Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
532/13.0TBEPS.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: GESTÃO DE NEGÓCIOS
REPRESENTAÇÃO
PODERES DO REPRESENTANTE
TERCEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 1ª CÍVEL
Sumário: O terceiro que negoceia com o gestor, quando este age em nome do dono do negócio corre o risco de que o negócio seja ineficaz em relação ao dono do negócio e também nada valha em relação ao gestor, solução que se compreende não só pelos termos em que o gestor agiu, mas também pela faculdade que o artº 260º do CC confere ao terceiro, em tais casos.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
AA instaurou a presente acção sob a forma de processo sumário contra BB, CC e DD, alegando, em síntese, que no exercício da sua actividade, em Dezembro de 2011, celebrou com os RR. BB e DD um contrato de empreitada com vista à execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio urbano propriedade do 1º R., pelo preço descrito no artigo 13º da p.i., que deveria ser pago logo que fosse concluída a obra. Apesar de ter sido contratado com ambos os RR. no contrato escrito figurou como contraente só o R. BB por ser o proprietário do prédio e foi o R. DD que o assinou por o primeiro residir habitualmente na Córsega- França. O R. DD comprometeu-se perante a autora e em representação do R. BB a acompanhar e fiscalizar a execução dos trabalhos. Sem embargo da autora ter executado o furo conforme contratado, o que ascendeu ao custo total de € €8.056,50 o R. BB apenas liquidou a quantia de €4.428,00. Mais alegou que conforme acordado no caso de a mora no pagamento ser superior a 60 dias, o preço facturado sofreria um acréscimo de 18%. Subsidiariamente, alegou que o R. BB nomeou, verbalmente, o R. DD seu representante, tendo estes actuado em nome e por conta do primeiro, sendo responsável pelo pagamento no caso do R. BB não ratificar os actos praticados. Por fim, alegou ainda que a R. CC é casada com o R. BB no regime da comunhão de adquiridos e que a dívida foi contraída para fazer face aos encargos normais da vida familiar, pelo que é também responsável pelo pagamento.
Concluiu pedindo a condenação, solidária, dos réus BB e CC a pagarem-lhe a quantia de €5.464,15 e subsidiariamente, a condenação do R. DD a pagar-lhe a referida quantia, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa comercial, até efectivo e integral pagamento.
Os RR. Todos os RR. contestaram, embora no relatório da sentença se refira que o 2º R. não contestou. A contestação é apresentada em nome do R. BB e outros e encontram-se juntas procurações dos três RR. apresentaram contestação na qual confirmaram a celebração de um contrato de empreitada, que não foi reduzido a escrito, alegando, porém, que foram outros os seus termos, nomeadamente quanto à profundidade do furo e ao preço por metro linear. No mais impugnaram a factualidade alegada pela autora e alegaram que esta incumpriu o contratado na medida em que estava acordada a profundidade de 100 metros e aquela perfurou até aos 160 metros sem obter a prévia autorização do R. Manuel ou de alguém em sua representação, sendo certo que tal profundidade implica a colocação de instalação eléctrica mais potente e diferente da existente no seu prédio para poder extrair água, o que implica custos acrescidos.
Terminaram, pedindo a improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador e fixados os temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.
A final foi proferida sentença que absolveu os RR. CC e DD e condenou o R. BB a pagar à A. a quantia de €3.628,50 (três mil seiscentos e vinte e oito euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros às taxas legais entretanto em vigor, a contar desde a data de vencimento da factura de fls. 28 (27/12/2011) e até efectivo e integral pagamento.
Tanto a A. como o R. BB não se conformaram e interpuseram recursos de apelação.
A A. ofereceu as seguintes conclusões:
.1.Na sindicância que agora se realiza não se pretende um segundo julgamento da matéria de facto, mas antes evidenciar que o julgamento efectuado padece de erros e contradições passíveis de serem sindicados em sede recursiva;
.2.Ponderada a prova como se fez em sede de alegações o julgamento dado às alíneas a), b), d), e), f), g) e h), cujos factos foram dados como não provados na sentença padece de contradição e erro de apreciação na prova e na interpretação da lei, de violação do princípio da livre apreciação da prova, violação das regras da experiência comum e, ainda, de violação de lei, devendo tais serem necessariamente alterados nos termos expostos nas conclusões supra;
.3. O julgamento dado às alíneas a), b), d), e), f), g) e h) dos factos dados como não provados na douta sentença não se padece e não colhe fundamentos com a generalidade da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, com as demais regras da lógica e da experiência comum e porque entra em contradição explícita e insanável com a matéria de facto dada como provada nos pontos 2, 3 e 18 nos termos expostos;
.4. Pelo que se impunha que a resposta às alíneas a), b), d), e), f), g) e h) dos factos dados como não provados na douta sentença teria de ser necessariamente diversa, no sentido de dar como provado o R. DD como interveniente no negócio em causa, face aos motivos que se expôs supra;
.5. Com efeito, os concretos elementos probatórios carreados para os autos e relatados supra impõem decisão diversa no tratamento dado pelo Mmº julgador às alíneas aqui sindicados pela via do presente recurso;
.6. Os depoimentos daquelas testemunhas da A., conjugado com o próprio depoimento de parte do R. DD e das declarações do legal representante da A., revelou-se coerente, objectivo, com razão de ciência quando confrontado com os factos levados a juízo e denotaram conhecimento pessoal e directo sobre diversos aspectos da execução do furo artesiano no caso vertente;
.7. O Mmº julgador desvaloriza “in tottum” todos estes desideratos e circunstâncias atendíveis num juízo de prognose e prudente arbítrio na livre apreciação de prova que deve nortear o espírito do julgador no julgamento da matéria de facto e “deixa cair por terra” a prova produzida por estas testemunhas, na medida em que no seu entendimento não se mostram credíveis, objectivos e esclarecedores;
.8. As declarações das testemunhas produzidas em sede de audiência de discussão e julgamento terão de ser valoradas em função das regras da experiência comum e nunca em função de eventual arbítrio do julgador;
.9. É certo que o julgador é livre na apreciação da prova;
.10. Porém, esta liberdade tem de ser conjugada pelas regras da experiência comum;
.11.E do mesmo modo ao descredibilizar as testemunhas da A. também violou o disposto no artigo 607.º do CPC;
.12. O Mmº julgador à luz do princípio da livre apreciação de prova ínsito no normativo legal acima mencionado tem de fazer um juízo de prognose e um prudente arbítrio na ponderação e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento;
.13. A este propósito, cabe recordar o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. (sublinhado nosso);
.14. Ora, se uma pessoa contrata de forma verbal com a A. a execução de um contrato de empreitada, facto dado como provado na douta sentença recorrida, se nessa sequência assina um contrato de empreitada, sabendo que o faz por nome e por conta de outrem, enquanto responsável pela fiscalização e verificação da obra, se igualmente acompanha a execução dos trabalhos e mantém contactos permanentes com as partes envolvidas na execução da obra, se no final da mesma manda assinar um documento certificando a boa execução dos trabalhos, toda esta panóplia de acções atinentes à formalização e execução de um furo artesiano só pode traduzir uma vontade expressa e inequívoca de alguém que se afigura como contratante num negócio jurídico;
.15. Em face das regras da normalidade e do senso comum se alguém adopta este comportamento é porque tem necessariamente interesse directo na concretização do negócio,
.16. Não se pode aceitar o entendimento perfilhado pelo Mmº julgador ao desvalorizar pura e simplesmente os documentos juntos à p.i, nomeadamente, o contrato de empreitada e o auto de recepção e conformidade dos trabalhos, cujo teor por meras razões de economia processual se dão aqui integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos;
.17. A douta sentença objecto do presente recurso fez errada interpretação e aplicação da lei, mormente, o princípio da impressão do destinatário (constante dos artigos 236.º e 239.º do Código Civil) violando de forma explícita o estatuído naqueles preceitos legais;
.18. Havendo um contrato escrito onde se há-de “beber” essa informação? Esclarecendo o teor das declarações face ao acordado;
.19. Por seu lado, o contrato de empreitada celebrado estipulava que aplicava-se os preços, termos e condições e penalidades constantes das cláusulas do contrato;
.20. A A. apresentou o contrato de empreitada escrito para o R. DD ter conhecimento e o assinar se com ele concordasse, e deu-lhe um exemplar;
.21. O R. DD assinou o contrato, pediu explicações sobre o seu conteúdo e em momento algum, antes ou após a sua subscrição, pôs qualquer objecção ao que quer que fosse;
.22. Assim sendo, a obrigação do R. DD de pagar o preço da obra realizada decorre expressamente do próprio contrato de empreitada, designadamente da tabela anexa ao mesmo, e na conclusão da mesma mediante a contra-emissão da factura por parte da A. e na respectiva data de vencimento;
.23. A decisão do Mmº juiz viola o disposto no artigo 393.º, n.º 2 do C.C., na medida em que o próprio R. DD confessa que assinou o contrato de empreitada, estando os factos plenamente provados por documento, estando ciente dos termos e condições do contrato celebrado pelas partes, em especial, da existência de prazo certo de vencimento para proceder ao pagamento do preço e das penalidades que para ele adviesse da falta ou atraso no cumprimento daquela obrigação;
.24. Ora, não tendo o R. DD procedido ao pagamento da factura são devidos juros de mora, à taxa legal prescrita para as obrigações de natureza comercial, contados desde 01/01/2008 (dia seguinte ao vencimento da factura) por se tratar de obrigação com prazo certo (ex vi do disposto nos artigos 804.º, 805.º, n.º 1 e 806.º do Código Civil), preceitos que se acham assim violados de forma explícita pela sentença ora sob recurso;
.25. Acresce ainda que, conforme consta da cláusula 10.ª do contrato de empreitada celebrado entre as partes, está prevista uma cláusula penal correspondente a um acréscimo de 12 % ou 18 % do valor da facturação, conforme o incumprimento do acordo de pagamento seja superior a 15 dias e até 60 dias ou seja superior a 60 dias, tal e qual dá a sentença como provado no seu ponto 28;
.26. Por força do já alegado e de acordo com o princípio geral de direito, mormente o brocado pacta sunt servanda e o princípio da coerência de todo o ordenamento jurídico, o Mmº julgador deveria ter condenado os RR. BB e DD a pagar o montante da cláusula penal;
.27. O R. DD tinha conhecimento desta cláusula, caso contrário não teria concordado e assinado o contrato, mesmo assim e apesar de ter acordado o pagamento da obra na sequência da sua conclusão não se coibiu de incumprir com o pagamento com mora superior a 60 dias;
.28. Ora, tendo resultado provado que as partes celebraram um contrato escrito que se regeria pelas cláusulas nele insertas;
.29. Tendo resultado provado que os RR. BB e DD estavam em incumprimento com o pagamento dos serviços prestados;
.30. E tendo resultado por confissão do R. DD que o mesmo não impugna o conteúdo do contrato celebrado, nem pôs em causa a cláusula penal;
.31. A cláusula penal sub judice gera uma obrigação de indemnizar, caso o devedor, por facto que lhe é imputável, não cumpra, ou retarde o cumprimento da prestação a que se vinculou;
.32. A douta sentença deveria ter dado como provado que o R. DD e também o R. BB devem à A. um acréscimo de 18 % do valor da facturação pelo incumprimento do acordo de pagamento superior a 60 dias, conforme cláusula penal ínsita no contrato celebrado, que perfaz o montante de 1.450,17 €;
.33. Nos termos do disposto nos artigos 810.º e 811.º, n.º 1, ambos do Código Civil, a cláusula penal estabelecida no contrato celebrado entre as partes é lícita, pretendendo penalizar o atraso no cumprimento do pagamento sobre o valor da facturação e a contar da data de vencimento da factura;
.34. Ao violar o disposto nos artigos 810.º e 811.º do C.C., a douta sentença violou também os artigos 405.º e 406.º do Código Civil - pacta sunt servanta;
.35. Ao não condenar os RR. DD e BB no pagamento da cláusula penal o Mmº julgador a quo laborou em erro na apreciação da prova, na aplicação e interpretação da lei;
.36. Ficou provado que a recorrente prestou o seu serviço sem qualquer defeito ou incumprimento parcial, cabendo aos RR. o respectivo pagamento da factura referida no ponto 22 dos factos provados na sentença;
.37. Ficou provado que a sociedade empreiteira realizou perfuração de alargamento e isolamento em tubo de 190 mm até à profundidade de 12 metros (ponto 14 dos factos provados);
.38. Ficou provado a realização roto-perfuração de 6’’ 1/2 até à profundidade de 160 metros, que foi encamisado com tubo de 140 mm * 1.0 Mpa georoscado até à profundidade de 156 metros, realizada impermeabilização betuminosa, instalado areão silicioso e efectuado relatório final do furo e terminada a obra (pontos17 e 21 dos factos provados);
.39. Perante esta matéria dada como provada a douta sentença deveria ter condenado o R. DD ao respectivo e integral pagamento, ao não o fazer violou o disposto nos artigos 1211.º e 883.º, do Código Civil;
.40. Ao absolver o R. DD do pagamento do preço, a douta sentença sob recurso violou o disposto no artigo 1207.º do Código Civil, uma vez que o isentou de pagamento devido à A.;
.41. Pelo exposto, impõe-se a revogação da douta sentença ora recorrida e a sua substituição por outra que:
- altere a matéria de facto dada como não provada nas alíneas a), b), d), e), f), g) e h), para provada;
- condene o R. DD nos termos peticionados na p.i.; e
- condene o R. BB a pagar o montante da cláusula penal;

Por sua vez, o R. formulou as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida enferma de erro na apreciação da prova testemunhal, designadamente Luís e José, e em declarações de parte do legal representante, documentação existente nos autos, bem como na aplicação do direito.
