Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2608/16.3T8VCT.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
LEGITIMIDADE
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – O Fundo de Garantia Automóvel é a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente causado por veículo segurado noutro Estado-membro da EU e ocorrido nesse outro Estado-membro, nas condições previstas no DL 291/2007 de 21 de agosto.

2 – Ao Gabinete Português da Carta Verde compete a satisfação das indemnizações devidas por acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade seja atribuída a seguradoras inscritas em gabinetes congéneres estrangeiros.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

M. J., residente na Rua …, Guimarães, intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra Gabinete Português de Carta Verde, alegando que foi vítima de um acidente de viação ocorrido em Espanha, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais em consequências do mesmo, pretendendo vê-los ressarcidos através da presente ação.

O Réu contestou arguindo, além do mais, a exceção da ilegitimidade, dizendo que o Réu apenas responde por acidentes causados por veículo com matrícula estrangeira ocorridos em Portugal.

O Autor respondeu, alegando que o direito nacional deve ter uma leitura conjunta com o direito comunitário, não sendo exigível aos lesados ter de demandar seguradora estrangeira.
*
Em sede de despacho saneador o Tribunal recorrido proferiu decisão em que julgou o Réu Gabinete da Carta Verde parte ilegítima e o absolveu da instância.
*

Inconformado veio o Autor interpor recurso formulando as seguintes Conclusões:

A. Resulta da conjugação do disposto na Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Setembro de 2009, nos artigos 64º, 67º n.ºs 3 e 7 e 70º/1, b) do DL 291/2007, artigo quarto al. d) do estatuto do Gabinete Português de Carta Verde, da jurisprudência desta Relação (Ac. de 17.11.2016 disponível in www.dgsi.pt), do Tribunal de Justiça da EU (Ac. da Segunda Secção de 10 de Outubro de 2013 - Spedition Welter GmbH contra Avanssur SA - disponível in http://eur-lex.europa.eu) e do Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. de 11/01/2011 e de 25/05/2017, disponíveis in www.dgsi.pt), que a norma do artigo 90º do DL 291/2007 deve ser interpretada no sentido de o Gabinete Português de Carta Verde ser parte legítima em ação a interpor nos tribunais portugueses para reparação de danos que se produziram em Portugal, provocados por veículo de matrícula estrangeira, independentemente de o local onde o acidente ocorreu ser Portugal ou outro Estado Membro da EU.
B. Note-se que “(…) as Diretivas comunitárias têm aplicação direta no direito interno português se as disposições respetivas forem incondicional e suficientemente precisas e tenha já transcorrido o prazo para a sua transposição para o direito interno (…)”, cfr. AC STA de 7/3/2007, disponível in www.dgsi.pt.

No caso,
C. A Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Setembro de 2009 (que revogou a Diretiva 2005/14/CE na base da qual está o DL 291/2007) visa a proteção das vítimas de acidentes de circulação ocorridos num Estado- Membro que não o da sua residência.

