Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1559/10.0TAGMR-A.G1
Relator: TERESA BALTAZAR
Descritores: INSTITUIÇÃO PRIVADA DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
PEDIDO CÍVEL
TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
ISENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: O Instituto da Segurança Social, IP, não está legalmente obrigado a autoliquidar a taxa de justiça inicial, em virtude de ter deduzido pedido de indemnização civil enxertado em processo penal
Decisão Texto Integral: - Tribunal recorrido:

Tribunal Judicial de Guimarães – 1º Juízo Criminal.
- Recorrente:
O demandante Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de Braga.
- Objecto do recurso:
No processo comum com intervenção de Tribunal singular n.º 1559/10.0TA GMR, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi proferido despacho, no qual, no essencial e que aqui importa, se decidiu desentranhar o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente (por não ter junto “(…) à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo (…)", sendo que de tal não está dispensado).

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Inconformado com a supra referida decisão o demandante Instituto da Segurança Social, I. P. – Centro Distrital de Braga, dela interpôs recurso (cfr. fls. 11 a 15), terminando a motivação com as conclusões constantes de fls. 13 a 15, o que aqui se dá integralmente como reproduzido.
No essencial, pretende que se considere o recorrente isento de custas; ou que esse pagamento apenas deve ser efectuado a final, ordenando o prosseguimento da instância cível enxertada na acção penal; ou, ainda, se determine que o Tribunal recorrido substitua a decisão posta em crise por outra que se abstenha de desentranhar dos autos o PIC e mande notificar o demandante cível para em 10 dias efectuar o pagamento da taxa de justiça.

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O M. P. não apresentou resposta por se tratar de uma questão cível.
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 16.
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A Ex.mª Procuradora Geral Adjunta, igualmente não se pronunciou, juntando parecer, pelas mesmas razões do M. P. na 1ª instância (questão cível)

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Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal.

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- Cumpre apreciar e decidir:
- A - É de começar por salientar que, para além das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal.
- B - No essencial, o demandante no seu recurso suscita a questão seguinte:
- Pretende que se considere o recorrente isento de custas; ou que esse pagamento apenas deve ser efectuado a final, ordenando o prosseguimento da instância cível enxertada na acção penal; ou, ainda, se determine que o Tribunal recorrido substitua a decisão posta em crise por outra que se abstenha de desentranhar dos autos o PIC e mande notificar o demandante cível para em 10 dias efectuar o pagamento da taxa de justiça.
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- C - Aqui se dá como integralmente reproduzido o despacho recorrido de de fls. 7 a 10.
No qual se decidiu desentranhar o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente (por não ter junto “(…) à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo (…)", sendo que de tal não está dispensado).
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- Quanto às questões suscitadas no recurso:

In casu a questão que se pretende ver decidida neste momento é a de saber se o Instituto da Segurança Social, IP, está obrigado a autoliquidar a taxa de justiça inicial, em virtude de ter deduzido pedido de indemnização civil enxertado em processo penal (no entendimento, pois, de que o recorrente não está isento de custas).

Vejamos, pois, quanto à obrigatoriedade ou não do ISS, IP, autoliquidar a taxa de justiça e juntar ao processo o respectivo documento comprovativo, nos termos do art.º 14.º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02; rectificado pela declaração de rectificação n.º 22/2008, de 24.04; alterado pela Lei n.º 43/2008, de 27.08, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28.08 e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31.12.

Trata-se, neste momento e face ao teor do despacho recorrido, de apurar se existe, ou não, lugar ao pagamento prévio.

Vejamos.

O art.º 14.º n.º 1 do RCP estabelece a regra geral de que o pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.

Esta regra conhece a excepção, quanto ao momento do pagamento da taxa de justiça, quando a causa não importe a constituição de mandatário e o acto seja praticado directamente pela parte, caso em que só é efectuado no prazo de dez dias após a notificação do tribunal para o efectuar (n.º 2), que não ocorre neste caso, uma vez que o recorrente tem advogado constituído.

Por outro lado, face ao disposto no art.º 4.º n.º 1 al. m) do RCP, o demandante e o arguido estão isentos do pagamento de custas quando o pedido de indemnização civil apresentado em processo penal é de valor inferior a 20 UC. Nesta hipótese, não há que comprovar no processo respectivo o pagamento da taxa de justiça inicial, porquanto não são devidas custas e, como decorre do art.º 3.º n.º 1 do RCP, estas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.

Temos, pois, que a regra é a do pagamento da taxa de justiça inicial por parte do demandante civil e do arguido sempre que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal não seja inferior a 20 UC. Se tal pedido for de valor inferior a 20 UC, a taxa inicial não é paga, não pela especial natureza do demandante ou demandado e do tipo de acção onde é peticionado o direito e exercida a defesa, mas pelo simples facto de que havendo isenção de custas tal pagamento não tem lugar.

No caso dos autos, vista a certidão com cópia do pedido de indemnização civil e teor do despacho recorrido, decorre que tal pedido é de valor superior a 20 UC.

E a questão do pagamento da taxa de justiça inicial só se coloca em virtude do valor do pedido ser superior a este montante.

Por sua vez, o art.º 15.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) estabelece uma norma especial para os casos em que a demanda corre nos tribunais administrativos ou tributários, ao prescrever na sua alínea a) que: o Estado, incluindo os seus serviços e organismos ainda que personalizados, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, quando demandem ou sejam demandados nos tribunais administrativos ou tributários, salvo em matéria administrativa contratual ou pré-contratual e relativa às relações laborais com os funcionários, agentes e trabalhadores do Estado, ficam dispensados do pagamento prévio da taxa de justiça.

Ora, o ISS, IP, não pode beneficiar desta regra especial acabada de citar, porquanto o pedido de indemnização corre no tribunal judicial e não naqueles – administrativos ou tributários.

Porém, o recorrente pretende que não seja aplicada a regra geral prevista no art.º 14.º n.º 1 do RCP, porquanto, em seu entender, está isento de custas ao abrigo da alínea g) do art.º 4.º n.º 1 do RCP, a qual prescreve que estão isentas de custas as entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas atribuições para defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos. Afigura-se-nos que é de excluir desde já a defesa dos interesses difusos, pois o recorrente com o pedido de indemnização civil faz referência a casos concretos de não entrega das prestações devidas à segurança social pelas arguidas.

Importa, assim, apurar se o Instituto da Segurança Social, IP, reúne os pressupostos exigidos pela alínea g) do art.º 4.º n.º 1 do RCP e que são: ter a natureza de uma entidade pública, actuar exclusivamente no âmbito das suas funções para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos.

O Decreto-lei n.º 214/2007, de 29.051 consagrou a nova orgânica do Instituto da Segurança Social, I. P., abreviadamente designado por ISS, I. P., e definiu-o como um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, com vista a prosseguir as atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), sob superintendência e tutela do respectivo ministro (art.º 1.º).

Tem, além de outras atribuições enunciadas no art.º 3.º do último diploma legal citado, a de reclamar os créditos da segurança social em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral, bem como requerer, na qualidade de credor, a declaração de insolvência (alínea e)).

Por sua vez, o art.º 97.º da Lei nº 4/2007, de 16.01, prescreve que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado (n.º 1) e os fundos públicos de capitalização, designadamente o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, beneficiam das isenções previstas na lei (n.º 2).

Face ao conjunto destas disposições legais dispersas pelos diplomas referidos, verifica-se que o ISS, IP, tem como missão prosseguir as atribuições do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS), sob superintendência e tutela do respectivo ministro. Embora esteja integrado na administração indirecta do Estado, o certo é que foi constituído para concretizar os objectivos incluídos no Ministério do Trabalho e da Segurança Social, tendo como atribuição, além de outras que ao caso não interessam, reclamar os créditos da segurança social em sede de processos de insolvência e de execução de índole fiscal, cível e laboral, bem como requerer, na qualidade de credor, a declaração de insolvência (alínea e)).

Entendemos, assim, que para efeitos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, o Instituto da Segurança Social, IP, constitui uma entidade pública e ao formular o pedido de indemnização civil no processo penal, relativamente a créditos da segurança social, está a actuar em exclusivo no âmbito das suas atribuições de defesa do direito fundamental dos cidadãos à segurança social, previsto no art.º 63.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Na verdade, o direito à segurança social constitui um direito fundamental de todos (art.º 63.º n.º 1 da CRP), pelo que o recorrente, ao demandar civilmente as arguidas em processo penal para aí obter o pagamento das prestações que estas não terão entregue à segurança social, está a exercer um direito fundamental e tem legitimidade processual para o efeito, que de resto não está em causa.

Acresce que o art.º 97.º n.º 1 da Lei nº 4/2007, de 16.01, prescreve que as instituições de segurança social gozam das isenções reconhecidas por lei ao Estado. O recorrente é um instituto que prossegue a concretização das funções atribuída por lei à segurança social. Para este efeito, parece-nos que deve ser considerado abrangido pelo regime de isenção prescrito na norma acabada de citar.

Em abono deste entendimento, temos o n.º 2 do art.º 97.º desta última lei, que prescreve que os fundos públicos de capitalização, designadamente o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, beneficiam das isenções previstas na lei. Neste caso, está prevista na alínea p) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP a isenção de custas para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, nos processos em que intervenha na defesa dos direitos dos trabalhadores, dos contribuintes e do património do Fundo.

Enquanto que o n.º 1 do art.º 97.º da Lei 4/2007, de 16.01, isenta desde logo as instituições de segurança social tal como o faz em relação ao Estado, o n.º 2 deste diploma legal remete para a lei a consagração típica da isenção, o que reforça a interpretação que fazemos da alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP.

Temos também a favor deste nosso entendimento o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, na medida em que estabelece uma isenção para as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem no âmbito das suas atribuições ou para defender interesses que lhes estão atribuídos pelo respectivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.

Ora, se nos integrarmos no espírito do sistema, não nos parece plausível que o legislador tenha isentado as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos e já não tenha feito o mesmo para uma entidade pública, como é o Instituto da Segurança Social, IP, que prossegue a defesa de direitos fundamentais dos cidadãos plasmados na Constituição.

Face ao exposto, e porque é obrigatório para apurar se o ISS, IP está obrigado ao pagamento prévio da taxa de justiça e subsequente demonstração nos autos no momento em que deduz o pedido de indemnização civil em processo penal, quando tal pedido é de valor superior a 20 UC, entendemos que beneficia da isenção de custas prevista na alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do RCP, sem prejuízo de ser responsável pelas custas, nos termos gerais, quando se conclua pela manifesta improcedência do pedido (n.º 5) e de apesar de estar isento, ser responsável, a final, pelos encargos a que deu origem no processo, quando a sua pretensão for totalmente vencida (n.º 6).

Os nºs 5 e 6 do art.º 4.º do RCP constituem uma clara interpelação no sentido de que a isenção do pagamento de custas não é absoluto. Só á luz de cada caso concreto, a final, se concluirá se a isenção deve operar e em que termos.

Atento o que se deixou exposto, será de conceder provimento ao recurso, nos estritos termos em que se definiu o seu objecto, ou seja, de que o Instituto de Segurança Social, IP, não está obrigado legalmente a efectuar o pagamento prévio da taxa de justiça, devendo os autos prosseguir com a admissão do pedido de indemnização civil.

Também neste sentido vide o Ac. do TRP, de 06-04-2011, proferido no Proc. n.º 1838/09.9TAVLG-A.P1, em que foi relatora Maria do Carmo Silva Dias, com o sumário seguinte: “O pedido de indemnização civil enxertado no processo penal não está sujeito a autoliquidação ou a pagamento prévio de taxa de justiça.”.

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- Decisão:

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso do Instituto da Segurança Social, IP, e, em consequência, revogar o despacho recorrido, no que respeita á questão em apreço, o qual deve ser substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente, sem o pagamento da taxa de justiça inicial, e com o prosseguindo os autos.

Sem custas.

Notifique
D. N.
Guimarães, 05 de Março de 2012