Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6108/16.3T8VNF-B.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
PROIBIÇÃO DA PRÁTICA DE ACTOS INÚTEIS
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

II- Emanação da proibição da prática de actos inúteis que, por sua vez, está relacionada com o princípio da economia processual, a inutilidade superveniente visa obstar a prática de actos absolutamente inúteis, ou seja, sem qualquer utilidade processual.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: M. R..
Recorrido: Empresa A Ldª.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – J4.

Veio M. R. invocar nulidade da sentença por omissão de pronúncia e, em consequência, requerer que seja proferida nova sentença que se pronuncie quanto ao reconhecimento dos seus créditos tempestivamente reclamados, devendo os mesmos ser classificados como laborais, privilegiados e graduados no lugar que lhe competir.
Notificadas as demais partes ni processo não se pronunciaram sobre o teor do aludido requerimento.
Por despacho proferido nos autos foi considerado inexistir a invocada nulidade e por decorrência, indeferido o aludido requerimento.
Inconformado com tal despacho, o Requerente interpôs a presente apelação e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

I. O Tribunal a quo não procedeu ao reconhecimento dos créditos laborais tempestivamente reclamados do recorrente, nem procedeu à sua classificação e graduação.
II. Do despacho recorrido concluiu-se não existir qualquer nulidade de sentença por omissão de pronúncia quanto ao reconhecimento dos créditos reclamados.
III. Ora não pode o recorrente sufragar tal entendimento por se constatar que o mesmo reclamou tempestivamente os seus créditos laborais, que os mesmos não foram reconhecidos por erro de contagem do prazo por parte da Sra. Administradora de Insolvência, para o efeito.
IV. E quando os mesmos deveriam ter sido reconhecidos sem que o recorrente tivesse que se ver obrigado a impugnar o não reconhecimento dos seus créditos reclamados dentro do prazo estabelecido.
V. O que resulta, desde logo, a ilegalidade de tal decisão.
VI. Não obstante a mesma, foi ainda proferida sentença de encerramento do processo de insolvência e com fundamento no mesmo, foi proferida sentença no processo de reclamação de créditos que extinguiu o mesmo por inutilidade superveniente da lide.
VII. Sendo omissa quanto ao reconhecimento dos créditos reclamados pelo recorrente.
VIII. O despacho em crise, de improcedência da nulidade arguida pela omissão de pronúncia na sentença proferida, merece sindicância ao desconsiderar o reconhecimento dos créditos laborais tempestivamente reclamados por considerar que tal reconhecimento extravasa o objecto do processo em causa.
IX. Os créditos laborais do ora recorrente, ao não serem reconhecidos consubstancia uma ilegalidade processual, pois foram os mesmos dentro do prazo estabelecido, devidamente reclamados não podendo ser o recorrente prejudicado nos seus direitos, legalmente exercidos, por erro de terceiros”.
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O Apelado não apresentou contra alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:
- Apreciar da invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de conhecimento, prevista no artigo 615, nº 1, al. d), do C.P.C..
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A- Foram aduzidos no despacho recorrido os seguintes fundamentos de facto e de direito:
“Vem M. R. invocar nulidade da sentença por omissão de pronúncia e, em consequência, requerer que ser proferida nova sentença que se pronuncie quanto ao reconhecimento dos seus créditos tempestivamente reclamados, sendo os mesmos classificados como laborais, privilegiados e graduados no lugar que lhe competir.
Cumpre apreciar e decidir.
O processo de insolvência visa a liquidação dos bens do devedor e distribuição do produto da sua venda pelos seus credores.
Nesse sentido, determina o art. 1º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.
Por esse motivo e só com esse fim, se reconhecem os créditos dos credores e se graduam os mesmos, com vista a estabelecer a lugar em que cada um deles vê o seu crédito satisfeito mediante a quantia que resultar da venda dos bens do devedor.
Assim, a partir do momento em que se tem como assente nos autos que nenhuma quantia será distribuída pelos credores, designadamente, com o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, como é o caso, torna-se inútil reconhecer e graduar os créditos reclamados, pois o processo atingiu o seu fim.
É inútil, para o objecto do processo, reconhecer o crédito reclamado por M. R..
Reconhecer um crédito de determinado credor para que este possa accionar o fundo de garantia salarial é um acto que extravasa o objecto do processo e não deve, por isso, ser praticado.
Pelo exposto, concluímos pela não ocorrência de qualquer nulidade, designadamente, por omissão de pronúncia.
Improcede, por isso, a pretensão do requerente M. R.
Termos em que indefiro o requerido.
(…)”
B- A decisão proferida nos autos sobre que incidiu a decisão recorrida tem o seguinte teor:
(…)
Conforme se constata da decisão proferida a 5/1/2017 na acta de Assembleia de Credores constante do processo principal em que foi declarada a insolvência de Empresa A, Lda, os autos foram encerrados por insuficiência da massa insolvência.
Tal facto determina a inutilidade superveniente da presente lide, o que, nos termos do art. 277º, al. e) do Código de Processo Civil, declaro, extinguindo a instância.
Custas pela massa insolvente.
Registe e notifique.
(…)

Fundamentação de direito.

Um dos fundamentos para a extinção da instância é, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 277.º do C.P.C., a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide que ocorre quando “por um facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida”.(1)

A solução do litígio perde o interesse no primeiro caso por já não ser mais possível “atingir o resultado visado” e no segundo por o resultado “já ter sido atingido por outro meio”.

Sem embargo, e como refere o S.T.J. no Ac. de 21/02/2013, “a inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável”. (2)

Emanação da proibição da prática de actos inúteis que, por sua vez, está relacionada com o princípio da economia processual, alertam os Autores acima citados que o que é proibido é a prática de actos que, não tendo utilidade para a “realização da função processual”, o único efeito que tenham é o de “complicar o processo, impedindo-o de rapidamente atingir o seu termo”.

Ensinava Alberto dos Reis que “uma coisa são actos absolutamente inúteis, outra actos supérfluos ou desnecessários, mas que podem ter alguma utilidade” (3)

Ora, como e em nosso entender correctamente, se refere na decisão recorrida o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.

E assim sendo, apenas por esse motivo e só com esse fim, se reconhecem os créditos dos credores e se graduam os mesmos, com vista a estabelecer a lugar em que cada um deles vê o seu crédito satisfeito mediante a quantia que resultar da venda dos bens do devedor.
Destarte, com linear evidência resulta que, a partir do momento em que se tem como assente nos autos que nenhuma quantia será distribuída pelos credores, designadamente, com o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, como é o caso, torna-se inútil reconhecer e graduar os créditos reclamados, pois o processo atingiu o seu fim.

Logo, tornando-se inútil, para o objecto do processo, reconhecer o crédito reclamado por M. R., ao não reconhecer os créditos laborais tempestivamente reclamados do recorrente, nem ter procedido à sua classificação e graduação, do despacho recorrido concluiu-se não existir qualquer nulidade de sentença por omissão de pronúncia quanto ao reconhecimento dos créditos reclamados.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 16/ 11/ 2017.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Cfr Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 3.ª ed., pág. 546
2. Cfr. Proc.º 2839/08.0YXLSB.L1.S1, Cons.º João Bernardo, in www.dgsi.pt..
3. Cfr. “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 268.