Mais concretamente e no que concerne ao ponto em discussão, a Diretiva visa que a pessoa lesada por um acidente de viação ocorrido num Estado que não o de sua residência possa introduzir um pedido de indemnização no Estado-Membro de residência junto de um representante para sinistros designado pela empresa de seguros da parte responsável pelo acidente por forma a que o sinistro seja regularizado de forma que lhe seja familiar (cfr. considerando 34).
Estabelece ainda que os representantes para sinistros designados pela empresa de seguros da parte responsável pelo acidente, deverão ter poderes suficientes para representar a empresa de seguros perante sinistrados que tiverem sofrido danos devido a esses acidentes, bem como para representar a empresa de seguros junto das autoridades nacionais, incluindo, se necessário, os tribunais (cfr. considerando 37 e ainda artigo 21º/5).
Impondo assim que os poderes de representação devem incluir o poder de representar judicialmente a empresa de seguros.
E pese embora, nos termos do artigo 21º/4 “a designação de um representante para sinistros não exclua a possibilidade de a pessoa lesada acionar diretamente a empresa de seguros”, tal não constitui uma obrigatoriedade.
O que se compreende, já que a interposição de ação judicial contra seguradora com sede noutro Estado Membro da UE acarreta custos adicionais, nomeadamente ao nível da tradução, que são evitáveis se demandarmos o seu representante no país onde estamos a interpor a ação.
Ora,
Pretendendo-se com a Diretiva, justamente, o conforto do lesado em poder regularizar o sinistro de forma que lhe seja familiar, mal se compreenderia que se fosse onerar esse mesmo lesado com custos adicionais de tradução e outros, tornando obrigatória a interposição de ação judicial contra seguradora estrangeira.
D. A legislação Portuguesa não permite a interposição de ações judiciais destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação contra entidade que não seja empresa de seguros – cfr. artigo 64º DL 291/2007.
Admitindo, no entanto, que as representantes para sinistros possam ser entidades que não empresas de seguros – cfr. artigo 67º do DL 291/2007.
O que significa que as ações judiciais destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação podem ser interpostas contra a empresa de seguros estrangeira, indicando-se o representante para sinistros como seu legal representante em Portugal e presumindo-se o seu mandato para o efeito – presunção iuris tantum.
E. É o que resulta da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da EU, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 10 de Outubro de 2013, Spedition Welter GmbH contra Avanssur SA, considerou que o artigo 21°, n° 5, da Diretiva 2009/103 deve ser interpretado no sentido de que, entre os poderes suficientes de que deve dispor o representante para sinistros, figura a sua habilitação para receber validamente a notificação dos atos judiciais necessários à instauração de um processo para reparação dos danos de um sinistro perante o órgão jurisdicional competente.
Onde a questão colocada se reportava a ação interposta contra companhia de seguros estrangeira tendo sido indicado como seu legal representante na Alemanha a representante para sinistros, por forma a contornar o equivalente, na legislação alemã, ao preceituado no artigo 64º do “nosso” DL 291/2007 que impõe que as ações judicias destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação devem ser deduzidas só contra empresa de seguros.
F. E já abordada neste Tribunal da Relação em Ac. TR Guimarães de 17-11-2016, disponível in www.dgsi.pt, que decidiu que “Basta que se prove ter havido a indicação do representante para se concluir pela existência do mandato, devendo presumir-se juris tantum que ele abrange a regularização e gestão dos sinistros, extrajudicialmente e nos tribunais” num caso em que a representante para sinistros em Portugal da seguradora estrangeira era uma empresa de seguros acreditada em Portugal para o exercício dessa atividade.
G. O aqui Apelante considera que sendo esta presunção iuris tantum e não sendo, por isso, inilidível, optar por demandar o legal representante da seguradora espanhola em Portugal significa correr o risco de esta vir a provar que não tem mandato para representar a seguradora estrangeira em juízo e ver assim adiado o seu direito a ser ressarcido pelos danos sofridos por mais algum tempo, o que pretende evitar.
H. No Ac. do STJ de 11/01/2011 in www.dgsi.pt., citado na sentença de que se recorre, a representante da seguradora estrangeira em Portugal era também uma empresa de seguros.
Tendo por isso sido decidido que “Em matéria de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, ocorrido em Espanha, sujeito ao regime do seguro obrigatório, em que é responsável uma seguradora domiciliada em Espanha, tem legitimidade para ser demandada a seguradora domiciliada em Portugal que tem um acordo com aquela responsável em que esta incumbe aquela de resolver os litígios deste tipo, tendo a seguradora portuguesa perante aquela se obrigado a regularizar o sinistro, sem necessidade de obter autorização daquela responsável.”
I. Sucedendo que, o DL 291/2007 não permite que se interponha ação judicial contra entidade que não seja empresa de seguros, como supra exposto, e que resulta essencialmente do disposto no artigo 64º e 67º/3 e 7 do DL 291/2007.

Sendo pacífico na jurisprudência isto mesmo.
J. Veja-se o Ac. STJ de 25/05/2017, disponível in www.dgsi.pt, quando diz que “I – O representante para sinistros em Portugal, designado por empresa de seguros estrangeira, embora disponha de poderes para regularizar sinistros ocorridos com lesado português no estrangeiro, não dispõe, nessa qualidade, com base no disposto no artigo 67.º/3 do Decreto- Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que aprovou o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, de poderes de representação judicial da seguradora salvo se esta os conferir, não podendo, assim, enquanto representante de sinistros, ser demandado em ação judicial proposta pelo lesado que não viu ser aceite pelo representante de sinistros o pedido de indemnização pelos danos emergentes de acidente de viação que junto daquele reclamou. II - O representante de sinistros não equivale, por si, à abertura de uma sucursal, por isso, não dispõe de legitimidade passiva para ser demandado em ações de indemnização propostas contra as suas seguradas (artigo 67.º/7 do Decreto-Lei n.º 291/2007). (…)”
K. Note-se ainda que o aqui Apelante está impedido de apresentar reclamação junto do Fundo de Garantia Automóvel nos termos do disposto no artigo 69º e seguintes do mesmo diploma, pois resulta do artigo 70º/1, b) que o Fundo não tem legitimidade se a empresa de seguros estrangeira tiver designado representante para sinistros em Portugal, como designou. Só que apenas para gestão extrajudicial de sinistros e carecendo essa entidade de capacidade judiciária por se tratar de empresa não acreditada como empresa de seguros.
L. Razão pela qual se preconiza a interpretação do disposto no artigo 90º do DL 291/2007 relativo ao Gabinete Português de Carta Verde no sentido de abranger os lesados residentes em Portugal, por acidentes causados por veículo com estacionamento habitual noutro Estado Membro da União Europeia, independentemente de o local onde o acidente ocorreu ser Portugal ou outro Estado Membro da EU, em detrimento da leitura “à letra da lei” do referido artigo.
M. E que se faz à luz quer da impossibilidade de se demandar entidade não credenciada para a atividade seguradora em ação judicial destinada a efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente automóvel – artigo 64º/1, a) do DL 291/2007;
N. À luz dos estatutos do Gabinete Português de Carta Verde, artigo quarto, al. d) que nos diz que “Constituem, entre outras, atribuições do Gabinete: (…) d) Assegurar as funções de Organismo de Indemnização previstas na Diretiva dois mil barra vinte seis barra CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de dezasseis de Maio de dois mil, nomeadamente no que respeita à defesa dos legítimos direitos das vitimas residentes em Portugal com direito a indemnização por qualquer perda ou dano sofridos em resultado de sinistros ocorridos fora de Portugal num país aderente ao sistema de Carta Verde e causados pela utilização de veículos habitualmente estacionados e seguros num estabelecimento situado noutro Estado Membro da União Europeia que não Portugal;
O. E à luz da Diretiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Setembro de 2009.
P. E tendo em consideração a incerteza que se poderá gerar quanto à sua legitimidade passiva ao demandar o legal representante em Portugal da seguradora estrangeira – sua representante para sinistros nos termos do disposto no artigo 67º do DL 291/2007 mas que não é, in casu, uma empresa de seguros.
Q. A questão que se coloca é, em suma, a de saber se o Gabinete Português de Carta Verde é ou não parte legítima para responder por acidente causado por veículo de matrícula estrangeira ocorrido em país da União Europeia (no caso, Espanha) onde sofre danos cidadão português, residente em Portugal (no caso, Guimarães) que conduzia, no momento do acidente, motociclo com matrícula portuguesa de sua propriedade.
R. Considera a douta sentença ora recorrida e seguindo o alegado em sede de contestação pelo Réu, ora Apelado, que não compete ao Gabinete Português de Carta Verde a satisfação das indemnizações decorrentes de acidente de viação ocorridos no estrangeiro, com base no disposto no artigo 90º do DL 291/2007 de 21 de Agosto quando diz que “Compete ao Gabinete Português de Carta Verde (…), a satisfação (…), das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal (…)”.

Interpretando, assim, o referido artigo “à letra”.
S. A sentença ora recorrida é concordante com a posição do A. no que respeita à possibilidade de se interpor ação em Portugal, reclamando indemnização por danos (que que se verificaram maioritariamente em Portugal) decorrentes de acidente ocorrido em país estrangeiro, provocados por veículo de matrícula estrangeira.
T. Sendo ainda concordante no que respeita a não ser necessário interpor a aludida ação necessariamente contra a seguradora estrangeira.
U. Também não deixa de existir concordância quanto à obrigatoriedade de existir em Portugal representante designado pela Companhia de Seguros estrangeira.
V. A dúvida na interpretação do DL 291/2007 coloca-se apenas no que respeita à questão de saber se o representante em Portugal de seguradora estrangeira que tem necessariamente de existir em Portugal e que no caso é a DC Service Portugal, SA tem capacidade judiciária para representar a seguradora estrangeira.
Ou se, inexistindo essa capacidade judiciária no caso concreto da empresa DC Service Portugal, SA, como o A. preconiza, não será o Gabinete Português de Carta Verde uma das partes (outra que não diretamente a seguradora estrangeira) contra quem pode legitimamente ser interposta ação de responsabilidade civil extracontratual decorrente de sinistro automóvel ocorrido fora de Portugal com danos produzidos em Portugal.

ASSIM DECIDINDO, SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES, revogando a douta Sentença recorrida e admitindo como parte legítima o Gabinete Português de Carta Verde, FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS, UMA VEZ MAIS, J U S T I Ç A.
*
Não foram apresentadas contra alegações.
*
*
Questão a decidir:

- Da (i)legitimidade do Gabinete Português da Carta Verde para intervir na presente ação na qualidade de Réu.
*
Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Como se vê da leitura do relatório do presente acórdão, o Autor, residente em Portugal, vem reclamar indemnização por danos sofridos em acidente ocorrido em Espanha, imputando a culpa do mesmo ao outro interveniente nesse incidente, cujo veículo se encontra matriculado seguro em Espanha.
A ação foi intentada contra o GPCV.

O DL 291/2007 de 21 de agosto transpôs parcialmente para o nosso ordenamento jurídico a Diretiva nº 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis.

No art. 65º desse diploma, sob a epígrafe “âmbito de proteção” estabelece-se no seu nº 1 que, “São protegidos nos termos do presente título os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado e segurado num Estado membro e ocorrido, ou em Estado membro que não Portugal, ou, sem prejuízo do fixado no n.º 1 do artigo 74.º, em país terceiro aderente ao sistema da «carta verde»”.

Lê-se no art. 69º do mesmo DL que “O Fundo de Garantia Automóvel garante a indemnização dos lesados referidos no art. 65º, nos termos do presente capítulo”, sendo necessário para tanto, nomeadamente, que nem a empresa de seguros do veículo cuja utilização causou o acidente, nem o respetivo representante, tenham apresentado ao lesado uma resposta fundamentada ao seu pedido de indemnização nos prazos referidos nos arts. 36º e 37º.

Deste modo, segundo este diploma, a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente ocorrido noutro Estado-membro ou em Estado aderente ao sistema da “carta verde”, nas circunstâncias aí previstas, é o Fundo de Garantia Automóvel e não o Gabinete Português da Carta Verde.

Com efeito, dispõe o art. 90º desse diploma o seguinte:

“Compete ao Gabinete Português de Carta Verde (…), a satisfação, ao abrigo desse Acordo, das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados:

a) Por veículos portadores do documento previsto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 28.º e com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo, ou matriculados em país terceiro que não tenha serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido seja ao Acordo, seja à secção II do Regulamento anexo ao Acordo, mas que, não obstante, sejam portadores de um documento válido justificativo da subscrição em país aderente ao Acordo de um seguro de fronteira válido para o período de circulação no território nacional e garantindo o capital obrigatoriamente seguro;
b) Ou por veículos com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo e sem qualquer documento comprovativo do seguro. (sublinhado nosso).

Em casos como o presente, em que o acidente não ocorreu em Portugal mas sim noutro Estado membro da UE, é o Fundo de Garantia Automóvel que exerce as funções de “Organismo de Indemnização” previsto na Diretiva 2000/26/CE e transposta para o nosso ordenamento pelo DL acima mencionado.

O Recorrente alega que a demanda do GPCV tem fundamento no disposto na Diretiva 2009/103/CE, de 16/9/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, entendendo que a mesma é diretamente aplicável no direito interno português.

Esta Diretiva diz respeito ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, lendo-se no ponto 34 do seu preâmbulo que “A pessoa lesada por um acidente de viação que caia no âmbito de aplicação da presente diretiva e ocorrido num Estado que não o de residência deverá poder introduzir um pedido de indemnização no Estado-Membro de residência junto de um representante para sinistros designado pela empresa de seguros da parte responsável pelo acidente. Esta solução permite que um sinistro ocorrido fora do Estado-Membro de residência da pessoa lesada seja regularizado de forma que lhe seja familiar”, objetivo este que se encontra regulado nos arts. 20º e seguintes da Diretiva em análise.

Vejamos:

O art. 288º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia dispõe, na parte com interesse para o caso em apreço que:

O regulamento tem caráter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros.
A diretiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

Assim, como se constata pela leitura do preceito citado, a Diretiva, ao contrário do que acontece com o regulamento, que é imediatamente aplicável na ordem jurídica interna dos países da UE após a sua entrada em vigor, não é diretamente aplicável nos países da EU, tendo que ser objeto de transposição para o direito nacional.

De qualquer forma, a mencionada Diretiva não especifica que organismo exerce em cada Estado as funções de “Organismo de Indemnização”, portanto, com base na mesma, essas funções não poderiam ser atribuídas ao GPCV.
Por outro lado, conforme vimos acima, o DL 291/2007 acautela os direitos dos lesados residentes em Portugal, que foram vítimas de acidente de viação num outro Estado membro da EU, de forma a permitir-lhes requerer a indemnização no nosso país ao Organismo de Indemnização, verificando-se as condições aí previstas (que são iguais às que constam do art. 24º da Diretiva 2009/103/CE).
No entanto, em casos como o presente (lesado residente em Portugal e acidente ocorrido no estrangeiro causado por veículo habitualmente aí estacionado), como já foi dito, a nossa lei atribuiu o papel de Organismo de Indemnização ao FGA e não ao GPCV.
É certo que a demanda do FGA não ocorre em qualquer caso de acidente ocorrido no estrangeiro e lesado residente em Portugal mas apenas nas circunstâncias previstas no mencionado Decreto-Lei, coincidente com o previsto nas referidas Diretivas.
Se tais circunstâncias se verificam ou não no caso em apreço, não faz parte do objeto deste recurso, não nos cumprindo pois, pronunciar-nos sobre essa matéria, pois o que aqui cumpre analisar é apenas se ao GPCV cabe responder pela indemnização peticionada pelo Autor e, como acima vimos, não cabe.

Em face do que foi dito, conclui-se pela improcedência do recurso, confirmando-se decisão recorrida.
*
*
Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo Apelante que decaiu na apelação.

*
Guimarães, 12 de abril de 2018

(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)