Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3038/14.7T8GMR-A.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CIRE
PER
INCUMPRIMENTO DO PLANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: ●. Ao processo especial de revitalização, como processo especial que é devem ser aplicadas em primeiro lugar, as regras próprias, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, no caso, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, por último caso seja necessário, as regras do Código de Processo Civil sempre com o crivo do artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
●. Tal obriga-nos sempre à indagação, quando nos deparamos com uma lacuna, de qual a filosofia e finalidade do instituto da revitalização e se, no caso concreto, tais finalidades e filosofia consentem a aplicação das regras subsidiárias, seja de primeira, seja de segunda linha, segundo os ditames do artº 9 do Código Civil.
●. Mesmo quando é a própria lei que indica qual a regra ou regras aplicáveis, a natureza, características e finalidades do procedimento impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada.
●. Ao PER aplica-se o disposto no artº 218 do CIRE embora com as necessárias adaptações, uma vez que “a natureza, características e finalidades do procedimento (PER) impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada”.
●. Os efeitos do incumprimento do plano previsto no artº 218º em apreciação são: ineficácia das moratórias e dos perdões contemplados.
●. Se o devedor incumpriu o acordado apenas quanto à recorrente - e é este o conhecimento que temos no processo - verificando-se as exigências previstas na al a) do citado artº 218 a moratória ou o perdão previsto no plano ficam sem efeito.
●. Vencida a divida e verificadas as demais exigências previstas na citada al b) do artº 20 do CIRE poderia a credora requer a insolvência com fundamento no descrito facto-índice.
●. Se o devedor não cumprir a totalidade das obrigações entretanto vencidas, afigura-se que o caminho será o de qualquer credor requerer a sua insolvência, por se verificar o facto índice previsto na alínea a) do nº 1 do artº 20º.
●. Estes requerimentos devem ser apresentados e distribuídos dando origem a um novo processo este de insolvência com uma nova instância, tanto assim que o processo de revitalização está encerrado.
●. Não faria qualquer sentido converter em processo de insolvência um PER encerrado.
●. A esse processo, em que se converte o precedente PER, serão apensados os autos deste PER, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 4 e 7 do art. 17º-G do C.I.R.E., respectivamente.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I.RELATÓRIO
Nos autos supra identificados C, credora/reclamante, apresentou o seguinte requerimento:
1º- Por douta sentença de 13/04/2015 foi homologado o plano de recuperação da revitalizante;
2º- Como dali se alcança por força desse plano o mútuo que a revitalizante celebrara com a Reqte foi reativado e as mensalidades foram retomadas, passou a existir um período de carência de capital de 12 meses com início em 23/02/2015 e fim em 23/01/2016 e o capital remanescente seria reembolsado em 99 prestações constantes, mensais e sucessivas de capital e juros, com início em 23/02/2016;
3º- A taxa de juro passou também a ser, a partir de 23/02/2015, a que resultasse da aplicação de um spread de 2,5 pontos percentuais à média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a meses, arredondada para o oitavo de ponto percentual superior, sendo que em caso algum a taxa de juro seria inferior ao spread aplicado;
4º- O novo plano do mútuo resultante da revitalização foi cumprido até 23/02/2016, inclusive;
5º- Sendo que não foi paga a prestação que se vencia em 23/03/2016 nem nenhuma outra das subsequentes;
6º- Pelo que a obrigação se venceu em 23/02/2016, data em que se vencia a prestação naquela data prevista, consoante o contratado (cf. ainda artºs 780º e 781º C. Civil);
7º- E na qual, o capital em dívida ascendia como hoje ascende, sem considerar os juros contratuais e moratórios em dívida, a 437.802,42 euros;
8º- Perante a falta de pagamento de várias das prestações, em 06/09/2016 a expoente deu cumprimento ao artº 218º CIRE (doc. 1);
9º- Preceito esse aplicável por analogia ao PER (cf. por todos Ac. TRP de 10/02/2016 de doc. 2);
10º- Tendo sido devidamente interpelada para pagar, sob pena de se comunicar o incumprimento a estes autos a fim de ser declarada a insolvência, a revitalizante nada pagou até à presente data;
11º- Pelo que se requer a V. Exª que seja declarado sem efeito o plano de revitalização aprovado e homologado e seja declarada a insolvência da Reqda que poderá, caso o entenda, apresentar plano de insolvência, tudo com as demais consequências legais.
Termos em que se requer a V. Exª se digne deferir ao requerido, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Este requerimento mereceu a seguinte decisão:

Visto o requerimento que antecede e a declaração efectuada nos termos do art. 218º do CIRE.
Não tem esta, contudo a virtualidade de fazer renascer estes autos, no sentido de ser declarada a insolvência.
Esta deverá ser requerida pela via regular.
Notifique e voltem os autos para o arquivo.
Inconformada com a decisão a requerente/credora apresentou recurso que terminou com as seguintes conclusões:

a) No PER dos autos à margem foi aprovado e homologado plano de revitalização que não foi cumprido pela revitalizante quanto à recorrente, que a notificou nos termos e para efeitos do artº 218º CIRE em set./2016, mantendo-se até hoje o incumprimento, pelo que foi solicitado o prosseguimento dos autos para declaração de insolvência por aplicação daquele artº 218º CIRE, tendo o Tribunal “a quo” entendido ser necessária nova ação para ela ser decretada, decisão que não fundamentou de direito e que é por isso nula ;
b). Ao PER aplicam-se nos casos omissos as regras do CIRE, designadamente os artºs 218º e 20º, nº 1, al. f) e por isso é ao Tribunal, Juiz e processo em que decorreu o PER que compete, em caso de incumprimento do plano de homologação e cumprida que seja a injunção do artº 218º CIRE, declarar a insolvência da revitalizante dada a relação causa-efeito que entre ambas se verifica.
Assim,
c). Deve a decisão recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que declare serem os autos à margem os competentes para declarar a insolvência da revitalizante, já que
d). Foram violados os artºs 613º, nº 3 e 615º, nº 1, al. b) CPC e os artºs 9º e 10º C. Civil, 17º-G, nºs 1 e 4, 20º, nº 1, al. f) e 258º, estes todos do CIRE.
Assim decidindo, e com o douto suprimento, farão V. Ex.as, Venerandos Juízes Desembargadores, a costumada e inteira JUSTIÇA

Não temos conhecimento de que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo e subida imediata, em separado.
Mais se pronunciou o Tribunal recorrido acerca da nulidade invocada dizendo o seguinte:
Mantemos o nosso despacho pois entendemos que atento o arquivamento destes autos, após o encerramento previsto pela aprovação do plano de insolvência, a situação de incumprimento do mesmo, apenas significará o preenchimento da alínea f) do n.º 1 do art. 20º do CIRE, em termos de ser requerido novo processo de insolvência.


As questões a resolver, partindo das conclusões formuladas pela apelante, como impõem os artºs. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do C.P.Civ, serão as seguintes:
I. Se a decisão recorrida enferma de nulidade, por falta de fundamentação;
II. Se a decisão errou na interpretação e aplicação da lei

*


II.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos:

No presente processo e na parte com interesse para o caso em apreço os factos que relevam constam do supra nº I.

Resulta também que se encontra certificado NARRATIVAMENTE que o despacho que homologou o plano de recuperação transitou em julgado em 08-05-2015 e os autos encontram-se encerrados, com visto em correição, desde o dia 02-10-2015.

O Direito

1. Da nulidade da sentença
Invoca a apelante a nulidade da sentença, por falta de fundamentação.
Apreciando
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, conforme dispõe o art. 615º, nº 1, al. b) do CPC.
O estatuído no referido normativo é a sanção pelo desrespeito do disposto no art. 154º, nº 1 do mesmo diploma legal que estabelece que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, o qual assenta no princípio constitucional da obrigatoriedade de fundamentação de todas as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente (art. 205º, n.º 1 da CRP).
Como refere Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.
E acrescenta o mesmo autor: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” [In “Estudos sobre o Processo Civil”, pg. 221].
Ou, como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” [In CPC, pg. 297].
No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” [in "Notas ao Código de Processo Civil", III, 194].
E como advertia o Professor Alberto dos Reis “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2. ° do art. 668. °” [in "Código de Processo Civil Anotado", V, 140].
Deste modo, face à doutrina exposta, concluímos que a nulidade da sentença não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
Analisada a decisão recorrida, constata-se que o requerimento apresentado pela credora/recorrente foi apreciado aduzindo-se, se não uma profícua e exaustiva fundamentação, pelo menos uma fundamentação bastante em face da comedida dificuldade da lide, de modo que a decisão recorrida não pode ser havida por não motivada.
Há que atender à natureza especial do processo em causa.
De efeito, o processo especial de revitalização é um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a lograr-se um acordo com vista à sua revitalização, sendo uma oportunidade para promover a reestruturação da empresa.
No PER pretendeu-se conferir primazia à vontade dos credores, onde se lhes atribui um controlo efectivo do processo, em detrimento do controlo judicial.
É certo que não deixa de ser um processo judicial, visando, em última instância, a intervenção do juiz salvaguardar o controlo da observância dos princípios orientadores do mesmo, da defesa dos interesses (particulares e públicos) envolvidos e da observância de normas que se considerem imperativas.
Ora a decisão percebe-se. Da mesma retira-se que considerando que o PER estava encerrado o incumprimento apontado não tinha a virtualidade de reabrir o processo e transformá-lo em processo de insolvência.
Aliás a requerente percebeu a decisão daí que apresente este recurso arguindo não só a nulidade da sentença, mas também a errada interpretação e aplicação da lei.
Não incorre, pois, a decisão decorrida no vício de falta de fundamentação.

2). Da interpretação e aplicação da Lei
O Processo Especial de Revitalização (PER) foi integrado no Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE) pela Lei 16/2012, de 20.4.
“(…) é um processo especialíssimo em relação ao processo de insolvência criado com a finalidade de proporcionar uma ferramenta legal expedita para a recuperação de empresa.
Os traços característicos deste procedimento especial são a celeridade, a consensualidade e a iniciativa do devedor. É um procedimento híbrido no sentido em que, para alcançar o seu fito, se desenrola como um processo extrajudicial, mas que não dispensa a intervenção do tribunal em três momentos chave: na admissão, na reclamação de créditos e no final.
Nas alterações do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que instituíram o processo especial de revitalização, cuja regulamentação não se pode considerar propriamente extensa não se previu expressamente qual o direito subsidiariamente aplicável. A interpretação sistemática leva-nos, quase de imediato para o próprio Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, diploma em que as regras foram inseridas. Aplicando a regra geral do artigo 549º do Código de Processo Civil, como regra geral, resultará que ao processo especial de revitalização, como processo especial que é se aplicarão, em primeiro lugar, as regras próprias, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, no caso, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, por último caso seja necessário, as regras do Código de Processo Civil sempre com o crivo do artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tal obriga-nos sempre à indagação, quando nos deparamos com uma lacuna, de qual a filosofia e finalidade do instituto da revitalização e se, no caso concreto, tais finalidades e filosofia consentem a aplicação das regras subsidiárias, seja de primeira, seja de segunda linha, segundo os ditames do artº 9 do Código Civil.
Mesmo quando é a própria lei que indica qual a regra ou regras aplicáveis, a natureza, características e finalidades do procedimento impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada”. Neste sentido Fátima Reis Silva, no seu artigo intitulado “Paralelismos e diferenças entre o PER e o processo de Insolvência em Revista de Direito da Insolvência Nº0, Almedina, 2016 pp 137 e ss.
No que se reporta ao plano de recuperação no Per- questão em apreço nos autos- dispõe o artº 17 nº5 que se aplicam em matéria de homologação e aprovação as regras do Título IX, em especial os artºs 215º e 261º.
Ora como bem se anota no artigo acima assinalado o titulo IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa estende-se entre os artºs:
- 192º a 208º- Cap. I- Disposições gerais.
- 209º a 216º- Aprovação e Homologação
- 217º a 222º- Execução.
Parece-nos assim clara a intenção do legislador do Per de remissão para todo o Titulo IX do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e não apenas para as regras de aprovação e homologação- se fosse esse o caso a remissão teria sido feita apenas para o capitulo II do Titulo IX.
Do exposto, e de acordo com a descrita interpretação se o próprio PER não integrar disposições reguladoras do seu incumprimento aplica-se ao PER o disposto no artº 218 do CIRE embora com as necessárias adaptações, uma vez que “a natureza, características e finalidades do procedimento (PER) impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada” - Fátima Reis Silva na obra supracitada.
“A finalidade do processo de insolvência prende-se com a satisfação dos direitos dos credores ao invés da revitalização do devedor preconizado pelo PER. Seguindo as palavras de Menezes Leitão in a “A Responsabilidade …p 144, esse processo constitui praticamente um enxerto com um ADN completamente distinto do que caracteriza o CIRE.
Assim, face à diferenciação do desígnio principal do PER e do processo de insolvência deverá adotar-se uma visão casuística, entendendo-se que apenas se aplicam as normas de insolvência ao PER nos casos de compatibilização dos valores em causa, ou seja, quando a disposição subsidiária não afronte a natureza e finalidade do PER. Deste modo, não é defensável uma interpretação que aplique genericamente as disposições relativas ao processo de insolvência ao PER. Assim, há que antever alguma cautela, aplicando-se nos casos em que a similaridade dos valores em causa indiciam a pretensa aplicação subsidiária da norma.
Entendemos, assim, que apenas as normas gerais do CIRE devem ser subsidiariamente aplicáveis ao PER pela sua inserção sistemática. A aplicação subsidiária das restantes disposições do CIRE requer uma interpretação casuística para salvaguarda da ratio do PER, merecendo mais prudência”. Neste sentido Soraia Filipa Pereira Cardoso “Processo Especial de Revitalização, O efeito de Standstill, Almedina, 2016 pp 43.
Aplicando estes considerandos ao caso em apreço temos a seguinte situação fáctica e legal:
Os efeitos do incumprimento do plano previsto no artº 218º em apreciação são: ineficácia das moratórias e dos perdões contemplados.
a). se o devedor incumpriu o acordado apenas quanto à recorrente - e é este o conhecimento que temos no processo - verificando-se as exigências previstas na al a) do citado artº 218 a moratória ou o perdão previsto no plano ficam sem efeito.
Vencida a divida e verificadas as demais exigências previstas na citada al b) do artº 20 do CIRE poderia a credora requer a insolvência com fundamento no descrito facto-índice.
No que concerne à consequência associada pelo artº 20 nº1 al f) seguimos o entendimento dos que afastam a sua aplicação ao incumprimento do plano no PER uma vez que se trata de um elenco de presunções iuris tantum de insolvência actual.
“De efeito, (…) procurando indagar as razões que terão levado o legislador a prever este facto-índice de insolvência, chegamos à conclusão que terá estado em causa a convicção de que existiriam razões fortes para se considerar que, numa situação em que foi já declarada por uma vez a insolvência do devedor, ele estará muito provavelmente em situação de insolvência se incumprir o seu plano de recuperação. Por outras palavras, estará subjacente uma convicção forte de que o devedor já beneficiou de uma oportunidade para sair do processo de insolvência, pelo que haverá que adoptar uma exigência acrescida perante uma situação de incumprimento das obrigações cuja assunção pelo devedor havia sido motivo essencial para que os credores lhe dessem uma segunda oportunidade. Nessas situações, ficará facilitada uma nova declaração de insolvência do devedor, bastando para esse efeito a demonstração do incumprimento das obrigações assumidas no plano de recuperação (nas condições previstas no artº 218º).
Mas no PER o devedor não foi ainda declarado insolvente e a homologação de um plano de recuperação é o reconhecimento de que o devedor ainda não está insolvente. Neste sentido acórdão desta Relação datado de 21 de Janeiro de 2016 relatado pela Ex Desembargadora
Helena Gomes de Melo e apresentado pela recorrente em defesa da procedência do recurso e ainda Maria do Rosário Epifânio “O Processo Especial de Reviatalização”, Almedina, 2015 pp 987 e 98.
Mas mesmo seguindo a orientação da recorrente que defende a respectiva aplicação sempre a mesma teria de ser mediante a instauração de um novo/outro processo uma vez que este processo já se encontra terminado o que aconteceu com a homologação do plano.
Neste sentido ver Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Qui Iuris 2ª edição pp 208 em anotação à alínea f) do artº 20.
b). Se o devedor não cumprir a totalidade das obrigações entretanto vencidas, afigura-se que o caminho será o de qualquer credor requerer a sua insolvência, por se verificar o facto índice previsto na alínea a) do nº 1 do artº 20º.
Requerimento este e o acima aludido quanto á credora cujo incumprimento se tenha verificado que terá de ser apresentado e distribuído dando origem a um novo processo este de insolvência com uma nova instância, tanto assim que o processo de revitalização está encerrado.
Não faria qualquer sentido converter em processo de insolvência um PER encerrado.
A permitir este entendimento ver Acórdão desta Relação datado de 31.03.2016 proferido no processo nº 2122/15.4T8VCT.G1 relatado pelo Exº Desembargador Espinheira Baltar disponível em www.dgsi.pt.
Aliás se é este o formalismo previsto para a situação de conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação- portanto na pendência do PER- competindo ao AI requerer a insolvência do devedor, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência (art.17 G nº4) por maioria de razão deve ser o aplicável quando o PER está já encerrado.
“(…) apesar de a lei se exprimir em “conversão” (“convertido em processo (…)”) do processo especial de revitalização em processo de insolvência, a verdade é que se trata de processos distintos e autónomos. Já o afirmamos no acórdão proferido no processo nº 6245/13.6 TBBRG datado de 19.03.2015 disponível em www. Dgsi.pt.
Igualmente é defendido por Fátima Reis Silva , Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e jurisprudência recente pp 73; por Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, anotado 3ª edição Quid Iuris, 2015 pp 176; por Nuno Casanova e David Dinis, PER, O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, 2014 pp 170; Alexandre de Soveral Martins no seu artigo intitulado “ Articulação entre o PER e o Processo de Insolvência “ pp 120 a 133 na Revista de Direito de Insolvência Nº0 supra mencionada.
Solução também sustentada em muitos acórdãos dos quais destaco o Ac. RP de 25.11.2014 (Relator: Rui Moreira) Proc. 1520/14.5 TBSTS-A. P1 disponível em www.dgs.pt e com alargado suporte doutrinal.
E o Ac. do TRL de 15/5/2014, no proc. nº 614/13.9TBPNI-B. L1-2 disponível em www.dgsi.pt, no qual se entendeu de forma igualmente expressa divergir da solução proposta pelo citado pela recorrente Ac. do TRC, de 12/3/2013. Daí se retira a seguinte citação: “Fátima Reis Silva, na sua obra Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, págs. 42-43, refere, a propósito da matéria em apreço, o seguinte: «Entre o n.º 3 e o n.º 4 ocorreu um lapso derivado da alteração sofrida por este preceito entre o primeiro projecto e a presente redacção. No primeiro projecto o próprio PER convertia-se em processo de insolvência - e o actual n.º 3 reflecte essa opção. Mas, entretanto, foi alterado o n.º 4 (que antes apenas previa que o administrador aferia a insolvência) e passou a prever-se que o administrador judicial requer a declaração de insolvência, aplicando-se o art.° 28. ° do CIRE com as devidas adaptações (insolvência por iniciativa do devedor), e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
Sendo agora claramente um outro processo (contra o citado Ac. TRC, de 12/03/13), o requerimento do administrador do qual resulte estar a devedora em situação de insolvência, nos tribunais onde haja mais de um juízo, deve ser remetido à distribuição acompanhado do PER apensado.
Contra a solução que se vem defendendo, nem sequer pode argumentar-se ser ela contrária ao interesse de celeridade do legislador pois que não só ela continua a compreender o aproveitamento dos actos do PER que o justifiquem, como o prazo de três dias é idêntico ao previsto no art. 28º, como, ainda, tais ganhos se ampliam – justificando a solução em abstracto - nos casos não pouco frequentes em que exista um processo de insolvência que se suspendeu por efeito da abertura do PER. ( ver citado Acórdão da R.P de 25.11.2014).
Nem sequer as apontadas razões de economia processual apoiadas na existência no PER de créditos reclamados e reconhecidos são determinantes da defesa apresentada.
Na verdade, a decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental, logo não constitui caso julgado fora do processo (art. 91 CPC), visando, no essencial a formação e apreciação do quórum deliberativo inexistindo graduação de créditos e subsequentes pagamentos, mas tão só se visa a aprovação do plano apresentado ou sugerido, (cf., Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, 2.ª edição, 2013, pág. 159 e sgs., Nuno Casanova/David Dinis, PER – O Processo Especial de Revitalização, 2014, pág. 78 e sgs.).
Neste sentido, em comentário ao art. 17/G CIRE, escrevem Nuno Casanova/David Dinis – “Por último, esclarece-se que o facto de determinados credores terem sido incluídos na lista definitiva de créditos reclamados no âmbito do PER apenas implica que os mesmos ficam desonerados de reclamar os seus créditos no processo de insolvência. Não impede que os créditos desses credores sejam impugnados no âmbito do processo de insolvência. A lista definitiva de créditos no PER não tem força de caso julgado “(loc. cit., pág. 172).
Esta solução é também a defendida por Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in O Processo Especial de Revitalização, Comentários aos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, Coimbra Editora, Março de 2014, pág. 79, quando ali referem:
“a decisão sobre as reclamações visa exclusivamente computar o quórum de maioria e deliberação da decisão de aprovação do plano, pelo que é meramente acessória desta. O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos”.
Acresce, porém, dizer que nada mais a requerente tendo alegado no seu requerimento a não ser o incumprimento do que lhe era devido pela insolvente, o montante em divida e as circunstâncias não relatadas deste incumprimento não revelam por si só a impossibilidade do devedor satisfazer a generalidade das suas obrigações, fundamento do facto índice previsto na al. b) do nº 1 do artº 20º.
Por todo o exposto, e em atenção aos argumentos antes expostos, concluímos nenhuma censura merecer a solução decretada pela decisão recorrida que, por isso mesmo, resta confirmar.
A apelante sucumbe no recurso. Deverá, por esse motivo, suportar as respectivas custas (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).

- Sumariando (art. 663º, nº 7 do CPC)
●. Ao processo especial de revitalização, como processo especial que é devem ser aplicadas em primeiro lugar, as regras próprias, em segundo lugar as disposições gerais e comuns, no caso, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, por último caso seja necessário, as regras do Código de Processo Civil sempre com o crivo do artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
●. Tal obriga-nos sempre à indagação, quando nos deparamos com uma lacuna, de qual a filosofia e finalidade do instituto da revitalização e se, no caso concreto, tais finalidades e filosofia consentem a aplicação das regras subsidiárias, seja de primeira, seja de segunda linha, segundo os ditames do artº 9 do Código Civil.
●. Mesmo quando é a própria lei que indica qual a regra ou regras aplicáveis, a natureza, características e finalidades do procedimento impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada.
●. Ao PER aplica-se o disposto no artº 218 do CIRE embora com as necessárias adaptações, uma vez que “a natureza, características e finalidades do procedimento (PER) impõem sempre uma cuidada averiguação de se as regras devem ser aplicadas de forma automática ou adaptada”.
●. Os efeitos do incumprimento do plano previsto no artº 218º em apreciação são: ineficácia das moratórias e dos perdões contemplados.
●. Se o devedor incumpriu o acordado apenas quanto à recorrente - e é este o conhecimento que temos no processo - verificando-se as exigências previstas na al a) do citado artº 218 a moratória ou o perdão previsto no plano ficam sem efeito.
●. Vencida a divida e verificadas as demais exigências previstas na citada al b) do artº 20 do CIRE poderia a credora requer a insolvência com fundamento no descrito facto-índice.
●. Se o devedor não cumprir a totalidade das obrigações entretanto vencidas, afigura-se que o caminho será o de qualquer credor requerer a sua insolvência, por se verificar o facto índice previsto na alínea a) do nº 1 do artº 20º.
●. Estes requerimentos devem ser apresentados e distribuídos dando origem a um novo processo este de insolvência com uma nova instância, tanto assim que o processo de revitalização está encerrado.
●. Não faria qualquer sentido converter em processo de insolvência um PER encerrado.
●. A esse processo, em que se converte o precedente PER, serão apensados os autos deste PER, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 4 e 7 do art. 17º-G do C.I.R.E., respectivamente.

III. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes que constituem este Tribunal acordam em julgar improcedente a presente apelação, confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Guimarães, 09 de Março de 2017
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)




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(Maria Purificação Carvalho)

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(Maria dos Anjos Melo Nogueira)

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(José Cravo)

1- Relator: Maria Purificação Carvalho
Adjuntos: Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira
Desembargador José Cravo