constituição da Ré, a Autora recebeu da pessoa que viria a desempenhar as funções de Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, a proposta de integrar o Conselho de Administração da Ré, para o primeiro mandato deste, a terminar em 31 de Dezembro de 2015 (resposta ao quesito 3.º).
2.19.- A Autora aceitou desempenhar as funções inerentes ao cargo, nos termos que lhe foram propostos (resposta ao quesito 4.º).
2.20.- Por esse motivo fez cessar a relação de comissão de serviço a que se alude em 2.16 (resposta ao quesito 5.º).
2.21.- Sendo designada tal como se alude em 2.4 em 1 de Setembro de 2009 (resposta ao quesito 6.º).
2.22.- Teor dos documentos de fls. 85 (despacho da Ex.ma Sr.ª Presidente do Conselho de Administração a designar a Autora como vogal executiva desse órgão da Ré), 86 (auto de posse da Autora como vogal executiva do Conselho de Administração da Ré) e dos Estatutos da própria Ré (publicados no D.R. 1.ª Série, n.º 167, de 28 de Agosto de 2009, cuja cópia consta de fls. 16 a 22) (cfr. resposta ao quesito 7.º).
2.23. - À remuneração mensal fixa a que se alude em 2.4 acresceria, para a Autora, o direito ao uso de:
- uma viatura automóvel, com seguro, portagens, parqueamento e, pelo menos, 200 litros de combustível mensal; e
- um telemóvel (resposta ao quesito 8.º).
2.24.- Tais prerrogativas tinham um valor médio mensal na ordem dos € 1.450,00 (resposta ao quesito 9.º).
2.25.- A Autora passou a receber a retribuição consubstanciada no valor a que se alude em 2.4 e a beneficiar das prerrogativas a que se alude em 2.23, com o valor mencionado em 2.24, a partir de Setembro de 2009, inclusive (resposta ao quesito 10.º).
2.26.- A Autora, na sequência do referido em 2.9, regressou ao seu lugar no IGFCSS - Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (resposta ao quesito 11.º).
2.27.- Ali passando a trabalhar em conformidade com o descrito em 2.15 (resposta ao quesito 12.º).
2.28.- A Autora, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, sofreu profunda perturbação, com reflexos na sua saúde, no seu bem estar e na sua qualidade de vida (resposta ao quesito 17.º).
2.29.- Vendo, pelo mesmo motivo, afectada a sua realização profissional (resposta ao quesito 18.º).
2.30.- Quer o uso da viatura, quer o uso do telemóvel a que se alude em 2.23, destinavam-se apenas ao serviço da Fundação e ao melhor desempenho do cargo por parte da Autora (resposta ao quesito 19.º).
2.31.- O uso da viatura destinava-se, ainda, a permitir à Autora deslocar-se de casa para a Fundação e vice-versa, possuindo a Autora outro veículo automóvel para deslocações particulares (resposta ao quesito 20.º).
2.32.- Em Fevereiro de 2010 a Fundação assinou com A O.., C.I.P.R.L. um protocolo, entendido como conjunto das bases para o estabelecimento de uma parceria estratégica entre ambas as instituições (resposta ao quesito 29.º).
2.33.- Nos termos desse protocolo competiria à Fundação Cidade de Guimarães definir os conteúdos programáticos da Capital Europeia da Cultura 2012 e garantir a sua pertinência e coerência, enquanto que à Oficina seria cometido o encargo de produzir o programa (resposta ao quesito 30.º).
2.34.- Em Julho e Agosto de 2010, o Director de A Oficina e o Director de Projecto da Fundação trabalharam num documento relativo à metodologia que deveria concretizar aquele modelo de implementação da Capital Europeia da Cultura (resposta ao quesito 31.º).
2.35.- A Fundação Cidade de Guimarães propôs, entretanto, à CCDRN um protocolo de financiamento em que se previa que a responsabilidade de A Oficina na produção do programa fosse de dois milhões de euros, de um total de vinte milhões (resposta ao quesito 32.º).
2.36.- A entidade A Oficina esperou que o protocolo fosse revisto, em sede de reprogramação (resposta ao quesito 33.º).
2.37.- Em face dessa posição teve lugar, em Novembro de 2010, uma reunião na CCDRN, com a presença de um dos Vice-Presidentes e técnicos da CCDRN, dos três Administradores Executivos da Ré, do Director de Projecto da Fundação e do Director de A Oficina e respectiva assessoria jurídica (resposta ao quesito 34.º).
2.38.- Nessa reunião foi afirmado pelo membro da CCDRN, Professor M.., que nada impedia que a participação de A Oficina na produção da Capital Europeia da Cultura fosse ampliada para os limites que as partes acordassem (resposta ao quesito 35.º).
2.39.- A convicção da maioria dos participantes nessa reunião foi a de que, a partir desse momento, seria possível voltar à pretensão inicial, consubstanciada na atribuição da implementação do Programa à A Oficina, enquanto estrutura radicada em Guimarães (resposta ao quesito 36.º).
2.40.- A Fundação entendeu, contudo, estabelecer o limite de 50% para a participação de A Oficina na produção do evento, por decisão comunicada pela sua Presidente (resposta ao quesito 37.º).
2.41.- Na sequência do que, a 30 de Dezembro de 2010, em Adenda ao Protocolo referido em 35, a Fundação regulou a participação de A Oficina na produção de projectos da CEC no valor de cerca de dez milhões de euros (resposta ao quesito 38.º).
2.42.- Ainda assim, a celebração do protocolo com A Oficina, destinado a regular a forma de toda a operação de produção do programa, foi sendo sucessivamente protelada pela Fundação (resposta ao quesito 39.º).
2.43.- A dada altura, a questão passou a ser conduzida pela Presidente da Fundação e pelo Administrador com o pelouro do programa, Professor J.. (resposta ao quesito 41.º).
2.44.- Vindo o Protocolo de colaboração entre a Fundação e A Oficina, datado de 15 de Junho de 2011, a ser assinado pela Presidente da Fundação e pelo referido Administrador, mas não pela Autora (resposta ao quesito 42.º).
2.45.- As dificuldades de execução de actividades públicas, os sucessivos atrasos em respostas a solicitações variadas, os episódios que marcaram a imagem da Fundação e da cidade, criaram a convicção, na cidade e na Câmara Municipal de Guimarães, que a Fundação não possuía estruturas capazes de garantir a produção dos projectos que os seus programadores tinham proposto (resposta ao quesito 43.º).
2.46.- Por tal facto, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães insistiu, a partir de certa altura, na necessidade de conferir maior peso de A Oficina na produção da CEC (resposta ao quesito 44.º).
2.47.- Fazendo-o depois de se assegurar junto da CCDRN que nada impedia a elevação do montante a produção pela A Oficina, que poderia ser superior aos 50% a que se alude em 40, com o único intuito de obter garantias suplementares de que a CEC 2012 seria um acontecimento organizado de forma rigorosa e competente (resposta ao quesito 45.º).
2.48.- Nesse contacto com a CCDRN o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães obteve informação de que o processo de reprogramação e apresentação de candidaturas estava atrasado (resposta ao quesito 46.º).
2.49.- Em 28 de Junho de 2011, o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães foi alertado pela CCDRN para a falta de um documento sem o qual não seria possível celebrar o Protocolo de Financiamento relativo à candidatura do programa de acção Guimarães 2012 (resposta ao quesito 47.º).
2.50.- Tal documento resumia-se à identificação dos outorgantes (resposta ao quesito 48.º).
2.51.- Em resultado da intervenção do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães o documento foi finalmente enviado a 30 de Junho de 2011, embora datado de 15 de Junho (resposta ao quesito 50.º).
2.52.- O Director do Projecto, Dr. C.., demitiu-se, não acreditando na forma da execução de tal projecto (resposta ao quesito 51.º).
2.53.- Foi também essa a convicção do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, que, em Julho de 2011, manifestou a intenção de pedir ao Conselho Geral que procedesse à cessação do mandato da Presidente da Fundação Cidade de Guimarães e, consequentemente, de toda a Administração (resposta ao quesito 52.º).
2.54.- Foi decidido fazer cessar o mandato da Autora, em conformidade com o que consta do referido em 2.7, em 2.8 e em 2.9 (respostas aos quesitos 53.º e 54.º).
2.55.- A Autora, depois de recebida a carta referida em 2.14, e enquanto responsável pela área financeira, deu instruções aos serviços contabilísticos internos da Fundação, para procederem à alteração das remunerações que fora determinada (resposta ao quesito 55.º).
2.56.- A Autora, enquanto responsável pela movimentação das contas bancárias da Fundação e respectivos pagamentos, efectuou, de forma mensal e reiterada, em conjunto com a Presidente da Fundação, as transferências correspondentes ao seu salário líquido (resposta ao quesito 56.º).
2.57.- Não manifestando, em nenhum momento, oposição expressa à redução remuneratória (resposta ao quesito 57.º).
2.58.- Desde o início da constituição da Ré ficou estabelecido dentro do respectivo Conselho de Administração que a representação institucional da Fundação pertencia à Presidente da Fundação e não à Autora (resposta ao quesito 59.º).
2.59.- Não sendo da competência da Autora, como tal, enviar cartas aos Ministros ou aos Ministérios (resposta ao quesito 60.º).
2.60.- O envio do ofício a que se alude em 2.13 foi precedido de uma reunião ocorrida no Ministério da Cultura, na qual estiveram presentes, em representação da Ré, a Autora, o Ex.mo Senhor Dr. J.., Presidente do Conselho Geral da Ré, a então Presidente da Fundação e do seu Conselho de Administração, Dr.ª C.., o então vogal do Conselho de Administração da Ré e actual Presidente Fundação e do seu Conselho de Administração, Professor J.., o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães e membro do Conselho Geral da Fundação, Ex.mo Sr. Dr. A.., e, em representação do Ministério, a Ex.ma Senhora Ministra Dr.ª G.. (resposta ao quesito 61.º).
2.61.- Nessa reunião a Ex.ma Sr.ª Ministra comunicou o facto de estar previsto o corte orçamental que veio a ser comunicado pelo referido ofício (resposta ao quesito 62.º).
2.62.- A Autora, relativamente à questão do corte orçamental, elaborou uma proposta de resposta ao Ministério da Cultura, que dirigiu e enviou à Presidente da Fundação e do Conselho de Administração da Ré (resposta ao quesito 63.º).
2.63.- Que, por seu turno, remeteu-a ao então vogal executivo do Conselho de Administração e actual Presidente da Fundação e do Conselho de Administração, Professor J.., para conhecimento e discussão a efectuar posteriormente (resposta ao quesito 64.º).
2.64.- Não tendo a Autora tomado qualquer decisão sobre o envio ou não envio dessa proposta, atento o referido em 58 e 59 (resposta ao quesito 66.º).
2.65.- O corte orçamental comunicado por via do ofício referido em 2.13 não inviabiliza o desenvolvimento da actividade da Fundação (resposta ao quesito 68.º).
2.66.- Pelo facto de os contratos de financiamento, quer os já celebrados pelo Conselho de Administração da Fundação, com a sua anterior composição, quer os que estavam em vias de aprovação, conterem verba suficiente para suportar o corte (resposta ao quesito 69.º).
2.67.- E em virtude da forma como foi efectuada a previsão orçamental pelo mesmo Conselho de Administração (resposta ao quesito 70.º).
2.68.- De seguida à recomposição do Conselho de Administração, ocorrida em Agosto de 2011, a Ré contratou novos colaboradores (resposta ao quesito 71.º).
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3.- Do recurso independente interposto por Fundação Cidade de Guimarães.
3.1.- Se devem ser alteradas/modificadas as respostas dadas pelo tribunal a quo a concretos pontos de facto controvertidos, maxime às que incidiram sobre o perguntado nos quesitos 3º, 4º, 5º, 17º, 18º, 33º, 40º, 51º, 52º, 53º e 54º.
Compulsadas as alegações e conclusões da Ré/apelante, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, impugna a recorrente diversas respostas da primeira instância dirigidas a concretos pontos de facto controvertidos .
Analisadas as apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu minimamente a apelante Fundação Cidade de Guimarães, as regras/ónus processuais a que alude o artº 685º-B, do CPC ( aditado ao CPC pelo DL 303/2007, de 24/8), quer indicando os concretos pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham/obrigavam a uma decisão diversa da recorrida, quer , finalmente , indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pela apelante indicadas, procedeu também a recorrente à indicação (com referência ao assinalado na acta ) das passagens da gravação efectuada nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, e porque verificados os requisitos a que alude a alínea a), do nº1, do artº 712º, do CPC, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados pela apelante.
Ora bem.
Os quesitos adiante mencionados mereceram do tribunal a quo as respostas que igualmente se indicam de seguida, sendo elas as seguintes :
3- Aquando da constituição da Ré, a Autora recebeu daquela a proposta no sentido de integrar o seu conselho de administração, para o primeiro mandato deste, a terminar em 31 de Dezembro de 2015?
Resposta : Provado que, no decurso do processo de constituição da Ré, a Autora recebeu da pessoa que viria a desempenhar as funções de Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, a proposta de integrar o Conselho de Administração da Ré, para o primeiro mandato deste, a terminar em 31 de Dezembro de 2015.
4.- Aceitando a Autora desempenhar as funções de gestão, nos termos propostos pela Ré?
Resposta : Provado que a Autora aceitou desempenhar as funções inerentes ao cargo, nos termos que lhe foram propostos.
5.- Por esse motivo fez cessar a relação de comissão de serviço a que se alude em 1?
Resposta :Provado
17- Tal actuação da Ré tem causado à Autora profunda perturbação, com reflexos na sua saúde, no seu bem estar e na sua qualidade de vida ?
Resposta : Provado apenas que a Autora, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, sofreu profunda perturbação, com reflexos na sua saúde, no seu bem estar e na sua qualidade de vida.
18- Vendo a Autora afectada a sua realização profissional ?
Resposta : Provado que vendo, pelo mesmo motivo, afectada a sua realização profissional.
33.- Esperou a Oficina que o protocolo fosse revisto, em sede de reprogramação, mas a Autora, como Administradora Financeira da Fundação, passou a defender que A Oficina não poderia jamais ultrapassar a percentagem de valores subjacente ao referido em 32? Resposta : Provado o que consta da resposta dada ao quesito 32.º e que a entidade A Oficina esperou que o protocolo fosse revisto, em sede de reprogramação.
40.- Em razão da oposição da Administradora Administrativa e Financeira, a quem competia conduzir as negociações para a celebração do referido documento?
Resposta : Não Provado
51.- Em razão do atraso verificado, de um semestre, o Director do Projecto, C.., demitiu-se, invocando o facto de ter deixado de acreditar na sua execução?
Resposta : Provado que o Director do Projecto, Dr. C.., demitiu-se, não acreditando na forma da execução de tal projecto.
52.- Foi também essa a convicção do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, quando pediu ao Conselho Geral que procedesse à cessação do mandato da Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, em Julho de 2011 e, consequentemente, de toda a administração?
Resposta : Provado que foi também essa a convicção do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, que, em Julho de 2011, manifestou a intenção de pedir ao Conselho Geral que procedesse à cessação do mandato da Presidente da Fundação Cidade de Guimarães e, consequentemente, de toda a Administração.
53.- Porque era imperativo levar a bom termo o Programa de Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura e porque o tempo necessário para tal não o permitiria dado o imperativo legal de tomada de posse do novo Presidente e o de reunir o Conselho Geral, decidiu-se fazer cessar o mandato da Autora?
54.- A tal se devendo o descrito em G, H e I ?
Respostas ( ao 53 e 54 ): Provado que foi decidido fazer cessar o mandato da Autora, em conformidade com o que consta das alíneas G, H e I dos factos assentes.
Dissentindo de todas elas ( das referidas respostas) , considera a apelante que, em razão da prova produzida, maxime do depoimento das testemunhas que indica, antes deveria a primeira instância ter respondido aos concretos pontos de facto supra referidos da seguinte forma :
Quesitos : 3º, 4º, 5º ,17º e 18º : Não Provados.
Quesitos : 33º, 40º, 51º, 52º, 53º e 54º : Provados.
I- Ora, reapreciada que foi a prova na qual assentou a impugnação da apelante e, bem assim, outros elementos probatórios que serviram de fundamento à decisão do tribunal a quo, e iniciando a nossa análise pelo ponto de facto correspondente ao quesito 3º, importa desde logo deixar claro que não se considera de todo que a resposta do a quo exceda o âmbito da factualidade nele vertida , antes configura ela - antes pelo contrário - uma mera resposta restritiva ( em termos qualitativos ),ou seja, que foi a autora convidada a integrar o conselho de administração da Ré , não na sequência de convite proveniente da própria Ré, mas emanado de alguém que apenas mais tarde viria a desempenhar as funções de Presidente da Fundação Cidade de Guimarães.
Porque, como é consabido, nada obriga a que as respostas conferidas a quesitos devam necessariamente ser afirmativas ou negativas, podendo outrossim serem restritivas ou mesmo explicativas, desde que inseridas no âmbito da matéria quesitada ( o que é o caso ) , e , ademais, porque do depoimento prestado por T..( minuto 2.25 ) mostra-se a resposta do a quo perfeitamente ancorada em prova produzida, impõe-se a improcedência da impugnação no que ao quesito 3º diz respeito.
II - Passando agora ao ponto de facto/quesito 4º, porque efectivamente ( em face da resposta ao perguntado no quesito 3º ) o convite à autora não lhe foi dirigido pela Ré, e em consonância/harmonia com a resposta conferida ao perguntado no quesito anterior, justifica-se assim uma diferente resposta, porque mais precisa e insusceptível de contradição com a resposta restritiva anterior.
Destarte, ao perguntado no quesito 4º (“Aceitando a Autora desempenhar as funções de gestão, nos termos propostos pela Ré “? ) , deve antes responder-se “ Provado apenas que a Autora veio a aceitar exercer as funções inerentes ao cargo e nos termos da proposta a que alude a resposta ao perguntado no quesito 3º “.
III - De igual modo, e exactamente pelas mesmas razões que justificaram a alteração da resposta da primeira instância conferida ao perguntado no quesito 4º ( porque inquestionavelmente o perguntado no quesito 4º mostra-se interligado com o perguntado no quesito anterior), deve outrossim ao ponto de facto do quesito 5º antes responder-se “ Provado apenas que , na sequência da resposta ao perguntado no quesito 4º, a autora fez cessar a relação de comissão de serviço a que se alude em 1”.
IV - Incidindo agora a nossa atenção sobre as respostas conferidas ao perguntado nos quesitos 17º e 18º , considera a impugnante que, no seguimento das respostas negativas ( de “Não Provado” ) conferidas a todos os quesitos precedentes ( 13º a 16º) , e em coerência ( porque nada se provou no tocante a uma qualquer “actuação” censurável da Ré ), “obrigado” estava também o tribunal a quo a responder negativamente ( “Não Provado”) ao perguntado nos quesitos 17º e 18º.
Recordando, em dois dos quesitos anteriores (o 15º e o 16º ) considerados como “Não Provados”, perguntava-se se a “ Ré não explicitou as circunstâncias da cessação do mandato conferido à Autora?” , e , bem assim, se a destituição da autora surgiu “publicamente como uma agressão da Ré contra a sua competência profissional, a sua capacidade de liderança e de gestão e o seu bom nome e prestígio?”.
Recordando outrossim quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do Exmº Juiz a quo no tocante a ambos os pontos de facto 17º e 18º, e no despacho a que alude o nº 2, do artº 653º, do CPC, foram eles especificados nos seguintes termos :
“ (…)
Os efeitos que a cessação do mandato da Autora ao serviço da Ré acarretou para aquela resultaram evidenciados pelos depoimentos das testemunhas Eng. P.., Dr. R.. e Dr.ª M...
Assim, referiu a primeira testemunha (que é amiga da Autora e que já foi colega de trabalho da mesma) que “conhecendo a Autora como conhece, não tem dúvidas de que terá ficado afectada”, sendo que chegou a falar com a mesma “e sentiu-a traumatizada, até pela auto-exigência que impõe à sua conduta”.
Por seu turno, a testemunha Dr. R.. (marido da Autora) referiu que o impacto da situação na Autora “foi tremendo”, sendo que a sua esposa entrou “num ambiente depressivo, desligou-se de tudo e de todos”, passando por uma fase em que “não dormia e emagreceu”, facto que a própria testemunha justificou com a circunstância de a Autora ter ocupado sempre “cargos de direcção” e de “tudo isto” ter acabado “numa tarde, depois de uma conversa com o Professor J..”, estando a mesma a desempenhar neste momento funções que se “não compaginam com as funções exercidas durante mais de 20 anos”.
Finalmente, a testemunha Dr.ª M.., colega de trabalho da Autora no IGFCSS, referiu que quando a Autora regressou ao trabalho “tinha um aspecto debilitado”,apresentando-se “magra”, “com olheiras”, sendo que a médica da medicina do trabalho, “só pelo aspecto, achou que ela devia pedir uma baixa”, concluindo a testemunha que “isto afectou-lhe a carreira”, pois que a Autora teve uma “carreira profissional ascendente e neste momento vê tudo a cair por terra”.
Ou seja, todas estas testemunhas, com fortes ligações à Autora, e depondo com credibilidade, confirmaram as repercussões que a cessação do mandato exercido pela mesma no Conselho de Administração da Ré acarretou para a mesma, nos termos que constam das respostas dadas aos quesitos correspondentes.”
Ora, antes de mais, importa dizer que a resposta do tribunal a quo direccionada para os quesitos 17º e 18º, e ao restringir a “actuação da Ré” ao acto de cessação das funções da autora no Conselho de Administração da Ré, não apenas se mostra inserida também no âmbito da actuação da Ré invocada em pontos de facto anteriores (o 13º e o 15º), como de alguma forma limita-se a circunscrever/limitar os “efeitos” a seguir enunciados como apenas relacionados com a “causa” da cessação das funções.
Logo, de todo a resposta negativa ao perguntado nos quesitos 13º a 16º obrigava outrossim (a fortiori) a uma resposta negativa ao perguntado nos quesitos 17º e 18º.
Por outra banda, reapreciados os depoimentos das testemunhas indicadas pela apelante e aqueloutros que serviram de fundamento à decisão do a quo sobre os pontos de facto - 17º e 18º - impugnados, importa reconhecer que a convicção do julgador da primeira instância mostra-se perfeitamente amparada na prova testemunhal produzida, maxime nos depoimentos de P.., R.. e M.., tendo todas estas testemunhas aludido a diversos factos que atestavam as influências “nocivas” para o bem estar da autora/C.. e decorrentes do acto da Ré de cessação das respectivas funções.
É assim que, v.g. a testemunha Dr.ª M.., foi peremptória em atestar o aspecto debilitado da autora, afirmando que se apresentou ela “magra” e com “olheiras”.
O acabado de expor, porém , a nosso ver, e porque em rigor de meros juízos de valor e/ou conclusivos se tratam, não permite que se venha a dar como provado que com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, a autora viu afectada a sua saúde, o seu bem estar e a sua qualidade de vida, e isto porque só os factos concretos podem ser objecto de prova, que não os “ juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos “, pois que, todos eles importam uma actividade que é de todo “estranha e superior à simples actividade instrutória “ . (1)
É que, se no quesito se incluíssem juízos conclusivos, que não factos materiais, ou , como bem nota Temudo Machado (2), integrasse ele “(…)a conclusão , em vez de conter os silogismos primários de que ela deriva, as testemunhas viriam a ser interrogadas, não a respeito de factos susceptíveis de ser captados pelos sentidos, mas a respeito de juízos de valor formados sobre aqueles factos. “.
A autora, porém, no respectivo articulado ( e como lhe competia - cfr. artº 264º, do CPC ), nenhuns factos concretos alegou ( antes concluiu no artº 55º da petição que sofreu severos reflexos na saúde, no bem estar e na qualidade de vida ) susceptíveis de, e após a competente prova ( vg. que deixou de comer e de dormir, que entrou em depressão tendo sido necessariamente medicada, que deixou de conviver e de confraternizar com terceiros e amigos, fechando-se em casa, etc., etc.) , permitir ao julgador em sede de sentença concluir que o acto da ré veio efectivamente a desencadear/causar perturbações sérias na saúde, no bem estar e na qualidade de vida da autora.
Em razão do acabado de expor, temos assim como inevitável [ em razão do disposto no artº 646º,nº4, do CPC (3) ] alterar a decisão do tribunal de 1ª instância no tocante aos pontos de facto dos quesitos 17º e 18º .
Procedendo, portanto, parcialmente, a impugnação da decisão de facto da primeira instância no tocante aos concretos pontos de facto dos quesitos 17º e 18º , devem as respectivas respostas serem as seguintes :
17- Tal actuação da Ré tem causado à Autora profunda perturbação, com reflexos na sua saúde, no seu bem estar e na sua qualidade de vida ?
Resposta : Provado apenas que a Autora, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, ficou profundamente perturbada.
18- Vendo a Autora afectada a sua realização profissional ?
Resposta : Provado apenas que, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, sentiu a autora afectada a sua realização profissional.
V - Passando agora aos pontos de facto dos quesito 33º e 40 º, e ao invés do entendimento da apelante, temos para nós que do conjunto da prova testemunhal produzida nada permite concluir que as respostas do tribunal a quo sejam o resultado de um qualquer erro na apreciação das provas, antes reflectem ambas, em rigor , a aplicação pelo Julgador do princípio a que alude o artº 516º, do CPC.
Acresce que, a própria testemunha ( J.. ) de cujo depoimento se socorre a apelante para sustentar a impugnação que dirige directamente à resposta do quesito 33º, não revela qualquer segurança no tocante à razão de ciência invocada, antes limita-se a dizer que “não podendo afirmar se o atraso se devia por acção directa da Doutora C.., eu conclui na altura que sim devia-se à oposição da Doutora C...”
Ora, se a conclusão da testemunha J.., de alguma forma, vem a ser infirmada/contrariada pelos depoimentos de outras testemunhas ( maxime o da Drª T.., que foi peremptória em dizer que, sendo certo que foram importantes as competências da Drª C.., não fazia porém sentido exorbitá-las a ponto de a pôr a tomar decisões que não lhe competiam e que resultaram antes de proposta do Prof. J.., e que de resto foi votada unanimemente pelo Conselho de Administração), forçoso é concluir do mesmo modo como o fez a primeira instância, ou seja, que “ Da prova produzida em julgamento não resultou claro, deste modo, que a opção pelos termos do concreto financiamento a que se alude em na resposta ao quesito 33.º fosse especificamente da Autora, tanto mais que no documento de fls. 87, que constitui uma comunicação electrónica da autoria da testemunha Professor J.., é esta testemunha e não a Autora quem surge a apresentar, como “proposta de trabalho”, a quantia de “2 milhões para a oficina”, como apta a responder “às necessidades técnicas comuns”.
Destarte, no seguimento do exposto, e porque no tocante ao quesito 40.º, também nenhuma das testemunhas inquiridas ( designadamente o J.. ) foi clara, precisa e convincente a ponto de se imputar em exclusivo à autora a responsabilidade pelo protelamento na celebração do protocolo com A Oficina, improcede a impugnação da apelante dirigida para as respostas conferidas ao perguntado nos quesitos 33º e 40º .
VI - Com referência ao ponto de facto do quesito 51º, que mereceu da parte do a quo uma resposta restritiva, escudando-se novamente no depoimento de J.., considera porém a apelante que se impunha antes uma resposta positiva de “Provado”.
Sucede que, estando em causa a ligação da demissão do Director do Projecto, C.., ao atraso verificado no projecto e de cerca de um semestre, a prova produzida não permite de todo estabelecer tal conexão/ligação, e isto com foros de consistência e de elevada probabilidade.
Desde logo, diversos depoimentos existem que afastam a apontada ligação, pondo designadamente em causa a existência sequer de um qualquer atraso de seis meses, antes referem a diversas outras razões que terão estado na base da decisão de C.. ( cfr. v.g. o depoimento de T.. e até do próprio C.., tendo este último deixado claro que, no essencial, entendeu não ter mais condições para continuar no projecto, pois que as suas opiniões não vingavam - minutos 36.40 e segs).
De resto, a própria testemunha J.., ao debruçar-se sobre as concretas razões da demissão do Director do Projecto, C.., focalizou-as antes no facto de este último ter considerado - em razão das metodologias de trabalho que estavam s ser seguidas - que não tinha mais condições para continuar em funções.
Em razão do referido, e sem necessidade de atender a todos os elementos probatórios que serviram de fundamento à decisão ora em análise, nada permite portanto concluir que o referido concreto ponto de facto tenha sido incorrectamente julgado, tendo designadamente existido um qualquer erro na apreciação das provas.
Destarte, a impugnação da apelante dirigida para o ponto de facto correspondente ao quesito 51º deve improceder.
VII - Por fim, invocando - implicitamente - existir erro na apreciação das provas e consequente julgamento incorrecto no tocante aos pontos de facto dos artºs 52º a 54º da Base instrutória, impetra novamente a apelante a modificação das respectivas respostas, e , mais uma vez, ancora a ratio da sua divergência do depoimento de J.. .
Sucede que, ouvido o depoimento de J.., não se descobre nele a referência concreta a quaisquer atrasos na execução do projecto como tendo sido determinantes para o pedido do Presidente da Câmara Municipal de Guimarães dirigido ao Conselho Geral e no sentido de proceder à cessação do mandato da Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, e , ademais, quando questionado se sobre o assunto chegou a conversar directamente com o senhor Presidente da Câmara, respondeu negativamente.
Não permitindo portanto o depoimento de J.. alicerçar um qualquer erro na apreciação da prova, mostra-se em ultima análise bem “justificada” a convicção do Exmº Juiz a quo, quando no tocante aos quesitos ora em análise entendeu não dever estabelecer-se um qualquer nexo de causalidade entre a “imperatividade de levar a bom termo o Programa de Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura” e o facto de “o tempo não o permitir”, por um lado, e a decisão de fazer cessar o mandato da Autora, por outro lado”.
Destarte, a impugnação da apelante dirigida para os pontos de facto correspondentes aos quesito 52º a 54º deve improceder outrossim.
Resumindo e em conclusão, dir-se-á que no âmbito da impugnação - da Fundação Cidade de Guimarães -, da decisão do a quo relativa à matéria de facto, os ganhos obtidos são os seguintes :
- quesito 4º = Provado apenas que a Autora veio a aceitar exercer as funções inerentes ao cargo e nos termos da proposta a que alude a resposta ao perguntado no quesito 3º ;
- quesito 5º = Provado apenas que, na sequência da resposta ao perguntado no quesito 4º, a autora fez cessar a relação de comissão de serviço a que se alude em 1;
- quesito 17º = Provado apenas que a Autora, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, ficou profundamente perturbada.
- quesito 18º = Provado apenas que, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, sentiu a autora afectada a sua realização profissional.
4.- Do recurso subordinado interposto por C.. .
4.1.- Se devem ser alteradas/modificadas as respostas dadas pelo tribunal a quo a concretos pontos de facto controvertidos, maxime às que incidiram sobre o perguntado nos quesitos 13º, 14º, 15 º e 16º .
Tendo a autora, em sede de recurso subordinado, impugnado a decisão do a quo relativa à matéria de facto, e , mostrando-se ( no âmbito da instância recursória ) cumpridos os ónus a que alude o artº 685º-B, do CPC, importa de seguida aferir da pertinência dos fundamentos invocados.
Recordando, insurge-se a recorrente contra o facto de todos os quesitos a seguir indicados terem sido julgados não provados, quando, no respectivo entendimento e com base nos depoimentos de R.., M.. e P.., antes se impunha que tivessem todos eles sido julgados provados, sendo que em cada um deles perguntava-se :
“ 13. A cessação do mandato da Autora ao serviço da Ré foi precedida e rodeada de um mediatismo e de declarações públicas negativas para o bom nome e a imagem, pessoal e profissional, da Autora?
14. Jornais e estações de rádio e de televisão acompanharam e deram notícias, algumas em directo, sobre uma pretensa demissão de administradores da Ré, Autora incluída?
15. A Ré não explicitou as circunstâncias da cessação do mandato conferido à Autora?
16. Surgindo a sua destituição publicamente como uma agressão da Ré contra a sua competência profissional, a sua capacidade de liderança e de gestão e o seu bom nome e prestígio?.
Ora, ouvidos que foram os depoimentos das testemunhas indicadas pela apelante , temos para nós que nada justifica que a qualquer um dos pontos de facto supra referidos se deva responder de um forma totalmente positiva.
Desde logo, nenhuma das testemunhas em causa aludiu e concretizou quaisquer declarações públicas negativas para o bom nome e a imagem, pessoal e profissional, da Autora, e , de igual modo, nenhuma delas referiu/identificou outrossim uma qualquer noticia que tenha relacionado a cessação de funções da autora como equivalente a uma sua destituição ancorada em razões de falta de competência profissional e ou de capacidade de liderança e de gestão da autora.
No essencial, dir-se-á que, de todos os referidos depoimentos, apenas se pode retirar que a cessação de funções de elementos do Conselho de Administração da Ré foi assunto que foi objecto de noticia, isto por um lado e, por outro , que as razões da cessação do mandato conferido à Autora não foram tornadas publicas [ cfr, depoimentos de R.., M.. e P.. ].
Consequentemente, procedendo parcialmente a impugnação da apelante C.., aos supra indicados e concretos pontos de facto deve antes responder-se :
Quesito 13º- Não Provado.
Quesito 14º - Provado apenas que a cessação do mandato de administradores da Ré foi noticiada pela comunicação social.
Quesito 15º - Provado apenas que a Ré não explicitou , publicamente, as circunstâncias da cessação do mandato conferido à Autora.
Quesito 16º - Não Provado.
*
5.- Motivação de Direito ( Do recurso principal/independente de Fundação Cidade de Guimarães )
5.1. - Terá o tribunal a quo incorrido em error in judicando, ao condenar a apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária a título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido com a revogação unilateral do mandato ao serviço da Ré ?
Rememorando o thema decidendum e a consequente decisão/sentença da primeira instância, tendo a autora na sequência de convite que lhe foi dirigido e que aceitou, passado a exercer funções como vogal executiva do Conselho de Administração da Ré, tomando posse a 1/9/2009 e para desempenho de mandato a terminar a 31/12/2015, porque porém o referido mandato foi pela Ré - e unilateralmente - “cessado” a 1/9/2011, veio a autora/apelada demandar a Fundação Cidade de Guimarães pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização respeitante aos danos - patrimoniais e não patrimoniais - decorrentes da referida cessação inesperada e extemporânea de funções.
Discutida a causa, veio o tribunal a quo a julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação da ré Fundação Cidade de Guimarães a pagar à Autora, a título de indemnização dos prejuízos sofridos com a revogação unilateral do contrato, o valor de 224.541,20€, eventualmente acrescido do que resultar do facto de a extinção ocorrer mais tarde, mas sempre até 31 de Dezembro de 2015 , e , a título da redução ilícita do vencimento da autora entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011 , o valor de 33.750,00€ , acrescendo ainda a quantia de €10.000,00 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais.
Para tanto, recorda-se, e em sentença - é justo/merecido reconhecê-lo - bem estruturada e competentemente fundamentada, considerou-se que nada obstando a que a Ré/apelante viesse a pôr termo à relação jurídica estabelecida entre Autora e Ré ( relação de administração ancorada em negócio jurídico unilateral da responsabilidade do Presidente da Ré ), quer em razão do disposto nos artºs 257º, nº1 e 403º, nº1, ambos do CSC, quer do preceituado nos artºs 170º, nº 2, 1170º, nº1 e 1172º,alínea c), todos do Código Civil, quer ainda do fixado em concretas disposições gerais ( atinentes à Organização e funcionamento da Ré - maxime as dos artrºs 26º, nº2, 30º e 34º) dos Estatutos da Ré (4), a licitude da revogação do mandato da autora não desobrigava/isentava porém a Ré de compensar/indemnizar a ora apelada em razão da cessação de funções “imposta”.
Explicitando melhor o entendimento vertido na sentença apelada, o direito indemnizatório da autora/apelada seria sempre devido à luz e por força de qualquer um dos acima indicados normativos do Código Civil [ artºs 170º, nº 2 e 1172º, alínea c) ] , e isto porque, por um lado e com referência ao primeiro dispositivo citado, e em face do disposto no artº 30º (5) dos Estatutos da Ré, quando mais não seja a contrario sensu, forçoso é concluir que a destituição de um membro do conselho de administração quando não ancorada em motivo de violação grave ou reiterada, por acção ou omissão, da lei ou dos Estatutos da Fundação, implica já a atribuição de uma compensação pela cessação de funções.
Por outra banda, e agora à luz do artº 1172º, alínea c), do Código Civil, porque revogado o mandato pelo mandante (Fundação Cidade de Guimarães), ser ele in casu oneroso e ter sido conferido por certo tempo ( até 31/12/2015), “obrigada” estava a apelante, outrossim, a indemnizar a autora/apelada do prejuízo sofrido, ou seja, a ressarcir a mandatária dos danos causados.
Em síntese, no âmbito da sentença apelada, sendo a nomeação - pelo Presidente da Fundação - dos vogais do conselho de administração ( cfr. artº 26º dos Estatutos) da Ré praticamente arbitrária, razão porque o poder de sentido contrário de revogação unilateral do competente mandato constituirá em rigor o correspectivo adequado ao referido poder de nomeação, já a cessação do Mandato - quando não consubstancie efectiva destituição ancorada em fundamentos subsumíveis ao nº1, do artº 30º, dos Estatutos - antes de decorrido o prazo de duração do mesmo, ainda que de facto lícito se trate, atribui ao vogal exonerado o direito a uma indemnização .
E, no que à indemnização propriamente dita concerne, e estando em causa um mandato conferido por certo tempo, então - no entender do tribunal a quo (6) - o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário, ou seja, a indemnização pelos prejuízos causados consistirá por regra na retribuição que o mandatário perdeu, o que , aduz-se na sentença apelada , tem sido de resto o entendimento já sufragado pela jurisprudência conhecida.(7)
Ora, não obstante a consistência e a pertinência [ os quais se subscrevem in totum ] dos fundamentos invocados pelo a quo em sede de atribuição - à autora - do direito a uma indemnização pela cessação de mandato de vogal do conselho de administração da Ré, diz/insiste a apelante que “a Autora em condições nenhumas tem direito a qualquer indemnização pela cessação de funções”, e isto fundamentalmente por três ordens de razões, a saber :
Primo : Porque a relação jurídica estabelecida entre A e Ré, não sendo qualificável como uma relação de mandato, é antes regulada pelo artº 170º, nº2, do CC ( que não pelo artº 1172º,al.c) ) e, in casu , sendo o “acto de constituição”, o “acordo de cedência de interesse público” junto aos autos a fls. 240 a 243 ( outorgado pelo IGFCSS - Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, Autora e Ré ), regendo-se ele pela Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, certo é que o nº 2 , do art. 34º deste último diploma legal é expresso em dispor que “ Cessada a comissão de serviço, o trabalhador regressa à situação jurídico-funcional de que era titular antes dela, quando constituída e consolidada por tempo indeterminado, ou cessa a relação jurídica de emprego público, no caso contrário, em qualquer caso com direito a indemnização quando prevista em lei especial”, o que no caso em apreço não se verifica ;
Secundo - In casu e em face da factualidade assente, ocorreu justa causa de cessação da relação da autora com a ré, pois que agiu a mesma em manifesto detrimento dos interesses da ré, e em prejuízo dos fins que esta visava atingir ;
Tertio - A autora não tinha qualquer direito adquirido a manter-se em funções até 31 de Dezembro de 2015, pelo que pela cessação de funções anterior a essa data nenhuma indemnização pode pedir, sendo que, aceitando-se que o mandato da autora é revogável a todo o tempo e sem justa causa, não pode ao mesmo tempo dizer que ele teria de durar até Dezembro de 2015, por insanável contradição.
Analisando de seguida todos os argumentos aduzidos pela Ré apelante, e de forma sucinta ( porque todos eles já escalpelizados - ex abundantis - igualmente na sentença apelada ), adianta-se desde já que não merecem eles a nossa adesão, antes devem in totum ser rejeitados.
Começando pelo primeiro, sem dúvida que se mostra ele ancorado em factualidade que de todo não foi [ como se impunha que tivesse sucedido - cfr. artºs 264º e 489º, ambos do CPC ] alegada por qualquer uma das partes da acção, e muito menos pela Ré apelante, sendo que, estando o Juiz em sede de sentença obrigado a tomar em consideração os factos provados por documentos, [ cfr. artº 659º,nº2, do CPC ], estes últimos apenas podem desempenhar a função de meio de prova dos fundamentos da acção ou da defesa desde que, obviamente, os factos correspondentes tenham sido alegados [ cfr. artºs 514º e 523º,nº1, ambos do CPC, não se tratando designadamente de factos notórios ], o que in casu não sucedeu .
Em razão do referido, tem portanto razão o Exmº Julgador da primeira instância quando aduz em sede de sentença que impedido estava de atribuir ao acordo de cedência - e respectivo conteúdo - de fls. 240 a 243 o relevo almejado pela apelante .
Por outra banda, pouco defensável é outrossim o entendimento da apelante no sentido de que, in casu, o acto de constituição a que alude o nº2, do artº 170º, do CC [ reza ele que “ As funções dos titulares eleitos ou designados são revogáveis, mas a revogação não prejudica os direitos fundados no acto de constituição “ ] é o “ acordo de cedência de interesse público “ plasmado no referido documento de fls. 240 a 243.
É que, estando em causa a função de um vogal executivo do Conselho de Administração ( órgão) de uma pessoa colectiva como o é uma Fundação [ as fundações são pessoas colectivas de substrato patrimonial, estando o respectivo reconhecimento dependente da relevância social do fim que prosseguem - cfr. artigos 157º e 188º, nº 1, ambos do Código Civil ] , o acto de constituição a que se refere o nº2, do referido artº 170º do CC , só poderá ser o desta última ( cfr. artº 167º, do CC ) ] , sendo que, se a regra é a de o acto constitutivo e os estatutos consubstanciaram as duas peças fundamentais criadoras do respectivo substrato, nada obsta a que ambas se concentrem no mesmo e único instrumento jurídico .(8)
De resto, se o nascimento de uma fundação de direito privado ( mais exactamente uma fundação de direito privado e utilidade pública, criada por iniciativa pública e através de via legislativa ) pressupõe a prática de dois actos jurídicos diferentes, o acto de instituição e o acto de reconhecimento ( cfr. artºs 185º e 188º, ambos do CC) , ou a manifestação de vontade do Estado (Governo), in casu mostram-se também ambos concentrados num acto legislativo - o Decreto-Lei nº 202/2009 - , o qual por sua vez incorpora em anexo os correspondentes Estatutos, tudo em consonância com o desiderato de “conferir à instituição o indispensável prestígio, tendo em vista a promoção adequada da imagem de Portugal e da sua cidade berço “ .( cfr. preâmbulo do referido DL).
No seguimento do referido, improcedem portanto as conclusões ( 14º,18º e 19º) da apelante interligadas com a questão do “acto de constituição”.
Passando de imediato ao segundo pressuposto aduzido pela Ré no sentido de afastar a obrigação de indemnização decorrente da cessação do mandato da autora, porque pretensamente ancorada em justa causa , apenas duas considerações importa aduzir para o afastar.
A primeira, a de que não permite de todo a factualidade assente/provada integrar o tatbestand do artº 30º dos Estatutos da Ré, a saber, ter sido a Autora/apelada destituída por deliberação do conselho geral, em razão de violação grave ou reiterada, por acção ou omissão, da lei ou dos Estatutos da Fundação, tendo ainda havido lugar a audiência prévia ( contraditório ) e, bem assim, existindo decisão/deliberação devidamente fundamentada .
A segunda, a de que nada de substancial se provou outrossim que aponte para que na génese da revogação do mandato , esteve “ qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé” , tornasse inexigível a uma das partes a continuação da relação contratual, ou seja, e in casu, a prática pela Ré de um qualquer facto “ capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim …“ (9) , constituindo ela ( a justa causa ) um simples factor de exclusão da obrigação de indemnizar a que alude o artº 1172º do CC, e isto sabendo-se como se sabe que a revogação do mandato, pelo mandante ou pelo mandatário, corresponde a um exercício incondicionado, discricionário e não vinculado (10).
É que, sendo verdade que a exclusão da obrigação de indemnização a que haja lugar não carece da invocação da justa causa aquando da revogação [ podendo ser invocada na declaração revogatória, ou apenas em sede de oposição à contraparte quando pretende esta obter uma indemnização (11) ], certo é que é a factualidade provada manifestamente insuficiente e inofensiva para ancorar um juízo ( relacionado com comportamentos, atitudes e omissões da autora ) de inexigibilidade da continuação do mandato da autora, não se mostrando a justa causa devidamente explicitada e concretizada em factos concretos.
Restando de seguida abordar ( com referência ao sustentado afastamento /exclusão da obrigação de indemnização a cargo da apelante Fundação e em razão da revogação do “mandato”) a questão da pretensa inexistência do direito da Autora ao exercício de funções na Ré até ao termo final do ano de 2015, afigura-se-nos que não é a decisão apelada susceptível outrossim de qualquer reparo.
Na verdade, certo é que a Autora/apelada foi designada como membro de um órgão da Ré/Fundação, o respectivo Conselho de administração, mais exactamente como vogal executiva, estipulando o art.º 27.º, n.º 1 dos Estatutos da Fundação que o primeiro mandato do conselho de administração termina em 31 de Dezembro de 2015.
Por outro lado, inequívoco é que, quer no âmbito do despacho da respectiva nomeação ( de 1/9/2009, a fls. 85) , quer no respectivo auto de Posse ( a fls. 86) , alude-se à nomeação e Posse da Autora , como vogal executiva, para o Conselho de Administração da Ré cujo mandato termina a 31/12/2015.
Finalmente, do disposto no Artº 15º, nº2, dos Estatutos da Ré, resulta que o primeiro mandato ( o da Autora ) dos membros dos órgãos da Fundação ( v.g. os vogais do Conselho de administração - cfr. artºs 14º,alínea b) e 26º,nº1, dos estatutos ) termina em 31 de Dezembro de 2015.
Em face do acabado de expor, inequívoco se nos afigura que, ao tomar Posse como vogal executiva do Conselho de administração da Ré em 1/9/2009, e no âmbito do primeiro mandato, fê-lo com segurança para exercer as respectivas funções e como membro de órgão da Fundação até pelo menos 31/12/2015, ou seja , passou doravante a beneficiar de uma expectativa juridicamente tutelada de exercer as respectivas funções até ao final do prazo do mandato.
Destarte, improcedendo também a conclusão 20ª da apelante Fundação, e em razão de tudo o supra exposto, manifesto se nos afigura que a Sentença apelada, ao considerar que a quebra - por iniciativa da Ré - da expectativa legítima da autora de chegar ao termo do mandato para o qual foi nomeada - sem que para tanto se tenha provado ter sido agente de um qualquer comportamento que para a quebra do vínculo tenha contribuído - há-de justificar a atribuição de uma indemnização, decidiu com acerto.
Em conclusão, em face do exposto, temos para nós que nada justifica sustentar que o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao condenar a apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária a título de indemnização pelo dano sofrido com a revogação unilateral do mandato ao serviço da Ré, e isto apesar de nada obstar [ valendo portanto o princípio da livre revogabilidade ou cessação do vínculo por iniciativa unilateral e discricionária de uma das partes ] a que a Ré fizesse cessar as funções da autora.
É que, como é entendimento doutrinário uniforme, ainda que lícita a revogação do mandato, a correspondente obrigação de indemnização configura um exemplo de responsabilidade por factos lícitos, não existindo qualquer contradição lógica entre a licitude do acto e a obrigatoriedade de o agente reparar o prejuízo causado, pois que: “ O acto (lesivo) pode ser lícito, porque visa satisfazer um interesse colectivo ou o interesse qualificado de uma pessoa de direito privado . Mas pode, ao mesmo tempo, não ser justo ( no plano da justiça comitativa ou no da justiça distributiva ) que ao interesse qualificado da pessoa colectiva ou singular, se sacrifique, sem nenhuma compensação, os direitos de um ou mais particulares ou os bens de uma outra pessoa “.(12)
5.2.- Se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao condenar a apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Como vimos supra em sede de Relatório, o tribunal a quo condenou a apelante Fundação no pagamento à autora de uma quantia pecuniária de € 10.000,00, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, em consequência da revogação do seu mandato ao serviço da Ré.
Para tanto, e em síntese, considerou-se na sentença apelada que, não obstante a destituição da Autora estar legitimada para a Ré, por força do princípio da livre revogabilidade do cargo, o que coloca a questão da respectiva ressarcibilidade para o campo da responsabilidade por facto lícito, ainda assim nada obstava à atribuição de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados, e isto desde que naturalmente se verifiquem os respectivos pressupostos.
Já para a apelante, porém, quer em razão da licitude da cessação do “mandato”, quer ainda pela falência da prova atinente à prática pela apelante de uma qualquer acção ou omissão que tenha causado dano à Autora, impedido estava o a quo de atribuir à demandante uma qualquer indemnização por danos não patrimoniais.
Ex adverso, no âmbito do recurso subordinado interposto, considera já a autora/apelante que a alteração da factualidade provada obriga a um aumento significativo do grau de culpabilidade da Ré, justificando assim que o valor da indemnização por danos não patrimoniais seja elevado para, pelo menos, o valor de 50.000,00 €.
Ora bem.
Vimos já que in casu a obrigação de indemnização que incide sobre a Ré/apelante não pressupõe a prática de um acto ilícito ou o não cumprimento de uma obrigação contratual, qualificação que estaria em desacordo com o direito da Ré à livre revogação do mandato da autora (tratar-se-á de caso de responsabilidade ancorada na prática de facto lícito), razão porque [ cfr. entendimento de Pires de Lima e Antunes Varela (13) ], “ Destinando-se a indemnização a ressarcir os danos causados e, portanto, a restabelecer o equilíbrio patrimonial no âmbito do mandato, não devem ser considerados os prejuízos estranhos ao contrato, como são aqueles que resultam do descrédito do mandatário “.
No seguimento do referido, e ainda cfr. entendimento de Pires de Lima e Antunes Varela , tendo o mandato sido conferido por certo tempo, “ o prejuízo da revogação calcular-se-á em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário”, procurando-se fixar o lucro cessante deste último.
Em última análise, portanto, a responsabilidade pela revogação do mandato deve enquadrar-se na chamada responsabilidade pela confiança, que constitui uma terceira via, intercalada entre a responsabilidade obrigacional e a delitual. (15)
Em consonância com o acabado de aduzir, é a jurisprudência do STJ quase uniforme no entendimento de que “quando o exercício legítimo de um direito possa provocar danos morais a outrem, tais danos não são indemnizáveis”. (14)
E exemplificando , refere-se v.g. no citado Ac. do STJ de 28/9/2004, que “ (…) se a ré revogasse o contrato sem atingir a honra do autor ou provasse justa causa para a resolução do mandato, casos em que este não teria direito a qualquer indemnização pelo sofrimento ou desgosto advindo da prática de actos que visassem exclusivamente a realização do aludido direito.
Mas a situação já é diferente, quando o dano moral resultar de um acto ilícito praticado pela ré, no plano da responsabilidade contratual.”
Isto dito, e incidindo agora a nossa atenção sobre a factualidade provada, vemos que não se descobre nela a existência de danos morais sofridos pela autora que se mostrem ancorados em factos ilícitos praticados pela Ré , e , os únicos que se provaram, além de decorrentes de acto licito da Ré apelante, são ainda de duvidosa gravidade a ponto de merecerem a tutela do direito [cfr. artº 496º,nº1, do CC], pois que apenas se provou [ itens 2.28 e 2.29 e na sequência da procedência parcial da impugnação da decisão proferida pelo a quo sobre a matéria de facto ] que a Autora, com a cessação das suas funções no Conselho de Administração da Ré, ficou profundamente perturbada e sentiu afectada a sua realização profissional.
De resto, recorda-se, além de os pontos de facto/quesitos 13 e 16 [ “13. A cessação do mandato da Autora ao serviço da Ré foi precedida e rodeada de um mediatismo e de declarações públicas negativas para o bom nome e a imagem, pessoal e profissional, da Autora ? 16. Surgindo a sua destituição publicamente como uma agressão da Ré contra a sua competência profissional, a sua capacidade de liderança e de gestão e o seu bom nome e prestígio? ] não terem merecido respostas positivas ( além de em grande parte manifestamente conclusivos ), dos mesmos não decorria sequer que os pretensos factos ilícitos ( violadores da honra e brio profissionais da autora) as quais aludiam foram da autoria/responsabilidade da Ré apelante.
Consequentemente, em face do exposto, invariavelmente há-de a apelação da Ré proceder nesta parte, improcedendo por outra banda o recurso subordinado da autora no que à indemnização ( aumento do quantum fixado ) dos danos morais concerne.
5.3.- Da condenação da apelante Fundação Cidade de Guimarães no pagamento à autora de quantia pecuniária correspondente à redução da remuneração da apelada.
Como vimos supra, em sede de relatório, foi a Ré condenada a pagar à autora a quantia pecuniária de € 33.750,00, correspondente ao valor global da redução do vencimento da Autora ao serviço da Fundação Cidade de Guimarães, entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011, tendo para tanto considerado a primeira instância que a redução do vencimento da autora - determinada por deliberação tomada por unanimidade em 11/11/2010 - configurava a prática de acto ilícito.
Ademais, ainda para a primeira instância, não tendo a autora acordado na referida redução da remuneração ( expressa ou tacitamente ), e não existindo factualidade provada susceptível de reconduzir a referida redução remuneratória a uma situação de modificação do contrato nos termos do artº 437º, do CC, forçoso era concluir pela ilicitude da mesma.
Já para a apelante/Fundação, ao invés, não apenas a autora “acatou a decisão” de lhe ser reduzida a remuneração, como, ademais, ocorreram in casu circunstâncias exógenas provadas ( designadamente o agravamento da situação económica da Fundação e a redução das suas condições de financiamento ) que obrigam a considerar como licita a redução unilateral do vencimento, quando mais não seja por aplicação dos princípios da boa fé.
Vejamos.
É por demais consabido ( mormente em razão dos tempos mais recentes de apertos orçamentais, públicos e privados ) que, ainda que não alcandorado ao patamar de um direito fundamental e constitucionalmente consagrado, pelo menos ao nível do direito infraconstitucional mostra-se há muito reconhecido pelo legislador ordinário que consubstancia/integra inequívoco direito/garantia do trabalhador o da irredutibilidade dos salários.
É assim que, quer em sede do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas ( cfr. artigo 89.º, alínea d)), como também no âmbito do Código do Trabalho (artigo 129.º,n.º1, alínea d)), vem consagrada a proibição do empregador ( público e/ou privado ) de diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no Código ou em IRCT - no tocante ao Código do Trabalho - ou previstos na Lei , e agora com referência à entidade empregadora pública .
Já no âmbito de uma relação de administração, e como bem se refere na sentença apelada, descobre-se no Código das Sociedades Comerciais ( artºs 255º e 440º ) disposições legais que admitem a possibilidade de as remunerações ( dos sódios gerentes das sociedades por quotas e dos membros do Conselho Geral e de supervisão serem reduzidas, maxime em razão da situação económica da sociedade.
Em rigor, portanto, como se alude no Ac. do Tribunal Constitucional de 21/9/2011 (16), a regra da irredutibilidade da remuneração não é absoluta, antes se proíbe apenas e em termos absolutos, que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo.
De resto, também no âmbito das convenções internacionais de que o Estado Português é parte, designadamente na Convenção n.º 95 da OIT - ratificada em 1981 e In DR I Série, nº 138, de 19/6/1981 - , não se mostra prevista uma qualquer regra que consagre em termos absolutos a irredutibilidade da remuneração dos trabalhadores privados.
Isto dito, e com referência à matéria ora em apreço, vemos que in casu ( 2.4.) a Autora, quando designada pela Ré vogal executiva do Conselho de Administração da Ré e após o início de funções, passou a auferir uma remuneração mensal fixa de € 12.500,00 ( fixada por despacho de 17-09-09 do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, pelo facto de, nessa data, não ter, ainda, tomado posse a Comissão de Vencimentos da Ré ), paga catorze vezes durante cada ano (doze meses, acrescido de subsídios de férias e de Natal), sendo que, (cfr. item 2.6.) a partir de 1 de Janeiro de 2011, foi tal remuneração reduzida para o valor mensal de € 8.750,00 .
Mais decorre da factualidade assente que ( cfr. item 2.13 ), em 16 de Março de 2011, o Ministério da Cultura comunicou à Ré ir proceder a um corte no orçamento da Ré de € 750.000,00 [ ao invés do valor a transferir de cerca de 3.800.000€ e por razões excepcionais de estabilidade orçamental - importava reduzir em cerca de 15 % o valor das verbas orçamentadas e a transferir do Orçamento de Estado, nos termos do Artº 13º, da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro (17) - , a verba a transferir para a Ré seria reduzida para 3.050.000€ ] , sendo que ( cfr. item 2.14 ), a referida redução da remuneração da Autora foi decidida pela Comissão de Vencimentos da Ré, por deliberação tomada por unanimidade em 11-11-10, e comunicada à Autora por carta ( nela se aludindo a ao contexto económico-financeiro que o país atravessa ) que lhe foi enviada em 17-11-10.
Finalmente, resulta ainda da factualidade assente que ( itens 2.55 e 2.56) ,após o recebimento da comunicação da deliberação da Comissão de Vencimentos da Ré, e enquanto responsável pela área financeira, a autora deu instruções aos serviços contabilísticos internos da Fundação, para procederem à alteração das remunerações que fora determinada, tendo ainda e enquanto responsável pela movimentação das contas bancárias da Fundação e respectivos pagamentos, efectuado, de forma mensal e reiterada, em conjunto com a Presidente da Fundação, as transferências correspondentes ao seu salário líquido, não manifestando, em nenhum momento, oposição expressa à redução remuneratória .
Com interesse para a matéria ora em apreço, resulta outrossim da factualidade assente que ( itens 2.60. a 2.62 ), previamente ao envio do oficio atrás referido da parte do Ministério da Cultura, esteve a autora presente em reunião ocorrida no mesmo Ministério e no âmbito da qual a Ex.ma Sr.ª Ministra comunicou estar previsto um corte orçamental - aquele que viria a ser comunicado posteriormente -, tendo posteriormente a Autora, relativamente ainda à questão do corte orçamental, elaborado uma proposta de resposta ao Ministério da Cultura, que dirigiu e enviou à Presidente da Fundação e do Conselho de Administração da Ré.
Em face da matéria de facto acabada de indicar, e considerando que prima facie ( porque desempenhava a autora as suas funções no âmbito de uma relação de Administração, que não no contexto de uma relação de trabalho subordinado - apenas ao pessoal da Fundação , que não aos cargos dirigentes , se aplica o regime do contrato individual de trabalho ,cfr. artº 41º dos Estatutos - não estava em causa a abdicação pela autora de direitos indisponíveis ) nada obstava a que Autora e Ré acordassem na redução da remuneração, temos para nós que, e desde já, importa referir que é de todo insustentável que o referido acordo foi in casu alcançado, tendo a autora manifestado a subjacente e respectiva declaração negocial e ainda que de uma forma tácita ( cfr. artº 217º, nº1, do CC ) .
É que, com todo o respeito por entendimento diverso, o mero acatamento pela autora de uma decisão/deliberação da Comissão de Vencimentos da Ré, cumprindo-a e fazendo-a cumprir, desde logo porque responsável pela movimentação das contas bancárias da Fundação e respectivos pagamentos, não consubstancia minimamente uma declaração tácita [ em razão dos usos da vida, indiciando ter tal factualidade sido praticada - com elevada probabilidade - como integrando concreta significação negocial, ainda que porventura não esteja absolutamente precludida a possibilidade de outra significação (18) ] direccionada para um acordo de vontades atinente a uma redução remuneratória.
De resto, impondo-se nas referidas situações de declaração negocial tácita, que o comportamento do declarante seja apreciado no seu complexo (19) , recorda-se e insiste-se que in casu, enquanto responsável pela área financeira e pela movimentação das contas bancárias da Fundação e respectivos pagamentos, a autora limitou-se a cumprir a sua função, acatando - como obrigada estava - uma deliberação da Comissão de Vencimentos da Ré.
Em suma, e sem necessidade de mais considerações, não se reputa de pertinente o entendimento ( da Ré apelante ) de que a autora, tacitamente, manifestou o seu consentimento/adesão à redução da respectiva retribuição.
Resta, portanto, aquilatar da “licitude” da redução “salarial” à luz do disposto no artº 437º, do CC, ou seja, se reúne a factualidade assente elementos suficientes que permitam concluir que assistia à Ré/apelante o “direito” de, unilateralmente, reduzir a remuneração da autora em razão de uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, sendo que, além de a exigência das obrigações então assumidas pela Fundação afectar gravemente os princípios da boa fé, não se mostrar ela coberta pelos riscos próprios do contrato.
Ora Bem.
Dispondo o artigo 437º, n.º 1 do Código Civil, que “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa - fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.” , analisando-o , logo chamam a atenção Pires de Lima e Antunes Varela (20) que “ a resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal, atendendo à boa - fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução ou modificação. “
No entanto, ainda assim, e para que a modificação do contrato seja possível, ensinam ambos os referidos Mestres , que imperioso é que se verifiquem pelo menos dois requisitos, a saber ;
a) que exista uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, não se exigindo porém que tal alteração seja imprevisível;
b) que a exigência da obrigação à parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé contratual e não esteja coberta pelos riscos do negócio, como no caso de se tratar de um negócio por sua natureza aleatório.
Desenvolvendo um pouco mais ambos os referidos (dois) requisitos, dir-se-á que as aludidas circunstâncias nas quais as partes fundaram a decisão de contratar hão-de constituir/integrar a base objectiva do negócio, o que afasta desde logo o instituto do artº 437º da teoria do erro, caso em que a base do negócio tem carácter subjectivo, traduzindo-se já numa falsa representação psicológica da realidade.(21)
Já a alteração verificada/ocorrida - nas apontadas circunstâncias - , há-de ser anormal e significativa, caracterizando-se pela sua excepcionalidade, sendo que, coincidindo o referido critério, por regra, com o da imprevisibilidade, é porém mais amplo do que este, o que permite, conjugado com a boa fé, estender a modificação a certas hipóteses em que alterações anormais das circunstâncias, ainda que previsíveis, afectem o equilíbrio do contrato, não se impondo outrossim que o facto gerador da alteração apenas se inicie depois da celebração do contrato .(22)
Por sua vez, pressupondo que a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes, há-de a exigência da obrigação à parte lesada afectar gravemente os princípios da boa fé contratual , ou seja, ainda que o contrato deva ser pontualmente cumprido (cfr. artº 406º, do CC), pode ainda assim, excepcionalmente, a boa fé, e perante um grave desequilíbrio das prestações acordadas, impor uma alteração do figurino inicialmente delineado pelas partes, não olvidando ainda que, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as artes proceder de boa fé ( cfr. artº 762º,nº2, do CC ).
Finalmente, não devendo o contrato ser de execução imediata ( basta que alguma das prestações deva ser realizada no futuro), e ao exigir-se que a circunstância alterada não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato, tal equivale a dizer que, não apenas se devem excluir as alterações que se encontram abrangidas pela álea típica do tipo contratual em apreço, como ademais há-de a referida situação não se mostrar sequer contemplada/prevista pelas próprias partes no acordo contratual celebrado.(23)
Isto dito, e justificando-se [ em razão da factualidade inserta nos itens 2.13, 2.14, 260 e 261 , todos da motivação de facto] de seguida aludir a algumas decisões judiciais ( cfr. artº 8º,nº3, do CC ) que, com referência à crise financeira/económica que vem assolando o nosso País de há uns anos a esta parte, aferiram da possibilidade de poder ela justificar a modificação de contrato ao abrigo do disposto no artº 437º, do CC, recorda-se que, em Ac. recente do STJ (24), se considerou não ser de excluir que uma crise financeira internacional/nacional possa conduzir à aplicação do art. 437º do CC, bastando para tanto que se demonstre existir uma correlação directa e demonstrada factualmente nos autos entre a crise económica geral e a actividade económica concreta de determinado agente para que se possa falar de uma alteração anormal das circunstâncias.
Também no recente Ac. do STJ de 10/10/2013 [ a propósito de um Contrato de swap (25) ], não se afastou - antes pelo contrário - a possibilidade de uma alteração das taxas de juro provocada por uma grave crise financeira, poder permitir à parte lesada lançar mão do instituto do artº 437º do CC.
Ainda no último dos doutos Arestos do STJ acabados de citar, e socorrendo-se de Carneiro da Frada (26) [ a propósito de saber se a actual crise financeira representa uma grande alteração das circunstâncias ], aceita-se inclusive o seu entendimento de que “a forma inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singulares (por mais ponderosos que sejam) e se protejam mesmo, como crise global, para além dos limites dos países e das várias zonas económicas do planeta)” .
The Last but not least, e agora incidindo especificamente sobre a temática da redução de vencimentos e demais prestações de carácter remunerado respeitantes a relações jurídicas de emprego público, considerou o Tribunal Constitucional [ no Ac. supra citado de 21/9/2011] , e para justificar/decidir pela não inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), que efectivamente atravessava o nosso País , reconhecidamente, uma conjuntura de absoluta excepcionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos [ “ O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a economia nacional em sérias dificuldades de financiamento. Os problemas suscitados por esta situação passaram a dominar o debate político, ganhando também foros de tema primário na esfera comunicacional. Outros países da União Europeia vivem problemas semelhantes, com interferências recíprocas, sendo divulgada abundante informação a esse respeito“ ], o que tudo ( qual alteração anormal das circunstância, dizemos nós), conduziu a que, e no quadro de uma estratégia global delineada a nível europeu, entrasse “na ordem do dia a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunerações.”
Aqui chegados, recorda-se que, aquando da instituição da Fundação Cidade de Guimarães, em finais de Agosto de 2009, já havia ocorrido a falência da instituição norte-americana LEHMAN BROTHERS, e , no final de 2008, após a falência dos principais bancos da Islândia, o próprio País entra em falência, seguindo-se em 2010 a Grécia e depois a Irlanda, o que obrigou ao pedido de ajuda financeira de ambos junto do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia (UE).
Não obstante o Governo de Portugal, à data, “vender” aos cidadãos a “visão e imagem” de que Portugal não era a Grécia e/ou a Irlanda, cedo e mais rapidamente do que seria expectável se chegou porém à conclusão contrária, surgindo abruptamente e um após outro os conhecidos PECS ( Planos de Estabilidade e Crescimento), e , mais depressa do que outrossim os mais pessimistas cogitavam, uma negociação do nosso País com o BCE, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional ( a TROIKA ), ficando doravante Portugal [ após a assinatura - porque flagelado pelos mercados financeiros e à beira da bancarrota - , em Maio de 2011, do memorando de entendimento sobre condicionalismos específicos de política económica ] “obrigado” ( qual perda de soberania ) a adoptar medidas drásticas de disciplina e de estabilidade orçamental, e de controlo do déficit público , sendo as Transferências para as fundações seriamente reduzidas, e as remunerações dos trabalhadores do sector público igualmente afectadas/cortadas ( cfr. artºs 13º e 19º, ambos da Lei n.º 55-A/2010,de 31 de Dezembro ).
Não tendo a Ré/apelante escapado à crise económica e orçamental nacional, e contando com o apoio estatal para levar a bom porto os respectivos fins principais ( identificados no artº 3º dos Estatutos ) certo é que viu também ela reduzido o financiamento/ajuda oriunda do Orçamento do Estado, o que correspondeu, como vimos já, e logo para o decurso do ano de 2011, a um corte e/ou redução de cerca de 750.000,00€.
Já a autora/apelada, porque dirigente de Instituição/Fundação que não integra o elenco das entidades incluídas/abrangidas no artº 19º, nº 9, da citada Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2011, ficou porém isenta dos cortes retributivos contidos na referida Lei do Orçamento do Estado (27), e isto porque, como membro de órgão dirigente de fundação privada ou de direito privado, não é considerada, para todos os efeitos legais, como dirigente da Administração Pública ou como gestor público.
Ora, em face de tudo o acabado de expor, temos para nós que, aquando da decisão de “contratar” de ambas as “partes”, o financiamento da Fundação - e em quantitativos não negligenciáveis - à “Custa” do Orçamento do Estado, não deixou, certamente e objectivamente ( em face do disposto no artº 6º dos Estatutos), de consubstanciar circunstância determinante para o acordo alcançado, e, sobretudo, para a fixação do valor/quantum da remuneração da autora.
Por outra banda, dada a rápida e célere degradação da situação financeira/orçamental do País [ era de todo imprevisível em finais de 2009 que a sujeição de Portugal a um Plano de Resgate, porque em situação de falência eminente, era inevitável ] , parece-nos igualmente manifesto que a redução do financiamento da Fundação por parte do Orçamento do Estado não pode deixar de configurar uma alteração anormal , porque de todo não expectável , e , ademais, em face do corte imposto, também Grave em termos percentuais , e isto considerando ( em razão do conteúdo do doc. - do Ministério da Cultura - de fls. 64 ) depender a Fundação apelante em mais de 50% de verbas transferidas do Orçamento do Estado .
Na sequência do referido, tudo aponta, portanto, para que exigir-se à Ré/Fundação a obrigação de continuar a honrar os “níveis” remuneratórios do pessoal dirigente, como se permanecesse completamente imune à crise Financeira do País, e como se continuasse a dispor dos mesmos níveis de financiamento oriundas do Orçamento do Estado, tal não pode deixar de afectar gravemente os princípios da boa fé, porque permitiria a manutenção de um grave desequilíbrio das prestações acordadas.
Acresce que, recorda-se, ainda que “praticamente” em igualdade de circunstâncias com os membros de órgãos executivos de Fundações públicas, nenhuns cortes salariais ( cfr. artº 19º, nº9, alínea q), da Lei n.º 55-A/2010 e 20º,nº1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) sofrem ( impostos pela Lei do Orçamento de Estado ) os membros de órgãos executivos de Fundações de direito privado e de utilidade pública, e não obstante, importa ter presente, durante o ano de 2012, e como medida excepcional de estabilidade orçamental, as transferências para fundações cujo financiamento dependa em mais de 50 % de verbas do Orçamento do Estado serem novamente reduzidas, não já e apenas em 15 % ( como no ano anterior ), mas em 30 % do valor orçamentado ao abrigo da Lei n.º 3 -B/2010, de 28 de Abril”, alterada pelas Leis n.os 12 -A/2010, de 30 de Junho, e 55 -A/2010, de 31 de Dezembro ( cfr. artº 15º,nº1, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).
Impondo-se finalmente concluir, porque em rigor permite a factualidade assente subsumir a redução remuneratória levada a cabo pela Ré apelante à previsão do artº 437º, nº1, do CC, mostrando-se a modificação operada pela Ré perfeitamente aceitável segundo juízos de equidade e, ademais, não efectuada arbitrariamente e sem qualquer e adequado suporte normativo, a apelação da Ré Fundação tem necessariamente de proceder nesta parte, impondo-se a revogação do comando decisório da sentença apelada no segmento em que condena a Fundação no pagamento à autora de uma quantia pecuniária de € 33.750,00.
Em suma, procedendo a conclusão 22ª da apelação da Ré Fundação, dir-se-á que além de não arbitrária, a redução remuneratória da autora foi in casu e de alguma forma legítima, porquanto dotada de justeza material . (28)
*
6.- Do recurso subordinado de C.. .
6.1- Se a primeira instância incorreu em error in judicando ao atender/levar em consideração, no tocante ao cálculo do montante da indemnização e medida da mesma, a anunciada extinção da Ré Fundação Cidade de Guimarães .
Em sede de cômputo do quantum indemnizatório devido à Autora/apelante, em razão da revogação do mandato, teceu de entre outras o Exmº Juiz a quo as seguintes considerações :
“A Autora tem direito, como se viu, a que lhe seja paga uma indemnização equivalente ao valor das retribuições que auferiria se estivesse ao serviço da Ré, desde 1 de setembro de 2011 até 31 de dezembro de 2015.
Contudo, atenta a anunciada extinção da Ré, o valor das retribuições a considerar será, no caso de essa extinção ocorrer em data anterior a 31 de dezembro de 2015, o correspondente às retribuições que se venceriam até à data dessa extinção.
A extinção da Ré foi anunciada em março de 2013, pelo que o que se decidirá aqui será a condenação da Ré a pagar à Autora a indemnização líquida correspondente ao valor das remunerações vencidas até àquele mês e, no mais, relegar a sua liquidação para momento ulterior.”
Dissentindo do referido entendimento, considera porém a A/apelante que impedido estava o a quo de atender à decidida [ em sede de Resolução do Conselho de Ministros nº 13-A/2013, in DR, 1ª Série, Nº 48, de 8 de Março de 2013 ] extinção da Ré Fundação, a concretizar em 2013 , e isto por três ordens de razões :
A primeira : Porque de meio de defesa e de facto superveniente se trata, mas que, para todos os efeitos e como se impunha, não foi pela Ré carreado para os autos em sede de articulado superveniente;
A segunda : Porque o facto gerador da obrigação de indemnizar é a revogação do mandato e a fixação da indemnização ou o recebimento de parte dela não pode ficar dependente da não ocorrência de eventos futuros e condicionais.
A terceira : Por razões de justiça e em obediência ao principio de igualdade, sempre se imporia à extinção da Ré por decisão Governamental a aplicação das normas relativas à revogação de mandato, levando também à aplicação da regra constante da al. c) do art. 1172º do CC, a qual confere ao mandatário o direito a uma indemnização por revogação do mandato por parte do mandante.
Ora bem
Como é consabido, em sede de sentença está o Juiz obrigado a levar em consideração os factos ( v.g. modificativos e extintivos ) que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a acção corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão ( cfr. artº 663º, do CPC), mas, para tanto, mister é que tenham as partes carreado tais factos para os autos em sede de articulados, ainda que supervenientes ( cfr. artºs 151º, 264º e 506º, todos do CPC ).
Porém, estando em causa factos notórios ( aqueles que são do conhecimento geral, isto é, que são conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas de determinada esfera social, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência ), e excepcionalmente ( ao princípio dispositivo), não carecem já eles de alegação e de prova, pois que valem de per si.
Ora, sendo o facto notório aquele que é adquirido com tal grau de certeza que se apresenta indubitável e incontestável, sendo uma realidade diversa de um evento ou situação objecto do conhecimento apenas do juiz (29), manifesto se nos afigura que o facto/decisão de extinção da Ré a concretizar em 2003, porque decidida no âmbito de decisão/Resolução do Conselho de Ministros publicada em Diário da República, não carecia de ser carreado para os autos pela parte em articulado superveniente para poder/dever ser atendida pelo Juiz a quo em sede de sentença.
Já a relevância do referido facto, porém, não pode ser aquela que a primeira instância decidiu.
Senão, vejamos.
Vimos já, supra ( em 5.1. ), que a quebra - por iniciativa da Ré - da expectativa legítima da autora de chegar ao termo do mandato ( que terminava a 31/12/2015 - cfr. artº 15º,nº2, dos Estatutos da Ré ) para o qual foi nomeada - e sem que para tanto se tenha provado ter sido agente de um qualquer comportamento que para a quebra do vínculo tenha contribuído - importava/obrigava a Ré a indemnizar a autora, sendo o quauntum desta última correspondente à compensação que o mandato devia proporcionar-lhe normalmente, ou seja, o prejuízo a reparar é ressarcido pela atribuição das prestações que o mandatário deixou de receber, procurando-se fixar o lucro cessante do mandatário. (30)
Vimos já também que ( em 5.1. in fine ) , in casu, o mandato da autora, porque o primeiro de membro de órgão da Fundação ( cfr. artº 15º,nº2, dos Estatutos) cessava a 31/12/2015, e , assim sendo, e partindo o lucro cessante do pressuposto que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se lhe daria direito a esse ganho (31), manifesto é que a indemnização à autora devida será a equivalente ao que deixou de auferir pelo facto de o mandato não ter chegado ao seu termo normal , deduzido do que ganhou pelo facto de não ter tido de cumprir integralmente o mandato que a vinculava à Ré.
A referida indemnização, recorda-se, à autora seria devida pela revogação lícita do mandato pela Ré, sendo ela, e só ela, a causa real, efectiva, do dano da autora apelante.
O tribunal a quo, porém, acaba em última análise por atribuir à anunciada ( através de Resolução do Conselho de Ministros) extinção da Ré ( a concretizar em 2013 ), e ainda que não expressamente, o efeito de causa virtual do dano, ao permitir a redução da obrigação de indemnização que sobre a Ré Fundação impende (atribuindo-lhe “relevância negativa”), e isto porque, ocorrendo a extinção da Ré em momento anterior ao termo normal do mandato, já as prestações/remunerações devidas seriam/são apenas e tão só as vencidas até à concretização da referida extinção ( qual causa virtual, porque sempre operaria mais tarde a caducidade "ope legis" do mandato , e pela morte do mandante ).
Ora, abordando tal temática, ensina Antunes Varela (32) que “o critério que o artigo 566º, 2, utiliza para a solução do problema do cálculo da indemnização, recorrendo à diferença entre a situação real presente do lesado e a situação hipotética actual, levanta imediatamente, com grande acuidade, a questão da relevância da chamada causa virtual ou hipotética do dano. Deve ou não deve incluir-se nessa situação hipotética, para que a lei apela como um dos termos da diferença que o responsável há-de cobrir, a causa virtual do dano?”.
E, mais adiante, ainda o referido e emérito Prof., explicando que a questão coloca-se nas situações em que “ há uma causa real, efectiva, do dano; e há, ao lado dela, um facto que teria produzido o mesmo dano, se não operasse a causa real”, podendo relevar este último – a causa virtual – em termos de levar à exoneração ou redução da responsabilidade do autor da causa real (é a chamada relevância negativa da causa virtual), conclui ( págs 595/805) que “a sede própria do problema da relevância negativa da causa virtual se situa, não no domínio do nexo causal, mas no capítulo da extensão do dano a indemnizar”, sendo que, por regra a “causa virtual não exonera o lesante da obrigação de indemnizar, salvo disposição legal em contrário, o que não impede porém que seja tomada na devida conta, quer no calculo do lucro cessante, quer na adaptação da indemnização fixada sob a forma de renda às circunstâncias que vão sendo conhecidas pelos interessados.
Também para Mário Júlio de Almeida Costa (33), se no domínio da causalidade, a causa virtual não possui relevância negativa ( a ponto de o autor da causa real poder exonerar-se, no todo ou em parte, da obrigação de indemnização ) , já em sede de fixação da indemnização pode ela, excepcionalmente ( artºs 491º, 492º,nº1, 493º,nº1, 807º,nº2, e 1136º, nº2, do CC ) ter relevância - negativa.
Já para Inocêncio Galvão Telles (34), não sendo de aceitar a relevância positiva da causa virtual ( no sentido de responsabilizar o seu autor) e que pode ser um facto imputável a terceiro ou um facto casual, não se justifica conferir outrossim relevância negativa em todos os casos em que esta se apresenta como reflexo daquela, a não ser em casos excepcionais, e por razão especial de justiça e de equidade, como o são as situações contempladas nos artºs 491º, 492º,nº1, 493º,nº1, 807º,nº2, e 1136º,nº2, todos do CC.
Isto dito, e para além do acabado de expor no tocante à indiferença da causa virtual em termos de conduzir à redução da responsabilidade do autor da causa real, certo é que também não se descobre no acto normativo do Governo ( a Resolução nº 13-A/2013) , ou em qualquer diploma legal com o referido acto do Governo relacionado, um qualquer dispositivo que exclua especificamente o direito à indemnização de membros de órgãos de pessoa colectiva de direito privado aquando da quebra da relação jurídico-contratual em razão da respectiva extinção “ope legis”.
De resto, e socorrendo-se agora das considerações [ que in casu se aplicam mutatis mutandis ] tecidas no Parecer do Conselho Consultivo da PGR de 20-05-2004 (34), a verdade é que não podia o Governo deixar de conhecer a extensão das consequências do seu acto/Resolução, a saber, a cessação do mandato dos membros dos órgãos das Fundações extintas, mas, apesar disso, avançou com a medida em causa porque assim o exigia v.g. a premência da redução da despesa pública.
Tudo ponderado, estando a obrigação de indemnização que impende sobre a Ré ancorada em facto - ainda que licito - do qual é a única responsável ( que não em facto jurídico superveniente - de terceiro - com efeitos “ope legis” ) e que conduziu à revogação do mandato da autora , sendo ele a causa real do dano sofrido por esta última, não vigorando norma excepcional a coberto da qual possa a Ré atenuar/limitar o âmbito da sua responsabilidade, não se descortina existir fundamento legal pertinente que obrigue à confirmação do comando decisório da sentença apelada e ora em análise.
Concluindo, o recurso subordinado da Autora/apelante procede parcialmente, impondo-se a revogação do comando decisório da sentença apelada no segmento em que condenou a Ré Fundação a pagar à Autora “ a quantia pecuniária que vier a ser liquidada ulteriormente, também a título de indemnização do mesmo dano a que se alude em a), referente ao valor do vencimento que a Autora receberia da Ré, descontado do valor da efectiva retribuição por si auferida ao serviço do IGFCSS, no período compreendido entre abril de 2013 e a data efectiva da extinção da Ré, no caso de tal extinção se concretizar em momento anterior a 31 de dezembro de 2015, sendo que, no caso de ocorrer posteriormente a esta data, o valor da indemnização aqui em causa a atribuir à Autora será o contabilizado até essa data de 31 de dezembro de 2015”.
E, ao invés de tal decisão, antes se impõe a condenação da Ré Fundação a pagar à Autora todas as remunerações vincendas até ao termo do respectivo mandato ( 31/12/2015) , quantum que todavia deve ser reduzido das quantias que a Autora passou a auferir e auferirá até 31/12/2015 em razão da criação de novas relações de conteúdo económico.
7.- Recapitulando.
7.1.- Em consequência da procedência parcial do recurso independente de Fundação Cidade de Guimarães, impõe-se a Revogação da sentença apelada no tocante à decidida - pelo a quo - condenação da Ré a pagar à autora:
c) a quantia pecuniária de € 33.750,00, correspondente ao valor global da redução ilícita do vencimento da Autora ao serviço da Fundação Cidade de Guimarães, entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Agosto de 2011;
d) a quantia pecuniária de € 10.000,00, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, em consequência da revogação do seu mandato ao serviço da Ré.
De igual modo, e em razão da procedência da conclusão 22ª do recurso independente de Fundação Cidade de Guimarães, impõe-se outrossim a Revogação do comando decisório da sentença apelada no tocante à decidida condenação da Ré a pagar à autora: a) a quantia pecuniária já líquida de € 224.541,20, a título de indemnização do dano sofrido com a revogação unilateral do mandato da Autora ao serviço da Ré, correspondente ao valor do vencimento que a Autora teria recebido no âmbito desse mandato, desde a produção de efeitos da sua destituição - 1 de setembro de 2011 - até março de 2013, data em que foi anunciada a extinção da Ré, inclusive, descontado do valor da efectiva retribuição auferida pela Autora ao serviço do IGFCSS – Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social.
