Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3804/11.5TBBCL.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
DIREITO AOS LUCROS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A indemnização a que a sociedade ré tenha direito por condenação de uma ex-sócia pelos prejuízos que lhe causou, não se pode qualificar como lucro da sociedade e, muito menos, como lucro distribuível ou como dividendo consolidado no património do A., que o transforme em credor da sociedade, com direito a metade daquela indemnização.

II- Embora o direito a quinhoar nos lucros de uma sociedade seja um direito essencial dos sócios, para haver distribuição de lucros tem de haver uma deliberação declarativa de todos os sócios para a repartição dos mesmos.

III- Por outro lado, para que os quotistas possam reclamar a distribuição da parcela do lucro a que têm direito, torna-se necessário que sejam aprovadas as contas da sociedade, uma vez que só nesta hipótese é que será possível determinar qual o lucro de exercício e, consequentemente, o dividendo a que cada sócio terá direito.

IV- Caduca o direito do A aos lucros da sociedade, se ele não impugnou a deliberação dos sócios que decidiram pela sua não distribuição, no prazo de 30 dias a partir do momento em que a assembleia foi encerrada e na qual ele participou.

V- Aquele prazo de caducidade não foi interrompido, pois que nem a sociedade, nem as 2ª e 3ª ré reconheceram alguma vez, expressa ou tacitamente, que o A tivesse direito às quantias reclamadas (nos termos previstos no artº 331º nº2 do CC).

VI- Só deve ser sancionado como litigante de má-fé aquele que, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo.
Decisão Texto Integral:
MANUEL, melhor identificado nos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de comum contra X – COMÉRCIO DE LUBRIFICANTES, LDA, L. S. e MARIA, todos melhor identificados nos autos, pedindo que sejam as rés condenadas a pagar-lhe a quantia de € 155.306,11, assim como as quantias que resultarem do apuramento das contas referidas nos artigos 24.º e 25.º da petição inicial.

Alegou para tanto, em síntese, ter adquirido à 3.ª Ré, MARIA, em 30.4.2001, uma quota no valor de € 12.469,95, de valor igual à que detinha na sociedade Ré a sócia L. S., tendo mantido a titularidade dessa quota até 29.7.2009, data em que, depois de dividida, cedeu as quotas resultantes de tal divisão às RR Sociedade e L. S..

Que durante esses oito anos nada recebeu da sociedade a título de lucros, pois nunca houve deliberação de distribuição de lucros e nunca as contas foram aprovadas.

Acresce que a Ré MARIA foi condenada a pagar à 1ª Ré a quantia de € 310.612,21, em virtude de desvios de verbas pertencentes àquela, pelo que o autor tem direito a receber da 1.ª ré metade desse mesmo lucro, ou seja, a quantia de € 155.306,11, assim como metade dos lucros dos exercícios desde a constituição da Ré até 29 de Julho de 2009, retirados aos mesmos as reservas obrigatórias por lei.

Quanto às restantes verbas que o autor tem direito a receber das rés, dado que não possui elementos que as possa quantificar - mas que presume em vários milhares de euros -, relega o seu quantitativo para execução de sentença.
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Contestaram conjuntamente as RR. X e L. S., e em separado a Ré MARIA.

As primeiras, impugnado o direito do A. de receber quaisquer lucros, afirmaram, em síntese, que nunca houve lucros da sociedade, nem deliberação de distribuição de lucros, nem as contas foram aprovadas, pelo que, nos termos da lei, não podiam ser distribuídos lucros;

Que a cláusula sétima do contrato de sociedade permite destinar os lucros a qualquer reserva, fundo ou provisão, bem como distribuí-los pelos sócios, conforme for deliberado em assembleia geral;

Que na sequência de transacção em acção em que era demandado, com vista à sua exclusão de sócio, o A., por escrito de 29.7.2009, cedeu a sua quota – depois de dividida – às RR. Sociedade e L. S., sem qualquer reserva de quaisquer direitos que tivesse na sociedade;

Que não houve lucros distribuíveis desde 2001, nem foram tempestivamente impugnadas as deliberações tomadas quanto a contas, pelas assembleias em que o A. esteve presente;
Que a indemnização que a R. MARIA foi condenada a pagar à Sociedade não constitui lucro em que o A. tenha direito a participar.
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A Ré MARIA arguiu a sua ilegitimidade, por desacompanhada do marido, e alegou nada dever ao A. nem ter nada a ver com o diferendo entre ele e as demais RR.
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Na réplica o A. defendeu a tempestividade da acção, porque as contas de exercício nunca foram aprovadas, mais alegando que embora no contrato de cedência de quota não conste que o Autor reserva para si o direito que lhe cabe a esses lucros, a verdade é que tal facto era do conhecimento das RR, assunto sempre abordado junto da Ré L. S. e a que esta nunca se opôs.
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Na tréplica as duas 1.ªs RR negarem qualquer acordo ou simples hipótese de reserva de lucros pelo A.
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Foi proferido despacho saneador, no qual se considerou, além do mais, as partes dotadas de personalidade e capacidade judiciária e legítimas, salvo no tocante à Ré MARIA, por desacompanhada do marido - art. 30.º, n.º 1 e 34.º, n.º3, do CPC.

Mais se acrescentou: “Tentou-se citar o marido, depois de requerida a sua intervenção, mas resultaram infrutíferas todas as diligências com vista à sua citação.

Como disposto no n.º 3 do art. 278.º do CPC, correspondente ao anterior n.º 3 do art. 288.º (…) As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte.

«Por razões de economia processual dispõe-se que a simples ocorrência de uma excepção dilatória não suprida não conduza necessariamente à absolvição da instância; isto sucederá quando o pressuposto em falta se destine a tutelar o interesse de uma das partes e a decisão de mérito a proferir imediatamente seja inteiramente favorável a essa parte. Evita-se, assim, que a tutela formal dispensada a uma das partes redunde em seu desfavor material» - R. Bastos, Notas ao CPC, II.

Como se verá, a acção improcede, designadamente quanto à Ré MARIA, que cedeu a sua quota ao A. em 30.4.2001 e, desde então, não foi vista nem achada na gerência da sociedade Ré.
E o facto de ter sido condenada a indemnizar a sociedade (art. 77.º CSC) apenas deve ser tido em conta na execução de tal condenação.
Pelo que, declaro a Ré MARIA parte legítima, ainda que desacompanhada do marido…”.
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E considerando-se que o estado dos autos permitia conhecer do pedido sem necessidade de mais provas, proferiu-se decisão de mérito, nos termos e ao abrigo do disposto na al b) do n.º 1 do art. 595.º do CPC, decidindo-se a final:

“Termos em que, vistos aqueles factos e o direito aplicável, julgo a acção de todo improcedente e absolvo as RR dos pedidos.
Custas pelo A., por vencido – art. 527.º, 1 e 2, do CPC e tabela I-A anexa ao RCP.
Registe e notifique”.
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Não se conformando com tal decisão, veio o A. dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

I A douta sentença recorrida sofre de nulidade, por falta de citação do marido da R., MARIA.
II A citação de tal pessoa pode ser feita pessoalmente, nos termos dos números 1 e 2 do artigo 225º do Código de Processo Civil, pode ser feita por via postal, por citação por agente de execução ou funcionário público, citação com hora certa e quando houver ausência do citando em parte incerta, a secretaria obtém informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto de mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz considere indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.
III A não citação é inconstitucional, ferindo, nomeadamente, os artigos 12.°, 13.° e 18.° da Constituição da República Portuguesa, direitos esses que os recorrentes aqui expressamente invocam.
IV Por outro lado, o direito invocado pelos AA., ao contrário do referido na douta sentença recorrida, não sofre de caducidade.
V Com efeito, dispõe o nº 2 do artigo 331.° do Código Civil que quando se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
VI Ora, todos os RR., tal como os AA., sempre reconheceram o direito à prestação de contas pela gerência da sociedade, pelo seu presidente e por todos os que faziam parte da referida sociedade.
VII Quanto ao facto dos AA. terem cedido a sua quota, não os impede de reivindicarem os lucros auferidos pela sociedade enquanto nela permaneceu como sócio e, muito menos, a metade da indemnização, deduzidos que sejam os direitos sociais e fiscais, a que foi condenada a MARIA.

TERMOS EM QUE (…) deve a douta sentença recorrida ser anulada e o processo ser enviado à lª Instância para a formulação das questões a dirimir…”
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Pelas recorridas foram apresentadas contra-alegações nas quais pugnam pela improcedência do recurso.
Mais pugna a recorrida MARIA pela condenação do A. como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- A de saber se a sentença é nula por falta de citação do marido da 3ª ré;
- Se as rés reconheceram o direito do A. aos lucros da sociedade e à indemnização solicitada, interrompendo dessa forma o prazo de caducidade da ação.
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Foram dados como provados na 1ª instância os seguintes factos (que, dada a sua extensão, não reproduzimos na íntegra, nomeadamente o teor dos documentos neles mencionados, e que não assumem relevância na decisão da causa):

“I – da petição:

1. A ré X - COMÉRCIO DE LUBRIFICANTES, LDA., é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, que tem por objecto social o comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor e combustíveis para uso doméstico – documentos copiados de fs. 8 a 10 e 205 a 211.
2. Esta sociedade foi constituída entre a 2ª e a 3ª ré, por escritura pública outorgada em 13 de Maio de 1996 no primeiro Cartório da Secretaria Notarial, com um capital social de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), dividido em duas quotas de 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos), pertencendo a cada uma – fs. 8 a 10 e 204 a 206.
3. A gerência da sociedade pertencia às duas sócias atrás mencionadas, sendo que a sociedade 1ª ré ficava obrigada em todos os actos e contratos pela assinatura de qualquer uma das gerentes - ibidem.
4. A referida sociedade, 1.ª ré, logo após a sua constituição, construiu um posto de abastecimento de combustíveis no lugar da sua sede, tendo dado início a esta actividade de abastecimentos de combustíveis nos últimos dois meses desse mesmo ano de 1996.
5. Por contrato de cessão de quota, celebrado por escritura pública de 30/04/2001, no então Primeiro Cartório Notarial, a ré MARIA cedeu a quota que detinha na sociedade 1.ª ré ao aqui autor pela quantia de 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos), ficando, assim, como únicos sócios da 1.ª ré o autor e a 2° ré L. S. – documento copiado de fs. 11 a 13 e 206 e ss.
6. Em 29 de Julho de 2009, o autor cedeu a sua quota no valor nominal de € 12.469,95 euros à primeira e segunda ré – documento de fs. 14 a 16 e 206 v.º a 207.
7. Para tal dividiu essa quota em duas: uma no valor nominal de € 10.739,44 euros e outra no valor nominal de € 1.730,51 euros - ibidem.
8. Por esse contrato de cessão de quota o autor cedeu pelo preço de € 105.500,00 euros a quota de valor nominal de € 10.739,44 euros à ré L. S. e cedeu a outra quota no valor nominal de € 1.730,51 euros à 1.ª ré pelo preço de € 17.000,00 euros – tudo conforme documento de fs. 14 a 16 (…)

A.1 – Conforma acta n.º 5 – fs. 223/224 – em 19 de Maio de 2000 reuniu a assembleia geral da 1.ª Ré, estando presentes as duas únicas sócias (aqui 2.ª e 3.ª RR), cada uma com uma quota de dois milhões e quinhentos mil escudos, constando como primeiro ponto da ordem de trabalhos a apreciação, deliberação e votação dos relatórios de gestão referentes aos anos de 1997, 1998 e 1999. Votou a favor a sócia D. MARIA e contra a sócia D. L. S.
A.2 - O segundo ponto da ordem de trabalhos era a apreciação, deliberação e votação das contas de exercício referentes aos anos de 1997, 1998 e 1999. Votou a favor a sócia D. MARIA e contra a sócia D. L. S. - ibidem
A.3 - O terceiro ponto da ordem de trabalhos era a apreciação e deliberação da gerência da sociedade desde Agosto de 1997 até à data da assembleia. Seguiram-se acusações mútuas, sem qualquer votação - ibidem.
B.1 – Conforme acta n.º 9 – fs. 197 - em 29.3.2002 reuniu a assembleia geral da Ré Sociedade com a presença dos sócios L. S. e Manuel e a seguinte ordem de trabalhos:

- deliberar sobre o relatório e contas do exercício de 2001;
- deliberar sobre a aplicação de resultados do exercício de 2001;
- leitura, discussão e assinatura da acta da Assembleia Geral extraordinária de 30 de Novembro de 2001.
B.2 – O relatório e contas apresentava um resultado, antes de impostos, de 6.598.978$00; votou a favor a sócia D. L. S. e votou contra o sócio Manuel.
B.3 – Quanto ao ponto dois, afirmava-se que o lucro de exercício de 2001 passou para cobertura de prejuízos de 2.145.376$00, reportado ao ano de 2000, originando um lucro tributável de 4.453.602$00, deduzidos a derrama e impostos sobre pessoas colectivas IRC de 1.567.668$00; do resultado a distribuir passou-se para reservas legais 251.565$00 e reservas livre de 4.779.745$00, respectivamente. Votou a favor a sócia D. L. S. e votou contra o sócio Manuel.
C.1 – «ACTA NÚMERO CATORZE – fs. 201/202
Aos oito dias do mês de Março do ano de dois mil e quatro, pelas quinze horas, reuniu em Assembleia Extraordinária a sociedade "X - Comércio de Lubrificantes Lda", no Lugar …, Freguesia de …, Concelho de Barcelos, estando presentes os sócios L. S. e MANUEL, representando assim a totalidade do capital social de Euros, vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos e ainda presentes o Sr. D. M. e Sr. Dr. Pedro.
Aberta a sessão, passou a presidir à mesma, o sócio Manuel, que passou a ler a seguinte ordem de trabalho:

1. Discussão e deliberação do relatório e contas do exercício de 2002.
2. Deliberação sobre a aplicação de resultados do exercício de 2002:
Relativamente ao primeiro ponto da ordem de trabalhos, Discussão e deliberação do relatório e contas do exercício de 2002, a sócia gerente esclarece o sócio MANUEL, que, na sequência da resolução do contrato de prestação de serviços anteriormente celebrado entre a X e Audit 93 e o Dr. M. C., resolução que é do seu conhecimento e que foi motivada por ter detectado em Junho de 2003 erros na contabilidade, entende que as contas ora em apreciação e que constam dos documentos enviados àquele sócio juntamente com a convocatória para esta assembleia devem ser integralmente revistas, por aparentarem não corresponder à situação real da empresa, motivo também pelo qual proferiu o último parágrafo do seu relatório de gestão também enviado a esse sócio. Delibera por isso não aprovar as contas do exercício do ano de 2002 elaborados por aquele gabinete de contabilidade Audit 93 e por aquele Dr. M. C..-----
Por sua vez o sócio Manuel diz que foi devido à amostragem nessa data de alguns documentos da X L.da pela Audit 93 que até ali não tinha qualquer conhecimento.-
E pelo sócio MANUEL foi dito, quanto ao ponto n.° 1, o sócio MANUEL, vota contra este relatório de contas, com declaração de voto, por ser totalmente inventado e, apesar de não ter sido respeitado, como nunca foi, o Artigo 263° n °1 do CSC.
Trata-se de uma total manigância da sócia gerente L. S. com a intenção declarada de prejudicar o sócio, a Empresa X, L.da. e o Estado…»

D.1 - «ACTA NÚMERO DEZASSEIS
Aos catorze dias do mês de Junho do ano de dois mil e seis, pelas quinze horas, reuniu em Assembleia Geral a sociedade "X - Comércio de Lubrificantes Lda", matriculada na conservatória do Registo comercial sob o número ..., na sua sede sita no lugar …, freguesia de …, concelho de Barcelos, estando presentes os sócios L. S. e MANUEL, representando assim a totalidade do capital social de € vinte e quatro mil novecentas e trinta e nove euros e oitenta e nove cêntimos e ainda presentes o Sr. Dr. D. M. e Sr. Dr. Pedro.-----

Aberta a sessão, passou a presidir á mesma, o sócio Manuel, que passou a ler a seguinte ordem de trabalho:

1. Deliberação sobre a eleição do Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
2. Deliberar sobre o relatório de gestão, balanço e contas relativas aos anos de 2001 a 2005;
3. Deliberar sobre a aplicação de resultados;
4. Deliberar sobre a propositura de acções judiciais contra a gerente MARIA.
Quanto ao ponto um, deliberam, em acordo com o artigo 248° do C.S.C. n° 4, por ser o sócio mais velho, o sócio Manuel.
Quanto ao ponto dois, o sócio Manuel delibera nada deliberar, com declaração de voto, por achar que tudo não passa de uma fantasma manigância manipulação de resultados que descobre uns para esconder outros: …..
Declaração de voto: Nada a deliberar ainda, porque: …

A sócia L. S. delibera aprovar o relatório de gestão, balanço e contas e justifica, sucintamente, as alterações que os mesmos apresentam relativamente a relatórios anteriores por terem sido detectadas irregularidade várias, entre as quais: …
Quanto ao ponto número três, refere o sócio Manuel ficar vazio de sentido qualquer deliberação uma vez que não há resultados aprovados.
Pela sócia L. S. foi dito que concorda com esta deliberação. …

Quanto ao ponto número quatro, o sócio Manuel vota contra por achar que tudo isto não passa de mais uma fantasia que servirá a nada por estar fora de prazo pois já que já Iá vão mais de cinco anos depois dos acontecimentos e só agora querer se vingar por qualquer processo que entretanto terá perdido com a sua prima Maria.

Pela sócia L. S. é deliberado exactamente o contrário, mas uma vez que a sociedade tem o seu capital dividido em duas quotas de igual valor será ela pessoalmente a intentar tais acções, sendo certo se nas mesmas for determinado pelo Tribunal o pagamento de qualquer indemnização por parte da gerente MARIA, essa indemnização nos termos legais, reverterá obrigatoriamente para a sociedade.

Nada mais havendo a tratar, e estando esgotados todos os assuntos da ordem de trabalhos foi encerrada esta Assembleia pelo Presidente da mesa, pelas dezasseis horas e quarenta e cinco minutos, da qual se lavrou a presente Acta que depois de lida vai ser assinada por ambos os sócios».

9. Não consta dos autos que tenham sido aprovadas contas antes do exercício de 2001, a que se refere a acta de fs. 197 v.º e B.1 acima.
10. E após o autor ter adquirido a quota da 3ª ré, MARIA, também nas Assembleias de prestação de contas, entre o autor e 1.ª ré, as mesmas nunca foram aprovadas, salvo as contas de 2001 a 2005, aprovadas pela sócia L. S., conforme acta n.º 16, a fs. 204.
11. Apesar do voto em contrário do autor, a ré L. S., na Assembleia de 29.3.2002, realizada para a aprovação do relatório e contas de 2001 e aplicação de resultados, levou os lucros do exercício para a conta de prejuízos, nos termos da acta n.º 9, a fs. 197 v.º.
13. Em acção intentada pela aqui 2.ª ré L. S. contra MARIA e marido F. F., acção ordinária que correu termos pelo Tribunal de Barcelos, sob o n.º 4360/06.1TBBCL, foi proferida, em 3 de Setembro de 2010, a seguinte sentença – fs. 18 a 28 (…)
Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decide-se:

- Condenar os RR., MARIA e marido, F. F., no pagamento à Chamada, X - COMÉRCIO DE LUBRIFICANTES, Lda, do montante de € 310.612,21 (trezentos e dez mil seiscentas e doze euros e vinte e um cêntimos), com juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento. Barcelos, 3 de Setembro de 2010
22. – Jamais houve deliberação legal da Sociedade quanto à distribuição dos lucros de quaisquer exercícios – acordo e actas juntas, acima vistas.

II - Da contestação das RR X - Comércio de Lubrificantes, Lda. e L. S.:

(…) O artigo 7° do contrato social da Ré, junto pelo próprio A. como doc. 5, dispõe: "Artigo 7° - Os lucros que resultarem do balanço anual, poderão ser destinados a qualquer reserva, fundos ou provisão ou serem distribuídos pelos sócios, conforme for deliberado em assembleia geral."
14° O negócio de cessão de quotas que o A. celebrou com as 1ª e 2ª RR. resultou de transacção judicial que celebrou com a 2ª Ré no processo judicial que, sob o n° 3278/04.7TBBCL, Acção de Processo Ordinário, correu termos pelo 4° Juízo Cível do Tribunal de Barcelos, conforme transacção acima transcrita.
15º Tal transacção foi obtida no aludido processo onde o ora A. era Réu, conjuntamente com a sua mulher, no qual era peticionada a exclusão do aqui A. como sócio da ora 1ª Ré, para posterior amortização da sua quota e, também, a sua condenação no pagamento de indemnização a esta Ré, a liquidar em execução de sentença – Insc. 5 - Ap. 4/20060213, a fs. 207.
16° Tal transacção também abrangeu a obrigação de o aqui A. celebrar transacção judicial nos autos que, sob o n° 3308/05.5TBBCL, correram termos também pelo 4° Juízo Cível deste Tribunal, em que a aqui 1ª Ré era autora e co-réu o aqui A., na qual era peticionada a sua condenação no reconhecimento da aquisição, por via de acessão industrial imobiliária, do direito de propriedade sobre a metade indivisa do prédio sede da 1ª Ré, e a que o A. alude no art° 4° da sua p. i..
17º A cessão de quotas a que o A. alude na sua p.i., constante do escrito acima transcrito, foi celebrada após anos de discussões judiciais e extrajudiciais, de maus relacionamentos entre o A. e a 2ª Ré e de dissídios relativamente à sociedade 1ª Ré – acções levadas ao registo, a fs. 206 e 207, além das referidas na transacção e processo-crime, a fs. 257/259.
35° Enquanto foi sócio da 1ª Ré, o A. sempre participou em todas as assembleias gerais de sócios que se realizaram, desde o ano de 2001 até ao ano de 2009, inclusive – actas acima.
36° (…) nunca houve deliberação quanto à distribuição dos lucros dos exercícios relativos aos anos de 2001 a 29.07.2009.
37°(…) as contas apresentadas e prestadas pela 2ª Ré, na sua qualidade de gerente da 1ª Ré e após o A. ter adquirido (em 2001) a quota que acabou por lhes ceder (em 29/07/2009), sic, "nunca foram aprovadas", salvo as contas de 2001 a 2005, que foram aprovadas pela sócia D. L. S., conforme acta n.º 16, a fs. 204.
51º O A. (…) esteve presente (…) "...nas diversas Assembleias realizadas para a aprovação de contas..." (…) e tais Assembleias ocorreram após ter adquirido a sua quota à 3ª Ré (em 2001…), até à cessão da sua quota às 1ª e 2ª RR., em 29 de Julho de 2009 (…).
52° O A. nunca impugnou no respectivo prazo legal as deliberações que alega que a 2ª Ré adoptou a respeito da não distribuição de lucros e da incorporação dos resultados dos exercícios na conta de prejuízos e em reservas legais (…).
53° O A. esteve presente (…), em todas as Assembleias Gerais de sócios da sociedade 1ª Ré, ocorridas desde 2001 até 29/07/2009, as quais ocorreram nas seguintes datas:
a) 30/11/2001 (acta n° 8 do livro de actas da 1.ª Ré);
b) 29/03/2002 (acta n° 9 do mesmo livro);
c) 16/04/2002 (acta n° 10 do mesmo livro);
d) 28/06/2002 (acta n° 11 do mesmo livro);
e) 18/01/2003 (acta n° 12 do mesmo livro);
f) 02/06/2003 (acta n° 13 do mesmo livro);
g) 08/03/2004 (acta n° 14 do mesmo livro);
h) 18/05/2004 (acta n° 15 do mesmo livro);
i) 14/06/2006 (acta n° 16 do mesmo livro);
j) 23/07/2007 (acta n° 17 do mesmo livro);
l) 07/05/2008 (acta n° 18 do mesmo livro);
m) 29/07/2009 (acta n° 19 do mesmo livro).
54° Em todas essas assembleias o A. assumiu o cargo de presidente, por então ser o sócio mais velho da 1ª Ré.
55° E subscreveu as actas supra referidas sob os n.ºs 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16.
60° A sentença condenatória da 3ª Ré é de 03.09.2010.
61° E é resultado de um processo judicial que, em benefício da 1ª Ré, a 2º Ré intentou contra a aqui 3ª Ré e marido, pese embora contra as deliberações que o A. tomou em, pelo menos, a assembleia geral ocorrida em 14.6.2006 e em que esteve presente – fs. 204.
64° O valor fixado a título de indemnização à 1ª Ré não corresponde, (…) a lucros de exercício, de qualquer exercício, de 1997 a 2001, ou 2009, e muito menos a lucros distribuíveis.
65° Trata-se de valor reportado a valores ilicitamente retirados pela aqui 3ª Ré da sociedade 1ª Ré, de valores de salários da 2ª Ré que, culposamente, não foram lançados, nem aprovisionados nas contas da 1ª Ré (cerca de € 50.000,00, com os evidentes reflexos nas contas da 1ª Ré, que, assim e por culpa da 3ª Ré, deve tal valor à 2ª Ré), de valores e bens adquiridos pela 3ª Ré com dinheiros da 1ª Ré, de valores que a 1ª Ré teve de pagar a título de coimas e juros por infracções fiscais e de valores que não recebeu relativamente a um projecto promovido junto do IAPMEI.

III - Da contestação da 3.ª Ré:

Por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.1.2014 foi confirmado o Acórdão da Relação de Guimarães que, por sua vez, confirmara a decisão do Tribunal de Barcelos, que não admitiu o recurso de revisão interposto por F. F. e esposa Maria da sentença, que os condenara a pagar à Sociedade aqui Ré o montante de 310.612,21 €uros e juros – cópia do Acórdão a fs. 127 a 134”.
*
E foram considerados não provados, conclusivos, de direito ou sem interesse os demais factos, quer da petição, quer das contestações - que não reproduzimos, dada a sua extensão e a falta de interesse para a decisão da causa.
*
Da alegada nulidade da sentença:

Alega o A. que a sentença é nula por não ter ocorrido no processo a citação do marido da co-ré, MARIA.

Mas tal nulidade não ocorre, como é por demais evidente.
As causas de nulidade da sentença são apenas as previstas no artº 615º do CPC – o qual tem carácter taxativo, como resulta da redacção daquele preceito -, não constando do mesmo a nulidade da citação como uma das causas da nulidade da sentença.

Trata-se antes de uma nulidade processual, prevista no artº 187º nº 1, alínea a) do CPC, no qual se dispõe que “é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado”, ocorrendo falta de citação, nos termos do artº 188º nº1, a) do mesmo diploma legal, “quando o ato tenha sido completamente omitido”.

Ora, tratando-se de nulidade processual, ela poderia/deveria ser arguida pelo A., oportunamente, e poderia ainda ser conhecida oficiosamente pelo tribunal – como foi, no despacho saneador acima reproduzido, no qual se dispensou a mesma, considerando-se que “se tentou citar o marido, depois de requerida a sua intervenção, mas resultaram infrutíferas todas as diligências com vista à sua citação”.
E foi bem apreciada aquela nulidade.

A questão da dispensa da citação do marido da ré Maria foi apreciada em sede de legitimidade passiva daquela, nos termos do nº 3 do art. 278.º do CPC, no qual se prevê que “As excepções dilatórias só subsistem enquanto a respectiva falta ou irregularidade não for sanada, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º; ainda que subsistam, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.

Ora, o que se passou no caso dos autos foi que a ré Maria arguiu a sua própria ilegitimidade para a acção, por falta de demanda do seu marido, nos termos dos artºs 30º n.º 1 e 34.º n.º3 do CPC, tendo sido deduzida a intervenção daquele nos autos para assegurar a legitimidade da ré sua mulher.

Tentada a citação do marido da ré, não foi a mesma possível, pelo que se dispensou a sua citação - e a própria presença do mesmo na acção - para assegurar a legitimidade da 3ª ré, considerando-se aquela – num primeiro momento - parte ilegítima na acção por estar desacompanhada do marido - art. 30.º, n.º 1 e 34.º, n.º3, do CPC.

Apesar de se considerar aquela ré parte ilegítima, não se absolveu a mesma da instância – nos termos dos artºs 278º nº1, d) e 34º nº 3 do CPC -, ordenando-se o prosseguimento dos autos apenas com a ré mulher, fazendo-se aplicação ao caso do nº3 do artº 278º, considerando-se que ainda que a ilegitimidade subsista, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se ela a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.

Como se refere na decisão recorrida, citando-se Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, II), “Por razões de economia processual dispõe-se que a simples ocorrência de uma excepção dilatória não suprida não conduza necessariamente à absolvição da instância; isto sucederá quando o pressuposto em falta se destine a tutelar o interesse de uma das partes e a decisão de mérito a proferir imediatamente seja inteiramente favorável a essa parte. Evita-se, assim, que a tutela formal dispensada a uma das partes redunde em seu desfavor material”.
Ora, considerando-se logo no despacho saneador que a decisão iria ser favorável á ré mulher – com a improcedência da acção quanto a ela, por ter cedido a sua quota ao A. em 30.4.2001 e ter-se desligado, desde essa altura, da gerência da sociedade ré -, considerou-se a mesma parte legítima para a acção (ou seja, irrelevante a sua ilegitimidade para efeitos de absolvição da instância) e conheceu-se do pedido contra ela formulado pelo A.

Ora, contra esta decisão – que apreciou a questão da legitimidade da ré Maria - não foi interposto recurso (assim como também não foi interposto recurso da decisão de mérito que a absolveu do pedido), pelo que, quanto à mesma, ocorreria trânsito em julgado.

Sendo no entanto tal questão de conhecimento oficioso, como acima dissemos, nada temos a objectar ao que foi decidido no despacho saneador, apenas com a rectificação acima referida – de que a ré Maria é efectivamente parte ilegítima na acção, porque desacompanhada do marido – mas tal exceção, por força do disposto no artº 278º nº 3 do CPC não leva à sua absolvição da instância, permitindo que a mesma se mantenha na acção, mesmo desacompanhada do marido, e se conheça do pedido contra ela formulado pelo A., como veio a acontecer a final.
*
Da caducidade do direito dos AA.

Insurge-se também o A. contra a decisão recorrida - que absolveu as rés do pedido -, aduzindo que elas sempre reconheceram o direito do A. aos lucros da sociedade, facto que interrompe a caducidade nos termos do artº 331º nº2 do CC.

Mas também sem razão.

Desde logo, compulsada a matéria de facto provada – que o recorrente não põe em causa –, dela não consta que as rés tenham reconhecido o direito do A. aos lucros da sociedade, afirmando elas, pelo contrário, nas respectivas contestações, nunca terem existido lucros a distribuir e os que houve foram levados, ou a suprir os prejuízos do exercício do ano anterior (de 2000), ou a reservas da sociedade (quer as legais quer outras, livremente destinadas pelo contrato de sociedade, conforme artº 7º do pacto social).

Efetivamente, o A reclamou na acção o direito a metade dos lucros dos exercícios da sociedade, desde a sua constituição até 29 de Julho de 2009 – que alegadamente nunca recebeu -, retirados aos mesmos as reservas obrigatórias fixadas por lei.
Mais reclamou o direito a metade da indemnização que a co-ré Maria foi condenada a pagar à Sociedade 1ª ré, no valor global de € 310.612,21 e respectivos juros.
Ora, analisada a matéria de facto provada – que o recorrente não impugna –, dela não resulta que a sociedade ou algumas das demais rés tenha reconhecido, expressa ou tacitamente, que o A. tivesse direito a alguma das quantias peticionadas.
Tem pois de concluir-se, como bem se concluiu na sentença recorrida, pela evidente caducidade do direito do A. às quantias reclamadas.
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No que respeita à 3ª ré - a qual foi absolvida do pedido, por ter cedido a sua quota ao A há mais de 16 anos, e desde então nenhuma intervenção ter tido na gestão da sociedade –, é certo que a mesma foi condenada, por sentença transitada em julgado, e no âmbito de acção prevista no art. 77.º do Código das Sociedades Comerciais, a indemnizar a Sociedade pelos prejuízos que lhe causou.

Mas, como bem se disserta na sentença recorrida, “essa condenação não a transforma em devedora do A., nem se pode qualificar a indemnização como lucro da sociedade e, muito menos, como lucro distribuível, concreto, como dividendo consolidado, que transforme o A em credor da sociedade, assumindo uma natureza extra-corporativa que só pode ser afectado com o consentimento do próprio sócio (…).

Assim, é evidente que se a sociedade comprar um automóvel ou um imóvel, o sócio com quota de 50% do capital não fica dono de metade de qualquer desses bens ou dos bens de que a sociedade seja proprietária. Nem a quantia que a Sociedade cobrar da 3.ª Ré, em execução daquela sentença, que a condenou a indemnizá-la dos prejuízos causados, pode ser considerada lucro e muito menos lucro distribuível.
O dinheiro que entrar na sociedade terá o destino que a gerência lhe atribuir, desde o pagamento de salários devidos à sócia gerente, às coimas e impostos não pagos, o devido por incumprimento de contratos … enfim, a reparação de prejuízos sofridos pela sociedade, como elencado na factualidade apurada na sentença condenatória.
De notar, ainda, que o pedido não obteve inteiro vencimento, como resulta da procedência apenas parcial e da condenação em custas na proporção do decaimento. Até por isso a indemnização pode não ser bastante para indemnizar todos os prejuízos.

De qualquer forma, se a quantia arrecadada exceder os prejuízos que se destina a indemnizar e puder ser levada à conta de lucros, terá de passar, com os demais resultados, pelo crivo dos art. 31.º, 1, 32.º, 33.º, 1 e 217.º, 1, do CSC (…)”.
Conclui-se do exposto que não assiste ao A. o direito que se arroga de obter da ré metade do valor em que a 3ª ré foi condenada a pagar à 1ª, a título de indemnização pelos prejuízos que lhe causou.

A quantia em causa, devida apenas à 1ª ré – como resulta da decisão proferida –, entrará directamente no seu património, autonomizado em relação a cada um dos sócios (artº 5º do CSC), tendo o mesmo o destino que os sócios deliberarem atribuir-lhe.

Isto quanto ao pedido relacionado com a indemnização.

Quanto ao mais pedido - metade dos lucros dos exercícios desde a constituição da sociedade até 29 de Julho de 2009, concordamos também aqui com a decisão recorrida, de que tal pedido sempre seria limitado ao período em que o A. entrou para sócio da sociedade, com a aquisição da quota da então sócia MARIA, em 30.4.2001, sendo certo que a sociedade se constituiu muito antes, em 13 de Maio de 1996.
Como bem referem as recorridas, é frequente aparecer clausulado nas escrituras de cessão de quotas, que a quota é cedida «com todos os correspondentes direitos e obrigações, incluindo a parte nos fundos de reserva e lucros acumulados e não distribuídos».

Tal especificação torna-se, no entanto, desnecessária porquanto, seja ou não referenciada, a cessão da quota implica sempre a transferência do cedente para o cessionário de todos os direitos a ela inerentes, salvo se o contrário for convencionado (cfr. Abílio Neto, Código das Sociedades Comerciais, 3,ª edição, nota 10 ao artigo 228.º), pelo que ao ceder a sua quota a terceiros, o recorrente cedeu a sua posição contratual àqueles, deixando de ter qualquer direito aos lucros gerados pela sociedade a partir dessa data.

Mas mesmo no período considerado – de 30.4.2001 a 29.7.2009 –, de acordo com a matéria de facto provada, e com a correta subsunção jurídica dos factos aos institutos jurídicos aplicáveis feita na decisão recorrida -, jamais houve contas aprovadas (e as que houve, não foram por maioria dos sócios - art. 386.º, 248.º e 250.º, n.º 3, do CSC) nem foi dado cumprimento, por nenhum deles, ao disposto no art. 67.º do CSC (requerendo a intervenção do tribunal para o efeito), com recurso ao disposto no artº 1479.º e ss do CPC então vigente.

Igualmente é seguro que nenhuma das deliberações tomadas nesta matéria -, nem as da não aprovação das contas, nem as da não distribuição de lucros -, foi impugnada pelo recorrente em devido tempo.
Ora, tratando-se de deliberações anuláveis (nos termos previstos no art. 58.º do CSC), deveriam as mesmas ter sido impugnadas nos trinta dias seguintes ao encerramento da assembleia geral, como disposto no n.º 2 do art. 59.º do CSC, o que não aconteceu.

Concretizando:

Quanto ao direito do A. aos lucros da sociedade:

Apreciando a factualidade assente, temos como certo que o A., sócio da sociedade 1.ª Ré desde 30.4.2001 a 29.7.2009, ou seja, desde que adquiriu a quota da Ré Maria, correspondente a 50% do capital social, até ceder essa mesma quota à sociedade e à sócia L. S., jamais recebeu da sociedade o que quer que fosse a título de lucros -, porque também jamais foi deliberada a distribuição de lucros -, que só no exercício de 2001 se apuraram.
E tem razão o A quando afirma, embora apenas em tese, de que lhe assiste o direito, enquanto sócio, de quinhoar nos lucros da sociedade.

Dispõe efectivamente o artigo 980.º do CC que “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.

Ora, um dos objectivos do contrato de sociedade é, de facto, a distribuição dos lucros pelos sócios, como resulta também do artº 21.º, n.º 1, alínea a) do CSC, ao estipular que “Todo o sócio tem direito (…) a quinhoar nos lucros”, dispondo o nº 3 do artº 22º que “É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isente de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto quanto a sócios de indústria”, esclarecendo o nº 1 do artº 22º (“Participação nos lucros e perdas”) que “Na falta de preceito especial ou convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e nas perdas da sociedade segundo a proporção dos valores das respectivas participações no capital”.

Como tal, os actos praticados pela sociedade em violação do seu fim lucrativo deverão ser considerados nulos, dado o carácter imperativo daquelas normas (artº 294.º do CC).
Ou seja, o conceito de lucro é um elemento essencial do conceito de sociedade comercial; ela tem como finalidade o lucro, o qual constitui a medida da sua capacidade.

Acresce que o fim da sociedade comercial não é apenas o de obter lucros, mas também o de os distribuir entre os sócios. Assim, se na óptica da sociedade interessa obter e maximizar os lucros a partir da actividade social, na perspectiva dos sócios interessará também (ou principalmente) que esses lucros sejam repartidos, como forma de remuneração do seu investimento.

Ou seja, o direito ao lucro é um direito essencial dos sócios, traduzindo-se, por um lado, no direito legalmente consagrado, de que a sociedade tenha por finalidade o escopo lucrativo e, por outro, no direito de participar na distribuição de lucros pela sociedade.
E os lucros dos sócios justificam-se, quer como contrapartida das suas entradas ou do valor que hajam pago pelas suas participações – no fundo, como contrapartida do risco envolvido -, quer como contrapartida do esforço e das obrigações que cumpram, no quadro social –, como contrapartida do trabalho nelas efectivamente desempenhado.
Ou seja, da actividade social da sociedade resultarão benefícios que se vão acumulando no seu património (o chamado lucro social ou objectivo) e cujo destino principal (sem contar com políticas de contenção ou de auto-investimento) está definido logo desde o início: a sua distribuição pelos sócios. Uma vez que os sócios não pretenderão esperar até ao momento da liquidação da sociedade para obter o retorno do seu investimento, a lei permite que se proceda a distribuições periódicas desses lucros, em razão daquilo com que cada um contribuiu (e em função do que mais se arriscou na sociedade) (art. 22°, 1 CSC).

Faz-se então uma avaliação periódica daquilo que a sociedade tinha no início e no fim do exercício, sendo o saldo positivo, em princípio, partilhado pelos sócios, de acordo com as suas participações sociais.

Claro que a lei impõe restrições à distribuição dos lucros, nomeadamente enquanto houver prejuízos a cobrir e reservas a constituir (obrigatórias ou estatutárias), caso em que não poderão os sócios receber quaisquer quantias ou bens a título de lucros (cfr. arts. 32° e 33° do CSC), pelo que, também em princípio, só o lucro de balanço (a diferença entre o património social líquido e a soma do capital e das reservas) pode chegar ao património individual dos membros da corporação, cada um deles recebendo o que lhe couber, fruto da sua participação social.
Estamos então perante o denominado lucro de exercício distribuível, apurado segundo as regras do artigo 33.º do CSC (abatidos os prejuízos transitados e as reservas impostas por lei ou pelos estatutos da sociedade).
*
Há que contar no entanto, nesta matéria, com o que se dispõe no artigo 31°, nº 1 do CSC - intitulado “Deliberação de distribuição de bens e seu cumprimento”, preceito com particular relevância no caso dos autos -, de acordo com o qual "salvos os casos de distribuição antecipada de lucros e outros expressamente previstos na lei, nenhuma distribuição de bens sociais, ainda que a título de distribuição de lucros de exercício ou de reservas, pode ser feita aos sócios sem ter sido objecto de deliberação destes”.

Ou seja, para haver distribuição de lucros, tem de haver uma deliberação declarativa de todos os sócios para a repartição dos mesmos.

A produção desse efeito requer assim a mediação dum acto jurídico da corporação: a mencionada deliberação de atribuição de dividendos (ou créditos de dividendo).

Significa isto que muito embora o direito subjectivo ao lucro seja um dos elementos essenciais do conceito de sociedade – acima já explicado -, isso não significa que os sócios, individualmente considerados, tenham direito a exigir da sociedade a distribuição do lucro de balanço (ou lucro total); caberá à colectividade dos sócios decidir livremente, por maioria, se, quando e como se procederá à sua repartição.

Isto é, a titularidade desse direito (que se pode designar como direito abstracto ao lucro), não permite ao sócio exigir da sociedade, sem mais, a distribuição da riqueza por ela criada; esse direito não lhe permite, portanto, reclamar da sociedade uma qualquer concreta repartição do lucro, pois ele não é titular de um direito concreto sobre o mesmo.

Como dissemos, e resulta claro do artº 31º nº1 do CSC, a distribuição do lucro dependerá sempre de uma deliberação social que a aprove, pelo que só com a deliberação social de distribuição é que o lucro se torna dividendo, pois só então o direito do sócio ao lucro se determina e materializa, podendo então designar-se esse direito por direito ao dividendo, tornando-se então o sócio titular de um direito de crédito equiparável ao direito de um qualquer terceiro credor da própria sociedade.
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Esta questão entronca numa outra - não menos importante e também abordada pelo recorrente –, que é a da não aprovação das contas do exercício da sociedade.

Efetivamente, para que os quotistas possam reclamar a distribuição da parcela do lucro a que têm direito, torna-se necessário que sejam aprovadas as contas da sociedade, uma vez que só nesta hipótese é que será possível determinar qual o lucro de exercício e, consequentemente, o dividendo a que cada sócio terá direito.

Ou seja, o exercício do direito a quinhoar nos lucros implica necessariamente a aprovação das contas da sociedade, podendo os sócios minoritários – em caso de não aprovação das contas pela maioria –, promoverem judicialmente a aprovação das mesmas (cfr. art. 67° do CSC).

Dispõe efectivamente o nº1 do art. 67.º do CSC (“Falta de apresentação das contas e de deliberação sobre elas”) que “Se o relatório de gestão, as contas do exercício e os demais documentos de prestação de contas não forem apresentados nos dois meses seguintes ao termo do prazo fixado no artigo 65.º n.º 5, pode qualquer sócio requerer ao tribunal que se proceda a inquérito” dispondo também o nº 3 do mesmo preceito legal que “Se as contas do exercício e os demais documentos elaborados pelo gerente ou administrador nomeado pelo tribunal não forem aprovados pelo órgão competente da sociedade, pode aquele, ainda nos autos de inquérito, submeter a divergência ao juiz, para decisão final”, acrescentando o nº 5 que “Se na assembleia convocada judicialmente as contas não forem aprovadas ou rejeitadas pelos sócios, pode qualquer interessado requerer que sejam examinadas por um revisor oficial de contas independente; o juiz, não havendo motivos para indeferir o requerimento, nomeará esse revisor e, em face do relatório deste, do mais que dos autos constar e das diligências que ordenar, aprovará as contas ou recusará a sua aprovação”.

Este pedido de aprovação das contas encontra acolhimento processual nos artºs 1048º e ss do actual CPC (artºs 1479.º e ss do CPC então vigente) através do qual qualquer sócio pode requerer ao tribunal as providências legais adequadas à satisfação ou à reposição dos seus direitos sociais violados.

A conjugação dos procedimentos em análise processar-se-á então da seguinte forma: os gerentes ou administradores da sociedade devem prestar contas perante a colectividade dos sócios (artº 65º nº1 do CSC), a qual as deve apreciar, em regra, no prazo de 3 meses a contar do encerramento do exercício social (art. 65º nº 5). Em causa estão essencialmente o balanço do exercício e a respectiva conta ou demonstração de resultados.

Juntamente com a apresentação dos documentos de prestação de contas, os mesmos gerentes ou administradores devem ainda formular uma proposta de aplicação dos resultados obtidos, sobre a qual a colectividade dos sócios deve deliberar (arts. 66º, 2, f), 263º, 2 e 3, 376º, 1, b) e 248º 1 do CSC).
Faltando tal prestação de contas ou a sua apreciação nesse prazo, passados mais 2 meses, qualquer sócio tem o direito de requerer inquérito judicial ou a convocação judicial da assembleia, em ordem a resolver a situação (arts. 67º e 68º)
Com a aprovação das contas – seja pela via normal, seja pelas vias legais sucedâneas -, ficará então determinado o resultado do exercício, sendo a partir dele que se apurará se há resultado distribuível pelos sócios (artº 32º do CSC). Havendo-o, sobre este deverá incidir então a deliberação a que se refere o artº 31º, ou seja, será a colectividade dos sócios a deliberar sobre a distribuição dos lucros (ou não, suprimindo-a de todo).
*
Feitas estas considerações de ordem geral, vejamos o caso concreto dos autos:

Resulta da matéria de facto provada que nunca foi deliberada, em nenhuma das assembleias gerais realizadas – e nas quais o A. sempre esteve presente e nelas participou –, a distribuição de lucros, sendo certo, no entanto, que numa daquelas assembleias, realizada em 29.3.2002, relativamente ao resultado do exercício de 2001, e sobre a aplicação desses resultados, pela sócia L. S. foi deliberado levar o lucro daquele exercício ao prejuízo do ano de 2000, e o restante a reservas legais e a reservas livres, tendo o A. votado contra essa deliberação.

Como ambos os sócios tinham uma quota de valor igual, a deliberação foi aprovada apenas com o voto da sócia L. S., tendo o A votado contra.
Ora, nos termos do artº 58º, nº1, alínea b) do CSC, tal deliberação seria anulável, pois que, de acordo com esse preceito e as alegações do recorrente – na parte que ora nos interessa -, “São anuláveis as deliberações que (…) b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.

Consta no entanto dos n.ºs 1 a 3 do art. 59.º do mesmo diploma legal – intitulado “Acção de anulação” – que “A anulabilidade pode ser arguida (…) por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente”, sendo “O prazo para a proposição da acção de anulação (…) de 30 dias contados a partir: a) Da data em que foi encerrada a assembleia geral…”.

Ou seja, resulta claro das disposições legais citadas que o A, como titular da quota da sociedade que adquiriu à ré Maria, tinha direito, em princípio, a receber metade dos lucros gerados pela sociedade no final de cada ano de exercício de actividade, durante os anos em que se manteve como sócio, mas a distribuição desses lucros, a existirem, teria de ser objecto de deliberação social dos sócios.

Por outro lado, para haver apuramento dos lucros, haveriam de ser aprovadas as contas da sociedade, a partir das quais se apuraria o resultado do exercício da actividade da sociedade.

Ora, de acordo com a matéria de facto provada, não consta dos autos que tenham sido aprovadas contas antes do exercício de 2001 e mesmo após o autor ter adquirido a quota da ré Maria, também não foram as mesmas aprovadas, salvo as contas de 2001 a 2005, aprovadas apenas pela sócia L. S., sendo certo que o A. esteve presente em todas as Assembleias Gerais, desde 2001 até 29/07/2009, tendo em todas elas assumido o cargo de presidente, por ser então o sócio mais velho, subscrevendo também as respectivas actas.

Ou seja, apesar de votar contra a deliberação tomada pela sócia L. S. no que respeita à não distribuição de lucros, o A. nunca impugnou a respectiva deliberação (dispondo para o efeito o aludido prazo de 30 dias).

E quanto à não aprovação das contas, também não recorreu ao expediente processual a que se fez referência (previsto nos artºs 1479.º e ss do CPC então vigente) promovendo a intervenção do tribunal para a sua aprovação (o que deveria ocorrer decorridos dois meses sobre o prazo em que a apresentação dos documentos de prestação de contas é devida).

Por isso, quanto à falta de distribuição de lucros – e ao pedido formulado quanto aos mesmos -, como bem se decidiu na sentença recorrida, não assiste qualquer razão ao A. ao vir agora, volvidos todos estes anos pedir que lhe sejam distribuídos lucros gerados pela sociedade, porque sendo a distribuição dos lucros obrigatoriamente objecto de deliberação social, e tendo ele participado em todas as assembleias gerais realizadas enquanto foi sócio (pelo menos naquela em que foi deliberada a não distribuição dos lucros pelos sócios), caber-lhe-ia impugnar a referida deliberação, no prazo de 30 dias a partir do momento em que a assembleia foi encerrada e na qual ele participou.

Bem se decidiu, assim, na sentença recorrida em considerar caducado o direito do A. a pedir nesta acção a condenação das rés na parte dos lucros que, segundo ele, lhe eram devidos (cfr. No mesmo sentido Ac Relação de Coimbra, de 21.12.2010, disponível em www.dgsi.pt).

E tal caducidade não foi interrompida, contrariamente ao defendido pelo recorrente, pois que perante a matéria de facto provada (com respaldo, aliás, nas contestações apresentadas) nem a sociedade, nem as 2ª e 3ª ré reconheceram alguma vez, expressa ou tacitamente, que o A tivesse direito às quantias reclamadas (nos termos previstos no artº 331º nº2 do CC).
Improcedem, assim, na sua totalidade, todas as conclusões de recurso do Apelante.
*
Da litigância de má-fé do recorrente:

Considera a recorrida Maria que o A. deduz, neste recurso, pretensão que pessoalmente sabe não ser verdade, nem devida, até porque se conformou com a decisão sobre a matéria de facto, pelo que litiga de má-fé.

Mas não consideramos que assim seja, apesar do insucesso do recurso.

Nos termos do art.° 456.°, nº 2, alínea a) do CPC (vigente no momento em que a presente acção foi intentada), diz-se litigante de má fé, além do mais, quem, com dolo ou negligência grave “Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”.
O dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artigos 266.° e 266°-A do C.P.C (então vigente), para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes.

Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar- má fé instrumental - deve ser condenada como litigante de má-fé.
Claro está que importa identificar a fronteira entre o processualmente admissível e o acto ilícito. Assim, tal sanção apenas tem cabimento nos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca da verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.

Desta actuação da parte, exige-se - como não podia deixar de ser - que haja dolo ou negligência grave do agente (Manuel de Andrade “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra, pp. 343 e José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil, Anotado”, II, Coimbra, pp. 259).

É certo que com a reforma de 95/96 o regime instituído no artº 456º do CPC traduz uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva como na objectiva. A condenação por litigância de má fé pode fundar-se, além de numa situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave.

Trata-se assim, no fundo, de um regresso à concepção de má fé originária do CPC de 1939, o qual, na ideia de Alberto dos Reis (ob. e loc. Citados), sancionava a pretensão ou oposição cuja falta de fundamento o agente não pudesse razoavelmente desconhecer (cfr. Ac. RP de 26.2.2008, disponível em www.dgsi.pt.).

Mas como se escreve também no ac da mesma RP, de 13.3.2008 (também disponível em www.dgsi.pt), esta concepção explícita agora de litigância de má-fé – com dolo ou culpa grave - não se pode confundir com erro grosseiro, com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer.

Mesmo que se esteja entre uma lide dolosa e uma lide temerária, mas não sendo seguros os elementos processuais para se concluir pela existência de dolo ou culpa grave, a condenação como litigante de má-fé não se deve operar, entendimento que pressupõe prudência e cuidado do julgador.

Para existir condenação como litigante de má-fé é necessário que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
*
No caso concreto, se é certo para nós a falta de fundamento da pretensão recursória do A. – que levou, como se viu, à improcedência do recurso e à confirmação da decisão recorrida –, e que o comportamento do recorrente perante os factos provados – que não questionou -, não pode deixar de ser considerado como temerário, estes factos não são, a nosso ver, consubstanciadores do juízo de censura que a norma exige que se faça (de uma conduta dolosa ou com culpa grave).
Em suma: cremos estar perante um comportamento temerário e infundado, mas não cremos que ele seja doloso ou gravemente negligente, pelo que improcede a peticionada condenação do recorrente como litigante de má fé.
*
DECISÃO:

Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) a cargo do recorrente.
Notifique.
Guimarães, 7.6.2018