Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2652/10.4TAGMR.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: FALSO TESTEMUNHO
ACTA DE JULGAMENTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – Na audiência de julgamento apenas têm de ser gravadas as declarações prestadas e não, também, os juramentos e as advertências efetuadas;
II – A ata do julgamento é um documento autêntico, constituindo prova tarifada/legal/vinculada quanto aos factos nela atestados, salvo arguição e prova de falsidade;
III – A transcrição, meramente particular, das declarações prestadas por uma testemunha num julgamento não afasta a prova de que essa testemunha foi advertida das consequências penais da falsidade de testemunho, no caso de tal advertência constar da ata do julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

António P... foi condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. no art. 360°, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 400 dias de multa, à razão diária de € 5,00.

Inconformado recorre o arguido, suscitando, em síntese, as seguintes questões:

- nulidade da sentença por falta de fundamentação;

- impugnação da matéria de facto;

- qualificação jurídica dos factos;

- medida da pena.

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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência.

A requerimento do recorrente teve lugar a audiência.

Cumpre decidir.

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II- Fundamentação

Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões desenvolvidas no corpo da motivação que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são, por exemplo, os vícios da sentença previstos no artigo 410º., nº. 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995).

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Da sentença recorrida

A) Factos provados

1. No âmbito do Processo Comum Colectivo com o nº 43/09.9GAGMR, que correu termos na 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, foi julgado Marco R... pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21°, nº 1 do DL nº 15/93 de 22/01, com referência às tabelas l-A e I-B anexa a esse diploma.

2. No dia 13 de Outubro de 2010, naquele Tribunal, no âmbito da audiência de julgamento do processo acabado de referir, o arguido António P..., encontrando-se nesse processo investido na qualidade de testemunha, e após ter prestado juramento e ter sido advertido das consequências penais em caso de falsidade de testemunho, referiu que já tinha telefonado para o telemóvel do aí arguido Marco R... mas apenas para combinarem ir beber um copo, negando que alguma vez lhe tivesse telefonado para lhe encomendar cocaína. Maia referiu que desconhecia que esse arguido se dedicasse à venda de estupefaciente e negou que alguma vez aquele lhe tivesse vendido produto dessa natureza.

3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, foi confrontado com a existência de discrepâncias flagrantes entre essas declarações e aquelas outras que havia prestado em sede de inquérito, perante a GNR, onde começou por afirmar ser consumidor de cocaína e que, em conversa com o seu amigo Filipe, irmão do explorador do café "Apolo" em Vizela aquele disse-lhe que também frequentava esse café o Marco R... que se dedica ao tráfico de estupefacientes. Mais referiu que, na posse dessa informação, quando se cruzou com o Marco R..., pediu-lhe o número de telemóvel para futuros contactos, o que fez em meados de Abril de 2009, altura em que lhe telefonou e com ele combinou um encontro com o objectivo de lhe comprar droga. Continuou dizendo que, conforme o combinado, encontraram-se no parque de estacionamento do Feira Nova em Vizela onde exibiu ao Marco R... a quantia de duzentos e cinquenta euros e lhe encomendou cinco gramas de cocaína. Mais referiu que nessa altura o Marco R... não trazia a droga pelo que o mesmo se ausentou, tendo regressado passados cerca de dez minutos altura em que lhe entregou os cinco gramas de cocaína recebendo em contrapartida os duzentos e cinquenta euros.

4. Ainda aquando desse confronto, e depois de ter sido advertido das consequências penais a que se exporia caso prestasse depoimento falso, o arguido manteve as declarações que prestara na audiência de julgamento.

5. Quando prestou o seu depoimento na audiência de julgamento nos termos referidos, o arguido tinha perfeito conhecimento, não só de que estava a contrariar o que havia afirmado como testemunha durante o inquérito, mas também que esse depoimento prestado em audiência não correspondia à verdade, designadamente no que respeita à actividade de venda de produtos estupefacientes desenvolvida pelo aí arguido Marco R....