2. Pois, atento aos depoimentos e declarações transcritas, e que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, é manifesto que os factos considerados provados nos pontos nºs. 2 e 3 da sentença recorrida estão em clara contradição com os factos não provados sob as alíneas a) b) e c).
3. Resultando, ainda, inequivocamente demonstrado que o contrato de empreitada verbal foi celebrado em Agosto de 2011, por Recorrente e Recorrida.
4. Por isso, impõe-se alterar a factualidade contida no ponto 2 dos factos provados de forma a passar a ter a seguinte redacção :
"No exercício da respectiva actividade, a A., em Agosto de 2011, celebrou com o R. BB, contrato de empreitada oral, para proceder à execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio urbano propriedade do referido R., sito na Rua F. …, lugar da Capela, freguesia de Rio Tinto, concelho de Esposende.
5. Considerar-se ainda como não provada a factualidade contida no ponto 3 dos factos provados.
6. A factualidade vertida no ponto n° 10 dos factos provados deve ser alterada, considerando-se como não provada.
7. Pois, da prova testemunhal produzida e das declarações de parte do legal representante da Autora não resulta demonstrada a celebração do contrato de empreitada verbal invocado na petição inicial.
8. Pois, relativamente ao contrato de empreitada verbal celebrado, por Recorrente e Recorrida, os únicos factos consensuais dizem respeito à data - Agosto de 2011 -, e ao preço de 22,50€, acrescido de IVA, por metro linear.
9. Quanto aos demais acréscimos de preço constantes da factualidade do ponto n° l0 dos factos provados, não há, nem se produziu, qualquer prova consistente demonstrativa da realidade factual invocada pela Recorrida, que apenas encontra sustentação nas parciais declarações de parte prestadas pelo seu representante legal.
10. As quais foram totalmente contrariadas pela testemunha José, ao referir, expressamente, que o Recorrente lhe exibiu o cartão de visita entregue pelo representante legal da Recorrida em que constava apenas o preço de 22,50€, acrescido de IVA, por metro linear.
11. Como resulta da experiência comum é impossível o cartão de visita referido pela mencionada testemunha e também pelo representante legal da Recorrida conter todos os preços e dizeres constantes no referido ponto l0.
12. A factualidade vertida no ponto nº 16 dos factos provados deve ser alterada, considerando-se como não provada.
13. Pois, da prova produzida, também, não resulta demonstrada a existência de contactos telefónicos entre Recorrente e Recorrida durante a execução do poço, e a concordância do Recorrente.
14. Desde logo, desconhece-se o número de telefone pertencente ao Recorrente e o pertencente à Recorrida.
15. Como, também, se desconhece o dia e hora em que os alegados contactos telefónicos ocorreram, respectiva duração, e ainda o conteúdo das alegadas conversas.
16. A factualidade vertida nos pontos nos. 10 e 16 dos factos provados apenas está sustentada nas parciais declarações de parte do legal representante da Recorrida.
17. As quais isoladas de qualquer elemento probatório, testemunhal e/ou documental, são manifestamente insuficientes para convencer o Tribunal da sua veracidade.
18. Sendo certo que as declarações de parte proferidas pelo representante legal da Recorrida constituem uma versão dos factos completamente diferente da plasmada na petição inicial.
19. A factualidade vertida nos pontos nºs. 19 e 20 dos factos provados, também, deve ser alterada, considerando-se como não provada.
20. Decorre da análise dos depoimentos transcritos que não resulta demonstrado que a obra realizada pela Recorrida foi aceite sem reservas pelo Recorrente.
21. Como, também, não resulta demonstrado que a referida obra foi realizada cabalmente de acordo com instruções recebidas do Recorrente.
22. O documento n° 13 junto pela Recorrida, acompanha a petição inicial, demonstra a posição do Recorrente relativamente ao procedimento da Recorrida na execução do contrato verbal de empreitada que haviam celebrado.
23. Nos termos do disposto nos artigos 342° e 799° nº 1 do Código Civil impende sobre o empreiteiro, a ora Recorrida, o ónus de alegar e provar que as alterações ao plano convencionado foram exigidas pelo dono da obra, ora Recorrente, caso pretenda obter a condenação deste no pagamento da retribuição devida pelos trabalhos a mais.
24. Ora no caso sub judice, o acordo verbal convencionado por Recorrida e Recorrente foi apenas quanto ao preço de 22,50€, acrescido de IV A, por metro linear.
25. Por isso, o empreiteiro não pode sem autorização do dono da obra, autorização que o Recorrente não deu à Recorrida, fazer alterações ao convencionado, como está demonstrado através da prova testemunhal e documentação produzida.
26. A obra alterada sem autorização do Recorrente, como sucede nos presentes autos, é havida como defeituosa.
27. Daí que se o dono da obra, o ora Recorrente, quiser aceita-la como foi executada pela Recorrida não fica obrigado a pagar qualquer suplemento de preço nem a pagar indemnização, por enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no artigo 1214° nos. 1 e 2 do Código Civil.
28. Acresce, ainda, o facto que, deve ser dado como provado, como resulta do depoimento da testemunha José, a Recorrida omitiu ao Recorrente que à profundidade de 160 metros obriga à colocação de instalação eléctrica mais potente e diferente da existente no seu prédio urbano, local onde o poço foi executado, para poder extrair água à mencionada profundidade.
29. Impendia sobre a Recorrida alegar e provar os factos constitutivos do direito que invoca, como impõe o artigo 342° nº 1 do Código Civil.
30. O que, atento os elementos de prova documental constante dos autos e a prova testemunhal produzida em sede de julgamento, não logrou fazer.
31. Pelo que o direito invocado pela Autora, ora Recorrida, não pode ser reconhecido.
32. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 342° n° 1, 799°, nº 1 e 1214° nºs, 1 e 2 do todos do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida na parte em que condena o Recorrente a pagar à Recorrida a quantia de de 3 628,00€, acrescida dos juros legais.
O R. BB contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso da A.

II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
Da apelação da A.
. se os factos considerados não provados constantes das alíneas a), b), d), e), f), g) e h) deveriam ter sido considerados provados;
. se em consequência da alteração da matéria de facto, deve ser alterada a decisão de mérito e o R. DD deve ser também condenado nos termos peticionados na p.i. e R. BB condenado a pagar à A. o montante reclamado a título de cláusula penal.
Da apelação do R. BB:
. se os factos constantes dos pontos 2 e 3 da matéria de facto dada como provada, estão em oposição com os factos considerados não provados nas alíneas a), b) e c), impondo a alteração da factualidade contida no ponto 2 nos termos que propõe e a consideração como não provada da matéria constante do ponto 3 dos factos provados;
. se a factualidade constante do ponto 10 dos factos provados, com excepção da parte em que se refere ao preço de 22,50, acrescido de IVA, por metro linear e a factualidade constante dos pontos 16, 19 e 20 dos factos provados deve ser considerada não provada.

III – Fundamentação
Na 1ª instância foram julgados provados os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade comercial anónima cujo objecto social consiste, entre outros, na actividade de execução de furos para captação de águas, montagem de bombas, conforme certidão permanente com o código de acesso 1885-7121-1633.
2. No exercício da respectiva actividade, a A., em Dezembro de 2011, celebrou com o R. BB e DD, contrato de empreitada oral, para proceder à execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio urbano propriedade do primeiro R., sito na Rua F. ,,,, Lugar de Capela, freguesia de Rio Tinto, concelho de Esposende.
3. Nessa sequência, a A. elaborou o documento de fls. 12 a 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos, intitulado de «contrato de empreitada», datado de 7 de Dezembro de 2011, e que foi assinado pelo R. DD.
4. O R. BB e mulher, são emigrantes e residem habitualmente em Córsega-França.
5. O R. DD é empreiteiro de profissão.
6. Em data anterior à do início da execução dos trabalhos acordados com a A., o R. BB, em 25 de Agosto de 2011, requereu junto da ARH – Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., autorização de utilização dos recursos hídricos para pesquisa e eventual captação de água – cfr. documento de fls. 17, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Por força desse pedido de autorização junto da ARH, o R. BB entregou a quantia de €170,00, titulada pelo cheque n.º 8831658001, sacado sobre a CGD, referente a pagamento por conta dos preços para avaliação, análise ou orientação técnica de processo de utilização de recursos hídricos – cfr. documento de fls. 21 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. O pedido de emissão/autorização referido em 5. e 6., foi deferido, em 8 de Setembro de 2011, com o título nº com o Título n.º A02869/2011RH2.1196.A – cfr. documento de fls. 22 a 24, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Consta do requerimento supra referido em 5. que a finalidade do furo é a rega de relva e hortas, numa área estimada de 300 m2 do prédio pertencente ao autor.
10. Antes da assinatura do documento referido em 3., a A. e o R. BB acordaram, verbalmente, que o preço da empreitada seria de: - 25,00 € por metro linear para perfuração de alargamento e encamisamento em tubo PVC de 190 mm x 1.0 mpa; 22,50 € por metro linear para a roto-perfuração de 6” ½ com revestimento de 140 mm x 0,6 mpa, ao qual acrescia 5,00 €, 10,00 € ou 15,00 €, consoante as características do terreno aconselhassem utilizar tubo de 0,75 mpa, 1,0 mpa ou 1,0 mpa georroscado, respectivamente; - 100,00 € para a instalação de areão silicioso; - 100,00 € para a impermeabilização betuminosa, - e 50,00 € para o relatório final, em todos os casos acrescidos do IVA à taxa legal em vigor.
11. Ficou também acordado que o pagamento do preço seria efectuado a pronto e logo que concluída a obra.
12. A A., a 13 de Dezembro de 2011, fez deslocar para o terreno do R. BB todo o equipamento de perfuração e o pessoal manobrador necessário à execução da obra.
13. Os trabalhos de perfuração acordados com o R. BB foram iniciados e concluídos em 13 de Dezembro de 2011.
14. Foi então realizada perfuração de alargamento e isolamento em tubo PVC de 190 mm e tubo x 1.0 mpa até à profundidade de 12 metros – cfr. documento de fls. 24 verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
15. Durante a perfuração, e, atentas as específicas características do terreno – a litologia do local era composta por granito alterado, saibro e terra mole – a A. constatou que era aconselhável a instalação de tubo georroscado.
16. De imediato, a A., através de contacto telefónico, advertiu o R. BB da necessidade da colocação do tubo georroscado, tendo este concordado com a instalação desse tubo.
17. A A. realizou então encamisamento com tubo PVC 140 mm x 1.0 mpa georroscado, até à profundidade de 156 metros (apesar de a profundidade total do furo ser a de 160 metros), tendo sido igualmente instalado areão silicioso, isolamento betuminoso e terminada a obra.
18. A execução e aceitação do furo foram confirmadas através de auto de recepção e conformidade dos trabalhos assinado por Vítor, a pedido do R. DD.
19. A obra foi concluída e aceite sem reservas, não se tendo verificado por parte do R. BB qualquer reclamação de defeito, vício da obra e/ou apontado qualquer anomalia em termos técnicos da execução da empreitada feita pela A..
20. A A. realizou cabalmente a obra de acordo com as instruções que recebeu do R. BB, deixando o furo artesiano com as profundidades, perfurações, encamisamentos e demais características de acordo com as boas regras de construção.
21. Terminada a obra e efectuado o ensaio de caudal “Air-Lift” o furo apresentava um caudal de 3000 litros de água por hora o que perfaz um caudal de 72.000 litros por dia, conforme cópia de relatório final de furo – cfr. documento de fls. 25 a 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
22. Na sequência da conclusão e aceitação da obra, os escritórios da A. emitiram a factura n.º 160/2011, de 27/12/2011, com data de vencimento para a mesma data, na quantia global de €8.056,50, e solicitaram o respectivo pagamento – cfr. documento de fls. 28, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
23. O R. Manuel Augusto procedeu a um pagamento parcial da obra, na quantia de €4.428,00 através de cheque com o nº 7031658003, datado de 23/12/2011 – cfr. documentos de fls. 28 e 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
24. A A. remeteu ao R. BB uma carta registada, datada de 15/3/2012, solicitando o pagamento da quantia de €3.628,50 – cfr. documento de fls. 29, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
25. A A., através do seu mandatário, remeteu ao R. DD uma carta com aviso de recepção, datada de 17/7/2012, solicitando o pagamento da quantia referida no ponto anterior e ainda das quantias de €356,69, relativa a juros de mora vencidos, e de €1.450,17 correspondente a 18% do valor da facturação devida por incumprimento superior a 60 dias – cfr. documento de fls. 31 a 32, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
26. Em resposta à carta referida em 23., o R. BB enviou à A. a carta que consta de fls. 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
27. Em resposta a esta carta, a A., através do seu mandatário, remeteu ao R. BB a carta com aviso de recepção datada de 9/10/2012, que consta de fls. 32 a 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
28. Do texto do contrato escrito referenciado em 2. consta a seguinte cláusula: «10º- Penalidades: O incumprimento do acordo de pagamento superior a 15 dias e até 60 dias, implica uma cláusula penal correspondente a um acréscimo de 12% do valor da facturação e o incumprimento de valor superior a 60 dias, implica um acréscimo de 18% do valor da facturação.».
29. A A. nunca apresentou ou enviou aos réus BB e CC o contrato de empreitada, datado de 7 de Dezembro de 2011, nem o caderno de encargos que o integra, nem a tabela de preços por metro aí referida na cláusula 12.
30. O R. BB celebrou casamento com a R. CC segundo o regime da comunhão geral.
E foram julgados não provados os seguintes factos:
a) Apesar de ter sido acordado com ambos os RR. no contrato só figurou como contraente o R. BB por ser o proprietário do prédio em causa e em virtude disso a licença do furo ter de ser emitida em nome deste nessa qualidade.
b) Como o contrato foi acordado com ambos, foi o R. DD que assinou o dito contrato, uma vez que o aqui R. BB, é emigrante e residente habitualmente em Córsega-França, acordaram todas as partes que seria conveniente e profícuo para o acompanhamento dos actos preparatórios, actos executórios, atinentes à execução da empreitada, que fosse o R. DD o responsável pela verificação e fiscalização da obra, actuando assim, o R. DD, em nome e por conta do R. BB.
c) O R. DD foi contratado pelo R. BB para a realização da empreitada de construção da sua vivenda na referida Rua F. …, em Lugar de Capela.
d) Em consequência da necessidade para o R. BB da realização de um furo de água para o fim de regar as culturas existentes naquele prédio de sua propriedade, o R. DD comprometeu-se perante a A. e em representação do R. BB a acompanhar e fiscalizar igualmente a execução da empreitada de furo artesiano no local da sondagem referido supra.
e) o R. DD, actuou em representação do R. BB, e foi na qualidade de empreiteiro daquele e com esse poder de representante, conhecedor da situação de emigrante do primeiro R. subscreveu e assinou o contrato de empreitada escrito e referido supra em nome do primeiro R..
f) O R. DD acompanhou e fiscalizou a execução da obra e realizou diversos contactos com a A..
g) Ao fixarem os preços no contrato as partes fizeram-no por remissão para uma tabela que, em anexo, ficou a fazer parte integrante do referido contrato.
h) O R. BB nomeou, verbalmente, o R. DD seu representante, tendo este actuado em nome e por conta do primeiro.
i) A execução do furo artesiano nos termos supra expostos e a correspondente divida foi contraída pelo R. BB para ocorrer aos encargos normais da vida familiar.

Da pretendida alteração da matéria de facto:
Nos termos do nº 1 do artº 662º do CPC o Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto se dos factos assentes, da prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Ao Tribunal da Relação incumbe apreciar ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto A jurisprudência mais recente tem vindo a defender este entendimento no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, conforme, entre outros, Ac. do STJ de 16.12.2010, proferido no proc. 2401/06 (acessível em www.dgsi.pt), afastando a interpretação de que ao Tribunal da Relação apenas incumbia sindicar da razoabilidade do que foi decidido pela 1ª instância, interpretação que o actual NCPC vem reforçar ao ampliar os poderes da Relação no artº 662º..
As partes deram de modo satisfatório cumprimento aos ónus exigidos pelo artº 640º do CPC.
Passemos a analisar as suas pretensões:
Entende a A. que ocorreu erro de julgamento na apreciação da prova e que se provaram os factos que o Tribunal deu como não provados nas alíneas a), b), d), e), f), g) e h), sendo que desde logo ocorre contradição insanável com os factos dados como provados nos pontos 2, 3 e 18 da sentença.
Ambos os apelantes referem a existência de uma contradição entre os factos provados constantes dos pontos 2 e 3 e outros factos dados como provados (tese da A. que refere uma contradição com o ponto 18) e outros factos dados como não provados (tese do R. BB que invoca um a contradição com as a), b) e c)).
A contradição a que ambas as partes se referem resulta, ao que entendemos, de um mero lapso da Mma Juíza a quo, o que se constata da confrontação da redacção dada ao ponto 2 dos factos provados com os factos dados como não provados nas alíneas a) e b) e com a fundamentação da matéria de facto constante da sentença, onde se refere, designadamente, que o 2º R. só teve intervenção ocasional no processo. A Mma Juiz consignou na fundamentação o seguinte “O depoimento do R. DD pese embora não tivesse resultado em confissão de quaisquer dos factos articulados pelo autor, quando conjugado com o testemunho prestado pela testemunha José e com as declarações de parte do representante legal da A., ajudou a esclarecer a sua intervenção neste enredo. Com efeito, ficou claro que a interferência deste réu foi meramente ocasional e a pedido da testemunha José, pessoa a quem o R. BB havia delegado a responsabilidade de acompanhamento dos trabalhos e formalização do contrato. Incidental e injustificada resultou ter sido também a intervenção da pessoa que assinou o auto de recepção da obra, uma vez que se provou que a testemunha José pediu ao R. DD para o fazer e este por sua vez ao identificado Vitor.
No mais, resultou das declarações do representante legal da autora que o acordo relativo ao preço e material a empregar na obra ocorreu durante um encontro tido entre ele e o R. BB, que se fez acompanhar da testemunha José. Disse claramente que o R. DD nunca teve qualquer intervenção durante as negociações nem nunca foi indicado à A. como representante do R. BB. Foi inclusivamente a testemunha José quem contactou a A., em nome do R. BB, solicitando orçamento para a execução do furo”.
Acresce que no ponto 2 a Mma Juíza escreveu que a A. celebrou com o R. BB e DD contrato de empreitada oral, ora se pretendesse abranger ambos os RR. teria certamente referido os RR., em vez do R. Impõe-se assim a rectificação do ponto 2 da matéria de facto, pois que resulta manifesto, maxime da motivação da matéria de facto que a Mma. Juíza a quo não pretendeu dar como provado que a A. celebrou com o R. DD um contrato verbal de empreitada.
Entende a apelante A. que, face à prova produzida, se provou que o 2º R. ao subscrever o contrato junto aos autos, pretendeu vincular-se em nome próprio perante a A., tendo a julgadora da 1ª instância desconsiderado a prova testemunhal e documental. No entanto, contraditoriamente, além dos factos constantes das alíneas a) e b) que suportariam esse entendimento, pretende que se dê também como provados os factos constantes das alíneas d), e), f) e g) onde se menciona que o R. DD actuou em nome e por conta do R. BB, ou seja, em representação do 1º R. e não em seu próprio nome e no seu interesse.
A A. fundamenta-se nos depoimentos de Luís e José e nas declarações de parte do legal representante da A., Martine e do R. DD.
Ouvida toda a prova, e não apenas os depoimentos das testemunhas e dos depoentes indicados pela A., entendemos que a Mma. Juíza julgou bem, pois que não se provou que o R. DD alguma vez tivesse celebrado com a A. o contrato junto aos autos a fls 12 e ss nem qualquer outro. O R. DD nunca pretendeu celebrar qualquer contrato com a A. e esta também sempre reconheceu que negociou foi com o R. BB. O 2º R. limitou-se a apor a sua assinatura no contrato, condição imposta pela A. para iniciar os trabalhos de captação de água, a pedido da testemunha José, para quem já tinha prestado diversos serviços, o qual, na impossibilidade de se deslocar à obra no dia e hora em que a mesma se iria iniciar, pediu-lhe para lá ir, no seu lugar e que assinasse o documento que a A. lhe tinha referido que teria na obra para assinar.
O depoimento do legal representante da A. foi claro no sentido de ter estabelecido negociações apenas com o R. BB com quem reuniu no mês de Agosto de 2011, em nome de quem foi emitida a licença junto aos autos, tendo sido quem a pagou e a quem telefonou por diversas vezes durante a execução da obra, dando-lhe conta da evolução dos trabalhos e obtendo o seu consentimento para continuar a perfurar para além dos 70 metros que o R. BB tinha inicialmente julgado ser necessário para captar água e ainda para obter o seu acordo para alterar o tipo de tubo. Nunca o legal representante da A. referiu ter estabelecido quaisquer negociações com o 2º R. e ter acordado com este a perfuração em causa.
E tanto assim é que no contrato junto aos autos consta apenas como outorgante o R. BB. O R. DD veio a figurar nesse contrato como representante do dono da obra na fiscalização dos trabalhos e não como outorgante, como resulta da cláusula 2ª, cuja redacção é a seguinte “FISCALIZAÇÃO – A fiscalização dos trabalhos será exercida pelo dono da obra ou seu representante aqui devidamente identificado”, seguindo-se o nome manuscrito do 2º R. que este nega tenha sido manuscrito por si. É a própria A. que identifica o 2º R. como representante do 1º R. para efeitos de fiscalização da obra e não como outorgante do contrato.
E na fls 14 no espaço destinado à assinatura do dono da obra, foi riscada a expressão pré-impressa “o dono da obra” e colocada em cima, manuscrito, pela testemunha Luís, a designação “responsável da obra”, como foi declarado pelo 2º R. e resulta evidente da confrontação com as assinaturas do R. não se tratar de letra da sua autoria, seguindo-se a sua assinatura feita a pedido da testemunha Luís, como também esta e o 2º R. confirmaram. Foi usada a expressão “responsável da obra” em vez da expressão de “representante do dono da obra” ou da aposição da preposição “por” (o dono da obra) que seria a usada se alguém se tivesse intitulado como representante do 1º R. para efeitos de outorga do contrato.
Também a factura que a A. emitiu e se encontra junta a fls 28 está emitida apenas em nome do 1º R.
No mesmo sentido, foi o depoimento da testemunha José, engenheiro que realizou obras para o R. BB, tendo sido quem lhe apresentou o legal representante da A., e as declarações do 2º R. DD.
A testemunha Luís, comercial da A. que compareceu no início dos trabalhos, munido do contrato para que o mesmo fosse assinado, referiu claramente que não tinha participado nas negociações com vista à realização do contrato de empreitada e a testemunha José, trabalhador da A. que manobrou a máquina nas operações para a captação de água, também nada sabia sobre quem tinha contratado os serviços da A.
Ainda que a testemunha Luís, comercial da A., tivesse lido o teor do contrato ao R. DD como declarou, mas que este negou, tal leitura do texto não o transforma em outorgante do contrato.
O acordo entre a A. e o 1º R. foi efectuado em Agosto de 2011 e nessa altura foi combinado, como referiu Martine, legal representante da A., que a captação de água teria lugar no início de Dezembro de 2011, altura em que o R. BB se deslocaria de novo a Portugal e estaria presente durante a execução dos trabalhos. Mais foi declarado pelo legal representante da A., que, posteriormente, o 1º R. lhe telefonou e comunicou-lhe que não poderia vir a Portugal por razões de saúde da sua mulher e que “quem ia tratar das coisas era o engenheiro”, pretendendo referir-se ao engenheiro José, que ouvido, o confirmou. E foi a esta testemunha que o legal representante da A. telefonou, dando conta que ia iniciar os trabalhos e como esta não poderia estar presente no início da obra, pediu ao 2º R. para comparecer no dia do início dos trabalhos, referindo que não pensou que a A. pretendesse a subscrição de um contrato, mas apenas que pretendesse que alguém comparecesse para assinar um auto de início dos trabalhos.
O R. DD limitou-se a fazer um favor à testemunha José com quem tinha relações profissionais, tendo prestado serviço como sub-empreiteiro em obras levadas a cabo pelo José e a ir ao local, no início da obra, a pedido deste, na impossibilidade do José aí se deslocar. Tratou-se de uma intervenção de cortesia, sem propósitos vinculativos.
Assim, da produção de prova não resultou qualquer actuação do 2º R. que pudesse ser entendida como manifestação de contratar os serviços da A. em nome próprio. Aliás, que interesse poderia ter o 2º R. em obrigar-se em seu nome num contrato para captação de água num terreno do 1º R., água que este destinava ao seu consumo para rega e fins domésticos, o que foi referido pelas testemunhas Martine e José. Assim, ainda que não se entendesse que o ponto 2 dos factos provados enfermava de um lapso de escrita, sempre o mesmo teria de ser alterado, por não corresponder à prova produzida em julgamento, como resulta do que foi dito, sendo que este ponto foi impugnado pelo apelante BB.
Igualmente não resultou provada a fiscalização dos trabalhos pelo 2º R., não obstante ter sido identificado como tal no contrato. Foi a testemunha José (a quem a testemunha José Costa, trabalhador da A. se referiu como o senhor dos projectos/o projectista) que compareceu na obra e tomando conhecimento que a perfuração ia nos 90 metros e ainda não tinham encontrado água é que telefonou para o 1º R. a dar-lhe conta do que se estava a passar.
