Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
490/10.3GAFAF.G1
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
RESIDÊNCIA
FALTA DE COMUNICAÇÃO AO TRIBUNAL
JULGAMENTO
AUSÊNCIA
ARGUIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Se o arguido se mudou da morada que indicara nos termos do nº 2 do artº 196º do CPP e não comunicou essa alteração de residência aos autos como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para aquela mesma morada, fica legitimada a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,

1. Nestes autos de processo comum nº 490/10.3GAFAF, por sentença proferida em 28 de Maio de 2012 pelo tribunal singular no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, o arguido Patrício M. sofreu condenação pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348°, n° 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 152°, n° 1, alínea a) e n° 3, do Código da Estrada, na pena de cem dias de multa à razão diária de sete euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista no artigo 69°, nº 1, alínea c), do Código Penal, pelo período de cinco meses.

Em 6 de Outubro de 2014, o arguido, por intermédio da ilustre defensora oficiosa Drª Helena C., interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões (transcrição) :

“1- Ao Arguido foi negado o direito de se defender na medida em que nunca foi notificado da Douta Acusação e da respectiva data de realização da audiência de julgamento.
2- O Julgamento foi realizado na ausência do Arguido pois este foi considerado pelo Tribunal a quo como “notificado” quando na verdade nunca o foi.
3- Apesar de ter sido ordenada a realização de várias diligências no sentido de se saber qual o paradeiro do Arguido, o certo é que o processo não aguardou o resultado de tais diligências, tendo o julgamento sido realizado 22 dias após a douta promoção da Magistrada do Ministério Público naquele sentido.
4- O Douto Tribunal a quo não logrou notificar o Arguido da realização do julgamento mas conseguiu notificá-lo da Sentença.
5- Ao Arguido foi negado o exercício efectivo de poder defender-se da Acusação que sobre ele recaía, tendo o julgamento sido inadvertidamente feito na sua ausência, pelo que não foi apresentada qualquer prova que deitasse por terra a Acusação Pública.
6- Assim sendo, deve ser ordenada a repetição do julgamento, tudo com as consequências legais.”

O recurso foi admitido, com o efeito e o modo de subida devidos.

O Ministério Público, por intermédio do Exmº Procurador-Adjunto na Comarca de Braga, formulou resposta ao recurso do arguido concluindo que o recurso interposto nos autos não devia ter sido admitido, porquanto o arguido não se encontra devidamente notificado da sentença proferida. Acresce que se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 334°, n.° 1 do Código de Processo Penal, que permitem a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, pelo que A decisão recorrida não violou qualquer normativo legal, nomeadamente os invocados pelo recorrente. Nestes termos, não deverá o recurso interposto pelo arguido ser conhecido pelo T da Relação. Caso assim não se entenda, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

No parecer do Ministério Público neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto concluiu que o recurso deve ser rejeitado em decisão sumária por extemporaneidade, uma vez que o arguido não foi ainda notificado da sentença.

O recorrente formulou resposta ao parecer quanto à questão prévia de inadmissibilidade do recurso, alegando em síntese que a posição expressa pelo Ministério Público se terá ficado a dever a erro na consulta dos autos. Na ocasião, juntou cópia de peça processual comprovativa da notificação ao arguido do teor da sentença.

Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e da juíza adjunta e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).

A questão suscitada pelo arguido consiste em saber se deve ser ordenada a repetição do julgamento por ter sido negado o exercício pelo arguido do direito fundamental de defesa.

3. O Ministério Público suscitou questão prévia, invocando que o recurso deveria ser rejeitado por intempestivo, em decisão sumária do relator, uma vez que o arguido não foi notificado do teor da sentença e ainda não se iniciou o prazo de interposição.

Terá havido lapso na consulta do processo.

Com efeito, a certidão de fls. 188 destes autos comprova que no dia 4 de Setembro de 2014 o funcionário judicial notificou pessoalmente o arguido Patrício M. de todo o conteúdo da sentença proferida, a quem entregou cópia e deu conhecimento de que tinha o prazo de trinta dias para exercer o seu direito de recurso.

Mostra-se observado o prazo de trinta dias a contar da notificação e a suscitada intempestividade do recurso carece de qualquer fundamento.

Sem necessidade de mais considerandos, julgamos improcedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

4. Vejamos se houve intolerável desrespeito pelas garantias de defesa do arguido Iremos de seguida transcrever algumas considerações genéricas já expostas pelo aqui relator perante situações processuais semelhantes, como no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8-04-2013, proferido no processo 302/11.0TAFAF .:

Como é sabido, o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzem-se fundamental­mente na possibilidade do arguido intervir no processo, invocar as suas razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar e contraditar todas as provas e argumentos jurídicos trazidos ao processo. As regras gerais da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência (artigo 332.º, n.º 1), da submissão de todos os meios de prova apresentados ou produzidos no decurso da audiência ao princípio do contraditório (artigo 327.º, n.º 2), o direito do arguido prestar declarações em qualquer momento da audiência, em especial, no início e no final da audiência de julgamento (artigos 341.º, alínea a) e 361.º), são normas do Código do Processo Penal, destinadas precisamente a consagrar a garantia constitucional de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), que obrigatoriamente deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido (artigo 32.º, n.º 1 e 5, da CRP).

A celeridade processual em matéria penal também beneficia de dignidade constitucional – já que todo o arguido deve ser julgado no mais curto prazo e até pode ser julgado na ausência –, estando o legislador ordinário apenas obrigado a que as soluções adoptadas nesse sentido não comprometam as garantias de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 2, 2.ª parte, e n.º 6, da CRP). Por fim, não pode deixar de se ponderar na necessidade de evitar ou de minorar os incómodos das testemunhas, declarantes e sujeitos processuais com sucessivas deslocações e perdas de tempo, pelos sucessivos adiamentos de audiências de julgamento com fundamento na falta de comparência do arguido.

Com a revisão do Código do Processo Penal, operada com o Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, o legislador evidenciou a preocupação de ultrapassar o bloqueio provocado pela regra da obrigatoriedade absoluta da presença do arguido na audiência, procurando conciliar o interesse público da administração célere e eficiente da justiça, com a necessária salvaguarda dos interesses da defesa no caso de o arguido estar ausente do julgamento

Neste âmbito, o artigo 332º nº 1 do Código do Processo Penal (sendo deste diploma todas as disposições legais citadas sem outra indicação) referindo-se, nos termos já vistos ao princípio geral da obrigatoriedade da presença do arguido, depois acrescenta: “sem prejuízo do disposto nos artigos 333º, nºs 1 e 2, 334º, nºs 1 e 2.” Examinando o artigo 333º que se refere à falta do arguido notificado para a audiência, do seu nº 1 consta: Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.

Para tanto, no despacho que designa a data da audiência, é igualmente designada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do artigo 333.º, n.º 1, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do artigo 333.º, n.º 3.

Com efeito, se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado e as suas declarações documentadas, aplicando-se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º

Nestes casos, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência e se esta ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor pode requerer que seja ouvido na segunda data designada pelo juiz nos termos do n.º 2 do artigo 312.º . Assim, nada impede (e até se intui) que a audiência se inicie sem a presença do arguido, “reservando-se a segunda data para a eventualidade de se tornar possível a comparência do arguido”.

Recorde-se que o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência obrigatória, que também sempre subscrevemos, segundo a qual “Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do n.º 1 do artigo 333.º do Código do Processo Penal, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2012, no DR. I, n.º 238 de 10 de Dezembro de 2012);

Com interesse para a decisão sobre a questão suscitada, impõe-se ter presente que em 22 de Abril de 2010 o arguido prestou termo de identidade e residência perante órgão de policia criminal, declarando como sua morada a Rua da …, n.º .. em Fafe. Segundo também decorre de fls. 4, ao arguido foi dado conhecimento da obrigação de comparecer perante a autoridade competente sempre que para tal for notificado, da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar o lugar onde possa ser encontrado, de que as posteriores notificações lhe seriam feitas por via postal simples para a morada então indicada ou para outra que posteriormente viesse a indicar e, por ultimo, que se não cumprisse essas obrigações poderia ser representado por defensor em todos os actos processuais e nos quais tenha o direito de estar presente e permitiria a realização da audiência nos termos do artigo 333.º do Código do Processo Penal.

O arguido nunca indicou ao processo qualquer alteração de residência.

Assim sendo, a notificação do arguido Patrício M. para comparecimento em audiência de julgamento em 22-05-2012, às 9 horas e em 28-05-2012, às 9h e 30 m, caso fosse requerido pelo defensor, concretizou-se com o depósito no receptáculo de correio da morada constante do T.I.R. da carta expedida pelo tribunal. Nesse mesmo acto foi o arguido ainda regularmente notificado do teor da acusação pública, do prazo para apresentação da contestação e da nomeação de defensora oficiosa (Cfr. fls. 75 e 81).

No dia 22 de Maio de 2012 pelas 9 h e 15 m verificou-se que Patrício M. não compareceu no Tribunal, nem justificou a falta.

Nessa ocasião e na presença da defensora oficiosa Drª Helena C., a Srª juíza, após promoção do Ministério Público mas sem qualquer oposição da ilustre defensora, proferiu despacho determinando o prosseguimento da audiência de julgamento sem a presença do arguido, fundamentando tal decisão na natureza dos factos em investigação e na presença de todas as pessoas convocadas, o que ficou a constar da respectiva acta a fls. 124.

No dia 28 de Maio de 2012 pelas 9 h e 30 m, verificou-se novamente que o arguido não se encontrava presente e o tribunal procedeu à leitura da sentença e ao encerramento da audiência de julgamento.

Vemos assim que no caso em apreço foram respeitadas as exigências legais. Se o arguido se mudou da morada que indicara nos termos do nº 2 do artº 196º do CPP e não comunicou essa alteração de residência aos autos como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para aquela mesma morada, fica legitimada a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência.

Sendo ainda de notar que o arguido esteve sempre representado e que a sua defensora teve oportunidade de se pronunciar sobre a realização da audiência na ausência do arguido, de requerer a realização de diligências viáveis para obter a comparência na sua data e de apresentar os meios de defesa que considerasse úteis. Posteriormente, houve notificação pessoal da sentença e o arguido dispôs do seu direito ao recurso, em matéria de facto e em matéria de direito.

Nestes termos, a circunstância de a audiência de julgamento se iniciar e se concluir sem a presença do arguido, mesmo na segunda data, não significa uma compressão ou limitação desproporcionada do núcleo essencial dos direitos de audição, de defesa e de contraditório, garantidos no artigo 32º, n.ºs 1, 2, 5, e 6 da Constituição e no artigo 11º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, como decidiram os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 465/2004, de 23 de Junho, Relatora Conselheira Fernanda Palma, acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20040465.html e nº 206/2006, de 22 de Março, Relatora Cons. Maria Helena Brito, acessível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060206.html.).

Resta por fim observar que a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido só constitui a nulidade insanável prevista na al. c), do artº 119º, do Código do Processo Penal, nos casos em que a lei exige a respectiva comparência. Tal questão apenas se poderia colocar se tivesse sido requerida a audição do arguido na segunda data designada para audiência de julgamento ou a tomada de declarações em outro local e, ainda assim, sendo possível, o tribunal tivesse omitido a realização das diligências que em concreto se revelavam necessárias e viáveis para esse efeito. O que não aconteceu neste caso concreto.

Em conclusão, não se verifica fundamento para determinar a repetição da audiência de julgamento.

5. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso.

As custas do recurso no processo-crime serão suportadas pelo arguido, com três UC de taxa de justiça (artigos 513º n.º 1 e 514º do Código de Processo Penal, artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

Guimarães, 25 de Maio de 2015.