Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
269/11.5TTBGC.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE IN ITINERE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Não é acidente in itinere o ocorrido no regresso de um bar, onde o trabalhador entendeu deslocar-se após um jantar promocional, o que fez sem consentimento e conhecimento da empregadora.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

A.., A., não se conformando com a sentença proferida nos autos, vem da mesma interpor, RECURSO DE APELAÇÃO.
Pede a revogação da sentença e consequente condenação da Recrdª nos termos do que peticionou na ação.
Alega e, seguidamente, conclui que:
A. O ponto 47 da matéria de facto dada como provada – de que se recorre - encontra-se, erradamente julgada e em contradição com o Ponto II da douta sentença e dos factos dados como assentes, uma vez que, dá-se como provado, o constante no ponto 8 em que “No exercício das suas funções, o aqui A. estava “...obrigado a efetuar deslocações em todo o território nacional e estrangeiro...” (resposta ao quesito 2º). [o negrito e o sublinhado é nosso];
B. O Trabalhador ao deslocar-se a um Bar a Espanha, a cerca de 10/15 kms do local onde jantou com os mesmos clientes, estava dentro do que contratualmente se encontrava obrigado, ou seja, “efetuar deslocações em todo o território nacional e estrangeiro;” e agir no interesse e por conta da EP.
C. Ao que acresce que no ponto 17 afirma-se que “Na prática e em regra, os Delegados de Informação Médica não observavam estritamente o horário de trabalho, gerindo-o de acordo com as necessidades do seu serviço (resposta ao quesito 11º) ”. [o negrito e o sublinhado é nosso];
D. Assim como, no ponto 18 é dado como provado que: “O A., por vezes, trabalhava fora do horário de trabalho estipulado no contrato de trabalho (resposta ao quesito 12º).”; [o negrito e o sublinhado é nosso];
E. Pelo que, em bom rigor, acabar um jantar seguido de uma ida a um bar, na continuação daquele social já iniciado, às 23h00, às 24h00 ou às 04h00, o trabalhador geria o seu horário de acordo com as necessidades do seu serviço e segundo o alto conceito e interesse incutido pela EP;
F. Eventos sociais estes, só possíveis de serem concretizados em horários fora das atividades laborais, quer do Delegado de Informação Médico, quer dos próprios Médicos/Farmacêuticos e em locais propícios à confraternização!... – tudo conforme se alcança dos testemunha, supra melhor transcritos, Sr. P.., Ó.., A.. e S..;
G. Na verdade, não há qualquer reparo a fazer à matéria de facto dada como provada, à exceção do ponto 47, erradamente julgada, do qual expressamente se recorre, por não concordar que “No final do jantar, cerca das 00.10h, e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora o Autor entendeu dirigir-se a um bar em Espanha -"Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.. (resposta ao quesito 48º). “ [o negrito e o sublinhado é nosso];
H. Assim como, mal andou o Tribunal a quo, quando afirma que“… o A. atuou por sua livre iniciativa e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora, ausentando-se, inclusivamente, para fora da área geográfica que lhe estava adstrita.” [o negrito e o sublinhado é nosso]
I. Encontrando-se tal fundamentação, além de erradamente julgada, em plena contradição com o teor do ponto 8 dos factos dados como provados que o trabalhador estava obrigado a fazer deslocações em todo o território nacional e estrangeiro!...
J. Ora, realça-se, se o Recorrente estava obrigado a fazer deslocações fora e dentro do território nacional, e tal resulta como provado na matéria de facto assente, é, salvo o devido respeito, completamente descabido e infundado que, a fundamentação da sentença, afirme que o A. encontrava-se fora da sua área geográfica!...
K. Desde logo, com a devida vénia e salvo douto entendimento, mal andou o Tribunal a quo ao interpretar que a deslocação com clientes, a cerca de 10/15 kms de distância do local onde jantou com esses mesmos clientes e que despois se desloca com estes, na continuação do social/evento e com vista a estreitar relacionamento para aumento e concretização de vendas, esteja fora do território a que lhe estava adstrito, uma vez que, no contrato de trabalho, junto aos autos, consta de forma expressa e inequívoca que Recorrente se encontrava obrigado a efetuar deslocações em todo o território nacional e estrangeiro;
L. Diga-se em abono da verdade que, tal não se passa em nenhuma área comercial, e muito menos na Indústria Farmacêutica, onde ficou bem patente, em sede de audiência e julgamento que, o relacionamento que cada Delegado de Informação Médica cria com os Farmacêuticos e Médicos da sua área de trabalho é crucial para a obtenção de resultados e concretização de vendas.
M. Tendo por outro lado, ficado bem esclarecido e sem margem para dúvidas dos vários testemunhos de profissionais da área da Indústria Farmacêutica, com largos anos de experiência (com mais de vinte e cinco anos) e cujos trechos se encontram supra melhor transcritos, em sede de audiência e discussão de julgamento que, estes jantares em muitas situações são apenas e tão só a «antecâmara» do evento, ou seja, neste caso concreto o evento não foi, nem nunca seria, apenas e tão só o jantar, mas sim todo o convívio e o estreitar do relacionamento com a cliente em questão, no continuar do convívio na noite e em especial no Bar.
N. Tendo sempre e, de forma contínua, todos os custos sido suportados pelo Recorrente, ou seja, quer no jantar, quer no bar foi sempre o Recorrente em nome e representação da 1ª R. que suportou os custos do evento!... – Tudo conforme transcrições de depoimentos supra.
O. Assim o foi entendido pela Testemunha S.., como um ato contínuo e um único evento que, quando questionada a que horas teria terminado o jantar esta não sabe precisar, apenas sabe ter como referência a hora em que iniciou o jantar e a hora em que terminou, no Bar e, após o regresso a casa!...
P. Testemunha esta que de forma isenta e sem qualquer interesse na causa, esclareceu o Tribunal, o decorrer de todo o evento e o acompanhamento do ora Recorrente – tudo conforme se alcança das transcrições do depoimento, supra;
Q. Pelo que, rapidamente se alcança que é desprovido de qualquer razão que um Delegado de Informação Médica enquanto janta com os clientes, encontra-se ao serviço e por conta da sua Entidade Patronal e que na continuação desse relacionamento e evento iniciado naquele mesmo jantar, que a ida a um Bar com esses mesmos clientes, em ato contínuo ao jantar já seja entendido como o tenha efetuado sem o consentimento e/ou conhecimento da sua entidade patronal, por sua conta e risco!...
R. Deixa até, com o devido respeito, incrédulo qualquer cidadão e contra todas as práticas comerciais e de senso comum, não sucedendo desta forma em nenhuma área comercial, e muito menos ao nível da indústria farmacêutica;
S. Pois, como é sabido, o papel do Delegado de Informação Médica tem por base o criar relações de confiança e estreitos relacionamentos com os seus clientes para que estes possam prescrever os seus fármacos – entendimentos que se extraem de forma fidedigna do depoimento das testemunhas P.. e A.., ambos com mais de 25 anos de experiência na Indústria Farmacêutica;
T. Não pode colher provimento a tese promulgada única e exclusivamente pelo chefe direto do aqui Recorrente, a Testemunha J.., trabalhador dependente e subordinado da 1ª R., condicionado por esta em todo o seu testemunho, de que o jantar foi de facto em trabalho mas que a posterior deslocação ao bar já a efetuou a título privado e por sua conta e risco!...
U. Aliás, teoria que cai por terra, quando assume no seu depoimento que «oficialmente» é assim, deixando bem patente que a realidade dos factos é outra bem diferente!...
V. E esta é, e sempre foi, a verdadeira questão: OFICIALMENTE!...
W. Mas, em abono da verdade, e em prol da JUSTIÇA, não pode este Tribunal corroborar com versões OFICIAIS, mas que não correspondem à verdade dos factos!...
X. A verdade é que ao minuto 32:00 do seu depoimento a testemunha J.. deixa explícito que não foi acionado o seguro ao trabalhador porque: “A fatura é só do jantar não há nenhuma fatura de bar porque não é aprovada naturalmente, nem pode!...”
Y. Além de que tal necessidade de consentimento e conhecimento, encontra-se aprovada automaticamente com a aprovação do jantar, pois em abono da verdade o jantar seguido de uma ida a um Bar com os mesmos clientes é um ÚNICO EVENTO, UM ÚNICO SOCIAL E NÃO DUAS SITUAÇÕES DISTINTAS como de forma deturpada tentou, unicamente, a testemunha J.. fazer crer ao Tribunal à quo;
Z. Pois, dúvidas não restam, que não só o seu chefe direto e, consequentemente a 1ª R., sabiam, como o consentiram de forma expressa e inequívoca!...
AA. Por outro lado, é por demais evidente que, salvo douto entendimento, o depoimento do Sr. J.., chefe direto à data do acidente de viação, e ainda trabalhador subordinado da 1ª R., faltou à verdade, no seu depoimento quando afirma que o Recorrente não tinha consentimento para a deslocação ao tão mencionado Bar, onde foi, realce-se sempre, na companhia dos clientes e na continuação do evento social que tinha iniciado com um jantar no Restaurante Gôndola, em Bragança;
BB. Aliás, o seu testemunho vai contra todos os depoimentos supra, pelo que, haja o mínimo de dignidade e de bom senso, não podendo as testemunhas terem credibilidades para a maior parte do seu depoimento e no, tão só, ao tocante da autorização para a deslocação ao Bar em particular, ter sido dado credibilidade ao depoimento que contrariou tudo o mais dito pelas demais testemunhas.
CC. Por outro lado, realça-se que aquando da leitura da matéria de facto assente, em 25 de Novembro de 2014 e com referência ao documento 176701184, a fls… dos autos, na sua folha nr. 6, último parágrafo o Tribunal à quo afirma que: “- As respostas aos quesitos 13º, 14º, 15º, 34º, 39º, 47º fundaram-se nos depoimentos das testemunhas S.. (…) J.. e A.. (…) e no depoimento da testemunha J..…” – já com termino na folha 7 do supra referido documento;
DD. Porém, ouvido o testemunho do supra mencionado J.., o mesmo apenas e tão só foi indicado para resposta aos quesitos 35º, 36º, 38º, 39º, 41º e 44º - conforme se pode verificar ao minuto - 01:56 ao 02:15 – sendo que, desde logo se alcança que o único quesito a que esta testemunha poderia ser tida em conta foi ao quesito 39º, ou seja: «O referido jantar ocorreu no restaurante “A Gôndola”, em Bragança?» e nunca extrapolar o seu depoimento para a questão que dá como improcedente a presente ação.