E também não se provou que o 2º R. tivesse sido autorizado pelo 1º R. a actuar em seu nome e representação. Nenhuma testemunha referiu a existência de qualquer contacto entre o R. BB e o R. DD em que este lhe tivesse solicitado para que agisse em seu nome e por sua conta na outorga do contrato. Nem se provou que a testemunha José tivesse pedido ao 2º R. para outorgar o contrato em nome e representação do 1º R.
Não ocorreu assim qualquer erro de julgamento, tendo a Mma. Juíza decidido a matéria de facto dada como não provada constante das alíneas a) a j), de acordo com uma correcta e crítica apreciação da prova produzida, tendo sido uma juíza activa durante toda a produção de prova, formulando diversas questões, com vista a melhor se inteirar dos factos.
Saliente-se que no caso apreciado no Acórdão proferido no proc.414/11 deste Tribunal da Relação referido pela apelante e do qual fomos também relatora, o contrato escrito tinha sido subscrito pelo R. , o que não é o caso dos autos em que a pessoa com quem a A. contratou não assinou o contrato e a pessoa que o assinou, não contratou com a A. , não constando aliás como parte contratante no texto do contrato, pelo que não se coloca a questão apreciada nesse acórdão da validade das convenções orais contrárias a convenções escritas e sobre a proibição de prova testemunhal.

Relativamente à matéria de facto impugnada pelo apelante BB:
O R. pretende que sejam dados como não provados os factos constantes dos pontos 3,10 (com excepção do preço de 22,50, acrescido de IVA por metro linear), 16, 19 e 20 e se altere o que foi dado como provado no ponto 2, com fundamento nos depoimentos das testemunhas Luís e João e nas declarações de parte do legal representante da A., Martine.
Quanto ao ponto 2 da matéria de facto, já nos referimos supra e proceder-se-á à sua alteração.
Relativamente ao ponto 3: face às declarações do legal representante da A. entendemos que se mostra de acordo com a prova produzida a inclusão nos factos provados dos factos constantes do ponto 3, pois foi na sequência do acordo estabelecimento verbalmente entre o 1º R. e a A. que veio a ser redigido a escrito o contrato junto aos autos.
Ponto 10: das declarações prestadas pelo legal representante da A. resultaram provados estes factos. Não se afigura credível que o legal representante da A. apenas tivesse transmitido ao 1º R. na reunião que tiveram, os preços do metro linear da perfuração e não tivessem sido falados por aquele, nem este tivesse perguntado, quais os demais custos associados à obra, como o preço dos tubos que podiam vir a ser utilizados e o custo dos materiais necessários para isolar o furo quando o mesmo se destina a uso doméstico: a impermeabilização betuminosa e o areão silicioso, valores que o legal representante referiu ter colocado num cartão que na ocasião forneceu ao 1º R. Já não se nos afigura de acordo com as regras da experiência e da lógica que nesse contacto inicial a A. tivesse informado o 1º R. da existência de uma cláusula penal para o caso do preço não ser pago no prazo de 60 dias e muito menos que o 1º R. tivesse concordado com essa pretensão.
É certo que a testemunha José Pereira referiu ter visto o cartão e que no mesmo só constava o valor do metro de perfuração, 22,50 euros, acrescido de IVA. Mas também aqui partilhamos o consignado pela Mma. Juíza a quo na motivação e que transcrevemos “Ora, no confronto do depoimento da testemunha José com as declarações de parte do representante legal da A. prevaleceram sem margem para dúvida estas últimas, devido sobretudo ao pormenor e segurança com que foram prestadas, descrevendo com elevado pormenor o encontro tido com o R. BB em que foram apresentados os preços e explicados os trabalhos a realizar.
Ao invés, a testemunha José depôs de forma evidentemente comprometida, que se compreende dada responsabilidade e confiança que lhe foi depositada pelo R. BB e a clara vontade de se eximir da eventual responsabilidade que lhe possa ser assacadas por este que a testemunha José assumiu um comportamento temerário ao delegar num terceiro, o aqui R. DD, que era alheio ao seu relacionamento com o R. BB, a assinatura do contrato e a verificação da obra, mesmo quando o R. DD lhe salientou, telefonicamente, que o documento apresentado para assinatura especificava preços, o que não acontece quando se trata do auto de entrega da obra.”.
E efectivamente foi perceptível durante a audição da gravação o nervosismo demonstrado pela testemunha José, e o comprometimento manifestado.
No que concerne aos factos constantes do ponto 16: o legal representante da A. explicou pormenorizadamente os contactos que estabeleceu por telefone com o 1º R. em França, durante a obra, dando-lhe conta da evolução dos trabalhos e da necessidade, porque o furo tinha atingido uma grande profundidade, da utilização do tubo georroscado e que este acordou previamente na colocação dos materiais que foram empregues na obra e acabou por concordar com a prospecção até aos 160 metros. O legal representante da A. trazia consigo a factura detalhada dos contactos telefónicos efectuados durante o mês de Dezembro de 2011 e onde constavam as chamadas feitas para o R. BB dado-lhe conta do estado da obra e a solicitar a sua autorização para continuar a prospecção, e para trocar o tubo, referindo ter feito uma chamada em 9/12, uma em 12/12 e 4 em 13/12 e as horas em que efectuou estas chamadas.
Também a testemunha José referiu que entrou em contacto com o 1º R. dando-lhe conta que já tinham chegado aos 90 metros sem encontrar água e que este deu autorização para chegar aos 100 m e que ficou convencido que houve outros contactos entre o 1º R. e o legal representante da obra com vista à continuação da obra.
Face à prova produzida também entendemos ser de manter o ponto 16 dos factos provados que está conforme a prova produzida.
Pontos 19 e 20:
Os depoimentos das testemunhas José Costa e Pedro, respectivamente manobrador da máquina e ajudante, tendo sido os trabalhadores que executaram as obras, e as declarações do legal representante da A. foram claros no sentido da conformidade dos trabalhos.
E tanto assim é que o 1º R. não apontou qualquer desconformidade aos trabalhos efectuados na carta que dirigiu à A., em resposta à sua interpelação para pagar o remanescente da obra, junta a fls 36 e 37 o que seria natural que fizesse, caso considerasse que a prestação da A. tivesse sido defeituosa. Como foi referido pelo depoente Martine, o 1º R. nunca pôs em causa a conformidade dos trabalhos, o que este invocava como condição para pagar à A., era que pretendia primeiramente que a A. lhe demonstrasse que tinha captado água.
Mantém-se assim inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, com excepção do ponto 2, cuja redacção passa a ser a seguinte, retirando-se a alusão a contrato de empreitada por se tratar de conclusão de direito, que se substitui pela expressão “acordo”:
2. No exercício da respectiva actividade, a A., em Dezembro de 2011, celebrou com o R. BB, um acordo oral, para proceder à execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação em captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio urbano propriedade do primeiro R., sito na Rua F. …, Lugar de Capela, freguesia de Rio Tinto, concelho de Esposende.

Do Direito
Mantendo-se no essencial inalterada a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, até porque tal, na atenção da alegação dos recorrentes, passava necessariamente pela alteração da decisão de facto, deve ser confirmada a sentença recorrida.
Dir-se-à no entanto o seguinte:
O A. formulou dois pedidos:
. um a título principal - serem os RR. BB e CC solidariamente condenados a pagar à A. a quantia de 5.464,15 euros;
. outro a título subsidiário – para o caso da improcedência do pedido anterior, com o seguinte teor:” demonstrando-se que o R. BB não ratifica as decisões do R. DD, ser judicialmente declarado que o R. DD actuou em desconformidade culposa com o interesse ou a vontade real ou presumível do R.BB e ser aquele condenado a pagar a mesma quantia de 5.464,15”.
Na sentença recorrida deu-se procedência parcial ao pedido principal, razão porque não se conheceu do pedido subsidiário, tendo condenado o 1º R. a pagar à A. a quantia de 3.628.60, acrescida de juros desde 27.12.2011, à taxa legal, até integral pagamento.
Pretende agora a apelante que o Tribunal condene ambos os RR. BB e DD a pagar-lhe a quantia de 5.464,15.
Ora, desde logo, este pedido não poderia nunca proceder. A A. apenas pediu a condenação do R. DD, a título subsidiário. E tendo procedido parcialmente o pedido principal, já não há que conhecer do pedido subsidiário. A apelante não pode por via do recurso alterar os pedidos que formulou inicialmente.
Dúvidas não há que entre a A. e o 1º R. foi celebrado um contrato verbal de empreitada (qualificação jurídica que as partes não põem em causa) para proceder à execução de uma sondagem de pesquisa de água subterrânea e eventual transformação de captação de água, caso as condições hidrogeológicas assim o aconselhassem, num prédio urbano propriedade do 1º R., mediante o pagamento de um determinado preço.
Na sequência do que foi acordado verbalmente entre a A. e o 1º R., a A. elaborou o contrato escrito que se encontra junto a fls 12 a 15 que nunca apresentou ou enviou ao 1º R., assim como o caderno de encargos que o integra e a tabela de preços junta, não chegando o 1º R. a assiná-lo.
Quando existe representação com poderes, embora o contrato seja subscrito pelo representante, o negócio produz efeitos directamente na esfera jurídica do representado.
No caso, não tendo o 1º R. subscrito o contrato, nem se tendo provado que nomeou verbalmente o 2º R. seu representante, para que assinasse o contrato e actuasse em seu nome e por conta (representação com poderes), não pode o disposto no contrato escrito vincular o 1º R. Este responderá apenas nos precisos termos acordados verbalmente com a A., pelo que não se aplica desde logo a cláusula penal.
*
O que se poderia equacionar era se o 2º R. actuou como gestor de negócios do 1º R. ao subscrever o contrato dos autos, assumindo a direcção de um negócio alheio, no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizado, face à aposição da sua assinatura no contrato junto aos autos, embora se nos afigure, de acordo com as regras do artº 236º do CC, que tendo em conta a expressão aposta no contrato que antecede a assinatura do 2º R., e a sua identificação no texto do contrato como fiscal, seria de interpretar que o 2º R. o assinou na qualidade de fiscal da obra e não em nome do 1º R.. Mas ainda que assim não se entendesse e se interpretasse no sentido de que, ao apor a sua assinatura nos termos constantes do contrato, o 2º R. subscreveu o contrato em nome e no interesse do 1º R., que é quem figura como outorgante no contrato, sem estar autorizado, sempre o contrato seria ineficaz relativamente ao 1º R., por não ter sido por ele ratificado (artº 268/1 e 471/1 do CC) Cfr. se defende no Ac. do STJ de 28/09/2010 – processo 167-F-2000.. No caso, como não exige a lei forma escrita, a ratificação poderia não ser escrita, mas não se provou que a mesma tivesse sido dada, nem se provaram factos que permitam concluir pela ratificação tácita do contrato pelo 1º R.. Pelo contrário, face à carta junta a fls 36 e 37 é manifesta a discordância do 1º R.
O contrato seria assim ineficaz perante o 1º R. e também não obrigaria o 2º R., pelo que nunca o pedido subsidiário poderia ser procedente. O artigo 466º nº 2 do CC a que a A. alude na petição inicial para fundamentar a responsabilidade do gestor perante si, não dispõe sobre a responsabilidade do gestor perante terceiros, mas perante o dono do negócio. Aliás, a A. faz confusão entre a representação com poderes e a gestão de negócios. Na 1ª o representante tem poderes para praticar o acto, na segunda não está autorizado a praticá-lo, embora o pratique em nome e no interesse do dono do negócio.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Coimbra Editora, anotação ao artº 471º do CC. “para o terceiro que negoceia com o gestor, é particularmente perigosa a operação negocial, quando este age em nome do dono, pois que se arrisca então a que o negócio seja ineficaz em relação ao dono do negócio (artº 268º do CC) e também nada valha em relação ao gestor. A solução compreende-se, porém, não só pelos termos em que o gestor agiu, mas também pela faculdade que o artº 260º confere, em tais casos, ao terceiro”.
A A. não cuidou de obter a assinatura do 1º R. que sabia residir em França, não lhe tendo remetido o contrato e não obstante iniciou a obra, nem cuidou de exigir uma prova a quem o assinou de que actuava em nome e representação do dono da obra, como devia e podia, pelo que tem que se sujeitar às consequências da sua actuação temerária.

Sumário:
O terceiro que negoceia com o gestor, quando este age em nome do dono do negócio corre o risco de que o negócio seja ineficaz em relação ao dono do negócio e também nada valha em relação ao gestor, solução que se compreende não só pelos termos em que o gestor agiu, mas também pela faculdade que o artº 260º confere ao terceiro, em tais casos.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente as apelações interpostas pela A. e pelo R., confirmando a decisão recorrida.

Custas da apelação da A. pela A.
Custas da apelação do R. BB, por este R.
Notifique.
Guimarães, 12 de Março de 2015
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade