Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3775/12.0TBGMR.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: No domínio do estatuto do administrador da insolvência aprovado pela Lei nº 32/2004, a remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização não era integrada por qualquer componente variável em função do resultado da recuperação do devedor.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

C…, Lda. requereu oportunamente, pelo Tribunal Judicial de Guimarães e nos termos do art. 17º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), procedimento especial de revitalização.
Foi dado seguimento à pretensão da Requerente, tendo sido, por despacho de 26 de Outubro de 2012 (notificação respetiva expedida no dia 29 seguinte), nomeado administrador judicial provisório Dr. F…, aliás sugerido para o efeito pela Requerente.
O administrador, e entre o mais, apresentou a lista provisória dos créditos reclamados (59 créditos, no valor total de €703.408,86).
Foram levadas a efeito as pertinentes negociações entre devedora e credores.
Foi aprovado, em 14 de março de 2013 e mediante deliberação por maioria, um plano de recuperação, plano este proposto pela própria devedora.
Em 15 de março de 2013 o administrador judicial provisório fez juntar aos autos tal plano.
O plano foi homologado, por decisão de 19 de março de 2013.
Em 22 de maio de 2013 atravessou o administrador judicial provisório requerimento a reclamar o pagamento a seu favor de €250,38 a título de despesas, €4.000,00 a título de honorários e €22.318,60 a título de remuneração variável.
Foi então proferida decisão que tão só lhe reconheceu o direito ao reembolso de €11,88 e à remuneração de €1.800.00.

Inconformado com o assim decidido, apela o administrador judicial provisório.

+

Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho judicial, proferido a fls., datado de 30-05-2013, com a referência 10331389, pelo Meritíssimo Juiz a quo, no qual logrou indeferir o pagamento da remuneração variável, reclamada pelo aqui recorrente no valor de €22.318,60 e indeferir o pagamento da importância de €4.000,00, reclamada a título de remuneração fixa, tendo, ao invés, fixado a importância de €1.800,00;
B. Salvo o devido e maior respeito, não tem a menor razão o Tribunal a quo quando doutamente entende que “em lado algum se encontra prevista a possibilidade de, no âmbito de um PER, ser atribuído ao Exmo. Sr. AJP uma remuneração variável. Para além de não se encontrar legalmente prevista tal possibilidade, considerando que a fixação de tal remuneração tem sempre subjacente a liquidação do ativo da devedora, já que é calculada com base no produto dessa venda, inexistindo, in casu, qualquer venda fácil é de ver que jamais se poderá atribuir tal género de remuneração ao Exmo. Sr. AJP.”
C. Com o devido e maior respeito, entendemos que, também ao nível do processo especial de revitalização, além da fixação da remuneração fixa a atribuir ao Administrador Judicial Provisório, deve haver uma parte da remuneração condicionada aos resultados obtidos, que neste caso se prenderão com o processo negocial e não com a liquidação da massa insolvente.
D. Este entendimento é suportado pelo elemento literal que se depreende do n.º 2 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ.) que estatui “O administrador judicial provisório ou o administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz aufere ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes da portaria referida no número anterior.” (negrito e sublinhado nosso).
E. O artigo 23.º, n.º 1 do EAJ equipara expressamente o administrador judicial provisório nomeado no processo especial de revitalização ao administrador de insolvência, porquanto, deste modo, quis o legislador aplicar o regime da remuneração do administrador de insolvência ao administrador judicial provisório.
F. A lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, que instituiu o Novo Estatuto do Administrador Judicial apenas deixou para uma portaria a determinação do montante da remuneração devida ao administrador judicial provisório e não a fixação dos critérios que deverão nortear a remuneração, os quais estão definidos expressamente no citado estatuto.
G. Assim, ao Administrador Judicial provisório, ao aqui recorrente, é-lhe devida a fixação de uma remuneração variável, que, nos termos do n.º 3 do artigo 23.º do EAJ afere-se pelo resultado da recuperação de créditos, sendo este determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
H. Nos autos do processo especial de revitalização, objecto do presente recurso, foram reclamados créditos no valor de €703.408,86 (setecentos e três mil, quatrocentos e oito euros e oitenta e seis cêntimos), sendo que o Plano de Revitalização contemplou a recuperação de créditos fixados no valor de €537.930,02 (quinhentos e trinta e sete mil, novecentos e trinta euros e dois cêntimos), o que confere ao aqui recorrente, após a aplicação das taxas previstas no ANEXO I da portaria 51/2005, uma remuneração variável de €22.318,60.
I. Com efeito, o Tribunal a quo ao indeferir, como indeferiu a fixação da remuneração variável, viola por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 23.º e 29.º do E.A.J. e, artigos 17.º, 32.º e 60.º do CIRE, assim como a portaria 51/2005 de 20 de Janeiro.
POR OUTRO LADO,
J. Conforme o estatuído no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ, o Administrador Judicial provisório tem direito a ser remunerado pelos atos praticados.
K. Para o efeito, não pode deixar o Tribunal a quo de ter em conta determinados factores, como sendo o elevado número de credores, o que se retira da relação de créditos provisória remetida aos autos, o acompanhamento diário da actividade da empresa, análise exaustiva dos débitos existentes, plausibilidade e exequibilidade de um processo negocial conducente a um acordo viável, mantendo-se em regime de fiscalização e coordenação diária das negociações havidas entre a devedora e os seus credores.
L. In casu, o Tribunal a quo, considerando tão só o número de credores reclamados e reconhecidos nos presentes autos, concretamente 59 (cinquenta e nove) e o período durante o qual o aqui recorrente exerceu as funções, concretamente, cerca de 5 meses, fixou a importância de €1.800,00, sem contudo, com o devido e maior respeito, ter fundamentando o porquê de não atribuir, no mínimo, a remuneração equivalente àquela que é conferida nos processos de insolvência, ou seja, €2.000,00.
M. A equiparação do administrador judicial provisório ao administrador de insolvência, que é feita no artigo 23.º do EAJ, implica, no mínimo e, salvo o devido e maior respeito, fixação de idêntica remuneração!
N. Face ao exposto, o Tribunal a quo, ao não reconhecer a remuneração fixa no valor de €4.000,00, tal como foi peticionada, deveria, no mínimo, fixar a importância de €2.000,00, atendendo ao principio da equiparação, previsto no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ.
O. A fixação de um quantitativo inferior aos €2.000,00 implica a violação, por erro de interpretação e aplicação, do estatuído nos artigos 23 do E.A.J. e 17.º, 32.º e 60.º do CIRE, assim como a portaria 51/2005 de 20 de Janeiro.

Termina dizendo que deve ser revogado o despacho recorrido, a ser substituído por outro que reconheça ao Apelante a importância de €22.318,60 como remuneração variável e a importância de €4.000,00 a título de remuneração fixa; ou, se assim não se entender, deve a remuneração fixa ser fixada na importância de €2.000,00, atento o princípio da equiparação estatuído no n.º 1 do artigo 23.º do EAJ.

+

Não se mostra oferecida qualquer contra-alegação.

+

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

+

É questão a conhecer:
- A de saber qual a retribuição devida ao Apelante como administrador judicial provisório.

+

Plano Fatual:

Dão-se aqui por reproduzidas as incidências fatico-processuais acima indicadas.


Plano Jurídico:

Está em causa na presente apelação unicamente a remuneração do Apelante, administrador provisório no âmbito do processo especial de revitalização (o Apelante também decaiu na questão do reembolso das despesas, mas contra tal não se insurge neste recurso).
Atente-se que o processo de revitalização e a figura do administrador judicial provisório no âmbito de tal processo são criações legais recentes (Lei 16/2012). Não podem assim, e se dúvida alguma houvesse, serem as normas preexistentes do CIRE e da legislação conexa de alguma forma interpretadas como se pudessem abarcar tais processo e figura.
De acordo com o nº 3, alínea a) do CIRE, aplica-se à questão da remuneração do administrador judicial provisório nomeado no processo especial de revitalização o art. 32º do mesmo CIRE - que rege para o caso do administrador judicial provisório nomeado em sede de medida cautelar no contexto do processo de insolvência -, e cujo nº 3 dispõe que a remuneração é fixada pelo juiz.
Entretanto, dos art.s 24º e 22º nº 2 do Estatuto do Administrador Judicial - aprovado pela Lei nº 32/2004 (alterada pelo DL nº 282/2007 e pela Lei nº 34/2009) - decorre que na fixação da remuneração do administrador judicial provisório a que alude aquele art. 32º do CIRE deve o juiz atender ao volume de negócios do estabelecimento, à prática de remunerações seguida na empresa, ao número de trabalhadores e à dificuldade das funções compreendidas na gestão do estabelecimento.
Já quando se trate da remuneração do administrador da insolvência que tenha sido nomeado pelo juiz, a estatuição legal é diversa. Rege o art. 60º do CIRE. Neste caso, e por força do disposto no art. 20º do referido Estatuto e do disposto na Portaria nº 51/2005, tem o administrador o direito a uma remuneração fixa de €2.000,00 e a uma remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente.
Como se vê, a lei claramente diferencia os termos da remuneração do administrador judicial provisório no processo de revitalização da remuneração do administrador judicial no processo de insolvência. De observar que embora seja de entender - como entendem Carvalho Fernandes e João Labareda (v. Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa, Anotado, 2ª ed., p. 178) - que nos pontos não directamente regulados na lei sobre aspectos relevantes das condições de exercício das funções do administrador judicial provisório haja de aplicar-se (com as adaptações que eventualmente se possam justificar em virtude da provisoriedade das funções) o regime do administrador judicial da insolvência, não há no particular em causa qualquer lacuna ou insuficiência que deva implicar integração com recurso ao regime aplicável ao administrador da insolvência.
É certo que o supra citado Estatuto foi entretanto revogado e substituído por outro - aprovado pela Lei nº 22/2013 -, que passou a equiparar ambas as situações (v. respetivo art. 23º). Todavia, tendo a atividade do ora Apelante sido inteiramente desenvolvida em momento anterior à entrada em vigor do novo Estatuto (este entrou em vigor em 28 de março de 2013; a atividade do administrador esgotou-se com a aprovação e apresentação do plano de recuperação, o que acontecera anteriormente àquela data), não pode ser o mesmo aplicado ao caso vertente (v. art. 12º nº 1 do CCivil).
Dito isto, bem se haverá que o Apelante carece de razão aí onde, estribado basicamente no novo Estatuto, sustenta que lhe era devida uma remuneração variável em função do resultado da recuperação (valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano) da devedora.
Nesta parte improcede a apelação, sendo, quanto a nós, de subscrever a decisão recorrida quando afirma (obviamente com referência à legislação aplicável ao caso, não á nova) que “em lado algum se encontra prevista a possibilidade de, no âmbito de um PER, ser atribuída ao Exmo. Sr. AJP uma remuneração variável”.
Também o Apelante se não conforma com o quantum da remuneração (a que chama “fixa”) a que sempre teria direito, quantum esse fixado em €1.800,00.
Trata-se aqui, repete-se, da remuneração decorrente da aplicação dos art.s 24º e 22º do Estatuto, e dos art.s 32º e 17º nº 3 a) do CIRE.
A nosso ver é, neste particular, justificada a discordância do Apelante.
Isto pelo seguinte:
O Apelante esteve adstrito às funções para que foi nomeado por quase cinco meses.
Tanto quanto se pode depreender dos autos, o seu desempenho foi zeloso e competente.
O volume de negócios da devedora será, a fazer fé no plano de recuperação e no montante das dívidas, apreciável.
Acabou por ser aprovado um plano de recuperação (ainda que produzido e apresentado pela própria devedora).
O Apelante teve necessidade de interagir com um número elevado de credores (59), o que, além do mais, se reflete na extensão da lista provisória de créditos que apresentou.
O exercício da administração em caso que tal antolha-se como uma tarefa relativamente exigente e de alguma responsabilidade.
Tudo isto ponderado, afigura-se razoável a remuneração de €4.000,00 reclamada (como “remuneração fixa”, na realidade a única a que tem direito) pelo Administrador.
Nesta parte procede pois a apelação.

++

Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, revogando correspetivamente a decisão recorrida, fixam em €4.000,00 a remuneração do Apelante. No mais é a apelação julgada improcedente.

Regime de custas:

O Apelante é condenado nas custas da apelação inerentes ao seu decaimento, que se fixa em 85%. No mais não há lugar ao pagamento de custas.

+

Sumário (art. 663º, nº 7 do novo CPC):
No domínio do estatuto do administrador da insolvência aprovado pela Lei nº 32/2004, a remuneração do administrador judicial provisório no âmbito do processo especial de revitalização não era integrada por qualquer componente variável em função do resultado da recuperação do devedor.

+

Guimarães, 26 de Setembro de 2013
Manso Rainho
Carvalho Guerra
José Estelita de Mendonça