EE. Pelo que, tal testemunha não foi indicado ao quesito sobre a questão do consentimento e/ou do conhecimento, ou seja, não está indicado ao quesito 48 da Base Instrutória e ponto 47 da matéria dada como provada, na qual consta que “No final do jantar, cerca das 00.10h, e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora o Autor entendeu dirigir-se a um bar em Espanha -"Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.. (resposta ao quesito 48º). “ [o negrito e o sublinhado é nosso];
FF. Sendo que, as demais testemunhas provam, em testemunho sério e credível tudo o alegado pelo Recorrente, sendo que, apenas poderá ter como consequência a procedência integral da ação, por provados os factos alegados pelo Recorrente, dando-se como provado que:
a. O Recorrente teve o acidente de viação e, consequentemente, em trabalho, na madrugada do dia 1 de Maio de 2009, quando regressava à sua residência de um evento social com clientes, em prol e por conta da sua Entidade Patronal e 1ª R., mormente, após jantar com esses clientes, em Bragança e, posterior deslocação, em trabalho e com esses mesmos clientes ao Bar Lisboa, em Espanha – mais precisamente perto da fronteira com Bragança;
GG. Ocorrendo tal acidente no itinerário e percurso que o Recorrente, obrigatoriamente, teria de fazer para regressar à sua residência.
HH. Além de que em abono da verdade, o trajeto em que o Recorrente se encontrava obrigado a fazer, era dentro do território nacional e como tal, o Recorrente encontrava-se dentro do trajeto normal para o regresso a casa, o qual foi muito perto de Bragança, e dentro da zona de trabalho que lhe estava atribuída.
II. Aliás, tudo como resulta provado, além do mais pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente, nomeadamente, pela Testemunha S.., J.., P.., Ó.., A.., S.. e demais testemunhas, o Recorrente sofreu um acidente de viação e de trabalho, por volta das 04h30 e as 05h00 da madrugada, quando regressava de um Bar em Espanha, Bar Lisboa, após se ter despedido dos clientes, com quem jantou no Restaurante Gôndola em Bragança e que na continuação do evento social, que tinha agendado e prévia aprovação da 1ª R. e da chefia direto, se deslocou e permaneceu na companhia e convívio de tais clientes no referido Bar Lisboa;
JJ. Pelo que, dúvidas não restam que, na noite de 30 de Abril para 1 de Maio de 2009, das 20H30 ate às 04H30/5H00 – hora do acidente, o Recorrente esteve sempre de forma contínua e ininterrupta a trabalhar por conta e em prol da sua entidade patronal, aqui Recorrida e 1ª R.;
KK. Sendo que, a sentença recorrida viola o disposto o disposto no art. 6º da LAT, ao não caracterizar o acidente in itinere e desta feita com violação do disposto no art. 6º do RLAT e do nr. 5 do art. 607º do CPC, ao apreciar de forma errónea a prova produzida em sede de audiência e julgamento.
LL. Que, salvo o devido respeito, houve errónea interpretação do tribunal à quo, cuja decisão deve ser revogada e substituída por outra que considere procedente, por provado, o peticionado pelo Recorrente, e em consequência:
a. Seja alterado o teor do ponto 47 da matéria dada como provada para:
i. No final do jantar, cerca das 00.10h, e com o conhecimento e consentimento da Empregadora, o Autor dirigiu-se a um bar em Espanha -"Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.., com quem permaneceu, em trabalho, por conta e ao serviço da 1ª R; Aliás, à semelhança de anteriores eventos sociais, já realizados e aprovados pela Entidade Patronal, com idas aquele bar em concreto!...
b. Seja considerado que o Recorrente – trabalhador - encontrava-se dentro da sua área geográfica de trabalho, a agir e atual no interesse e por conta da Entidade Patronal e o que o acidente ocorreu no trajeto de regresso a casa e como tal ser o mesmo caracterizado como in itinere, nos termos e ao abrigo do disposto na LAT e no RLAT;
..– COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, Recorrida, contra-alegou pugnando pela integral manutenção da sentença e pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé.
R.., LDA., Recorrida, contra-alegou sustentando a confirmação da sentença e pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé.

Ambas sustentam o seu pedido na seguinte conclusão:
As contradições do Autor no seu depoimento de parte, em confronto com o alegado na p.i. levam a concluir que o A. fez um uso indevido dos meios judiciais, de forma consciente, pelo que se requer a V. Ex.ª que, analisados os factos alegados, os depoimentos e os documentos juntos aos autos, seja o A. condenado como litigante de má-fé, nos termos do artigo 542º do CPC, no pagamento de uma multa severa e, ainda, no pagamento à ora R. de uma indemnização de valor não inferior a 6.000,00€.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer de acordo com o qual a apelação deve improceder.
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Exaramos, abaixo, um breve resumo dos autos para cabal compreensão.
A.. intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra R.., Lda. e .. - Companhia de Seguros, S.A., pedindo que as mesmas sejam condenadas a pagar ao A:
a) Uma pensão anual e vitalícia de €33.206,42;
b) Uma indemnização por incapacidade temporária desde a data do acidente até à data da alta médica, perfazendo até ao momento a quantia de €90.489,2573,50;
c) Todas as despesas médicas e medicamentosas desde a data do acidente, o que até à presente data ascende ao montante de €3.300,74;
d) O valor de €450,00/mês de prestação suplementar para assistência de 3ª pessoa;
e) O valor de €5.400,00 a título de subsídio de elevada incapacidade.
Alegou para tanto e em síntese que sofreu um acidente de viação quando regressava à sua residência após um jantar de trabalho com clientes da 1ª Ré; que em consequência desse acidente sofreu lesões que lhe determinaram incapacidade temporária e permanente para o trabalho; que trabalhava sob as ordens direção e fiscalização da 1ª R., mediante o salário mensal de €2.598,18 acrescido de subsídio de alimentação diário de €15,45 e de prémios no valor médio anual de €3.000,00, com a categoria profissional de delegado de informação médica e que efetuou despesas médicas e medicamentosas para tratamento das lesões que sofreu.
Por não se conformar com o resultado do exame médico singular, requereu o A. a realização de exame por junta médica.
Ambas as RR. contestaram, as quais impugnaram, no essencial, os factos alegados pelo A., sustentando que o acidente de viação não ocorreu no trajeto que deveria ter sido efetuado normalmente pelo sinistrado entre o local onde ocorreu o jantar de trabalho e a sua residência, mas, antes, quando o A. regressava de Espanha, na companhia de um amigo, onde havia estado a “beber uns copos” e que o acidente se deveu a negligência grosseira do A., pelo que sempre estaria descaracterizado como acidente de trabalho. A R. empregadora impugnou também a retribuição de base, alegando que os prémios por objetivos não devem integrar o seu cálculo.
A R. seguradora requereu, ainda, a realização e exame por junta médica.
O A. respondeu às contestações, mantendo a posição assumida na petição inicial.
Foi citada a segurança social, na sequência do que veio o ISS – Instituto da Segurança Social, IP aos autos reclamar o reembolso das quantias pagas ao sinistrado a título de subsídio por doença referente aos períodos de incapacidade para o trabalho, no montante global de €2.006,11, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
Apenas a R. seguradora deduziu oposição a tal pedido, pugnando pela sua improcedência.
Autuado por apenso o incidente para fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado e realizadas os exames de junta médica das especialidades de neurocirurgia e ortopedia, foi proferida decisão que fixou a natureza e grau de incapacidade.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou improcedente, por não provada a ação, tendo as RR sido absolvidas dos pedidos.
***
Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
2ª – O A. sofreu um acidente in itinere?
***
Iniciemos, então, a discussão, pela 1ª questão que elencámos – o erro de julgamento da matéria de facto.
O A. centra a sua discordância no ponto 47 da matéria de facto.
É o seguinte o teor de tal ponto:
47- No final do jantar, cerca das 00.10h, e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora o Autor entendeu dirigir-se a um bar em Espanha - "Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.. (resposta ao quesito 48º).
São três as ordens de razão para a impugnação.
Em primeiro lugar, afirma o Recrte. que tal factualidade é contraditória com quanto se consignou no ponto 8 da matéria de facto e, se bem entendemos, com quanto consta da fundamentação.
No ponto 8 consignou-se que no exercício das suas funções, o aqui A. estava “… obrigado a efetuar deslocações em todo o território nacional e estrangeiro…”. E, na fundamentação ponderou-se que … o A. atuou por sua livre iniciativa e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora, ausentando-se, inclusivamente, para fora da área geográfica que lhe estava adstrita.”
Não obstante o esforço que colocámos na interpretação da tese defendida pelo Recrte., não vislumbramos em que é que a matéria consignada no ponto 47 possa estar em contradição quer com a demais factualidade, quer com a fundamentação jurídica, designadamente na parte assinalada.
Por outro lado, também o Recrte. se insurge contra a circunstância de o depoimento da testemunha J.. ter sido considerado para fundamentar a resposta ínsita no ponto 47º, na medida em que tal testemunha não fora indicada ao quesito ali em apreciação.
Como é sabido, o Tribunal não está vinculado a adquirir prova apenas e tão só com referência ao concreto depoimento indicado para um determinado quesito. Vigora o princípio da plenitude na aquisição, pelo que, desde que fundada em meios de prova constantes do processo, a decisão pode ter na sua base qualquer desses meios de prova. Isto mesmo resulta de quanto se dispõe no Artº 413º do CPC segundo o qual o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las… Ao que acresce a apreciação livre das provas consignada no Artº 607º/5 do CPC.
Por último, e fundando-se nos depoimentos proferidos por S.., J.., P.., Ó.., A.., S.. e outras, pretende o Recrte. que se dê como provado que “No final do jantar, cerca das 00.10h, e com o conhecimento e consentimento da Empregadora, o Autor dirigiu-se a um bar em Espanha -"Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.., com quem permaneceu, em trabalho, por conta e ao serviço da 1ª R.
Indagava-se no quesito 48º, cuja resposta veio a integrar o ponto 47º da matéria de facto:
No final do jantar, cerca das 00.10h, e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora o Autor entendeu dirigir-se a um bar em Espanha - "Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J..?
A esta matéria o Tribunal pode responder provado ou não provado, ou, então, dar uma resposta restritiva (provado apenas). O que certamente não poderá é inverter o sentido do quesito que é, afinal, quanto pretende o Recrte. quando propõe que se responda que atuou com o conhecimento e consentimento da empregadora. Além de que não poderá também alargar o sentido da resposta, ali consignando matéria que não integrava o quesito respondido, como ocorreria se se viesse a adicionar o segmento do qual consta que o A. permaneceu no bar em trabalho, por conta e ao serviço da R..
Quer uma, quer outra das respostas são inadmissíveis, por violarem o princípio da aquisição processual.
Na verdade, cabe às partes alegar os factos essenciais que constituam a causa de pedir (Artº 5º/1 do CPC), sendo que a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (Artº 410).
Ora, não se vê que a base instrutória que serviu de mote ao julgamento contenha aquela factualidade.
O que o A. alegou e foi levado à base instrutória foi apenas e tão só que regressava de um jantar com clientes quando ocorreu o acidente, matéria que foi respondida e relativamente à qual o mesmo não se insurge.
Razão pela qual, estando vedado ao julgador responder conforme propugnado, falece a impugnação da decisão que incidiu sobre matéria de facto, sendo absolutamente despiciendo reapreciar a prova dado que a reapreciação se traduziria em ato inútil, cuja prática está vedada (Artº 130º do CPC).
***
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. Com relevo para a decisão da causa estão provados os seguintes factos:
Dos factos assentes
1- O aqui A. foi trabalhador da 1ª R., tendo laborado por conta e sob orientações da mesma como Delegado de Informação Médica (al. A).
2- No dia 1 de Maio de 2009, o aqui A. sofreu um acidente de viação (al. B).
3- O A. nasceu em 18/12/1974 (al. C).
4- O A. requereu e foi-lhe concedida uma pensão por invalidez com efeitos a 23/04/2012, em consequência de incapacidade permanente para o exercício da sua profissão resultante de acidente de viação, tendo-lhe sido pago a tal título pelo ISS a quantia de € 2.006,11 até 31/12/2012 (al. D).
5- A 1ª R. não comunicou à seguradora, aqui 2ª R. o acidente sofrido pelo A. em 1/05/2009 (al. E).
6- No exercício da sua atividade comercial, a 2ª R. celebrou com a sociedade "R.., Lda." o contrato de seguro, do ramo Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice n.º 301647, pelo qual esta transferiu a sua responsabilidade relativa a acidentes de trabalho ocorridos com o seu pessoal, responsabilidade que, relativamente ao A., se encontrava transferida, à data do acidente, pelo salário de (€2.149,47 x 14) + (€15,45 x 22 x 11) + (€5,81 x 14) [al. F].
Das respostas à Base instrutória
7- O A. foi contratado pela 1ª R. em 2 de Janeiro de 2002 (resposta ao quesito 1º).
8- No exercício das suas funções, o aqui A. estava “… obrigado a efetuar deslocações em todo o território nacional e estrangeiro…” (resposta ao quesito 2º).
9- Efetuava visita a médicos e farmacêuticos, com vista à promoção dos medicamentos comercializados pela aqui 1ª R. e mediante a atribuição de uma zona de trabalho, sendo esta, no ano de 2009, a zona de Trás-os-Montes (distrito de Bragança e concelhos de Chaves, Boticas, Montalegre, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar) [resposta aos quesitos 3º e 31º].
10- O A. exercia a sua atividade durante os 5 dias úteis da semana, de segunda a sexta-feira, tendo sido acordado no contrato de trabalho o horário das 9h00 às 19h00, com intervalo de almoço das 13h00 às 15h00 (resposta ao quesito 4º).
11- À data do acidente, em 01 de Maio de 2009, o aqui A., auferia um vencimento de base de €2.149,47 (dois mil cento e quarenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos), acrescido de uma diuturnidade no valor de €5,81 (cinco euros e oitenta e um cêntimos) [resposta aos quesitos 5º e 33º].
12- Acrescido do subsídio de refeição, à razão diária de €15,45 (quinze euros e quarenta e cinco cêntimos) [resposta aos quesitos 6º e 33º].
13- Entre Abril de 2008 e Abril de 2009, o A. auferiu, ainda, as seguintes quantias a título de prémios por cumprimento de objetivos:
- Sob a designação de prémio trimestral
• Abril de 2008 - €675,18
• Julho de 2008 - €988,94
• Setembro de 2008 - €645,77
• Janeiro de 2009 - €1.887,91
• Abril de 2009 - €253,06
- Sob a designação de prémio mensal
• Julho de 2008 - €450,00
• Setembro de 2008 - €450,00
• Outubro de 2008 - €450,00
• Novembro de 2008 - €450,00
• Fevereiro de 2009 - €900,00
• Março de 2009 - €253,06 (resposta aos quesitos 7º e 33º).
14- Com vista a estabelecer um relacionamento mais estreito, quer com médicos, quer com farmacêuticos, no desempenho da sua atividade e por determinação da R. empregadora, o A., à semelhança dos demais colegas de profissão, promovia contactos de carácter social com profissionais ligados à área da saúde, designadamente, médicos e farmacêuticos, contactos sociais esses que podiam incluir a tomada de refeições, designadamente, jantares (resposta aos quesitos 8º e 46º).
15- Os jantares, em regra, ocorriam fora do horário laboral (resposta ao quesito 9º).
16- E por esta (1ª R) pagos, na íntegra ao trabalhador, aqui A. (resposta ao quesito 10º).
17- Na prática e em regra, os Delegados de Informação Médica não observavam estritamente o horário de trabalho, gerindo-o de acordo com as necessidades do seu serviço (resposta ao quesito 11º).
18- O A., por vezes, trabalhava fora do horário de trabalho estipulado no contrato de trabalho (resposta ao quesito 12º).
19- Horas antes do acidente o A. havia estado a jantar com uma cliente farmacêutica e com o marido desta, jantar esse que terminou cerca das 00h10 do dia 1/05/2009 (resposta ao quesito 13º).
20- Que ocorreu no interesse, benefício e por conta da Entidade Patronal (resposta ao quesito 14º).
21- Que, aliás, suportou os seus custos respetivos, ou seja: pagou ao trabalhador o valor do mesmo jantar (resposta ao quesito 15º).
22- Por causa direta do acidente o aqui A. sofreu ferimentos muito graves (resposta ao quesito 16º).
23- O sinistrado tem sido vigiado em várias consultas da especialidade, mormente nas consultas da Dor, de Neurologia, de Ortopedia, Fisiatria, de forma regular e periódica (resposta ao quesito 17º).
24- Pelo menos desde Setembro de 2009, é acompanhado em sessões de fisioterapia, no mínimo 3 vezes por semana, na F.., Lda., por causa das sequelas resultantes do acidente (resposta ao quesito 18º).
25- Cujas sessões são liquidadas por si, sendo a taxa moderadora de cerca €10,00 (dez euros) por cada sessão, pagando o A., por semana, a suas expensas, o montante de €30,00 (trinta euros), para sessões de fisioterapia (resposta ao quesito 19º).
26- Atualmente faz a seguinte medicação:
A) Tramadol 150 – analgésico forte para as dores;
B) Voltaren Rapid – analgésico e anti-inflamatório;
C) Medipax 15 "clorazepato dipotássico"
D) ADT 25;
E) Glucosamina – contractura muscular;
F) Lorazepan
G) Paroxetina 20 – antidepressivo;
H) Magnesona – magnésio para reforço ósseo e como preventivo de câmbrias e contração muscular;
I) Lyrica 75 MG – Indicado para a epilepsia e dor neuropática
J) Relmus – dor muscular
K) Dermofix – pensos para alívio da dor local;
L) Ibuprofen – anti-inflamatório e analgésico (resposta ao quesito 20º).
27- O A. tem dificuldade de locomoção na via pública ou no acesso a transportes públicos e aptidão para condução com restrições (resposta ao quesito 21º).
28- Um dos trabalhadores da EP, no caso, o Chefe Regional de Vendas (CRV), superior hierárquico do trabalhador, no dia 2/05/2009, comunicou aos demais elementos da equipa que o A. havia sofrido um grave acidente de viação na madrugada de sexta-feira (resposta ao quesito 22º).
29- O tem uma filha menor – B.., a quem presta alimentos (resposta ao quesito 24º).
30- Com despesas de saúde, no ano de 2009, o aqui A. despendeu a quantia de €1.031,07 (mil e trinta e um euros e sete cêntimos) [resposta ao quesito 25º].
31- Com despesas de saúde, no ano de 2010, o aqui A. despendeu a quantia de €708,89 (setecentos e oito euros e oitenta e nove cêntimos) [resposta ao quesito 26º].
32- No ano de 2011, o aqui A. despendeu a quantia de € 360,78 (trezentos e sessenta euros e setenta e oito cêntimos) [resposta ao quesito 27º].
33- No ano de 2012, só em sessões de fisioterapia o aqui A. já despendeu mais de €1.200,00 (mil e duzentos euros) [resposta ao quesito 28º].
34- No desempenho das suas funções de Delegado de Informação Médica, o A. tinha, como tinham os outros Delegados de Informação Médica, total liberdade na gestão do seu horário, cujo cumprimento não era controlado pela R.. (resposta ao quesito 32º).
35- Da fatura do jantar com funcionários da "Farmácia .." de Carrazeda de Ansiães consta como hora e data de emissão as 00:10 do dia 30/04/2009, por erro informático da registadora (resposta ao quesito 34º).
36- O acidente de viação sofrido pelo A. ocorreu entre as 4h30 e as 5h00 da madrugada de 1 de Maio de 2009 (resposta aos quesitos 35º e 51º).
37- O A. circulava acompanhado de outra pessoa que não participou no jantar que a R.. pagou (resposta ao quesito 36º).
38- A propriedade do veículo em que o A. circulava no momento do acidente encontrava-se registada em nome da sua mãe (resposta ao quesito 37º).
39- O A. seguia no Km 224 do IP4, em sentido N/S, tratando-se do sentido Espanha/Portugal (resposta aos quesitos 38º e 51º).
40- O referido jantar ocorreu no restaurante "A Gôndola", em Bragança (resposta ao quesito 39º).
41- E para fazer o trajeto entre o restaurante "A Gôndola" e a Av. .., morada do A. à data do acidente, em automóvel, demora-se 7 minutos e não se passa pelo IP4, onde ocorreu o acidente (resposta ao quesito 40º).
42- O A. sofreu o acidente de viação quando se encontrava a regressar de Espanha, de um bar, acompanhado de um amigo, de nome L.., que encontrou nesse bar (resposta aos quesitos 41º e 52º).
43- Em 28 de Maio de 2009 o A. apresentou, à R.., Certificado de Incapacidade Temporária (CIT), referente ao período compreendido entre 11 de Maio de 2009 e 22 de Maio de 2009, do qual constava assinalado como motivo "doença direta" (resposta ao quesito 42º).
44- Tendo, sucessivamente, até à data de cessação do respetivo contrato de trabalho - 18 de Novembro de 2010 apresentado documentos daquela natureza (resposta ao quesito 43º).
45- O A. circulava acompanhado de um amigo, que não tem qualquer relação com a R.. ou com a Farmácia .. (resposta aos quesitos 44º e 52º).
46- Por essa razão, no dia 30 de Abril de 2009, o Autor tinha combinou um jantar com a proprietária da Farmácia.., Dr.ª S.., jantar que se realizou no restaurante Gôndola, sita em Bragança e no qual participaram, além do A. e da referida farmacêutica, o marido desta, J.. (resposta ao quesito 47º).
47- No final do jantar, cerca das 00.10h, e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora o Autor entendeu dirigir-se a um bar em Espanha - "Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.. (resposta ao quesito 48º).
48- E aí permaneceu até cerca das 04.00h (resposta ao quesito 49º).
49- Nesse bar o Autor encontrou um amigo, L.., a quem deu boleia de regresso a Bragança (resposta ao quesito 50º).
50- O acidente de viação ocorreu quando o A. conduzia o veículo ..-BF-.. (resposta ao quesito 51º).
51- No local do sinistro a estrada tinha dois sentidos de trânsito, com duas vias no sentido Bragança-Espanha e uma via no sentido Espanha-Bragança, separadas entre si por linha longitudinal contínua, destinando-se cada uma delas ao trânsito de veículos em um dos sentidos (resposta ao quesito 53º).
52- No local do sinistro a via configura uma curva à direita atento o sentido de trânsito Espanha-Bragança (resposta ao quesito 54º).
53- O piso é asfaltado e, à data do sinistro, encontrava-se em bom estado de conservação e seco (resposta ao quesito 55º).
54- A velocidade máxima instantânea encontra-se limitada a 90 kms/h (resposta ao quesito 56º).
55- Nas circunstâncias de tempo e lugar indicados, o veiculo ..-BF-.., conduzido pelo Autor seguia no IP4, no sentido Espanha-Bragança (resposta ao quesito 57º).
56- Ao acercar-se do local onde veio a ocorrer o sinistro, ao descrever uma curva à direita atento o seu sentido de marcha, o condutor do veículo BF perdeu o seu controlo (resposta ao quesito 60º).
57- Atravessou obliquamente a hemiataxia de rodagem por onde circulava (resposta ao quesito 61º).
58- Passou o eixo da via e invadiu a faixa de rodagem destinada à circulação em sentido contrário, atravessando as duas vias (resposta ao quesito 62º).
59- E veio a embater violentamente nas guardas metálicas de proteção aí existentes (resposta ao quesito 63º).
60- Após o embate o veículo BF veio a imobilizar-se a cerca de 65 metros do local do mesmo (resposta ao quesito 64º).
61- O condutor do BF, ora Autor, perdeu o controlo do seu veículo e entrou em despiste sem a intervenção de qualquer outro veículo (resposta ao quesito 65º).
62- Na data da ocorrência do acidente, ao ser submetido ao teste de alcoolemia, o Autor acusou a taxa positiva de 0,37 g/l no sangue (resposta ao quesito 66º).
Da ampliação do pedido formulado pelo ISS, IP no início da audiência de julgamento
63- A título de pensão provisória de invalidez por limite de baixa pagou o ISS, IP ao A. a quantia de €4.910,65 entre 1/1/2013 e 30/09/2014, sendo o valor atual da pensão de €199,53.
Da decisão proferida no apenso para fixação da incapacidade
64- No apenso A. e nos termos do art. 140º nº 2 do Cód. Proc. Trabalho, foram fixados ao A., A..:
- Um período de incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho desde a data do acidente até 30/04/2010;
- Uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 16,875% desde 30/04/2010.
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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
Detenhamo-nos, agora, sobre a 2ª questão, a saber, se os factos configuram um acidente in itinere.
Pretende o Recrte que se encontrava dentro da sua área geográfica de trabalho, a agir e atuar no interesse e por conta da Entidade Patronal, pelo que o acidente ocorreu no trajeto de regresso a casa e como tal deve ser caracterizado como in itinere, nos termos e ao abrigo do disposto na LAT e no RLAT.
O acidente ocorreu em Maio de 2009, pelo que é aplicável a Lei 100/97 de 13/09 e o DL 143/99 de 30/04.
De acordo com o disposto no Artº 6º/2-a) da Lei considera-se também acidente de trabalho o ocorrido no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho.
A questão que importa dirimir é se o Recrte. regressava do local de trabalho, considerado este de modo abrangente já que, reconhecidamente e dada a especificidade das funções exercidas pelo A., o seu local de trabalho não se esgotava num específico local, antes se espraiando por uma área geográfica alargada.
Esta situação é, aliás, também pressuposta pela aplicação do regime legal de proteção que consignou que se entende por local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador (Artº 6º/3).
Caberá, assim, ao Recrte. convencer que regressava do seu local de trabalho, interpretado este com a amplitude decorrente do conceito legal (Artº 342º/1 do CC).
Por outro lado entende-se por tempo de trabalho aquele que se seguir ao período normal de laboração, em atos com ele relacionados… (nº 4).
Alegava o A. que regressava de um jantar com clientes quando sofreu o acidente.
Não foi, contudo, esta a realidade que a prova revelou.
No caso concreto provou-se que no exercício das suas funções, o A. estava “… obrigado a efetuar deslocações em todo o território nacional e estrangeiro…”, efetuando visitas a médicos e farmacêuticos, com vista à promoção dos medicamentos comercializados pela 1ª R..
Tinha atribuída uma zona de trabalho, que, no ano de 2009, era a zona de Trás-os-Montes (distrito de Bragança e concelhos de Chaves, Boticas, Montalegre, Valpaços e Vila Pouca de Aguiar).
Com vista a estabelecer um relacionamento mais estreito, quer com médicos, quer com farmacêuticos, no desempenho da sua atividade e por determinação da R. empregadora, o A., à semelhança dos demais colegas de profissão, promovia contactos de carácter social com profissionais ligados à área da saúde, designadamente, médicos e farmacêuticos.
Horas antes do acidente o A. tinha estado a jantar com uma cliente farmacêutica e com o marido desta, em Bragança, jantar esse que terminou cerca das 00h10 do dia 1/05/2009 e que ocorreu no interesse, benefício e por conta da Entidade Patronal que suportou os respetivos custos.
Contudo, no momento do acidente, por volta das 4h da madrugada, o A. regressava de Espanha.
Esclareceu o Artº 6º/2 do DL 143/99 que na alínea a) do nº 2 do Artº 6º estão compreendidos os acidentes que se verifiquem no trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho ou entre o local onde, por determinação da entidade empregadora presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual (alíneas a) e b)).
Na génese da extensão do conceito aos acidentes in itinere esteve, conforme bem elucida Júlio Manuel Vieira Gomes, ou a ideia de risco de autoridade – defendeu-se que, em determinadas situações, subsistia a situação de dependência ou subordinação do trabalhador – ou a ideia de risco profissional – o acidente é tido como resultado de um risco ocorrido por força do trabalho, porquanto o trabalhador se exporá ao risco em maior grau do que a generalidade das pessoas (O Acidente de Trabalho, Coimbra Editora, 162 e ss.). É a ideia de risco específico ou genérico agravado.
Acautelam-se, agora, dadas as significativas modificações impostas à lei, situações que estão completamente fora do alcance do poder do empregador e, por outro lado, também situações em que não se pode falar de agravamento do risco. Pode, contudo, assentar-se na ideia de que são tutelados os trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo normalmente gasto pelo trabalhador entre a sua residência e as instalações que constituem o seu local de trabalho, no sentido de trajetos razoáveis e num segmento temporal próximo – no que para aqui relava – da hora de saída do trabalho para o concreto trabalhador.
Assim, o trajeto tutelado é “aquele que o trabalhador empreende ao sair da sua residência habitual ou ocasional com a intenção de se deslocar para o seu local de trabalho…” (idem, pg. 177) ou vice-versa.
Na situação que nos ocupa, veio a provar-se que no momento do acidente o A. seguia no Km 224 do IP4, em sentido N/S, tratando-se do sentido Espanha/Portugal.
Porém, o referido jantar ocorreu no restaurante "A Gôndola", em Bragança. E para fazer o trajeto entre o restaurante "A Gôndola" e a Av.., morada do A. à data do acidente, em automóvel, demora-se 7 minutos e não se passa pelo IP4, onde ocorreu o acidente.
O A. sofreu o acidente de viação quando se encontrava a regressar de Espanha, de um bar, acompanhado de um amigo.
Na verdade, no final do jantar acima referido, cerca das 00.10h, e sem o conhecimento e/ou consentimento da Empregadora o Autor entendeu dirigir-se a um bar em Espanha - "Bar Lisboa", juntamente com os referidos S.. e J.. e aí permaneceu até cerca das 04.00h.
Revelam, assim, os autos que o A. regressava de Espanha. Mas não revelam, sequer, que regressasse à sua residência. E, mais importante, revelam que o A. regressava já não do jantar promocional, mas sim de uma extensão realizada a tal jantar, extensão esta não abrangida pelo conceito de trabalho a que o A. estava vinculado. Uma extensão que ocorreu por sua conta e risco – o A. já não regressava do lugar onde tinha tido que se dirigir e em que estava sujeito ao controlo do empregador. E nem sequer se pode dizer que regressasse num horário intimamente relacionado com a prestação. O A. regressava de um bar onde tinha ido sem conhecimento e consentimento da empregadora.
Ora, no âmbito de proteção conferido aos acidentes in itinere cabe apenas e tão só o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador.
Na situação que nos ocupa, não só o trajeto seguido não se pode considerar como o normalmente utilizado, como também o regresso não se fazia dentro do período protegido, pois para a morada do A. à data do acidente, em automóvel, demora-se, desde o local do restaurante, 7 minutos e não se passa pelo IP4, onde ocorreu o acidente.
No âmbito das funções exercidas pelo Recrte. cabia – como coube – o jantar promocional.
Não se provou que, para além do jantar, ainda a deslocação ao bar, em Espanha, coubesse nas atividades a que o A. estava vinculado, pelo que não poderemos concluir que, ao regressar destas – repete-se, sem se saber para onde – o A. circulava pelo seu trajeto normal e durante o período legalmente tido como suportável para a deslocação.
Não poderemos deixar de salientar que apenas são admitidos afastamentos ao trajeto quando em presença de interrupções ou desvios determinados pela necessidade de satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador ou por motivo de força maior ou caso fortuito (Artº 6º/3 do DL 143/99), circunstâncias também não evidenciadas.
Sufragamos, pois, a sentença quando ali se pondera que “o evento combinado era um jantar e, ao deslocar-se para um bar sito em Espanha após esse jantar, ainda que juntamente com a cliente da R. e o marido desta, o A. atuou por sua livre iniciativa e sem o conhecimento e/ou consentimento da sua empregadora… Assim, a deslocação para o bar sito em Espanha extravasa a missão de que o A. estava incumbido pela R. empregadora, o que não permite, salvo melhor entendimento, presumir que o A. ainda se encontrava no exercício da sua função e sob o controlo, ainda que indireto, da R. empregadora ou que esta tivesse determinado expressa ou tacitamente a deslocação do A. para aquele local.” Daí que a factualidade apurada não seja “suscetível de enquadramento em qualquer uma das hipótese estabelecidas no art.º. 6º nº 2 al. a) da LAT e no art.º. 6º nºs 2 e 3 do RLAT, na medida em que não logrou o A. demonstrar que o acidente de viação que sofreu em 1/5/2009 ocorreu no trajeto normalmente efetuado e no tempo normalmente gasto no regresso do seu local de trabalho, entendido no sentido amplo supra explicitado ou de local onde se encontrava por determinação da sua empregadora.”
***
Pretendem as RR. que o A. seja condenado como litigante de má-fé.
Contudo, o seu pedido vem alicerçado, não em conduta ocorrida nos autos apenas após a interposição do recurso, mas sim na conduta perpetrada pelo A. antes da propositura da ação e na propositura .
Trata-se, assim, de matéria que a R. deveria ter colocado á apreciação da 1ª instância.
Nestes termos, não conhecemos do pedido em referência.
***
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recrte..
Notifique.
Guimarães, 09/07/2015
Manuela Bento Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga