Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
369/11.1TBMNC.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: CRIME
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
QUEIXA CRIMINAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A circunstância de não ter sido apresentada oportuna queixa criminal não contende com o alongamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do art. 498º do Código Civil
Decisão Texto Integral: Apelação – N.º R 12/14
Processo n.º 369/11.1TBMNC.G1 – 1ª Secção.
Recorrente: E….
Recorrido: A….
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Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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E… propôs a presente acção com processo comum e forma ordinária contra o seu pai, A…, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a indemnização de 106.411,27 euros, acrescida de juros e da quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença, relativa aos factos alegados nos artigos 109º a 116º da petição inicial.
A Autora defende que o seu pai tem de indemnizá-la ao abrigo do disposto no artigo 483º nº 1 do Código Civil por, alegadamente, ter procedido ao abate de um pinheiro que caiu sobre si, causando-lhe danos.
Contestou o Réu invocando, desde logo, a excepção da prescrição.
Refere que é dono do prédio de que se fala em 1º da petição inicial.
Em 24 de Agosto de 2006, existia nesse prédio um pinheiro que estava seco o qual, nesse dia, para arranjar lenha foi abatido. No decurso deste trabalho de abate, o dito pinheiro, na zona do mesmo com menor diâmetro, ao tombar, estando prestes a atingir o solo, apanhou a Autora que, imprudentemente, se colocou na sua trajectória.
A presente acção foi instaurada em 4 de Julho de 2011, tendo o Réu sido citado em 14 desse mês, pelo que foi citado 4 anos e 11 meses e meio após o dia 24 de Agosto de 2006, quando já tinha prescrito o direito de indemnização.
Na réplica, a Autora defende que beneficia do prazo previsto no nº 3 do artigo 498º do Código Civil. No seu entender, os factos praticados pelo Réu subsumem-se ao crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido no artigo 148º nº 1 do Código Penal. O prazo de prescrição nestes crimes é de cinco anos após a prática do evento criminoso, pelo que o seu direito de indemnização não prescreveu.
No despacho saneador julgou-se o direito da Autora prescrito e o Réu foi absolvido do pedido.
Desta decisão apelou a Autora, que conclui a sua alegação da seguinte forma:
- no despacho saneador julgou-se procedente a excepção de prescrição e o Réu foi absolvido do pedido, fundamentando que a Apelante não podia beneficiar de um prazo de prescrição de cinco anos, uma vez que não apresentou queixa crime contra o Recorrido;
- a Recorrente articulou na petição inicial a prática de crime de ofensas corporais por negligência praticado pelo Réu, punido com pena de prisão até um ano, por aplicação do disposto nos artigos 148º do Código Penal, que causou graves lesões corporais na Autora;
- nos termos do artigo 118º, n. 1, alínea c) do Código Penal, o procedimento criminal extingue-se por prescrição ao fim de cinco anos sobre a prática do crime;
- de harmonia com o n.º 3 do artigo 498º do Código Civil, desde que o facto ilícito constitua crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável;
- ora, a Recorrente alegou na sua petição inicial que foi vítima de ofensas corporais causadas pela queda de um pinheiro abatido pelo Réu;
- mais alegou que tal sinistro ficou a dever-se a culpa do Réu;
- a ora Recorrente, nos artigos 2º a 18º da petição inicial, alega fatos constitutivos do crime de ofensa á integridade física sob a forma negligente, sobre a sua pessoa por parte do Réu;
- o sinistro ocorreu em 26 de Agosto de 2006;
- o Réu foi citado em 14 de Julho de 2011;
- não decorreram cinco anos entre o evento danoso que vitimou a Apelante e a citação do Réu;
- a Autora articulou na sua petição inicial todos os elementos integradores do crime de ofensa à integridade física por negligência punido com pena de prisão até um ano;
- entende a Recorrente que para se lançar mão do n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil não é condição a existência de um procedimento criminal, mas tão só que haja a possibilidade de instauração do procedimento criminal;
- face ao exposto e ao contrário do que foi concluído na douta sentença recorrida não vemos que se possa afastar o prazo estabelecido no artigo 498º n.º 3 com fundamento no não exercício do direito de queixa;
- a excepção alegada pelo ora recorrido não poderia proceder por a mesma não ter correspondência na Lei e não ter o apoio da Jurisprudência;
- “a letra da lei só se refere à prescrição do procedimento criminal e não à extinção do direito de queixa pelo decurso do prazo de 6 meses, tratada no artigo 112º do Código Penal. Segundo a letra do artigo 498º nº 3 do Código Civil, o alongamento do prazo depende apenas de o facto ilícito constituir crime – Acórdão do STJ de 22.02.94, CJ Ano II, Tomo I, pág. 126; voto de vencido no Acórdão do STJ de 13.04.94, CJ II, Tomo II, pág. 52.”;
- ao assim não decidir-se, errou o Juiz "a quo", por menos acertada a interpretação e aplicação do disposto nos arts 118º n.º 1 al) c), 148.º do Código Penal e os artigos e os artigos 498 n. 3 e 9 n. 2 do Código Civil.
Termo em que deve conceder-se provimento ao recurso de apelação e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por Acórdão em que ordene o prosseguimento do processo.
O Réu apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre-nos agora decidir.
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Delimitado como se encontra o objecto do recurso pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das apresentadas pela Apelante resulta que a questão que é submetida à nossa apreciação consiste em saber se o alongamento do prazo de prescrição previsto no artigo 498º, n.º 3 do Código Civil depende de o lesado apresentar queixa.
No despacho em recurso, ponderadas as duas posições possíveis, optou considerar que, uma vez que a lesada não havia apresentado queixa, o prazo de prescrição do direito à indemnização a considerar é, nos termos do n.º 1 daquele artigo, de 3 anos.
Mas não concordamos.
Assim e desde logo a letra do n.º 3 daquele artigo refere-se apenas à circunstância de o facto que fundamenta o pedido indemnizatório constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo e não faz depender a extensão do prazo da apresentação de queixa nem faz qualquer distinção entre as situações em que o procedimento criminal depende da apresentação de queixa daquelas em que não disso não carece; de resto, a apresentação de queixa é um direito que a lei atribui ao lesado e deixa na sua total disponibilidade e não um dever.
Acresce que o alongamento do prazo, independentemente da apresentação ou não de queixa, encontra justificação bastante na circunstância da maior gravidade do facto danoso, a ponto de alcançar relevância penal.
Deste modo, entendemos, com Antunes Varela, RLJ, Ano 123, página 45 e seguintes, “Não é, pois, necessário que haja ou tenha havido acção crime na qual os factos determinantes da responsabilidade civil tenham de vir à barra do tribunal, ainda que observados sob prisma diferente. Basta que haja, em princípio, a possibilidade de instauração de procedimento criminal ainda que, por qualquer circunstância (v.g. por falta de acusação particular, ou de queixa, ou por amnistia entretanto decretada) ele não seja ou não possa ser efectivamente instaurado” – ver também o acórdão do STJ citado na alegação.
Termos em que se acorda em revogar o despacho recorrido e se ordena o prosseguimento do processo.
Custas pelo Apelado.
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Guimarães, 20 de fevereiro de 2014
Carlos Guerra
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho