Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
314/14.2T8BGC-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
RENÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) É passível de conhecimento oficioso a prescrição dos créditos da segurança social reclamados numa execução cível;

2) O pedido de pagamento em prestações de uma dívida prescrita, traduz uma renúncia implícita à prescrição.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, em que é exequente “G. Renting, S.A.” e executada Maria foram reclamados os seguintes créditos:

1) Pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.”, no valor global de €21.805,89, alegando gozar de privilégio mobiliário geral e imobiliário, sendo:
a) €18.214,69 de contribuições;
b) €3.591,2, de juros de mora vencidos sobre aquele montante contributivo em dívida.
2) Pelo “Banco X, S.A.”, no valor total de €79.523,7 relativos a três contratos de mútuo, garantidos por hipoteca.
Procederam-se às notificações nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 789º NCPC, não tendo sido deduzida qualquer impugnação.
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Ponderando a possibilidade de parte dos créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, IP estarem prescritos, foi facultado o exercício do contraditório, tendo o ISS, IP, entendido que a prescrição não é de conhecimento oficioso e que, caso assim não fosse, esta não se verificou, dado que foi instaurado processo de execução fiscal que interrompeu a prescrição, em que a executada veio pedir o pagamento da dívida em prestações, o que é fator de suspensivo do prazo de prescrição.
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Foi proferido saneador-sentença onde se decidiu julgar parcialmente procedente a reclamação de créditos apresentada pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e totalmente procedente a reclamação de créditos apresentada pelo “Banco X, S.A.” e, em consequência:

A. Julgar verificada a prescrição dos créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P. relativos aos meses de abril de 2008 a fevereiro de 2011;
B. Julgar verificados os demais créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., relativos aos períodos de janeiro de 1999 a março de 2008 e março de 2011 a fevereiro de 2016, no valor total de €15.248,25, e os reclamados pelo “Banco A, S.A.”;
C. Graduar pela seguinte ordem para serem pagos pelo produto da liquidação de:
I. bens móveis constantes do auto de penhora de 7/2/2015, constante de fls. 17 a 19 dos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
1º - os créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
2º - o crédito exequendo.
II. prédio urbano sito em …, descrito na CRP …, sob o nº … da freguesia de …, inscrito na respetiva matriz predial sob o artº 753 com penhora registada em 2/03/2015:
1º - o crédito reclamado pela “Banco X, S.A.”, no valor de €9.224,94, por conta do contrato de mútuo datado de 24/10/91;
2º - o crédito reclamado pela “Banco X, S.A.”, no valor de €44.033,44, por conta do contrato de mútuo de 5/1/2006;
3º - o crédito reclamado pela “Banco X, S.A.”, no valor de €26.265,32, relativo ao contrato de mútuo de 12/8/2008;
4º - os créditos reconhecidos ao Instituto da Segurança Social, I.P.;
5º o crédito exequendo.
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B) Inconformado com a sentença veio o Instituto da Segurança Social, IP, interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 140).
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C) Nas suas alegações, o apelante, Instituto da Segurança Social, IP, formula as seguintes conclusões:

1. O presente recurso, visa a douta sentença de verificação e graduação de créditos, na medida em que conheceu oficiosamente da prescrição da dívida à Segurança Social e julgou prescrito o período de abril de 2008 a fevereiro de 2011.
2. A executada encontra-se abrangida pelo Centro Distrital de Bragança, onde está inscrita e enquadrada como trabalhadora independente, com o NISS nº ….
3. O ISS, IP, apresentou reclamação de créditos no valor de €21.805,89, sendo €18.214,69 de quantia exequenda e €3.591,20 de juros de mora, referente a contribuições devidas pela executada/reclamada Maria, na qualidade de trabalhadora independente.
4. A reclamação de créditos apresentada pelo ISS, IP, não foi impugnada, quer pelo exequente, quer pela executada.
5. A dívida à Segurança Social goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral, nos termos dos artigos 204º e 205º ambos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (CRC).
6. A regularização da dívida à Segurança Social é feita nos termos do artigo 186º nº 1 do CRC, isto é, por pagamento voluntário, no âmbito da execução cível ou no âmbito da execução fiscal.
7. Com o devido respeito, pela douta decisão a quo, entendemos que o artigo 175º do CPPT, não tem aplicação ao presente processo de execução.
8. Entendemos que a prescrição da dívida à Segurança Social não é de conhecimento oficioso, antes pelo contrario, segue a regra do artigo 303º do Código Civil, isto é, a prescrição necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita.
9. A prescrição da dívida à Segurança Social só consubstancia uma exceção perentória de conhecimento oficioso no âmbito do processo tributário, conforme resulta do artigo 175º do CPPT, isto é, quando executada no âmbito da execução fiscal, e pelo tribunal, caso não o tenha feito o órgão de execução fiscal anteriormente.
10. A Meritíssima Juiz a quo, no momento em quis conhecer da prescrição, não poderia lançar mão, analogicamente, da aplicação do artigo 175º do CPPT, porquanto desconhecia se a dívida, ora reclamada em execução civil, estava ou não executada em execução fiscal.
11. Só após a resposta do ISS, IP, teve, o tribunal a quo, conhecimento de que tinha havido instauração de processo de execução fiscal.
12. Importa distinguir, que o conhecimento da prescrição, opera de modo diferente nas instâncias tributárias/fiscais e nas instâncias cíveis; sendo que, no CPPT vigora a regra de que o conhecimento da prescrição é oficioso, pelo órgão de execução fiscal ou pelo Tribunal, caso o órgão de execução fiscal não o tenha feito, ou seja, é “conditio sine qua non”, a execução da dívida em processo de execução fiscal.
13. Já no processo civil, vigora o princípio do dispositivo e o princípio da preclusão processual, determinando o artigo 303º do Código Civil e o artigo 573º do CPC, que a prescrição carece de ser invocada pela parte a quem dela aproveita e, em momento próprio, com a contestação, como exceção perentória que é, sob pena de ser extemporânea.
14. O artigo 175º do CPPT pressupõe a execução da dívida em sede de execução fiscal, sendo aplicável ao processo e procedimento tributário (artigo 1º do CPPT) e o presente processo é de natureza cível, não tendo por isso, no nosso modesto entendimento, aplicação o citado artigo.
15. Sendo que como já referido anteriormente, a dívida à Segurança Social pode ser regularizada, nos termos do artº 186º do CRC (Código dos Regimes Contributivos), tando em execução civil como em execução fiscal.
16. A prescrição é causa extintiva das obrigações civis ou perfeitas e «consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito quando este se não verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos» (ALMEIDA COSTA in “Direito das Obrigações”, 10ª ed, pp. 1120/21).
17. A sua justificação radica nos valores da segurança jurídica e da certeza do direito por referência à inércia do titular do direito em exercitá-lo, que faz presumir a sua renúncia ou, ao menos, a desnecessidade da sua tutela jurídica, de harmonia com o antigo aforismo “dormientibus non succurrit jus”.
18. Dela resulta para o beneficiário que a invoca com êxito, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artº 304º nº 1, do Código Civil).
19. Note-se que a executada, não impugnou o crédito do ISS, IP, e, bem se compreende, porque pode a executada, enquanto contribuinte da Segurança Social querer pagar a dívida reclamada, e assim, beneficiar desse período para efeitos de carreira contributiva, nomeadamente, para a sua reforma.
20. De harmonia com o disposto no art.º 303º do CC, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, carecendo esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.
21. A prescrição extintiva consubstancia, portanto, uma exceção perentória cujo conhecimento oficioso está vedado ao tribunal (cfr., igualmente, os art.ºs. 576º e 579º “a contrario”, do CPC).
22. Sendo que, caso o Tribunal conheça da prescrição oficiosamente, incorrerá a sentença em nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, por ter, indevidamente, tomado conhecimento da questão da prescrição.
23. O citado art. 615º, nº 1, al. d), do C.P.C. comina a nulidade da sentença“… quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento…”.
Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença que o faça.
24. Ocorre excesso de conhecimento quando a decisão extravasa o pedido formulado ou quando conheceu, fora dos casos de apreciação oficiosa, questão não submetida à apreciação do julgador.
Sem prescindir, e caso, se entenda pelo conhecimento oficioso da prescrição, o que não se concebe:
25. A dívida referente ao período de abril de 2008 a novembro de 2010 foi objeto de processos de execução fiscal, com o nº …, tendo a executada sido citada em 22/03/2011, Doc. Nº 1 que se anexa.
26. A executada veio pedir plano prestacional em 29/04/2011, doc. nº 2.
27. O pedido foi deferido por despacho de 10/05/2011, conforme doc. nº 3.
29. O plano foi rescindido em julho de 2013.
30. A dívida referente ao período de dezembro de 2010 a outubro de 2011, foi objeto de execução fiscal com o nº … e foi citada a executada em 29/05/2013, doc. nº 4.
31. As dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de cinco anos, por força da Lei 17/2000, de 8 de agosto, que veio alterar o prazo de prescrição de dez (10) anos, previsto na Lei 28/84, de 14 de agosto, e no DL 103/80, de 9 de maio.
32. Regra esta mantida pelas posteriores Leis de Bases da Segurança Social, Lei nº 32/2002, de 20/12 e Lei nº 4/2007, de 16/01 (art. 60º nº 3).
33. Em matéria de interrupção da prescrição o mesmo art. 63º da Lei 17/2000, no nº 2 estipulava “a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” redação mantida na atual Lei de Bases, nº 4 do art. 60º da Lei 4/2007, de 16/01.
34. Dispõe também o art. 325º do Código Civil “a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”. Como aconteceu, através do pedido de pagamento em prestações apresentado pela executada/reclamada.
35. Nos termos do nº 4, do art. 49º da Lei Geral Tributária, com a redação introduzida pela Lei nº 53-A/2006 - “O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
36. Mais acresce que, conforme resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, nº 01941/13, de 01/29/2014, quando ocorra a citação do executado em processo de execução fiscal, o efeito interruptivo desse ato, tem eficácia duradoura (artigo 327º nº 1 do Código Civil), e apenas se extingue com o termo do processo de execução fiscal.
Termina entendendo dever o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que reconheça e gradue a totalidade dos créditos reclamados pelo ISS, IP.
Não foi apresentada resposta.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se a sentença é nula;
2) Se deve ser alterada a decisão jurídica da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Considera-se apurada a seguinte matéria de facto:

I. FACTOS PROVADOS

1. O ISS, Instituto da Segurança Social, Instituto Público, veio reclamar, em 06/4/2016, o crédito resultante de contribuições em dívida pela reclamada e executada Maria, na qualidade de trabalhadora independente, relativo aos meses de:

a) janeiro a dezembro do ano de 1999;
b) janeiro a dezembro do ano de 2000;
c) janeiro, outubro e dezembro do ano de 2001;
d) janeiro a dezembro do ano de 2002;
e) janeiro a abril, junho a dezembro do ano de 2003;
f) janeiro a dezembro do ano de 2004;
g) janeiro a dezembro do ano de 2005;
h) janeiro a dezembro do ano de 2006;
i) janeiro a dezembro do ano de 2007;
j) janeiro a dezembro do ano de 2008;
k) janeiro a junho, agosto a dezembro do ano de 2009;
l) janeiro a dezembro do ano de 2010;
m) janeiro a dezembro do ano de 2011;
n) janeiro a dezembro do ano de 2012;
o) janeiro a dezembro do ano de 2013;
p) janeiro a dezembro do ano de 2014;
q) janeiro a dezembro do ano de 2015;
r) janeiro e fevereiro do ano de 2016, no montante global de €21.805,89, sendo €18.214,69, referente a contribuições em dívida e €3.591,20 referente a juros de mora até ao mês de março de 2016.
2. A executada Maria foi citada, no processo de execução fiscal nº … por carta registada com aviso de receção datada de 31/05/2009, em 08/06/2009, para cobrança da quantia exequenda de €14.921,37, acrescida de juros de mora e custas processuais no montante de €7.195,30, no total de €22.116,67.
3. A executada Maria foi citada, no processo de execução fiscal nº … em 22/03/2011, para cobrança da quantia exequenda de €6.181,43, acrescida de juros de mora e custas processuais no montante de €1.242,38, no total de €7.423,81, referente ao período de abril de 2008 a novembro de 2010.
4. A dívida referente ao período de dezembro de 2010 a outubro de 2011, foi objeto de execução fiscal com o nº … e foi citada a executada em 29/05/2013.
5. Em 02/07/2009, veio a executada requerer o pagamento da dívida em prestações, durante um período de 5 anos, pedido esse que foi deferido, na mesma data.
6. A executada cumpriu, pelo menos até julho de 2013 um plano de pagamentos relativo às contribuições acima referidas.
7. A Banco X, SA, veio reclamar créditos alegando que celebrou com os executados Maria e Manuel, os contratos a seguir mencionados:
a) Empréstimo nº …
Em 24/10/1991, contrato de Mútuo Com Hipoteca, no montante de PTE 3.500.000$0 = €17.457,93, no Regime Jovem Bonificado, a vencer à taxa apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média indexante), o que traduzia, ao tempo, a taxa anual efetiva (TAE) de 20,500%, alterável em cada período de contagem, enquadrando-se na Calsse Bonificação 1 de 40%. Em caso de mora os respetivos juros seriam calculados à taxa mais elevada dos juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Banco X, para operações da mesma natureza, ao tempo 20,500%, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal, tendo em 28/10/2008 o contrato sido alterado, passando o prazo de amortização a 540 meses desde a celebração, sendo o capital em divida a amortizar após esta data em 36 prestações mensais constantes de capital e juros, com bonificação decrescente.
b) Empréstimo nº …
Em 05/01/2006, contrato de Mútuo Com Hipoteca, no montante de €53.900,00, a vencer à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor até 6 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato (média indexante), acrescida de um spread até 2,00% com arredondamento para ¼ %, o que traduzia, ao tempo, a taxa de juros nominal de 4,500%, a que correspondia a taxa efetiva de 4,594%, alterável em cada período de contagem. Em caso de mora os respetivos juros seriam calculados à taxa mais elevada dos juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Banco X, para operações da mesma natureza, ao tempo 8,246%, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal.
c) Empréstimo nº …
Em 12/08/2008, contrato de Mútuo Com Hipoteca, no montante de €32.000,00, a vencer à taxa correspondente à média arimética simples das taxas Euribor até 3 meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início da cada período semestral de vigência do presente contrato (média indexante), acrescida de um spread até 1,00% com arredondamento para 0,0001 %, o que traduzia, ao tempo, a taxa de juros nominal de 5,941%, a que correspondia a taxa efetiva de 6,105%, alterável em cada período de contagem. Em caso de mora os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada dos juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Banco X, para operações da mesma natureza, ao tempo 8,246%, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal.
8. Os empréstimos referidos em 7, que se encontram vencidos, destinaram-se a construção de habitação própria e permanente e obras de beneficiação e investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis e, para garantia das obrigações assumidas no empréstimo supra identificado, o executado constituiu hipotecas sobre o prédio urbano casa de habitação, r/c, garagem e quintal, sito na …, Freguesia de …, Concelho de Alfândega da Fé, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº 264/…, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo na 753, hipotecas essas que se encontram registadas.
9. O valor do capital emprestado referido em 7, ascende a €79.523,70.

II. FACTOS NÃO PROVADOS

1. Que nas circunstâncias descritas em 5 dos factos provados, as contribuições sejam relativas aos anos de 95 e 96 e ao período de janeiro de 98 a junho de 98, agosto de 98 a março de 2008.
2. Que o acordo de pagamento em prestações abranja as contribuições dos anos de 91 a 2003 e de janeiro a abril de 2004.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Antes de mais, importa notar que a sentença recorrida é nula, dado não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão (artigo 615º nº 1 alínea b) NCPC).
Ora, por força do disposto no artigo 607º nº 2 e 3 NCPC, a sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar, seguindo-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Efetivamente, a sentença tem de constituir uma peça completa e autossuficiente que permita, por um lado, uma síntese e uma conclusão do conjunto dos elementos relevantes constantes do processo, de acordo com os princípios e regras processuais e, por outro, que permita, por si só constituir uma descrição dos diversos itens processuais, sem necessidade de consultar outros elementos, para ser inteligível.
O que se passa no (saneador) sentença em questão, é que a mesma omite a matéria de facto relevante para aplicação das regras jurídicas pertinentes, não obstante se tenha valido de factos para apreciar e decidir a questão jurídica suscitada.
Daí que exista a nulidade apontada (artigo 615º nº 1 alínea b) NCPC).
Tal nulidade pode ser suprida nesta instância de recurso, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) NCPC (a contrario), pelo que se aditou a matéria de facto apurada.
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Entende o apelante que o artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) não é aplicável ao processo de execução civil, aplicando-se, antes, apenas, o disposto no artigo 303º do Código Civil, mas não tem razão.
Estabelece o artigo referido que “a prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.”
Resulta inequivocamente do normativo citado que o conhecimento da prescrição é oficioso.
E mal se compreenderia que se permitisse a reclamação de créditos de natureza fiscal no processo executivo cível e que, ao mesmo tempo, não fossem aplicáveis as regras que para a cobrança de tais créditos, a legislação fiscal estabelece, nomeadamente, em matéria de prescrição.
Com efeito, havendo um princípio que permite às instâncias fiscais, rectius, impõe, o conhecimento oficioso da prescrição, seria de difícil aceitação que já não o permitisse quando tais créditos são reclamados em processo civil, podendo prejudicar ilicitamente a situação do contribuinte (neste mesmo sentido, cfr o Acórdão da Relação do Porto de 03/12/2013, no processo 6007/08.2TBMAI-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, resulta que é passível de conhecimento oficioso a prescrição dos créditos da segurança social reclamados numa execução cível.
Saber se os créditos em questão se encontram, ou não prescritos, é questão de que passaremos a ocupar-nos.
Vejamos.
As dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de cinco anos a contar desde a data em que a obrigação devia ser cumprida, interrompendo-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (artigos 60º nº 3 e 4 da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, 49º da Lei nº 32/2002, de 20/12 e 187º da Lei nº 110/2009, de 16/09).
O prazo de prescrição de 5 anos foi introduzido pela Lei nº 17/2000, de 08/08, sendo anteriormente de 10 anos.
E, conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de fevereiro de 2011, no processo nº 050/11, disponível no endereço www.dgsi.pt “em face da sucessão no tempo de diferentes prazos de prescrição, impõe-se convocar a regra estabelecida no nº 1 do art. 297º do CCivil, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.”
Refere-se na decisão recorrida verificar-se a prescrição dos créditos reclamados relativos ao período de abril de 2008 a fevereiro de 2011 e respetivos juros de mora.
Importa notar que o apelante, nas suas alegações veio juntar documentos que se nos afigura serem admissíveis por se entender que a junção se tornou necessária por força da decisão proferida em 1ª instância, nos termos do disposto no artigo 651º nº 1 NCPC.
Diz o apelante que a dívida referente ao período de abril de 2008 a novembro de 2010 foi objeto de processos de execução fiscal, com o nº …, tendo a executada sido citada em 22/03/2011 e que, através do pedido de pagamento em prestações apresentado pelo reclamante, ocorreu interrupção da prescrição e o prazo de prescrição legal se suspende em virtude do pagamento de prestações legalmente autorizadas [artigo 49º nº 4 da Lei Geral Tributária (LGT)], para além de que ocorrendo a citação do executado em processo de execução fiscal, o efeito interruptivo desse ato tem eficácia duradoura (artigo 327º nº 1 Código Civil) e apenas se extingue com o termo do processo de execução fiscal.
Parece-nos que não tem razão o apelante.
Refere a sentença recorrida que a reclamação de créditos deduzida pela Segurança Social entrou em juízo em 6/4/2016 e que o Instituto da Segurança Social, I.P. instaurou um processo executivo contra a ora executada em 27/5/2009 por conta das contribuições em dívida relativas aos anos de 95 e 96 e ao período de janeiro de 98 a junho de 98, agosto de 98 a março de 2008.
Acrescenta ainda que a ora executada foi citada nesse processo executivo em 8/6/2009 e requereu e cumpriu até julho de 2013 um plano de pagamentos relativo às contribuições acima referidas relativas aos anos de 95 e 96 e ao período de janeiro de 98 a junho de 98, agosto de 98 a março de 2008.
E continua afirmando que, entre outras, o acordo de pagamento em prestações abrange as contribuições dos anos de 91 a 2003 e de janeiro a abril de 2004, relativamente às quais, ao contrário do que parece pressupor o Instituto da Segurança Social, I.P., o prazo de prescrição já havia ocorrido à data da instauração do próprio processo de execução fiscal, pois que estava decorrido já o prazo de cinco anos contado a partir da data em que a obrigação deveria ser cumprida, no caso, do dia 1 até ao dia 15 do mês seguinte aquele a que disseram respeito, pelo que o processo executivo não tinha o condão de interromper uma prescrição que já havia sido consumada relativamente às apontadas prestações.

Importa notar, antes do mais, que não se provou que, nas circunstâncias descritas em 5 dos factos provados, as contribuições sejam relativas aos anos de 95 e 96 e ao período de janeiro de 98 a junho de 98, agosto de 98 a março de 2008, ou que o acordo de pagamento em prestações abranja as contribuições dos anos de 91 a 2003 e de janeiro a abril de 2004.
Mas também importa referir que existe um equívoco da sentença, não quanto à decisão, mas quanto aos fundamentos, quando afirma que apesar de já ter decorrido o prazo de prescrição, a instauração do processo executivo não tinha o condão de interromper uma prescrição que já havia sido consumada relativamente às apontadas prestações.
Em tese geral a afirmação não está errada, mas a questão seria outra, a de saber se o pedido de pagamento em prestações de uma dívida prescrita, que traduz uma renúncia implícita da prescrição, poderia ou não ser relevante e a resposta é inequivocamente afirmativa, ou seja, é relevante, por força do disposto no artigo 302º nº 1 e 2 do Código Civil.
Não obstante, o apelante não cumpriu o ónus que lhe era imposto de alegar e provar a matéria de facto constante dos pontos 1 e 2 dos factos não provados, isto é, que relativamente às datas aí indicadas, tendo em conta a referida renúncia implícita da prescrição, decorrente do requerimento de pagamento em prestações da dívida já prescrita, a mesma não se encontrava prescrita.
Pelo exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a apelação terá de ser julgada improcedente e, em consequência, confirmada a douta decisão recorrida.
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D) Em conclusão:

1) É passível de conhecimento oficioso a prescrição dos créditos da segurança social reclamados numa execução cível;
2) O pedido de pagamento em prestações de uma dívida prescrita, traduz uma renúncia implícita à prescrição.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 12/04/2018

Relator: António Figueiredo de Almeida (72073031718)
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares