Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4508/17.0T8BRG.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO
CONVERSÃO EM DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
DECISÃO PRÉVIA AO DECRETAMENTO DO DIVÓRCIO DAS QUESTÕES EM QUE NÃO HÁ ACORDO DOS CÔNJUGES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo Relator):

I. A natureza do Recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina que o seu objecto apenas possa incidir sobre questões que já tenham sido apreciadas pelo Tribunal que proferiu a decisão posta em crise com ele, não podendo o Tribunal de Recurso ser confrontado com “questões novas”.

II. Numa acção de divórcio que tiver resultado da conversão por acordo do divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges em mútuo consentimento, o Juiz só poderá proferir a sentença que decrete o divórcio, depois de terem sido por si decididas as questões sobre as quais os cônjuges não alcançaram acordo (art. 1775º, 1778º-A, nº 4, 5 e 6 do CC);

III- Para este efeito, a solução que parece mais conforme com as intenções da Lei e o princípio da adequação formal (art. 547.º CPC) é a de o Tribunal fixar os regimes necessários relativos às aludidas questões, sobre as quais não existe ainda consenso entre os cônjuges, como uma questão incidental, através da forma da jurisdição voluntária, devendo tal procedimento iniciar-se com uma notificação às partes para que as mesmas aleguem o que tiverem por conveniente (e apresentem os respectivos meios de prova), seguida de debate a realizar a final”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Joaquim intentou a presente acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra Maria, pedindo, com os fundamentos constantes da petição inicial, que aqui se dão por reproduzidos, que se decrete a dissolução, por divórcio, do seu casamento com a Ré.
Realizada a tentativa de conciliação, os cônjuges persistiram no propósito de se divorciarem, tendo, no entanto, anuído na conversão dos presentes autos em divórcio por mútuo consentimento e estabelecido os acordos celebrados respeitantes à casa de morada de família e à regulação das responsabilidades parentais do filho ainda menor, tendo ficado mencionado na respectiva Acta que os autos aguardariam a junção da relação de bens e prosseguiriam relativamente a alimentos entre cônjuges.
*
Na sequência, foi proferida a seguinte decisão:

“Realizada a conferência de pais, no âmbito do processo em apenso e depois de breve período de conversações, pelo ilustre mandatário do autor, com procuração com poderes especiais, pelo ilustre mandatário da ré e por esta, foi dito pretenderem as partes converter os presentes autos em divórcio por mútuo consentimento.

Para tal apresentam os seguintes acordos:

PRIMEIRO
REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS:

A regulação do exercício das responsabilidades parentais da criança Joaquim, nascido em 06.06.2008, foi hoje efectuada nos autos em apenso com o nº. 4508/17T8BRG -A.

SEGUNDO
DESTINO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA:

A cada de morada de família fica atribuída à ré, até à partilha.

TERCEIRO
BENS COMUNS:

Requerem o prazo de 10 (dez) dias, para poderem apresentar, cada um, uma relação de bens, já que divergem quanto aos bens a integrar a mesma.

QUARTO
ALIMENTOS:

Quanto a alimentos, autor e ré, não estão acordados, encontrando-se o autor a pagar à ré, a título de alimentos provisórios, a quantia mensal de 500 € (quinhentos euros), pelo que os autos prosseguirão quanto aos mesmos – ver infra.
***
De seguida, a Mmª Juíza de Direito proferiu o seguinte:

DESPACHO:

Face à vontade manifestada pelas partes e por se verificarem os necessários pressupostos, admito a pretendida convolação do presente divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento - ver o art.º 931.º, n.º 3, do CPC - e considero realizada, desde já, a conferência a que alude o art.º 1779.º do CC.
Proceda-se, assim, à rectificação da distribuição, descarregando na presente e carregando na espécie adequada.
***
De seguida, e do teor do despacho que antecede foram os presentes devidamente notificados.
***
Logo após, a Mm.ª Juíza proferiu a seguinte:

SENTENÇA

I. Relatório.

Joaquim intentou acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra Maria, pedindo, com os fundamentos constantes da petição inicial, que aqui se dão por reproduzidos, que se decrete a dissolução, por divórcio, do seu casamento com a ré.
Realizada a tentativa de conciliação, os cônjuges persistiram no propósito de se divorciarem, tendo, no entanto, anuído na conversão dos presentes autos em divórcio por mútuo consentimento e estabelecido os acordos celebrados respeitantes à casa de morada de família e à regulação das responsabilidades parentais do filho ainda menor, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, aguardando-se pela junção da relação de bens e prosseguindo os autos relativamente a alimentos entre cônjuges.

II. Fundamentação.
A. Os factos:

Com interesse para a decisão encontram-se provados o seguinte facto:

a) Joaquim e Maria, contraíram casamento civil, no dia 20 de Junho de 1987, sem convenção antenupcial (ver fls. 4 verso), e,
b) Desse casamento tiveram três filhos: Adriana, nascida em 02.02.1989 (cfr. fls. 5 verso), Sofia, nascida em 11.03.1992 (cfr. fls. 7) e Joaquim, nascido em 06.06.2008 (cfr. fls. 8 verso).

B. O Direito:

O divórcio por mútuo consentimento pode ser requerido pelos cônjuges a todo o tempo - vide o art.º 1773º, nº 2, do CC.
Deve pois, ser decretado o divórcio entre os cônjuges.
As custas da acção serão suportadas por ambos os cônjuges, dada a consecução do acordo e o disposto nos art.ºs 537.º, n.º 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC.

III. Decisão:

Pelo exposto, decreto o divórcio por mútuo consentimento entre Joaquim e Maria, com a consequente dissolução do seu casamento.
Como os acordos obtidos entre cônjuges são válidos, quer pelo seu objecto quer pela qualidade dos intervenientes, acautelando suficientemente os interesses a proteger, homologo-os, por sentença, condenando-os a cumpri-los nos seus precisos termos.
(…)

Oportunamente, cumpra o disposto no art.º 78º, nºs 1 e 2, ex vi do art.º 69º, n.º 1, do CRC e art.º 1920º-B, al. a) do CC.
Registe e notifique.
*
Concede-se às partes o requerido prazo de 10 dias, para a apresentação da relação de bens.
Mais determino o prosseguimento dos presentes autos relativamente à prestação de alimentos entre cônjuges, ordenando, desde já, a notificação das partes, para, igualmente no prazo de 10 dias, deduzirem o respectivo incidente.
Notifique.”
*
É justamente desta decisão que a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

1. A Recorrente, por requerimento junto aos autos a 17 de Novembro de 2017, retractou-se da anuência prestada na tentativa de conciliação ocorrida a 7 de Novembro de 2017 relativa à convolação dos autos em divórcio mutuamente consentido, revogando esse consentimento e requerendo o prosseguimento daqueles como divórcio sem consentimento do cônjuge e a sua citação.
2. A Recorrente não apresentou, em consequência, a relação de bens comuns do casal no prazo que lhe tinha sido fixado na referida tentativa de conciliação e até hoje, nem subscreveu a relação apresentada pelo seu cônjuge (que peca por graves omissões),
3. Também não deduziu nos autos o incidente relativo ao pedido de alimentos para cônjuge ou ex-cônjuge.
4. A Meritíssima Juiz a quo não tomou posição sobre o requerimento da Recorrente nem ordenou a citação, transitando no dia 7 de Dezembro de 2017 a sentença que decretou o divórcio.
5. O direito potestativo de extinção do vínculo matrimonial da Recorrente assume a natureza de direito de personalidade assimilável a direito, liberdade ou garantia fundamental, exercitável por qualquer dos cônjuges desacompanhado do outro até ao trânsito em julgado da sentença de divórcio.
6. O exercício desse direito não carece de justificação ou fundamentação, atentos os superiores interesses pessoais e patrimoniais que lhe correspondem.
7. Acresce que a falta de apresentação de relação de bens comuns do casal pela Recorrente inviabiliza, por si só, o prosseguimento dos autos de divórcio por mútuo consentimento, por faltar um pressuposto processual essencial, o que inquina de nulidade a sentença em crise que decretou o divórcio, por constituir ato que a lei reputa de essencial para o prosseguimento dos autos (no que se inclui a posterior partilha) com influência decisiva na boa decisão da causa.
8. Pelo exposto, a douta sentença em crise é nula e ilegal por violação do disposto nos artigos 195º nº 1 e 2, 283º nº 1, 289º, nº 2, 994º nº 1 alínea b), 996º nº 1, do Código de Processo Civil, pelo que deve ser anulada e substituída por despacho que ordene a citação da Recorrente e o prosseguimento dos autos como de divórcio sem o consentimento do cônjuge...”.
*
O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Apresenta dois argumentos:

IDo objecto do recurso – a limitação objectiva da “questão nova”- defendendo que: “não pode ser apreciada no âmbito do presente recurso a “questão nova” da retractação do consentimento. Só quando vier a ser proferida, pelo tribunal a quo, uma decisão sobre o requerimento da retractação (de 17/11/2017), é que essa decisão (e não a sentença de 07/11/2017, que decretou o divórcio) pode ser objecto de recurso”.
IIDos pressupostos ao decretamento do divórcio- defendendo que “pode haver acordo quanto ao divórcio e algumas dessas questões, mas não quanto a todas – como poderá ser mais concretamente a questão da atribuição da casa de morada de família. (...). E a ser desta forma, também nenhum obstáculo pode impedir a que se tenha como legais quer o despacho que a fls.53 converteu o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges em divórcio por mútuo consentimento, quer a decisão que a fls.286 e 287 homologou os acordos já celebrados nos autos e decretou o divórcio por mútuo consentimento entre os cônjuges aqui requerentes”.
Termina pedindo que o Recurso seja julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida”.
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Por ter sido levantada pelo Recorrido, cumpriu-se o princípio do contraditório quanto à questão de saber se o fundamento invocado relativo “à retractação do consentimento” traduzia-se numa “questão nova” insusceptível de ser conhecida nesta sede Recursiva.
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Pronunciou-se a Recorrente através do requerimento de fls. 57 e ss., pugnando pela inexistência de motivo para a rejeição do Recurso com esse fundamento.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
*
No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:

- Nulidade da sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento:

i) – Por não ter sido atendida a sua declaração de retractação de 17/11/2017, existindo uma violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 195.º, no n.º 1 do art.
283.º e no n.º 2 do art. 289.º do CPC (cfr. conclusões 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 8);
ii) – E porque ao não ter apresentado relação de bens nem ter subscrito a relação de bens apresentada pelo A., nem ter ficado estabelecido acordo quanto à obrigação entre cônjuges, ficaram a faltar os pressupostos processuais essenciais para que pudesse ter sido decretado o divórcio, existindo uma violação do da al. b) do n.º 1 do art. 994.º e do n.º 1 do art. 996.º, todos do CPC (cfr. conclusões 7 e 8).
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a apreciação e decisão do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
Comecemos por analisar a primeira questão que contende com o pedido que a Recorrente, agora, formula, de nulidade da sentença que decretou o divórcio por mútuo consentimento:

i) – Por não ter sido atendida a sua declaração de retractação de 17/11/2017, existindo uma violação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 195.º, no n.º 1 do art. 283.º e no n.º 2 do art. 289.º do CPC (cfr. conclusões 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 8).
Como decorre do Relatório elaborado, na sequência da arguição do Recorrido, cumpriu-se o princípio do contraditório quanto à questão de saber se tal fundamento constituía uma “questão nova” insusceptível de ser conhecida pela presente Instância.

Cumpre decidir.
Como é sabido, a natureza do Recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina que o seu objecto apenas possa incidir sobre questões que já tenham sido apreciadas pelo Tribunal que proferiu a decisão posta em crise com ele, não podendo o Tribunal de Recurso ser confrontado com “questões novas”.
Na verdade, os Recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando as mesmas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento- sendo que neste caso a questão nova, de conhecimento oficioso, só pode ser conhecida se previamente for cumprido o princípio do contraditório (1).
Com efeito, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (art. 627.º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo, conforme se referiu, quanto às questões de conhecimento oficioso- o que evidentemente não sucede no caso concreto quanto à questão proposta pela Recorrente.

Assim, de acordo com a terminologia proposta pelo Prof. Teixeira de Sousa (2), não se pode deixar de ter presente que tradicionalmente o legislador tem seguido, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso.

Para se concluir no sentido de que os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido (3).
Nesta conformidade, em sede de recurso, o que se põe em causa e se pretende alterar é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise.

A este propósito, também Abrantes Geraldes (4) explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objectivo que se reflecte na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências susceptíveis de serem assumidas.

O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento.

Não permite a lei que nos recursos sejam discutidas questões novas que não foram suficientemente submetidas ao escrupuloso respeito pela regra do contraditório, a fim de obviar que, numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas.

Assim, visando os recursos, como se referiu, a reapreciação de decisões judiciais, as alegações da Recorrente revelam a violação das aludidas regras sobre os limites objectivos dos recursos.
Na verdade, como se disse, os recursos visam a reapreciação de anteriores decisões, sendo excepcional a possibilidade de neles ser vertida ou apreciada matéria nova.

Nessa medida, não é admissível, em termos processuais, confrontar o presente Tribunal de Recurso com uma questão de direito nova, no sentido em que se trata de uma questão que, com anterioridade ao momento da interposição do Recurso, nem sequer foi discutida ou apreciada em sede de Primeira Instância.

Com efeito, a decisão aqui posta em crise não se pronunciou, nem de uma forma expressa, nem sequer implicitamente, sobre o requerimento apresentado pela Recorrente e que contende com a possibilidade de a mesma se poder “retractar da anuência prestada na tentativa de conciliação ocorrida a 7 de Novembro de 2017 relativa à convolação dos autos em divórcio mutuamente consentido, revogando esse consentimento e requerendo o prosseguimento daqueles como divórcio sem consentimento do cônjuge e a sua citação”.

Na verdade, nunca a decisão recorrida podia tê-lo feito, desde logo, porque a aludida declaração de retractação só foi junta aos autos em momento posterior à prolação da sentença aqui posta em crise.
Nessa medida, a questão de saber se a Recorrente pode retractar-se da referida anuência à conversão do Divórcio em Mútuo Consentimento terá primeiro que ser discutida e decidida em Primeira Instância e só depois dessa pronúncia é que pode ser submetida à apreciação do Tribunal Superior.

Estas considerações decorrem justamente daquilo que ficou dito atrás.

Ou seja, decorrem do facto de os recursos se destinarem, no nosso sistema processual, à apreciação de questões já antes tenha sido levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido (5).
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que a pretensão da Recorrente, deduzida com este fundamento, tem que ser julgada improcedente, por o presente Tribunal não poder tomar conhecimento de questões novas que ainda não tenham sido objecto de decisão na Primeira Instância- o que se decide.
*
Entremos agora no segundo fundamento invocado pela Recorrente para considerar que a sentença proferida é nula.
Contende ele com a ideia de que faltaram os pressupostos processuais essenciais para que pudesse ter sido decretado o divórcio, existindo uma violação do da al. b) do n.º 1 do art. 994.º e do n.º 1 do art. 996.º, todos do CPC (falta de junção da relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores e falta de junção do acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça).

Cumpre decidir.
É inequívoco que a sentença que decretou o Divórcio (por mútuo consentimento) foi proferida sem que as partes tenham previamente junto os aludidos acordos atrás mencionados.
A questão que se coloca é a de saber se a falta de junção desses acordos constituem – para utilizar a expressão da Recorrente- “pressupostos processuais essenciais para que pudesse ter sido decretado o divórcio”, de tal forma que a sentença aqui posta em crise deve ser considerada nula.
Ora, o nosso entendimento é que a Recorrente tem plena razão na argumentação que apresenta.
Como é sabido, a Lei nº 61/2008, de 31/10, que alterou o regime jurídico do divórcio, veio consagrar a par do divórcio por mútuo consentimento, uma nova modalidade de divórcio, o “divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” – art. 1773º, nº 1, do C. Civil.
Este novo tipo de divórcio é requerido no tribunal por um dos cônjuges contra o outro, com algum dos fundamentos previstos no art. 1781º do CC (nº 3 do referido normativo) e pode ser objecto de convolação (“conversão” no dizer do legislador) em divórcio por mútuo consentimento.

Com efeito, dispõe o art. 1779º, nº 2, do CC que “Se a tentativa de conciliação não resultar, o juiz procurará obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento; obtido o acordo, ou tendo os cônjuges, em qualquer altura do processo, optado por essa modalidade de divórcio, seguir-se-ão os termos do processo de divórcio por mútuo consentimento, com as necessárias adaptações”.

Assim, nos termos do art. 1778º-A do CC, aplicável ao caso concreto por força do art. 1779º do CC, uma vez obtido o acordo para a conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento, o Juiz tem de fixar as consequências do divórcio sobre que os cônjuges não tenham apresentado acordo, como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (6).

Ora, para fixar as consequências do divórcio, “… o juiz pode determinar a prática de actos e a produção de prova eventualmente necessária “ (nº 3 do citado art. 1778º-A do CC) - sendo que uma dessas consequências é justamente a fixação de alimentos ao cônjuge que deles alegadamente careça (e também a apresentação da relação dos bens comuns com menção dos respectivos valores).
Verifica-se aqui uma remissão para o regime do divórcio por mútuo consentimento, em que, por sua vez, passou a haver possibilidade de ocorrer acordo dos cônjuges apenas quanto ao divórcio, mas não quanto às consequências do divórcio, caso em que o processo prosseguirá sem o acordo dos cônjuges nas respectivas questões – as que se referem no artº 1775º, nº 1, do CC em que se incluem os Acordos aqui em falta – e para que o tribunal possa decidir quanto a essas consequências do divórcio.
Parece claro que a falta de acordo dos cônjuges quanto às consequências do divórcio, não converte o processo de divórcio num processo de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (continua a ser processo de divórcio por mútuo consentimento, por haver acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento), mas sem prejuízo de o tribunal dever proceder como se estivesse perante um divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
Resulta do exposto que a lei concebe um divórcio por mútuo consentimento judicial, em que haja acordo dos cônjuges quanto à dissolução do casamento, mas não quanto às consequências do divórcio (entenda-se quanto às questões referidas no artº 1775º, nº 1, do CC (7) – quanto a algumas ou quanto a todas), caso em que cumprirá ao tribunal fixar essas consequências (8) e só depois, de estas serem resolvidas, é que pode ser proferida sentença a decretar o divórcio por mútuo consentimento.
Estas exigências legais já existiam no regime anterior, sendo então indiscutível que os cônjuges que pretendessem divorciar-se por mútuo consentimento deveriam estar de acordo, não só sobre o divórcio, mas também sobre três das suas mais importantes sequelas: a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça, o exercício do poder paternal relativamente aos filhos menores e o destino da casa de morada de família.

Nas palavras do Prof. Pereira Coelho, “Entre o acordo sobre o divórcio e estes acordos há assim uma união ou coligação negocial que se traduz aqui numa certa dependência bilateral” (9).
Ora, é por assim ser, que se tem que entender a sentença a decretar o divórcio por mútuo consentimento só pode ser proferida após o Juiz ter resolvido todas as questões respeitantes às temáticas referidas nas alíneas do nº 1 do art. 1775º do CC que tenham pertinência para o caso concreto e sobre as quais as partes não tenham logrado efectuar um acordo que salvaguardasse os respectivos interesses (ou dos seus filhos menores).

Com efeito, ao contrário do regime anterior, em que existia uma separação definida na tramitação e na competência entre o divórcio por mútuo consentimento (onde os cônjuges deveriam acordar nas questões relativas aos seus interesses pessoais e patrimoniais e aos interesses dos filhos menores) e o divórcio litigioso (em que essas questões seriam objecto de decisão nas acções próprias, não afectando a tramitação da acção de divórcio), no regime actual, estando os cônjuges de acordo em cessar a relação matrimonial por divórcio, mas não havendo acordo sobre todas ou alguma daquelas questões que constituem as consequências do divórcio, incumbe ao juiz, como já se referiu, decidir os efeitos do divórcio relativamente a essas questões, “como se fosse um divórcio sem consentimento”.
Estas questões sobre as quais as partes não lograram acordo, constituem, pois, incidentes da acção de divórcio e são tramitadas nos próprios autos.
Assim, “consistindo a questão principal da causa no decretamento do divórcio (artigo 1778.º-A, n.º 5 do Código Civil), a definição judicial das consequências deste configura uma questão incidental, a resolver de acordo com as orientações processuais que o juiz entender mais convenientes, quer quanto ao conteúdo e forma dos actos processuais, quer quanto à produção de prova considerada necessária, observando os princípios processuais, nomeadamente da igualdade das partes e do contraditório” (10).

Ora, aqui chegados, e como de uma forma exemplar se refere no ac. da RG de 15.3.2016 (relator: Helena Melo), podemos, assim, concluir que, pelas razões expostas, “a fixação das consequências do divórcio constitui pressuposto da homologação do divórcio por mútuo consentimento”.

Nessa medida, “o juiz decretará o divórcio por mútuo consentimento, depois de ter determinado as consequências do divórcio que os cônjuges não conseguiram combinar” (11).
O que quer dizer que “o divórcio só pode ser decretado depois de decididas as questões que os cônjuges não apresentaram acordo. Com efeito, de acordo com o disposto no art. 1778º, nº 5 do CC, o divórcio é decretado em seguida, ou seja, após a decisão dessas questões, não antes. Esta solução permitirá, seguramente, o esforço dos cônjuges no sentido de em qualquer altura do processo tentarem acordar nestas matérias, de modo a conseguirem antecipar o divórcio e respectivas consequências jurídicas. E obtidos os acordos em falta, seguir-se-á a decisão de homologação e decretamento do divórcio ” (12).
É esse também o entendimento de Rute Teixeira Pedro (13) que refere que “o decretamento do divórcio (por mútuo consentimento) pressupõe a definição prévia do regime a aplicar às questões previstas no nº1 do art. 1775º”.
Por isso, “naturalmente que o Juiz só poderá proferir a sentença que decreta o divórcio por mútuo consentimento, depois de terem sido por si decididas as questões, sobre as quais, os cônjuges não alcançaram acordo (art. 1775º, 1778º-A, nº 4, 5 e 6 do CC)” (14).

Assim, “ao contrário do que sucede no divórcio “sem consentimento de um dos cônjuges”, o juiz não pode aqui decretar o divórcio por mútuo consentimento sem fixar as consequências do mesmo relativamente às questões referidas” (15).
Revertendo para o caso concreto, constata-se que as partes decidiram/acordaram, na Tentativa de Conciliação, converter o divórcio sem o consentimento do outro cônjuge em mútuo consentimento, o que foi admitido pelo Tribunal.
Sucede que, conforme decorre da Acta elaborada, as partes não lograram chegar a consenso quanto a dois dos Acordos legalmente exigidos para que o Divórcio por mútuo consentimento pudesse ser imediatamente decretado (quanto aos alimentos entre cônjuges e quanto à relação dos bens comuns (16)).
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, a partir desse momento, o divórcio não podia ser imediatamente decretado, sem que as partes juntassem aos autos os aludidos acordos (como inicialmente haviam protestado fazer) ou o tribunal (no caso daquela junção não suceder) decidisse essas questões “como se se tratasse de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges” (art. 1778º-A, nº 3).
Só depois de decididas estas questões é que poderá ser proferida a sentença aqui posta em crise, já que, como já se evidenciou, a fixação das consequências do divórcio constitui pressuposto da homologação do divórcio por mútuo consentimento.
Conclui-se, pois, que a Recorrente tem razão quando defende a nulidade da sentença de divórcio aqui posta em crise com fundamento no não preenchimento dos requisitos legais imperativamente impostos pelo Legislador para que a mesma pudesse ser proferida.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente Recurso, e, em consequência, revoga-se a sentença proferida, devendo os autos prosseguir para resolução das questões ainda não resolvidas e que constituem pressuposto daquela- tudo sem prejuízo das questões pendentes em sede de Primeira Instância e sobre as quais o presente Tribunal considerou não se poder pronunciar porque no âmbito do presente Recurso se traduziam em “questões novas”.
*
III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

-o Recurso interposto pela Recorrente parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a sentença de divórcio por mútuo consentimento proferida, devendo os autos prosseguir para resolução das questões ainda não resolvidas e que constituem pressuposto daquela nos termos expostos.
*
Custas em partes iguais pela Recorrente e pelo Recorrido (artigo 527º, nº 1 do CPC) - sem prejuízo do Apoio judiciário concedido
*
Guimarães, 3 de Maio de 2018

Pedro Alexandre Damião e Cunha
Dra. Maria João Marques Pinto de Matos
Dr. José Alberto Moreira Dias

1. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, págs. 97 a 99.
2. In “Estudos Sobre o Processo Civil”, págs. 395 e ss..
3. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, in “CPC Anotado”, Vol. III. Tomo 1, 2ª Ed., pág. 8.
4. In “Recursos em processo civil”, pág. 23.
5. V. na Jurisprudência, entre outros, os acs. da RC de 11.8.2011 (relator: Henrique Antunes), 14.1.2013 (relator: Maria Inês Moura), e de 22.10.2013 e do STJ de 28.4.2010, 3.2.2011, 12.5.2011, 24.4.2012, 5.5.2016 e 17.11.2016, todos disponíveis em Dgsi.pt.
6. Guilherme Oliveira in “Lex Familiae” Ano 7, nº 13, 2010, no Estudo “A Nova Lei do Divórcio”, págs. 11 e segs., abordando o caso em que o processo de divórcio tramita no tribunal por não poderem ser homologados os “acordos complementares” afirma: “Regresso à competência dos tribunais. Nos casos referidos acima, o divórcio regressa, pois, para a competência dos tribunais, acrescendo aos casos em que o processo começou pela via litigiosa e foi convertido em divórcio por mútuo consentimento. O art. 1778.°-A determina os procedimentos do tribunal, com vista ao suprimento do acordo dos cônjuges e à fixação do regime ou dos regimes que eles não conseguiram encontrar de um modo digno de homologação. Porém, a Lei n.º 61/2008 ficou omissa quanto à forma processual que devem seguir estas diligências que ficam cometidas ao juiz, “como se tratasse de um divórcio sem consentimento de um dos cônjuges”. Como sugestão de aditamento, creio que se devia estabelecer que estes procedimentos seguissem a forma da jurisdição voluntária, como esteve na intenção original (não explicitada) da reforma da lei e como parece mais apropriado”- v. o que se dirá, mais à frente, quanto à tramitação processual que deverá ser seguida.
7. É a seguinte a redacção do artigo 1775º do CC: “1.O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo o tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores, acompanhado pelos documentos seguintes: a) Relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores, ou caso os cônjuges optem por proceder à partilha daqueles bens nos termos dos artigos 272º-A a 272º-C do Decreto-Lei nº324/2007, de 28 de Setembro, acordo sobre a partilha ou pedido de elaboração do mesmo; b) Certidão da sentença judicial que tiver regulado o exercício das responsabilidades parentais ou acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais quando existam filhos menores e não previamente havido regulação judicial; c) Acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça; d) Acordo sobre o destino da casa de morada de família; e) Certidão da escritura da convenção antenupcial, caso tenha sido celebrada; f) Acordo sobre o destino dos animais de companhia, caso existam. 2.Caso outra coisa não resulte dos documentos apresentados, entende-se que os acordos se destinam tanto ao período da pendência do processo como ao período posterior.”
8. V entre outros, os Acs. da RG de 13.03.2012 (relator: Maria Purificação Carvalho) e de 15.3.2016 (relator: Helena Melo), da RL de 11.7.2013 (relator: Orlando Nascimento), da RE de 11.6.2015 (relator: Maria Moura Santos), ac. da RP de 27.3.2014 (relator: Carlos Portela) e do STJ de 13.11.2014 (relator: Fonseca Ramos), in dgsi.pt.
9. In “Curso de Direito da Família” (ebook), Volume I, pág.715. Esclarece, no entanto, o Autor, nesta última edição publicada, que: “Antes da Lei n.º 61/2008, a dependência bilateral era rigorosa (…). Depois da Lei n.º 61/2008, a relação de dependência não é tão rigorosa. Na verdade, o acordo sobre o divórcio não depende daqueles acordos complementares; a falta de algum deles, ou da sua homologação, apenas determina que a competência seja do tribunal, onde o processo iniciará os seus termos, ou para onde será remetido, conforme o caso. O acordo fundamental sobre a dissolução não caduca pela falta de algum, ou de todos os acordos complementares. O divórcio pode acabar por ser decretado por mútuo consentimento, ainda que os cônjuges não tenham conseguido obter acordos sobre tudo o resto”.
10. Como António José Fialho defende em www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/O_divorcio.pdf, Comunicação apresentada na acção de formação “Regime Jurídico do Divórcio”, realizada pelo CEJ no dia 23.11.2012. No mesmo sentido, v. Tomé Ramião, in “Divórcio e questões conexas”, págs. 60 e ss.. V., também neste sentido, Pereira Coelho, in “Curso de Direito da Família” (ebook), Volume I, pág. 713.que defende que: “Já era duvidosa a tramitação a seguir para a fixação das consequências do divórcio, e a Lei n.º 61/2008 não esclareceu o assunto nem para o caso antigo da conversão nem para os dois casos novos. Mas pode dizer-se que, sabendo que o propósito da lei foi o de “salvar” o acordo fundamental sobre o mútuo consentimento, garantir que os temas complementares ficavam logo regulados, e fazer o tribunal decretar o divórcio “em seguida” (art. 1778.ºA,n.º 5), parece razoável afirmar que a solução mais adequada não é de cumprir uma tramitação própria e autónoma relativamente à atribuição da casa de morada da família, à regulação das responsabilidades parentais, ou à fixação de alimentos. A solução que parece mais conforme com as intenções da Lei e o princípio da adequação formal (art. 547.º CProcCiv) é a de fixar os regimes necessários como uma questão incidental, através da forma da jurisdição voluntária. E quando este procedimento, cuja adopção deve ser precedida de uma notificação às partes e eventual debate, frustrar as expectativas de alguma delas, porque diminui o formalismo normal do processo comum de declaração quanto à fixação de alimentos, talvez deva restar a esse cônjuge opor-se à tramitação no tribunal, caso em que o pedido de divórcio por mútuo consentimento seria indeferido”. Em sentido aparentemente diferente, Rita Lobo Xavier, in “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, págs.19 e seguintes, refere também que “se, por um lado, o nº 4 do art.º1778º-A implica que o juiz deverá determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, de acordo com o princípio da adequação formal previsto no art.º 265º-A do CPC, não se pode deixar de considerar que a aplicação (remissiva) do regime do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges conduz a que cada uma das consequências do divórcio enunciadas continua a ser tratada com autonomia relativamente à acção de divórcio”. Assim admite que o processo de divórcio por mútuo consentimento judicial, em muitas situações, «se multiplicará nas numerosas peças processuais e audiências de julgamento mais próprias de um divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges”. Também Alexandra Viana Lopes, in “Divórcio e responsabilidades parentais”, págs. 148 e 149 refere que “Em todo o caso, enxertando-se as discussões sobre as consequências do divórcio na própria acção de divórcio com consentimento, não se pode deixar de prever uma grande complexidade processual, com o acentuar da demora na definição das pretensões litigiosas, em face da diversidade de qualidade de cada uma das partes nas diferentes pretensões. A parte que entender que as regras incidentais constituem uma diminuição das garantias em face das acções comuns de alimentos, de atribuição de casa de morada de família e de regulação das responsabilidades parentais, pode revogar o consentimento do divórcio por mútuo consentimento e instaurar ou aguardar a instauração de acção de divórcio sem consentimento, com a cumulação do pedido de alimentos e a instauração das acções conexas em que venha a pedir a definição desses interesses (artigos 470.º, n.º 2 e 1413.º, do Código de Processo Civil e artigos 154.º, n.º 4 e 174.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro)”.
11. In “Curso de Direito da Família” (ebook), Volume I, a pág.691. Explica, no entanto, este autor, a pág. 702 que “… enquanto no regime anterior a falta de algum dos acordos ou a não homologação de algum deles conduzia necessariamente ao indeferimento do pedido de divórcio, na Lei n.º 61/2008 estas circunstâncias justificam somente que o processo corra no tribunal, para que seja o juiz a definir o regime que os cônjuges não conseguiram estabelecer entre si. Deste modo, “salva-se o acordo principal que diz respeito à própria dissolução do casamento; ou seja, o casamento acabará por ser dissolvido por mútuo consentimento, embora corra no tribunal e algum daqueles assuntos importantes seja regulado por decisão do juiz”.
12. Tomé Ramião, in “O Divórcio e questões conexas”, pág. 64.
13. In “CC anotado” (Coord. Ana Prata), Vol. II, pág. 679.
14. Marta Falcão/ Miguel Serra/ Sérgio Tomás, in “Direito da Família- da teoria à prática” pág. 89.
15. Rita Lobo Xavier, in “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais”, pág. 21.
16. Importa esclarecer que, quanto a esta, o que o legislador impõe é apenas a junção da relação especificada dos bens comuns (e indicação dos respectivos valores) e não um acordo de partilha- v. por todos, Tomé Ramião, in “O Divórcio e questões conexas”, págs. 56, 57 e 59 e 60. Neste sentido, aliás, a doutrina e a jurisprudência (por ex. os acs. desta Relação de 17/6/2004 (relator: Manso Rainho) e de 28/6/2007 (relator: Espinheira Baltar) têm defendido que a relação especificada de bens comuns, junta ao processo de divórcio por mutuo consentimento, não é abrangida pelo efeito de caso julgado da sentença que decretou o divórcio. No seguimento desta jurisprudência não podemos, pois, deixar de concluir que o pressuposto de decretamento do divórcio é a apresentação do documento “relação especificada dos bens comuns” e não a existência de acordo quanto aos bens comuns, nada obstando a que dessa relação sejam omitidos bens, que dela conste a declaração de inexistência de acordo quanto a determinados bens ou até que, cada um dos cônjuges apresente a sua relação especificada de bens comuns, uma vez que os litígios sobre a mesma serão ulteriormente dirimidos no processo próprio- destas considerações decorre, como é óbvio, que a exigência legal da existência deste acordo, enquanto pressuposto do decretamento do divórcio, acaba por assumir uma relevância diminuta, havendo mesmo quem defenda que não é obrigatória a sua junção- posição que aqui não adoptamos, tendo em consideração o disposto na al. a) do nº 1 do art. 1775º do CC- neste sentido, também, Rita Lobo Xavier, in “Recentes Alterações ao Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, pág. 22 e nota 20: “o juiz só pode decretar o divórcio depois de os cônjuges chegarem a acordo quanto à relação especificada dos bens comuns”.