É que, tendo o a quo alcançado o referido quantitativo global partindo do pressuposto de que o valor das remunerações da Autora a considerar era o de € 12.500,00 mensais ( pois que a redução do vencimento decidida na pendência do mandato da A/apelada foi reputada de ilícita ), forçoso é que, em razão do decidido no presente Acórdão ( item 5.3., entendendo-se como lícita a redução do vencimento decidida na pendência do mandato da A/apelada ), devam os cálculos efectuados pela primeira instância serem alterados.
7.2.- Em consequência da procedência parcial ( cfr. item 5.2. - com referencia à impetrada indemnização por danos morais - e item 6.1., com referência ao cálculo do montante da indemnização e medida da mesma ) do recurso subordinado interposto pela Autora C.. , impõe-se outrossim a Revogação da sentença apelada no tocante à decidida condenação da Ré a pagar à autora : b) a quantia pecuniária que vier a ser liquidada ulteriormente, também a título de indemnização do mesmo dano a que se alude em a), referente ao valor do vencimento que a Autora receberia da Ré, descontado do valor da efectiva retribuição por si auferida ao serviço do IGFCSS, no período compreendido entre abril de 2013 e a data efetiva da extinção da Ré, no caso de tal extinção se concretizar em momento anterior a 31 de dezembro de 2015, sendo que, no caso de ocorrer posteriormente a esta data, o valor da indemnização aqui em causa a atribuir à Autora será o contabilizado até essa data de 31 de dezembro de 2015.
7.3.- Finalmente, em razão do referido em 7.1. e 7.2., e na decorrência da necessária revogação da sentença recorrida, e em sua substituição, importa portanto ao ad quem proferir decisão de condenação da Ré a pagar à Autora a indemnização, a título de lucros cessantes, de valor equivalente/correspondente à soma das prestações/remunerações mensais que deixou de auferir após e por causa da revogação do mandato e até 31/12/2005, e deduzida do que ganhou por não ter tido de cumprir integralmente o mesmo mandato.
Sucede que, fornecendo-nos os autos os elementos que nos permitem achar o valor da quantia equivalente à compensação que o mandato normalmente proporcionaria à Autora [ as remunerações mensais e subsídios de férias e de Natal vencidos e vincendos após - cfr. item 2.9. - 1 de Setembro de 2011 e até 31/12/2015 , no valor mensal de € 8.750,00 cada uma, nos termos do referido em 5.3. e factualidade inserta em 2.6. ], já não resultam da factualidade assente todos os dados necessários para proceder ao cômputo do montante global que a Autora, no mesmo e referido período , auferiu e auferirá até 31/12/2015.
É que, dizendo-nos a motivação de facto quais as prestações mensais que passou a auferir ao serviço do IGFCSS – Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, a partir de 1/9/2011 ( itens 2.15., 2.26 e 2.27 ), já não se retira da mesma factualidade se tal vinculação e nível salarial assim se manterá - sem quaisquer alterações , para menos ou para mais - forçosamente até 31/12/2015.
Destarte, sendo inquestionável que a indemnização a que a autora tem direito será a resultante da diferença entre o que teria recebido da Ré até ao final do mandato , deduzido do que ganhou ( após 1/9/2011 a 31/12/2015 ) por não ter tido de cumprir integralmente o mesmo mandato, sendo possível calcular o primeiro valor, mas não já o segundo, não dispondo assim e em rigor os autos dos elementos necessários para proceder à avaliação do quantum da indemnização total que à Autora é devida pela Ré, deve portanto limitar-se este Tribunal a condenar a Ré no pagamento de uma indemnização a ser liquidada posteriormente, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
*
8 - Sumariando .
I - A revogação de mandato de membro de órgão de Fundação de direito privado e de utilidade pública, não se mostrando estar alicerçada em Justa Causa, sendo embora e em rigor um acto licito, obriga porém o mandante/Fundação a pagar ao referido membro do órgão e/ou mandatário uma indemnização;
II - A indemnização referida em I será então equivalente ao quantum que o membro do órgão deixou de auferir até o termo normal do mandato , deduzido do que vier ele a auferir até a mesma data e pelo facto de ter deixado de o ter de cumprir até o seu final.
III - Visando a responsabilidade com base em factos lícitos restabelecer o equilíbrio patrimonial no âmbito do mandato , e ainda que o exercício legítimo do direito à sua revogação cause danos não patrimoniais ao mandatário, não são porém tais danos indemnizáveis.
IV- Provado que a grave crise económico-financeira e orçamental do País obrigou à redução significativa do financiamento da Fundação por parte do Orçamento de Estado, existindo efectiva e provada correlação directa entre ambas, e verificados os demais requisitos do artº 437º, do CC [ alteração relevante das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, afectando gravemente os princípios da boa fé contratual a exigência da obrigação à parte lesada , e não estar a referida alteração coberta pelos riscos do negócio ] , a redução salarial imposta - e efectuada com equidade - pela Fundação a membros dos respectivos órgãos não configura a prática de acto ilícito.
V - Não havendo elementos nos autos para proceder ao cômputo exacto do montante indemnizatório indicado em II, deverá o respectivo cálculo ser relegado para fixação/liquidação em momento posterior, nos termos do art. 661.º, n.º 2, do CPC.
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9 . - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em , concedendo parcial provimento a cada uma das apelações interpostas, pela Autora C.. e pela Ré Fundação Cidade de Guimarães :
9.1. - Revogar a sentença apelada ;
9.2. - Condenar a Ré Fundação Cidade de Guimarães a pagar à Autora C.. a indemnização, a título de lucros cessantes, de valor equivalente/correspondente à soma das prestações/remunerações mensais ( de € 8.750,00 ) que deixou de auferir após ( 1/9/2011 )e por causa da revogação do mandato, e até 31/12/2005, e sendo a mesma deduzida do que ganhou no mesmo período por não ter tido de cumprir integralmente o mandato ;
9.3.- Determinar que a quantia indemnizatória indicada em 9.2. seja fixada/liquidada em sede de incidente posterior, nos termos do art. 661.º, n.º 2, do CPC.
9.4.- Condenar a Ré Fundação Cidade de Guimarães a pagar à Autora C.. os juros de mora, contabilizados sobre a quantia indemnizatória referida em 9.2, à taxa legal, vencidos a partir da sua notificação para deduzir oposição à liquidação e até efectivo pagamento de tal quantia.
*
As custas de cada apelação ficam a cargo de recorrente e recorrida, fixando-se a responsabilidade de cada um nos seguintes termos :
- no recurso principal, na proporção de 85% e de 15 % , respectivamente, para recorrente e recorrida;
- no recurso subordinado, na proporção de 10% e de 90%, respectivamente, para recorrente e recorrida.
***
(1) Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 212.
(2) Citado por José Alberto dos Reis, ibidem, pág. 209.
(3) Como é entendimento uniforme do STJ, “ constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade alegada na petição inicial tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no artigo 646.º, do Código de Processo Civil , não porque este preceito contemple, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas porque, por analogia, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum “ - cfr. Acs. do STJ de 23/5/2012 e de 21/11/2012, ambos in www.dgsi.pt.
(4) Publicados no DR, I série, nº 167, de 27/8/2009, pág.s 5693 e segs..
(5) Rezam os respectivos nºs 1 a 3º , sob a epígrafe “Destituição e renúncia”, que :
“1 - Os membros do conselho de administração podem ser destituídos por deliberação do conselho geral no caso de violação grave ou reiterada, por acção ou omissão, da lei ou dos Estatutos da Fundação.
2 - A destituição com base num dos fundamentos previstos no número anterior requer a audiência prévia e tem de ser devidamente fundamentada.
3 - A demissão com base nos fundamentos do n.º 1 implica a cessação do mandato, não havendo nesse caso lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções.
(…)”.
(6) Citando-se v.g. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, vol. II, Pág. 651/652.
(7) Cfr. designadamente os Acs. do STJ de 20/11/1989 ( in BMJ, nº 391, Dezembro, 1989, págs. 595 a 605) e de 5/5/2005, e o Ac. do TRL de 17/11/2005, os dois últimos acessíveis in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, vol. I ,2.ª Edição, pág. 158.
(9) Cfr. Baptista Machado, apud Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, vol. II ,2.ª Edição, pág. 648.
(10) Cfr. Manuel Januário da Costa Gomes, in “ Em tema de Revogação do Mandato Civil “, 1989, pág. 219.
(11) Cfr. Manuel Januário da Costa Gomes, ibidem , pág. 221, e “Contrato de Mandato”, 1990, AAFDL., pág. 129.
(12) Cfr. Antunes Varela, apud Manuel Januário da Costa Gomes, ibidem , pág. 269 , nota 737.
(13) In CC anotado, vol. II ,2.ª Edição, pág. 652.
(14) Cfr. Ac. do STJ de 16/9/2008, Proc. 08A1941, acessível in www.dgsi.pt e citando-se Adelaide Menezes Leitão, “Revogação Unilateral do Mandato, Pós-Eficácia e Responsabilidade pela Confiança” em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, Almedina, Coimbra, pp. 333 e 334.
(15) Cfr. Acs. do STJ de 24/10/1991 ( Proc. 079131) e de 28/9/2004, ( Proc. 04A2411 ) ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
(16) Acórdão nº 396/2011, de 21/9/2011, Processo nº 72/2011, sendo Relator o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, in Diário da República, 2.ª série , N.º 199 , de 17 de Outubro de 2011.
(17) Sob a epígrafe de Transferências para fundações, reza o artº 13º que “ Durante o ano de 2011, como medida excepcional de estabilidade orçamental, as transferências para fundações de direito privado cujo financiamento dependa em mais de 50 % de verbas do Orçamento do Estado são reduzidas em 15 % do valor orçamentado ao abrigo da Lei n.º 3 -B/2010, de 28 de Abril”.
(18) Cfr. Prof. Dr. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Coimbra, 1953. Pág. 81 ) .
(19) Cfr. Cariota Ferrara, citado por Manuel de Andrade , ibidem.
(20) In CC anotado, vol. I ,2.ª Edição, pág. 363.
(21) Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa, in “Direito das obrigações”, 8ª ed. , pág. 298.
(22) Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa, in “Direito das obrigações”, 1979, Almedina, , pág. 250.
(23) Cfr. Mário Júlio de Almeida e Costa, in “Direito das obrigações”, 1979, Almedina, , pág. 253.
(24) Ac. de 10/1/2013 ( Proc. nº 187/10.4TVLSB.L2.S1) e acessível in www.dgsi.pt.
(25) Ac. de 10/10/2013 ( Proc. nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1) e acessível in www.dgsi.pt
(26) In Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de Gestão de Carteiras, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, páginas 633 e seguintes.
(27) Cfr. Miguel Lucas Pires, in Regime Jurídico Aplicável às Fundações de Direito Provado e Utilidade Pública, Centro de Estudos De Direito Público e Regulação, FDUC, Maio de 2011,pág. 28.
(28) Cfr. António Menezes Cordeiro, Da Alteração das Circunstâncias, Lisboa, 1987, Separata dos Estudos em Memória do Prof. Doutor Paulo Cunha.
(29) Cfr. Luca Ariola, apud Prova por Presunção no Direito Civil, de Luís Filipe Pires de Sousa, 2012, pág. 67.
(30) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem , pág. 652.
(31) Conforme Pessoa Jorge, in Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 378, citado no Ac. do STJ de 16/9/2008, e acessível in www.dgsi.pt, proc. nº 08A1941.
(32) In Das Obrigações em geral, 3ª edição, Vol. I, pág. 789.
(33) In Direito das Obrigações, 3ª edição, 1979, pág. 524.
(34) In Direito das Obrigações, 3ª edição, 1980,Coimbra Editora, págs. 369 e segs..
(35) In Jornal Oficial nº 176, pág. 11378, de 28/7/2004,in www.dgsi.pt/pgrp.nsf.
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Guimarães, 30/1/2014
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte