Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1743/10.6TBBCL-A.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: LETRA DE FAVOR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Alegando o executado no requerimento de oposição à execução que a letra exequenda é de favor, recai sobre si, no domínio das relações imediatas, o ónus da prova da total ausência de um negócio subjacente à letra exequenda.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
Maria…, Augusto…, Francisco… e Maria… deduziram oposição à execução comum para pagamento de quantia certa contra si instaurada por Albino… , para deles obter o pagamento da quantia de € 70.000,00, acrescida de juros legais vencidos, no montante de € 122,00, e vincendos desde 20.03.2010, à taxa legal de 4%, com base em sete letras de câmbio.
Alegaram, em síntese, que as executadas mulheres são partes ilegítimas por não terem assinado as letras dadas à execução, as quais são de favor, pois não titulam qualquer negócio celebrado com os executados, sendo que o exequente apenas forneceu bens têxteis à empresa “R… , Lda.”, a qual foi apresentada à falência em data recente, pelo que não pode pretender receber dos executados aquilo que provavelmente não receberá daquela empresa, tendo as referidas letras sido solicitadas pelo exequente para apresentar junto de um qualquer devedor seu, mas que não eram para ser pagas.
Contestou o exequente, negando tais factos e contrapondo que após uma reunião havida entre as partes, acordaram os executados maridos em emitir a favor do exequente as letras dadas à execução, no valor global de € 70.000, a serem pagos de forma faseada de Março a Setembro de 2010, através de prestações mensais de € 10.000, mais acordando que o não pagamento de uma das letras implicava o vencimento das demais, sendo que continuou a fornecer produtos têxteis à dita empresa “R… ”, mas os executados não cumpriram o acordo, não pagando os valores constantes das letras.
Foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade das executadas mulheres, com subsequente e irreclamada enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.
Instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida a decisão de fls. 111 a 114 sobre a matéria de facto controvertida.
Proferida a sentença, foi a oposição julgada improcedente, por não provada.
Inconformados com o assim decidido, interpuseram os executados/opoentes o presente recurso de apelação (a que foi fixado efeito meramente devolutivo) cuja motivação culminaram com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«a) A meritíssima Juíza com o devido respeito não valorou ou desconsiderou a própria exposição dos factos apresentada pela exequente, na medida em que a exequente alega ter vendido aos executados bens de natureza têxtil, de tal não se ter feito prova, antes os executados fizeram prova de que os executados nada compraram e mesmo assim deu-se a oposição como improcedente.
b) As testemunhas apresentadas e ouvidas foram unânimes no sentido de que os executados nada compraram à exequente, onde se inclui a testemunha apresentada pela própria exequente, pelo que os artigos 1º e 2º da base instrutória deveriam ter sido dados como provados e como tal a oposição procedente, improcedendo a execução.
Deveriam ter sido dados como provados os factos vertidos nos artigos 1º e 2º da base instrutória;
d) a não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado artº 653º nº 2 do Código de Processo Civil e viola o artº 295 da Constituição da República Portuguesa.»
O exequente/oponido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
Não foram juntas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), constitui questão proposta à resolução deste Tribunal saber se a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pelo recorrente, com a consequente procedência da oposição.

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
É a seguinte a factualidade considerada assente na sentença recorrida Devidamente complementada, no caso da alínea a), pois como é sabido, os documentos não são factos mas meios de prova, pelo que na fixação da matéria de facto não podia o tribunal a quo limitar-se a dar como reproduzidos os documentos, havendo que indicar expressamente os factos por eles provados, além de que se remeteu para as fotocópias juntas aos autos de execução e não para os originais (vd. despacho de fls. 91). :
a) O exequente deu à execução as sete letras de câmbio cujos originais estão juntos a fls. 102 a 108 dos presentes autos, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros) cada uma, com datas de vencimento em 2010.03.20, 2010.04.20, 2010.05.20, 2010.06.20, 2010.07.20, 2010.08.20 e 2010.09.20, das quais constam no lugar destinado à assinatura do aceitante as assinaturas dos executados maridos, e no lugar destinado à assinatura do sacador a assinatura do exequente.
b) O exequente/oponido forneceu bens de natureza têxtil à “R… , Lda.”, sociedade que foi, entretanto, apresentada à insolvência.
c) A “R… , Lda.” tinha algumas dívidas para com o exequente/oponido.
d) Após uma reunião ocorrida entre as partes, acordaram os executados/opoentes maridos em emitir a favor do exequente os títulos dados à execução, no valor global de € 70.000,00.
e) A serem pagos de forma faseada de Março a Setembro através de prestações mensais de € 10.000,00.

B) O DIREITO
Vejamos a questão essencial decidenda, ou seja, a da alteração da matéria de facto, da qual depende afinal o êxito do recurso.
(…)
Mantêm-se, pois, inalterada a decisão da matéria de facto nos termos definidos na 1ª instância.
Nestes termos e porque o recurso não versa sobre a apreciação jurídica feita na sentença recorrida sobre os factos nela considerados provados, nada mais restaria do que a manter.
Sempre se dirá, porém, reiterando o já decidido na douta sentença, que os recorrentes se defenderam por excepção, sustentando que as letras dadas à execução eram meras letras de garantia, sendo os recorrentes uns meros favorecentes, na qualidade de aceitantes dessas letras, nada devendo por isso ao recorrido.
Todavia, não provaram essa tese, como denotam os factos considerados como não provados na decisão de facto, o que foi confirmado por este Tribunal.
O recorrente não provou os factos constitutivos da alegada excepção, que lhe incumbia provar (art. 342º, nº 2, do CC).
E, ainda que se ignore qual a concreta relação jurídica subjacente ou fundamental, a verdadeira causa debendi justificativa da subscrição das letras de câmbio, não era ao recorrido que incumbia provar essa relação já que lhe é facultado prevalecer-se na execução apenas da relação cambiária, instaurando a acção executiva com base na relação ou no “direito cartular” incorporado na letra de câmbio, que é um título de crédito autónomo da relação fundamental que subjaz à respectiva emissão.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 31.02.2007, proc. 06A4495, in www.dgsi.pt “[a] pretensão executiva cambiária, ao invés do que normalmente sucede, não se reconduz a uma obrigação causal, mas antes a uma obrigação abstracta, não carecendo o exequente de alegar a causa da obrigação, podendo exigir do devedor a respectiva prestação sem alegação da causa justificativa do pretendido recebimento, portanto sem estar vinculado a invocar o negócio subjacente ou fundamental, podendo instaurar a acção executiva somente com base na letra, por tal título incorporar e definir o próprio direito formal, que é independente e se destaca da causa debendi.
A abstracção, a autonomia e a literalidade, características do título executivo, fornecem ao documento potencialidade suficiente para fundar a execução.
Incumbia ao recorrente provar que anteriormente à emissão do título cambiário existiu unicamente a concreta convenção de favor por ele pormenorizadamente articulada na petição de embargos (…), ónus de prova a que não logrou dar cumprimento”.
Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
Alegando o executado no requerimento de oposição à execução que a letra exequenda é de favor, recai sobre si, no domínio das relações imediatas, o ónus da prova da total ausência de um negócio subjacente à letra exequenda.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes.
*
Guimarães, 13 de Outubro de 2011

Manuel Bargado
Amílcar Andrade
José Rainho