6. Ao actuar como descrito, o arguido agiu livre e conscientemente, com a intenção concretizada de, na qualidade de testemunha, prestar falso depoimento em tribunal, após ter sido ajuramentado e advertido das consequências penais a que se expunha com essa conduta, visando, desse modo impedir que se produzisse prova de que o aí arguido Marco R... tinha praticado os factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes que lhe era imputado.

7. Ademais, tinha o arguido plena consciência que o seu comportamento era ilícito e proibido pela lei penal e, não obstante, quis levá-lo a cabo, conformando-se com os correspectivos resultados delituosos.

Mais se apurou que:

8. O arguido agiu conforme referido de 1. a 7. por ser conhecedor que o Marco R... tinha a fama de ser pessoa perigosa na comunidade em geral.

9. O arguido Marco R... é conhecido na comunidade em geral por ser pessoa agressiva e violenta.

10. Os fatos relacionados com o arguido foram naquele processo respondidos negativamente.

11. O aí arguido Marco R... foi condenado pela prática de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, que estará a cumprir.

Apurou-se ainda que:

12. O arguido tem a 4ª. Classe.

13. O arguido vive em união de fato, estando a sua mulher a frequentar um curso pelo IPEF, onde aufere uma bolsa no valor de cerca de € 250,00.

14. O arguido é pai de um menino de 08 anos de idade.

15. O filho e companheira do arguido vivem em casa dos pais desta.

16. O arguido é visitado com regularidade pelos seus familiares, no estabelecimento prisional onde se encontra.

17. O arguido trabalha no estabelecimento prisional, na área do calçado.

18. O arguido tem bom comportamento no estabelecimento prisional.

19. O arguido tem pendentes processos crime, pela prática de furtos (antes de ser preso) na comarca de Guimarães, Felgueiras e Paços de Ferreira.

20. O arguido já foi julgado e condenado:

a. PESumaríssimo nº 152106.6 GEGMR, do 3º Juízo Criminal de Guimarães - por decisão datada de 19.02.2007 e transitada a 19.02.2007, na pena de multa de 100 dias de multa à razão diária de € 3,00, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98, de 03/01, a 15.05.2006.

b. PCS nº 118/06.6GEGMR, do 3.° Juízo Criminal de Guimarães - por decisão datada de 21.03.2007 e transitada a 13.04.2007, na pena de multa de 100 dias de multa à razão diária de € 3,50, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98, de 03/01, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. ° 348°, nº1, al. a), do C.Penal, a 15.04.2006.

c. PCC nº 276/06.0GEGMR, da 2ª Vara de Comp. Mista de Guimarães - por decisão datada de 14.02.2008 e transitada a 05.03.2008, na pena de 38 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204°, nº2, al. e), do Código Penal, a 31.07.2006.

d. PESum nº 280/08.3GEGMR, do 2° Juízo Criminal de Guimarães - por decisão datada de 06.08.2008 e transitada a 05.09.2008, na pena de multa de 04 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 01 ano, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3.° do DL 2/98, de 03/01, a 24.07.2008.

e. PCS nº 153/06.4GEGMR, do 3° Juízo Criminal de Guimarães - por decisão datada de 23.10.2009 e transitada a 23.11.2009, na pena de multa de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3º do DL 2/98, de 03/01, e pela prática de um crime de trafico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25° do DL 15/93, de 22/01, a 16.05.2006.

f. PCS nº 283/08.8GBFLG, do 3° Juízo Criminal de Felgueiras - por decisão datada de 08.01.2010 e transitada a 08.02.2010, na pena de 01 ano e 06 meses de prisão, suspensa por igual período e sujeição de deveres, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204° do C. Penal, a 06.06.2008.

g. PCS nº 93/09.82GBVNF, do 2° Juízo Criminal de V.N. Famalicão - por decisão datada de 17.12.2009 e transitada a 05.03.2010, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a deveres, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98, de 03/01, a 15.03.2008.

h. PESum nº 830/10.5GBGMR, do 1° Juízo Criminal de Guimarães - por decisão datada de 13.07.2010 e transitada a 12.08.2010, na pena de 15 meses de prisão, efectiva, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98, de 03/01, a 08.07.2010.

i. PCC nº 404/10.0GBPFR, do 1° Juízo de Paços de Ferreira - por decisão datada de 22.03.2011 e transitada a 14.04.2011, na pena de 03 anos e 09 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203° e 204°, nº2, al. e), do C.Penal, a 13.09.2010.

j. PCC nº 37/09.4GEGMR, da 1ª Vara de Comp. Mista de Guimarães - por decisão datada de 15.06.2011 e transitada a 05.07.2011, na pena de 03 anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. ° 203.° e 204.°, nº2, al. e), do C.Penal, a 18.01.2009.

k. PCC nº 288/08.9GEGMR, da 2ª Vara de Comp. Mista de Guimarães - por decisão datada de 17.12.2010 e transitada a 06.09.2011, na pena de 02 anos e 06 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203.° e 204°, nº2, al. e), do C. Penal, a 01.08.2008.

l. PCS nº 809/10.7GAPFR, do 3° Juízo de Paços de Ferreira - por decisão datada de 21.06.2011 e transitada a 06.09.2011, na pena de 03 anos e 04 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203° e 204°, nº2, al. e), do C.Penal, a 15.09.2010.

m. PCS nº 1139/10.0GAFLG, do 2° Juízo Criminal de Guimarães - por decisão datada de 21.10.2011 e transitada a 21.11.2011, na pena de 01 ano e 06 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelo art. 3° do DL 2/98, de 03/01, a 24.09.2010.

n. PCC nº 1265/10.5GBGMR, da 2ª Vara de Comp. Mista de Guimarães - por decisão datada de 18.10.2012 e transitada a 12.11.2012, na pena de 02 anos e 02 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203° e 204°, nº2, al. e), do C. Penal, a 04.10.2010.

o. PCC nº 326/08.5GEGMR, do 1° Juízo de Penafiel - por decisão datada de 21.11.2012 e transitada a 17.12.2012, na pena de 02 anos e 09 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 203° e 204°, nº2, al. e), do C.Penal, a 05.09.2008.

p. O arguido está preso à ordem do PCS 1139/10.0GAFLG do 2° Juízo do Tribunal de Felgueiras, desde 26.07.2012, processo onde foi efectuado cúmulo jurídico com as penas dos processos ido em i., j., k. e L, e onde foi imposta a pena única de 7 anos de prisão.

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B) Factos Não Provados

a. O arguido fora ameaçado por Marco R... no dia em que prestou depoimento em audiência de julgamento e antes de ter sido chamado a depor.

b. O arguido quis alcançar os correspectivos resultados delituosos.

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C) Motivação de Facto

A convicção positiva do Tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita e em relação à conduta do arguido em consideração neste processo, com base nas declarações do arguido, que, de forma espontânea e livre, ainda que com reservas, os admitiu, reservas essas que consistiram nas explicações que deu para a realização da conduta ilícita - conhecer ex ante da perigosidade do arguido do processo onde depôs e ter receio de possíveis represálias por parte do mesmo -, conjugada ainda com a certidão judicial do processo onde "aconteceu" o facto ilícito, que não mereceu qualquer reparo.

Foram as declarações do arguido, prestadas da forma como se referiu supra, e quando conjugadas com o depoimento de Maria M..., vizinha da família do arguido, que, de forma ainda que genérica e não precisa ou detalhada, confirmou a fama que Marco R... tem por Vizela, nos termos dados por assentes supra em 8. e 9. Daí também o tribunal se ter convencido que o arguido se conformou apenas com os resultados da sua conduta, o que determinou a resposta positiva e restritiva ao fato vertido em 7. a não prova do fato vertido em b ..

Ora estes meios de prova, declarativo, testemunhal e documental, permitiram ao tribunal perceber, contrariamente ao que o arguido inicialmente havia adiantado, não ter existido nenhuma e concreta ameaça prévia (ou, até posterior) ao seu depoimento em audiência de julgamento. Daí a resposta negativa ao facto vertido em a.

Os concretos factos vertidos de 10. a 11. foram assim respondidos tendo em conta a certidão judicial junta aos presentes autos e que não mereceu qualquer reparo.

Finalmente, no que concerne à situação pessoal e económica do arguido considerou-se as declarações por aquele complementarmente prestadas sobre tal matéria e, bem assim, a ficha biográfica do E.P. e o certificado do registo criminal do mesmo.

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Apreciando

1- Nulidade da sentença por falta de fundamentação

Esgrime o recorrente com a nulidade da sentença por falta de fundamentação (arts. 374º, nº2 e 379º, nº1, al. a) CPP) por entender que a mesma se encontraria deficientemente fundamentada no respeitante à al. a) dos factos não provados, já que através da fundamentação não seria possível reconstituir o caminho lógico-racional que o Tribunal percorreu para dar como não provado tal facto.

Contudo, tal argumentação não colhe.

Desde logo porque a falta de fundamentação incorporadora da nulidade em causa não será seguramente confundível com qualquer eventual deficiência (nas próprias palavras do recorrente) de fundamentação relativa a este ou aquele facto.

Não se esqueça que a disposição legal citada só comina de “nulidade” a falta ou ausência de fundamentação (“que não contiver as menções referidas no nº 2” do art. 374º do CPP) e não a mera deficiência ou imprecisão.

Depois porque a sentença recorrida cumpre efectivamente os ditames de fundamentação prescritos no nº2 do art. 374 CPP, o que ocorre inclusivamente no tocante à matéria suscitada pelo recorrente, tal qual veremos de seguida.

Como é sabido a norma do artigo 374º. do CPP corporiza exigência consagrada no artigo 205º., nº.1 da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.

Dever de fundamentação esse que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito devendo ambas ser alvo de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa - importando ter bem presente esta nota referente à concisão a que alude o preceito que, aliás, se impõe observar em todas as peças processuais - dos motivos que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra e, além do mais, porque só este tipo de fundamentação permite que a decisão seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.

As acrescidas exigências de fundamentação decorreram, entre o mais, da jurisprudência Tribunal Constitucional Vd. por ex., o Ac. TC nº. 55/85 publicado no BMJ 360 (Suplemento) pág. 195. no sentido de que a fundamentação das decisões jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções:

a) Uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido;

b) Outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz "ad quem", que procura, acima de tudo, tomar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - e que visa garantir, em última análise, a "transparência" do processo e da decisão.

Germano Marques da Silva escreveu a propósito que: “A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando como meio de autocontrolo”.

Num outro local (“Registo da prova em processo penal”, Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. 1, págs. 806-807, Coimbra Editora, 2002) diz ainda este mesmo Autor que “a eficácia do recurso depende substancialmente da fundamentação e da possibilidade de comprovação pelo tribunal ad quem dos pressupostos da decisão. Por isso que a decisão deve ser fundamentada, quer no que respeita à reconstituição do facto quer às motivações de direito… A sentença sem fundamentação é corpo sem alma”.

No tocante à fundamentação de facto exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão.

Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410º., nº.2.

Extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade.

Ora, no presente caso escreveu-se o seguinte na peça recorrida com relevo para a análise da questão suscitada:

“A convicção positiva do Tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita e em relação à conduta do arguido em consideração neste processo, com base nas declarações do arguido, que, de forma espontânea e livre, ainda que com reservas, os admitiu, reservas essas que consistiram nas explicações que deu para a realização da conduta ilícita - conhecer ex ante da perigosidade do arguido do processo onde depôs e ter receio de possíveis represálias por parte do mesmo -, conjugada ainda com a certidão judicial do processo onde "aconteceu" o facto ilícito, que não mereceu qualquer reparo.

Foram as declarações do arguido, prestadas da forma como se referiu supra, e quando conjugadas com o depoimento de Maria M..., vizinha da família do arguido, que, de forma ainda que genérica e não precisa ou detalhada, confirmou a fama que Marco R... tem por Vizela, nos termos dados por assentes supra em 8. e 9.

… Ora estes meios de prova, declarativo, testemunhal e documental, permitiram ao tribunal perceber, contrariamente ao que o arguido inicialmente havia adiantado, não ter existido nenhuma e concreta ameaça prévia (ou, até posterior) ao seu depoimento em audiência de julgamento. Daí a resposta negativa ao facto vertido em a.”.

Resulta claro da leitura de tal extracto (maxime das parcelas sublinhadas) todo o percurso lógico-racional do julgador que conduziu à decisão tomada relativamente à matéria da al. a) dos factos não provados, decorrendo de forma implícita do mesmo que o Tribunal entendeu como não credível e não conforme à realidade a explicação inicialmente adiantada pelo arguido.

Adiante-se ainda que não era necessário que qualquer depoimento infirmasse o dito pelo arguido para o Tribunal proceder como procedeu.

É que - como tantas vezes se tem escrito - o juiz não tem que pesar, medir ou contar depoimentos ou declarações para decidir em função do peso, da altura ou do comprimento, ou do número de simpatizantes de cada tese, muito menos relativamente ao arguido que, como é sabido, nem sequer está sujeito ao dever de verdade. O princípio da livre apreciação de prova nada tem seguramente a ver com tais parâmetros de aferição.

Em suma, a sentença cumpre manifestamente os requisitos de fundamentação acima analisados, como resulta claro da respectiva leitura, não sendo, por isso mesmo, passível de qualquer censura nesta sede.

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2- Impugnação da matéria de facto

Entende o recorrente que terá sido mal julgada a matéria de facto no tocante à al. a) dos factos não provados (e conexos pontos 6 e 7 dos provados) porque o arguido afirmou tal ameaça em audiência e nenhuma prova foi produzida em sentido contrário.

Ora a resposta a esta matéria já consta da análise da questão anterior.

Como já vimos não é pelo facto de um qualquer arguido afirmar isto ou aquilo que se impõe ao Tribunal que de imediato considere provado o que foi dito, haja, ou não, provas de sentido contrário. As afirmações dos arguidos não são dotadas por ora de qualquer presunção de verdade, até porque enquanto tais não têm sequer tal obrigação ou dever de falar verdade, nem muito menos se encontra o que afirmam subtraído à livre apreciação do Tribunal, ou seja ao crivo das regras da experiência e da livre convicção do julgador (art. 127º CPP).

E no presente caso o julgador entendeu que o afirmado pelo arguido em tal sede não era credível, nem correspondia ao verdadeiramente ocorrido, pelas razões que bem explicou e que não nos repugna aceitar.

É que, como é sabido, o recurso da decisão da primeira instância em matéria de facto não serve para suprir ou substituir o juízo que aquele tribunal formulou, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade de declarantes e testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade dos intervenientes no julgamento. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.

Ora, o recorrente não alega qualquer destes erros (nem estes se detectam da análise dos autos).

Limita-se a contestar basicamente o juízo do tribunal da primeira instância sobre a credibilidade e fiabilidade atribuída às declarações prestadas pelo arguido.

Como está bom de ver, na decorrência do supra-exposto, esta é uma questão que, de forma exemplar, escapa ao juízo do tribunal da segunda instância, por estar estreitamente dependente da imediação.

Daí que não se vislumbre qualquer razão para afastar o juízo de valoração da prova levado a cabo pelo Tribunal a quo, resultante de uma apreciação “livre” mas devidamente fundamentada, em obediência à lei.

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Nesta sede de impugnação da matéria de facto impõe-se ainda analisar a censura do recorrente à matéria constante dos pontos 2 e 4 dos factos provados por entender que o arguido não foi advertido das consequências penais da sua conduta, não se mostrando assim preenchidos os requisitos do nº3 do art. 360º do Código Penal.

Alega o recorrente que, enquanto testemunha, prestou, efectivamente, juramento, no entanto, não foi advertido das consequências penais em que incorria caso prestasse falso depoimento, apenas lhe tendo sido dito que se podia retractar e que se mantivesse as suas declarações estaria a cometer um crime. Alude, a propósito, ao constante da transcrição do seu depoimento de fls. 54 e seguintes, designadamente a fls. 60 a 62.

Apreciando, começará por dizer-se que o Tribunal a quo deu como provada esta matéria inscrita nos pontos 2 e 4 (relativa à advertência das consequências penais em caso de falsidade de testemunho) exclusivamente com base na “certidão judicial do processo onde "aconteceu" o facto ilícito, que não mereceu qualquer reparo”, tal qual resulta de forma meridianamente clara da motivação da matéria de facto.

Tal certidão referida na motivação consta efectivamente de fls. 2 e segs. dos autos, nela se verificando, no tocante à audiência que teve lugar no processo nº 43/09.9GAGMR, que o aqui arguido e recorrente António P... (que no dito processo era testemunha) prestou o competente juramento e foi advertido das consequências penais em caso de falsidade de testemunho (fls. 11 e 12).

Ora, como é sabido, as certidões extraídas de processos são documentos autênticos, constituindo prova tarifada/legal/vinculada e fazendo prova plena dos factos que atestam - arts. 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º, 371.º, n.º 1, e 372.º do CC, e 169.º do CPP.

O mesmo ocorrendo com a acta da audiência de julgamento que é um documento com uma força probatória especial sobre os "factos materiais" nela referidos: a acta prova que as diligências nela referidas tiveram lugar.

Sobre esta matéria tem-se escrito o seguinte em diversos acórdãos do STJ:

- Ac. STJ 5-4-2001, pr. 109/01 - 5.ª Secção, rel. Oliveira Guimarães

“… servindo a acta da audiência para documentar tudo o que nesta se passa, desde que não arguida de falsa, assume a força de documento autêntico…”.

- Ac. STJ 5-3-2008, pr. 3259/07 -3.ª Secção, rel. Armindo Monteiro

“… De acordo com o art. 169.º do CPP consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico, como é a acta de audiência…”.

- Ac. STJ 19-3-2009, pr. 392/09 -3.ª Secção, rel. Fernando Fróis

“… Em processo penal a regra é a de livre apreciação da prova, como decorre do estatuído no art. 127.º do CPP, onde se estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Tal princípio não é absoluto e entre as excepções a tal regra incluem-se o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados, o caso julgado, a confissão integral e sem reservas no julgamento e a prova pericial. Segundo Maia Gonçalves (Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 323), estas excepções integram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que é usualmente baseado na segurança e certeza das decisões, consagração de regras de experiência comum e facilidade e celeridade das decisões …”.

- Ac. STJ 14-5-2009, pr. 19/08.3 PSPRT.S1 -3.ª Secção, rel. Raul Borges

“… bem como as certidões extraídas de processos, são documentos autênticos, constituindo prova tarifada/legal/vinculada e fazendo prova plena dos factos neles atestados – arts. 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º, 371.º, n.º 1, e 372.º do CC, e 169.º do CPP, este dando o valor probatório dos documentos autênticos por idêntico ao do direito probatório material condensado no CC …”.

Ou seja, no presente caso, o recorrente ignora por completo o documento autêntico em que o Tribunal a quo se estribou para dar como provado quer o juramento quer a advertência das consequências penais em caso de falsidade de testemunho e pretende a alteração dos factos, socorrendo-se para o efeito em exclusivo de um documento particular no qual se procedeu à transcrição das declarações prestadas por si mesmo naqueloutro processo.

Como está bom de ver, tal argumentação não colhe.

De facto tal advertência encontra-se devidamente certificada em documento autêntico cuja autenticidade e veracidade jamais foram colocadas em crise, fazendo por isso mesmo prova plena do facto atestado.

Por outro lado é sabido que só as declarações prestadas têm que ser gravadas (art. 363º CPP), já não, por exemplo, os próprios juramentos ou as advertências efectuadas anteriormente à prestação dessas mesmas declarações, pelo que o simples facto de a advertência constar ou não constar de uma simples transcrição de declarações se mostra irrelevante e inócuo tendo em vista o desiderato prosseguido nesta sede pelo recorrente.

Improcede, por conseguinte, esta parcela do recurso.

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3- Qualificação Jurídica dos Factos

Invoca o recorrente que independentemente de ter confessado ter mentido na audiência de julgamento do Proc. n.º 43/09.9 GAGMR da 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães não se encontram preenchidos os pressupostos do cometimento do crime de falsidade de testemunho, porquanto não foi advertido das consequências penais a que se expunha.

Tal alegação pressupunha a alteração da matéria de facto nos moldes já analisados anteriormente, resultando destituída de qualquer estribo válido e relevante ante o decesso da impugnação da matéria de facto.

Da mesma forma se mostrando prejudicada a análise relativa ao tipo previsto no nº1 do art. 360º CP.

Em face da matéria de facto apurada tão pouco se verificam os requisitos dos alvitrados direito de necessidade (art. 34º CP) ou erro previsto no art. 16º, nº2 CP por o agente acreditar estar a actuar justificadamente o que excluiria o dolo.

O Tribunal a quo analisou adequadamente tais matérias ao ponderar o seguinte:

“… Será que a "perigosidade do arguido Marco R..." e, por via disso, o receio de represálias sobre si e sobre a sua família serve para excluir a ilicitude da conduta ou a culpa do aqui arguido?

Esta situação não configura nenhuma agressão actual e ilícita de interesses juridicamente relevantes do agente ou de terceiro que importe repelir, ou que permita repelir nos termos em que foi feito sem ser censurável, caso em que se trataria de legítima defesa ou de um excesso de legítima defesa - art.°s 32.° e 33.° do Código Penal.

Também esta situação relatada pelo arguido não configura um perigo actual à data em que o arguido praticou o ilícito e que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, porque nem configura uma situação efectiva de perigo, nem se vislumbra qual o interesse visado proteger para se alcançar da superioridade do mesmo face ao perigo actual e da proporcionalidade do sacrifício a impor ao Estado ou, ainda, situação que perigue a vida, a integridade física a honra ou a liberdade do agente e de terceiro a ponto de lhe não ser razoável exigir-lhe outro comportamento - arts. 34. ° e 35. ° do Código Penal.

Por outro lado, também a alegada perigosidade do arguido Marco não configura nenhum dever ou ordem legítima que importe obedecer em detrimento de falar a verdade em audiência de julgamento - art.°s 36.° e 37.° do Código Penal.

Por outro lado, ainda, não se vislumbra que o circunstancialismo descrito possa integrar uma qualquer outra causa de exclusão da ilicitude ou da culpa prevista no ordenamento jurídico português - art. ° 31. ° n. °1, do Código Penal…”.

O arguido agiu efectivamente de forma dolosa tal qual se extrai, nomeadamente, dos pontos 5 e 6 dos factos provados, nada demonstrando a sua agora propalada crença de que estava a agir de modo justificado.

“5. Quando prestou o seu depoimento na audiência de julgamento nos termos referidos, o arguido tinha perfeito conhecimento, não só de que estava a contrariar o que havia afirmado como testemunha durante o inquérito, mas também que esse depoimento prestado em audiência não correspondia à verdade, designadamente no que respeita à actividade de venda de produtos estupefacientes desenvolvida pelo aí arguido Marco R....

6. Ao actuar como descrito, o arguido agiu livre e conscientemente, com a intenção concretizada de, na qualidade de testemunha, prestar falso depoimento em tribunal, após ter sido ajuramentado e advertido das consequências penais a que se expunha com essa conduta, visando, desse modo impedir que se produzisse prova de que o aí arguido Marco R... tinha praticado os factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes que lhe era imputado”.

Em vista do exposto, mostra-se correcta e adequada a subsunção jurídica dos factos levada a cabo no Tribunal a quo.

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4- Medida da pena

Nesta sede invoca o recorrente que a pena de multa é exagerada devendo ser reduzida ao mínimo legal, basicamente atenta a necessidade de ponderação nos sentimentos manifestados pelo arguido no cometimento do crime e nos fins ou motivos que o determinaram, nomeadamente a ameaça que lhe foi dirigida e o receio que este tinha de a sua família poder vir a sofrer possíveis represálias por parte do Marco R....

Pugna, além disso, pela atenuação especial da mesma por entender que sempre se deveria concluir que agiu sob ameaça grave e movido por motivo honroso, porquanto pretendia defender a integridade física da família e a sua.

Começando por esta última pretensão do recorrente, cumpre dizer, sinteticamente, que a factologia apurada não permite manifestamente qualquer conclusão no sentido por si preconizado, nem é tão pouco adequada ao preenchimento dos requisitos da atenuação especial a que alude o nº1 do art. 72º CP ou em concreto das als. a) e b) do nº2 a que alude o recorrente.

Vejamos, agora, a medida da multa.

Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - art. 71º., nº.1, do Código Penal - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º., nº.1 do mesmo diploma.

A este propósito, e como bem escreve Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

A medida da pena há-de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do STJ de 10-4-1996 (in CJ, Acds. do STJ, Ano IV, tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

No dizer de Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25) “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Em jeito de síntese, e como bem refere Figueiredo Dias (in ”Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214) “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

No caso dos autos o recorrente foi condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. no art. 360°, nºs 1 e 3, do Código Penal, na pena de 400 dias de multa, à razão diária de € 5,00, quando é certo prever a respectiva moldura abstracta a multa de 10 a 600 dias.

Escreveu-se o seguinte na peça recorrida sobre esta matéria:

“… "ln casu", pesa em desfavor do arguido o grau da ilicitude da conduta, tendo em conta o local onde foi praticado o ilícito; o mediano grau das exigências de prevenção geral, atenta a frequência da prática deste tipo de crime; o dolo directo com que praticou os fatos, embora se perceba o dolo eventual com que desejou os seus resultados; a existência de um número elevadíssimo de antecedentes criminais e processos crime pendentes, ainda que por crimes diversos, evidenciando uma personalidade avessa ao direito.

A seu favor, pesa: a inexistência de consequências graves para o bem jurídico violado, na perspectiva de a sua conduta não ter sido a determinante para o sentido da decisão proferida no outro processo judicial; o contexto em que a conduta foi praticada - temendo eventuais represálias, dado que o outro individuo é conhecido por ser violento e perigoso; a inexistência de factos reveladores de uma personalidade desconforme com o mínimo ético-jurídico que o tipo legal de crime em causa visa tutelar, podendo afirmar-se que os presentes factos se caracterizam pela sua ocasionalidade; a admissão pronta dos factos pelo arguido, colaborando com a justiça, permitindo um julgamento célere e, acima de tudo, evidenciando a consciência das consequências da sua conduta; a idade do arguido à data da prática dos factos; a circunstância de estar familiarmente inserido e a sua modesta condição económica.

Ora, ponderando os factores enunciados, julga-se adequado aplicar ao arguido de 400 (quatrocentos) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cinco) euros…”.

Não nos merece qualquer censura a medida em concreto encontrada para a pena de multa em causa, ainda assim pouco acima da média da respectiva moldura abstracta (sendo destituída de qualquer razoabilidade a pretensão de redução da multa ao mínimo expressa sem qualquer fundamento pelo recorrente) já que nenhuma circunstância aconselha ou impõe a aplicação de pena de multa inferior, uma vez que, por um lado, são perfeitamente válidos e relevantes os pressupostos em que se estribou a medida encontrada (resultando irrelevante no contexto global em análise a deficiente referência ao local da ocorrência em sede de graduação da ilicitude, sendo certo que na verdade o mesmo já releva na configuração do tipo de crime e na respectiva moldura abstracta) e, por outro, se mostra a respectiva diária, a fixar em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos, perfeitamente suportada na respectiva base factual, sendo, finalmente, irrelevantes todas as considerações tecidas no recurso para além da factologia em concreto considerada provada.

Mais se dirá que uma pena de multa que for fixada em termos de representar, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição, tal como elas estão legalmente fixadas: nem a comunidade sentirá que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, nem o arguido sentirá que o crime, de facto, “não compensa”, podendo mesmo sentir-se reconfortado a repetir a sua conduta, confiado na permanente suavidade da Justiça Criminal.

Improcede, assim, igualmente, esta questão.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.