Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
86/13.8GEGMR.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: ESCOLHA DA PENA
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Se o tribunal, na escolha e determinação da medida da pena, formulou juízos e tomou opções que não ofendem os parâmetros de normalidade das coisas da vida, não deve a decisão ser modificada pelo tribunal de recurso, por discordâncias pontuais e de pormenor.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

Nestes autos de Processo Sumário, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, por decisão de 06.02.2013, foi o arguido José M... condenado, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
Inconformado, recorre desta decisão, discordando da determinação judicial da pena concreta, requerendo aplicação de medida de maior benevolência, e assim peticiona a substituição da pena efectiva por pena não privativa de liberdade ou, como pedidos subsidiários, a substituição de pena pelo regime de permanência na habitação, prisão por dias livres ou regime de semi-detenção.
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O Ministério Público, na 1ª instância, defende o julgado e, nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunt também entende que a decisão deve ser mantida.
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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir.
É a seguinte a matéria de facto estabilizada que, de resto, não vem posta em causa:
1. No dia 5 de Fevereiro de 2013, pelas 12 horas e 30 minutos, na Rua M..., Vizela, comarca de Guimarães, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 57-55-..., na via pública, sem para o efeito se encontrar habilitado com carta de condução;
2. O arguido agiu de modo voluntário, consciente e livre, sabendo que não era titular de carta de condução e não ignorando que a atividade de conduzir veículos na via pública sem o respetivo título de habilitação é proibida e punível por lei;
3. Na altura, o arguido percorreu cerca de 10 km, seguia sozinho e não foi interveniente em acidente de viação;
4. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe vinham imputados;
5. É operário civil, aufere cerca de € 600,00 mensais; vive com a companheira, que é operária de calçado e aufere € 485,00 mensais, em casa arrendada; tem um filho com 2 anos de idade; tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade;
6. O arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado:
a) No processo n.º 898/02.8GAFAF do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, por sentença proferida em 03-10-2002, transitada em 18-10-2002, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, pela prática, em 02-10-2002, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do DL 2/98 de 3/1;
b) No processo n.º 16/02.2GAAMT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, por sentença proferida em 12-11-2002, transitada em 27-11-2002, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 3,50, pela prática, em 11-11-2002, de um crime de condução sem habilitação legal,p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2, do DL 2/98 de 3/1;
c) No processo n.º 600/03.7GELSB do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, por sentença proferida em 22-10-2003, transitada em 07-11-2003, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 18 meses, pela prática, em 23-09-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 e 2 do DL 2/98 de 3/1, que foi declarada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal;
d) No processo n.º 1927/03.3TBFAF do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, por sentença proferida em 27-10-2003, transitada em 11-11-2003, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 18 meses, pela prática, em 27-09-2003, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 e 2 do DL 2/98 de 3/1, que foi declarada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal;
e) No processo n.º 807/07.8GAFAF do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, por sentença proferida em 19-10-2009, transitada em 16-11-2009, na pena de 12 meses de prisão, suspensa por 12 meses, pela prática, em 01-07-2007, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. Pelo art.º 3º do DL 2/98 de 3/1, que foi declarada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal;
f) No processo n.º 864/11.2GAMCN do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, por sentença proferida em 02-12-2011, transitada em 16-01-2012, na pena de 8 meses de prisão, substituída por 48 períodos de PDL, pela prática, em 30-11-2011, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º do DL 2/98 de 3/1, tendo terminado o cumprimento desta pena em Outubro do passado ano.

Conforme decorre da análise das conclusões da motivação, com o presente recurso pretende-se apenas o reexame da matéria de direito (artº 403º e 412º, nºs 1 e 2 e 428, nº 1 do CPPenal).
Deste modo há que considerar definitivamente fixada a matéria de facto atrás exposta, a menos que ocorra qualquer dos vícios referidos nas diferentes alíneas do nº 2 do artº 410º do referido Código, cujo conhecimento é oficioso, e que, no caso vertente, desde já se dirá não se vislumbrarem.
Assim sendo há que analisar tão só a questão suscitada pelo ilustre recorrente nas suas conclusões, sendo que da mesma ressalta que no seu entender há que optar por pena menos gravosa.
O tribunal a quo encontrou assim a pena concreta:
Ao crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, segundo resulta da conjugação do disposto no n.º 2 do art.º 3º do DL n.º2/98, de 3 de Janeiro, com as disposições gerais do Código Penal supra referidas, faz a lei corresponder uma pena de 1 mês a 2 anos de prisão ou multa de 10 a 240 dias.
Tendo, pois, em conta o carácter alternativo das penas de prisão e multa no referido tipo previstas, impõe-se proceder, desde logo, à escolha da pena que concretamente irá ser aplicada.
Esta operação há-de deixar necessariamente orientar-se pelo princípio politico-criminal da preferência pelas reações penais não detentivas insíto no artigo 70º do Cód. Penal, de acordo com o qual, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Tais finalidades são exclusivamente preventivas, sob a forma de proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (artigo 40º n.º 1 do Cód. Penal).
Nesta perspetiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas pelo arguido, bem assim como a ressocialização daquele, poderão ser plenamente alcançadas sem a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
Ora, considerando que o arguido, antes da prática dos factos ora julgados, havia sido já condenado por seis vezes, por crime igual ao que lhe é ora imputado, mas, apesar disso, veio a reincidir na sua conduta criminosa, cremos que o mesmo revela sérias dificuldades de interiorização da especial valência axiológica do bem tutelado através do comando penal desatendido e até uma significativa predisposição para a assunção de comportamentos iniludivelmente atentatórios do valor da segurança rodoviária, amplamente protegido pelo sistema.
Deste modo, deve a escolha incidir concretamente sobre a pena de prisão cuja execução sempre seria, de resto, reclamada pelas considerações mais gerais da prevenção.
Com efeito, considerada a particular ressonância que, mercê dos insuportáveis níveis de sinistralidade rodoviária que atingem um país com a dimensão do nosso, os crimes estradais, para mais reiterados, sempre provocam na comunidade, a opção pela pena de multa seria aqui entendida como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza contra o crime, comprometendo deste modo a defesa do ordenamento jurídico e exigências da exteriorização física da reprovação (neste sentido, Anabela Rodrigues, op. cit., pg.256).
A determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e ainda de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o arguido (art.º 71.º do Código Penal).
Assim, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção – cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico – e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Deste modo, importa ponderar in casu os seguintes factores: o grau mediano da ilicitude do facto; a ausência de consequências extra-típicas do ilícito; o grau elevado da culpa, atendendo a que o arguido agiu com dolo directo e intenso; o bom comportamento do arguido posterior aos factos, na medida em que confessou os factos; as prementes exigências de prevenção geral e especial, pelas razões acima aduzidas, que aqui se mantêm válidas; e as condições pessoais e sociais do arguido.
Tudo sopesado, afigura-se-nos ajustado aplicar ao arguido, pela prática do sobredito crime de condução sem habilitação legal, a pena de 6 meses de prisão.
Ponderando tudo o que acima ficou dito em sede de opção da natureza da pena a aplicar, julgamos evidenciado que a substituição da apontada pena curta de prisão por multa ou por trabalho a favor da comunidade ou a sua suspensão (é de notar que, como evidencia o seu passado criminal, três das anteriores condenações sofridas pelo arguido foram em pena de prisão suspensa na sua execução), não serão suficientes para dar satisfação às exigências de prevenção, evitando que o arguido volte a delinquir, e sucedendo que, sob pena de se ver gerado um sentimento de impunidade, também a comunidade precisa de ver reafirmada a validade e a positividade da norma violada.
Por outro lado, e considerando os mesmos fundamentos, fica afastado o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, em regime de semidetenção ou por dias livres (cumpre aqui registar que, como também evidencia o seu passado criminal, a última condenação sofrida pelo arguido por crime da mesma natureza foi em pena de prisão por dias livres, tendo o mesmo praticado o crime dos autos apenas cerca de quatro meses depois de terminar o cumprimento de tal pena), por julgarmos que estas formas de cumprimento de igual sorte não realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na decisão recorrida, a não substituição da pena de prisão foi feita com apelo, essencialmente, como acabamos de ver, ao entendimento de as expectativas contra-fácticas da comunidade impõem o cumprimento efectivo da pena de prisão, o mesmo acontecendo com as exigências de prevenção especial, pois que o arguido embora se encontre familiar, social e profissional integrado, revela um passado criminal que de todo não só desaconselham como impedem que por mais uma vez, ainda e sempre, se fuja ao cumprimento efectivo de pena de prisão.
Não há modo de contornar que o arguido, antes da prática dos factos ora julgados, havia sido já condenado por seis vezes, por crime igual ao que lhe é ora imputado, e apesar disso, veio a reincidir na sua conduta criminosa, como de nada fosse, assim, como se disse, revelando sérias dificuldades de interiorização da especial valência axiológica do bem tutelado através do comando penal desatendido e até uma significativa predisposição para a assunção de comportamentos iniludivelmente atentatórios do valor da segurança rodoviária, amplamente protegido pelo sistema;
Temos assim que o Juiz da 1ª instância foi solicitado a conhecer e julgar os factos em causa e, a final, optar por uma reacção criminal que ao caso se adequasse, ponderando, para o efeito, todos os elementos e circunstâncias, mormente para satisfação da finalidade das penas, prevista no artº 40º do Código Penal.
Se os juízos feitos e transmitidos, e as opções tomadas e justificadas, não ofendem clamorosamente os parâmetros de normalidade das coisas e da vida, não pode ser de ânimo leve ou por discordâncias pontuais e de pormenor que tais opções devem ser modificadas pelos Tribunais superiores.
No caso concreto, a fundamentação das opções tomadas é exuberante, bem mais que a singeleza com que se basta no processo sumário e deixa transparecer todos os elementos devidos para se escolher uma determinada medida e para a sua concretização quantitativa, tudo adequado às circunstâncias que invocou.
A tudo acresce, que, o recorrente não explica porque é que entende que uma pena substitutiva menos gravosa podia ainda atingir as finalidades da punição, quando o passado criminal do arguido há muito indicava já que, sem privação efectiva de liberdade, o arguido não deixará de continuar a praticar os factos delituosos pelos quais tem vindo a ser condenado ao longo do tempo
Nestes termos, é de manter integralmente a decisão recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, em julgar o presente recurso improcedente.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 3 (três) UC’s.
Guimarães , 7 de Outubro de 2013