Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1286/11.TBEPS-B.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: MEIOS DE PROVA
DEPOIMENTO DE PARTE
DECLARAÇÕES DE PARTE
FACTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 1ª CIVEL
Sumário: A obrigação de descriminação dos factos objecto da declaração de parte requerida por qualquer das partes, nos termos do art.º 452.º do CPC, aplicável ao caso previsto no art.º 466.º, cumpre-se quando o requerente pede que tal declaração deve recair sobre toda a matéria de facto controvertida abrangida no âmbito da previsão das referidas normas.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO
Nos autos de inventário a que se refere o presente recurso, veio a Interessada AA deduzir reclamação da alteração, pelo cabeça de casal BB, da relação de bens em sede de inventário.
Manifestando a sua discordância relativamente á dita alteração de bens, alegou, para além do mais, a existência de bens dos inventariados não incluídos na dita relação e para prova dos factos dos factos que invocou requereu ” o depoimento de parte de BB a toda a matéria da reclamação.”
Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho:
“Indefiro o depoimento de parte e as declarações de parte requeridas pelos reclamantes, pois que, contrariamente ao exigido pelos artigos 452º, nº 2 e 466º, nº 2 do Código de Processo Civil, não indicaram desde logo, de forma discriminada, os factos sobre os quais tais meios de prova deveriam recair.”
Inconformada, a reclamante interpôs recurso de apelação de tal decisão, juntando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões:
1- A Recorrente discorda em absoluto de que o Tribunal a quo tenha indeferido o depoimento de parte e as declarações de parte por si requeridos a fls ... , porquanto aquando da apresentação da sua Reclamação contra a Relação de Bens de fls ... indicou a sua prova, na qual requereu o depoimento de parte de BB "a toda a matéria desta Reclamação"; assim como declarações de parte também "a toda a matéria desta Reclamação", devendo ser interpretado o requerido como sendo a toda a matéria.
2. Verificando-se que a Recorrente no seu Requerimento de depoimento de parte e de declarações de parte cumpriu todos os requisitos previstos nos artigos 452° e 466° do C.P.c., pelo que não se pode aceitar a decisão de indeferimento proferida pelo Mm.º. Juiz a quo.
3. De facto, a Recorrente requereu que o depoimento de parte do Cabeça-de-casal e as declarações de parte recaíssem sobre toda a matéria da Reclamação, porquanto o Cabeça-de-casal veio alegar que não existem bens a partilhar, o que motivou a Reclamação por parte da ora Recorrente (assim como de demais herdeiros), estando assim todos os factos controvertidos.
4. Dado que toda a matéria em causa é controvertida e que quer o Cabeça-de-casal, quer a ora Recorrente têm conhecimento directo e pessoal dos factos em questão, é perfeitamente legítimo requerer que o depoimento de parte e as declarações de parte versem sobre toda a matéria.
5. Pois, o que se discute nos presentes autos é aferir se existem bens ou não a partilhar, concretamente os que foram indicados pela ora Recorrente no artigo 2° da sua Reclamação.
6. As declarações de parte e o depoimento de parte só podem ter por objecto factos pessoais ou factos de que a parte deva ter conhecimento directo, pelo que o Tribunal a quo devia ter admitido esses meios de prova requeridos, cingindo tais declarações/depoimento a essas mesmas questões, em observância aos supra referidos preceitos legais.
7. O ónus que recai sobre a parte de discriminar os factos, não impede que a parte requeira a prestação de declarações de parte e de depoimento de parte sobre toda a matéria - neste sentido douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-04¬2014, referente ao Proc. n'' 3310/13.3TBBRG.G1, em que é Relator Sra. Dra. Helena Melo; e douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-09-2013, referente ao Proc. n° 106112.3TBPTB-F.G1, em que é Relator Sr. Dr. Manuel Bargado, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
8. Ao decidir como decidiu o Mmº. Juiz a quo violou, entre outras disposições, o disposto nos artigos 466°,452° e 454°, todos do C.P.C.
9. Sem prescindir e por mera cautela jurídica, sempre se tem de referir que o Tribunal a quo tinha a obrigação, no uso do poder de direcção e tendo em conta o princípio da cooperação (consagrado no artigo 7° CPC), de convidar a Recorrente e demais Reclamantes a aperfeiçoar o seu Requerimento, nos termos do disposto no artigo 590° do C.P.C.
10. Pelo que, ao decidir como consta dos autos, o Mm.º. Juiz a quo, além de fazer tábua rasa de toda a jurisprudência nesta matéria, também fez errada interpretação de Direito, violando nomeadamente, o disposto nos artigos 466°, 452°, 453°, 454°, 7° e 590° do Código de Processo Civil.
O Digno Procurador do Ministério Público respondeu ás alegações, pugnando pela confirmação do despacho recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
OBJECTO DO RECURSO
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, a questão a decidir é a de saber se estão reunidos os pressupostos necessários para o deferimento do requerido depoimento de parte.
A factualidade a ter em conta é a descrita no relatório

DECIDINDO
O depoimento de parte como meio de prova está previsto nos art.ºs 452.º e 466.º do CPC.
No art.º 452.º, está em causa a prova por confissão; no âmbito da previsão do art.º 466.º, vai-se mais longe, permitindo-se as declarações de parte sobre factos em que o declarante tenha intervindo pessoalmente, ou de que tenha conhecimento directo.
De qualquer modo, às declarações de parte nas duas modalidades, é aplicável o art.º 417.º relativo ao dever de cooperação para a descoberta da verdade.
Ademais, às mesmas declarações é ainda aplicável o disposto no art.º 452.º n.º 2 que determina que, quando o depoimento seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair.
No caso concreto, o fundamento da rejeição do requerida declaração de parte, radica-se na omissão do dever prescrito nessa norma.
Entendemos que, a decisão recorrida não é correcta.
A ora requerente requereu a declaração de parte do cabeça-de-casal relativamente a todos os factos que aduziu em sede de reclamação da relação de bens por este operada.
Como se refere no acórdão referido nas alegações de recurso proferido neste tribunal no dia 03-04-2014, relatado pela desembargadora Helena Melo e publicado em www.dgsi.pt, …”Ao requerer nos termos em que o requer, há que interpretar o requerido, no sentido de que se pretende que a parte preste declarações a toda a matéria. Mas, embora não se tenha expressado do modo mais claro, o que motivou o indeferimento, conforme consta do despacho recorrido, foi o não cumprimento pela requerente da indicação discriminada dos factos. Ora, o ónus que recai sobre a parte de discriminar os factos, não impede que a parte peça a prestação de declarações sobre toda a matéria” (veja-se, também o Acórdão de 26.09.2013, também desta Relação, proferido pelo Desembargados Manuel Bargado, publicado no mesmo sítio).
Acresce que, os factos alegados na reclamação enquadram-se na previsão dos art.ºs 452.º e 466.º do CC.
Entendemos por isso que se afigura que o depoimento de parte pode ser relevante para a decisão a proferir sobre a dita reclamação, que até poderia ser ordenado oficiosamente pelo tribunal, tendo em conta o propósito do legislador do actual CPC, no sentido de estabelecer uma nova cultura judiciária, despojada de formalismos não justificados, e centrado na resolução das questões essenciais ligadas ao mérito da causa (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei do CPC).

Termos em que, deve proceder o recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Em conclusão: A obrigação de descriminação dos factos objecto da declaração de parte requerida por qualquer das partes, nos termos do art.º 452.º do CPC, aplicável ao caso previsto no art.º 466.º, cumpre-se quando o requerente pede que tal declaração deve recair sobre toda a matéria de facto controvertida abrangida no âmbito da previsão das referidas normas.

DECISÃO
Pelo exposto, acórdão os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida, e, em consequência, deve admitir-se a declaração de parte do cabeça-de-casal nos termos requeridos pela ora apelante.
Sem custas.

G.12.03.2015
Isabel Rocha
Jorge Teixeira
Manuel Bargado