Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7851/16.2T8VVVNF.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO
DELIBERAÇÃO DE CÂMARA MUNICIPAL
ALTERAÇÃO DO REGIME
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DA DELIBERAÇÃO
ARTºS 1º N.º1 DO DL Nº 48/96
DE 15.05
ARTºS 31.º DO DL Nº 48/96
DE 15.05
ARTº 3º DO DL Nº 10/2015 DE 16.01
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Estando suspensa a eficácia da uma deliberação da Câmara Municipal, quanto à restrição ao horário de funcionamento de estabelecimento comercial (por a recorrente, oportunamente, haver intentado no TAF, uma providência cautelar nesse sentido e atento o disposto no artigo 128º, nº. 1, do CPTA), vigorando o regime de horário de funcionamento livre (de harmonia com o estatuído no artigo 1º, nº. 1 e 31º do DL nº. 48/96, de 15 de maio, na redação introduzida pelo artigo 3º do DL nº. 10/2015, de 16 de janeiro), há que concluir que a arguida/recorrente ao manter em actividade o estabelecimento no período temporal em causa nos autos , não inobservou o horário de funcionamento do estabelecimento, nem violou qualquer disposição legal, não tendo cometido as contraordenações de que vinha acusada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO

1.1. Nos autos de contraordenação em referência, por decisão de 03/11/2016, da Câmara Municipal foi a arguida BR., Ldª. condenada, pela prática de cinco contraordenações p. e p. pelo artigo 31º do Decreto-Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro e artºs. 1º, 3º e 5º, nº. 2. al. b), do Decreto-Lei nº. 48/96, de 15 de maio (alterado pelos DL nº. 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de outubro, 48/2011, de 1 de abril e 10/2015, de 16 de janeiro), na coima de € 2.500,00.

1.2. A arguida impugnou judicialmente esta decisão administrativa.

1.3. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, conforme decorre das respetivas atas.

1.4. Foi proferida sentença, em 03/04/2017, depositada nessa mesma data, julgando a impugnação improcedente, decidindo manter a decisão administrativa.

1.5. Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs recurso para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as seguintes conclusões:

A) A sociedade Recorrente não se conforma com a Sentença proferida que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial e, em consequência, decidiu manter a decisão administrativa da Câmara Municipal constante de fls. 155 a 159, que condenou a Recorrente no pagamento da coima única de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), pela prática de cinco contra-ordenações previstas e punidas pelos artigos 31º do Decreto-Lei nº. 10/2015, de 16/01 e artigos 1º, 3º e 5º, nº. 2, alínea b), do Decreto-Lei nº. 48/96, de 15 de Maio (alterado pelos Decretos-Lei nº. 126/96, de 10 /08, 111/2010, de 15/10, 48/2011, de 01/04 e 10/2015, de 16/01).

B) Na verdade, a prova documental junta aos autos, e na qual o Tribunal “a quo” sustenta a sua decisão, impõe decisão diametralmente oposta, e assim no sentido da improcedência da impugnação judicial com a consequente revogação da decisão administrativa.

C) Desde logo, do teor da decisão administrativa impugnada e da sentença proferida no âmbito do processo cautelar nº. 2517/15.3BEBRG do TAF de Braga de fls. 73 a 105 (documento nº. 4, da impugnação judicial), resulta inequivocamente que a Câmara Municipal veio, mediante deliberação de 20/05/2015, restringir o horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente, para o horário “das 0,700 horas às 24,00 horas, para todos os dias da semana” e não até às 02horas da manhã como consta dos factos provados – ponto 12.

D) Sendo que, da prova documental oferecida nos autos, resulta igualmente que aquela deliberação de 28/05/2015, da Camara Municipal, à data dos factos cuja prática veio imputada à Recorrente, estava suspensa na sua execução, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 128º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

E) Com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal “a quo” ao decidir pela total improcedência da impugnação da decisão administrativa em causa, incorrendo em grave erro, não apenas porque o teor dos documentos juntos aos autos e referenciados em sede de motivação impunham, por si só, decisão diametralmente oposta à decisão recorrida, mas porque é totalmente contrária à Lei.

F) Tratando-se de uma questão de Direito e de inobservância, pelo Tribunal “a quo” do disposto no artigo 128.º, do CPTA.

Porquanto:
G) Como ficou alegado e consta do Enquadramento Jurídico-Contraordenacional da Sentença recorrida, tratando-se o estabelecimento da Recorrente de um estabelecimento de bebidas com espaço para dança, por força do disposto no artigo 1º, do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de Janeiro, o regime de horário em vigor à data dos factos é um regime de horário de funcionamento livre, desde a entrada em vigor deste diploma, ou seja, desde 17 de Janeiro de 2015.

H) Horário de funcionamento livre que pode ser objeto de restrição por parte das Câmaras Municipais.

I) Como tal, não obstante o fundamento da impugnação de tal ato administrativo, em sede de acção especial a tramitar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, entre os quais a falta de eficácia jurídica por falta de habilitação legal, veio a Câmara Municipal, mediante deliberação de 28/05/2015, restringir o horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente para o horário das 07horas às 24horas, todos os dias da semana.

J) Deliberação que foi objecto de uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, apresentada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 19/06/2015, que deu origem ao processo nº 2517/15.3BEBRG, que foi admitida por douto despacho proferido naqueles autos em 25/06/2015, junto com a impugnação judicial sob o documento nº 3, constante a fls. 71 dos presentes autos de impugnação judicial.

k) Porém, entendeu, erradamente, o Tribunal “a quo” que, apesar de à data dos factos estar pendente a providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal, esta mesma deliberação não foi suspensa na sua execução, nem mesmo provisoriamente.

L) Mais fazendo constar que, “não foi proferido, ou pelo menos não foi junto aos autos, no âmbito de tal processo qualquer despacho a suspender, ainda que provisoriamente o acto administrativo impugnado”, o que não se concebe, em virtude da suspensão ter um efeito jurídico “ope lege”, automático, não obstante o despacho de admissão da providência cautelar evidenciar tal efeito, ordenando que se desse conta ao Município do estatuído no artigo 128º do CPTA.

M) Destarte, é ilegal a decisão recorrida na parte em que se considera que a providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, apresentada em 19/06/2015, não suspendeu o acto administrativo impugnado, quanto tal resulta expressamente da Lei, do artigo 128º do CPTA, e também do despacho de admissão daquela providência cautelar.

N) É indubitável que, a apresentação da providência cautelar suspendeu a eficácia da deliberação da Câmara Municipal de 28/05/2015, apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 19/06/2015, suspendeu a execução desta mesma deliberação;

O) Suspensão que estava em vigor em 05/09/2015, 19/09/2015,03/10/2015 e 19/10/2015 e 07/114/2015 – datas dos factos imputados -, uma vez que, como resulta dos documentos oferecidos nos autos – sentença junta sob o documento nº 4, a fls. 73 a 105 dos autos -, a suspensão apenas terminou em 12 de Abril de 2016, aquando do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de providência cautelar, que recusou a providência requerida.

P) Como tal, estatuindo o artigo 1º, do Decreto-Lei nº. 10/2015, de 16 de Janeiro, que a partir da sua entrada em vigor – 17/01/2015 –, os estabelecimentos de bebidas, como é o estabelecimento da Recorrente, têm um horário de funcionamento livre, e suspensa que estava a deliberação de restrição de horário de funcionamento da Câmara Municipal, o horário a considerar na data da prática dos factos imputados era o horário livre e, deste modo, não tinha o estabelecimento em causa que encerrar, nem às 24horas, nem às 02horas.

Q) Tanto mais que, por se entender que à data dos factos constantes dos autos de notícia, a deliberação de restrição de horário de funcionamento para o horário das 07horas às 24HORAS, todos os dias da semana, não foi considerado pelos Agentes Autuantes , pois estes consideravam as 02horas por se tratar do horário que vigorava antes da entrada em vigor do regime jurídico da liberalização dos horários de funcionamentos estatuído pelo mencionado Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de Janeiro.

R) Pelo que, a Recorrente não praticou as contra-ordenações que lhe foram imputadas, dado que nas circunstâncias de tempo, modo e de lugar referidas em 1., 3., 5., 7. e 9., dos factos provados encontrava-se em funcionamento, com pessoas/clientes no seu interior quando vigorava um regime de horário de funcionamento livre e, como tal, se qualquer obrigação de encerrar às 02horas da manhã.

S) Consequentemente, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação da Recorrente, com a inerente revogação da decisão administrativa da Câmara Municipal que condenou a Recorrente no pagamento da coima única de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), por não ter praticado as contra-ordenações que (erradamente) lhe foram imputadas.

T) Revogação da sentença proferida que se impõe sob pena de violação dos princípios fundamentais de direito como são os princípios da Legalidade e da Igualdade, com consagração nos artigos 3º, 13º e 266º, da Lei Fundamental, e em violação do disposto nos artigos 1º e 31º do Decreto-Lei nº. 48/96, de 01 de Abril, na sua redacção actual , e do disposto no artigo 128.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

U) O que se peticiona a V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores por ser de inteira Justiça.
Termina pugnando para que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a impugnação judicial, com a revogação da decisão administrativa e inerente absolvição da Recorrente das contraordenações cuja prática lhe foi imputada.

1.6. O recurso foi regularmente admitido, por despacho de fls. 317.

1.7. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, nos termos constantes de fls. 321 a 324, formulando, a final, as seguintes conclusões:

1.- Tendo em conta o efeito suspensivo da providência cautelar proposta pela recorrente, nos termos do artigo 128º do CPTA, contrariamente ao alegado pela recorrente, no momento em que se verificaram as infracções, não estava em vigor um regime de horário livre, mas ainda o regime de horário que tinha sido fixado anteriormente pelo regulamento da Câmara Municipal, o qual ainda não tinha sido adaptado nos termos do artigo 4.° n.º 1 do Decreto-Lei nº. 48/96, de 15 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 10/201S de 16 de Janeiro.

2.- O horário que estava autorizado anteriormente, "há mais de vinte anos", segundo alegava a própria recorrente na sua providência cautelar (cfr. f1s.78), era das 19h às 24h de Domingo a Quinta-feira e das 10h às 2h às Sextas­-feiras, Sábados e vésperas de feriados.

3.- O referido estabelecimento estava em funcionamento após as 2h da manhã, todos os dias dos autos de contra-ordenação que lhe foram imputados, nomeadamente entre as 2h30m e as 4h da manhã, ou seja, bem depois das 2h, horário esse auto-regulado pela própria, tal como esta reconheceu em sede de providência cautelar.

4.- A conduta da arguida é ilícita e culposa, integrando a prática das contra-ordenações pelas quais foi condenada, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude da sua conduta, sendo que se encontrava em funcionamento para além das 2h da manhã, ou seja, depois do horário fixado pela autoridade administrativa e do próprio horário pelo qual se havia auto-regulado.

5.- Nestes termos, a actual Sentença deve ser mantida, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso interposto.
Conclui no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus termos.
1.8. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos que constam de fls. 334 e 335, aderindo à posição defendida pelo Ministério Público, junto da 1ª Instância, acrescentando sufragar o entendimento de que o ato que ordena a instauração de processo de contraordenação, porque se insere no procedimento contraordenacional, está excluído do âmbito da jurisdição administrativa e concluindo no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente.
1.9. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo a arguida/recorrente exercido o direito de resposta, nos termos que constam a fls. 343 a 346, manifestando que em momento algum impugnou a competência material do juízo criminal que proferiu a sentença recorrida reiterando que a deliberação da C.M. de restrição do horário de funcionamento da Recorrente não estava em vigor, por suspensa na sua execução, nos termos legalmente previstos no artigo 128º, do CPTA e, por conseguinte, que deverá ser concedido provimento ao recurso.
1.10. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. art.º 412º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do disposto nos artigos 41.º n.º 1 e 74.º n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro)
Tal não exclui o conhecimento oficioso dos vícios enumerados no artigo 410º, nº. 2, do C.P.P., quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou em sua conjugação com as regras da experiência comum, bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
2.2. In casu, atentas as conclusões extraídas da motivação do recurso interposto pela arguida são suscitadas as seguintes questões:

– Contradição entre a matéria factual provada na sentença recorrida, sob o ponto 12 e a correspondente motivação;

– Saber se a deliberação da Câmara Municipal, de 28/05/2015 (que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente, estabelecendo a hora de encerramento “às 24,00 horas) estava suspensa na sua execução, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 128º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ), à data dos factos cuja prática veio imputada à Recorrente;

– Saber se por força do disposto no artigo 1º, do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de Janeiro, o regime de horário em vigor à data dos factos era de funcionamento livre.

2.3. Para que possamos apreciar as enunciadas questões importa considerar o teor da sentença recorrida, que passamos a transcrever, na parte pertinente:
«(…)

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:
Com relevo para a boa decisão da causa resultam provados os seguintes factos:

1. Auto de notícia NPP 397434/2015 (P.C.O. nº 409/15-1) - em visita de fiscalização, ao estabelecimento da arguida, em 05/09/2015, entre as 2,50 h e as 3,00 horas foi constatado que o mesmo se encontrava a laborar normalmente, contendo no seu interior, cerca de 50 clientes a consumirem bebidas ali comercializadas;
2. A detecção deste comportamento, pela entidade autuante, traduz por parte da firma arguida o desrespeito pelo cumprimento, da ordem de restrição horária imposta, ao seu horário de funcionamento, pela CÂMARA MUNICIPAL, nos termos e para os efeitos da deliberação de 28/05/2015 e, que lhe fora regularmente notificada, pelos serviços.
3. Auto de notícia NPP 419101/2015 (P.C.O. nº 422/15-1) - em visita de fiscalização, ao estabelecimento da arguida, em 19/09/2015, pelas 2,30 horas foi constatado que o mesmo se encontrava a laborar, contendo no seu interior, cerca de 60 clientes a consumirem os artigos ali comercializados, estando a ser reproduzida música em alto som;
4. A detecção deste comportamento, pela entidade autuante, traduz por parte da firma arguida para além da atividade ruidosa, o desrespeito pelo cumprimento, da ordem de restrição horária imposta, ao seu horário de funcionamento, pela CÂMARA MUNICIPAL, nos termos e para os efeitos da deliberação de 28/05/2015 e, que lhe fora regularmente notificada, pelos serviços.
5. Auto de notícia NPP 442134/2015 (P.C.O. nº 440/15-1) - em visita de fiscalização, ao estabelecimento da arguida, em 03/10/2015, pelas 4,00 horas foi constatado que o mesmo se encontrava a laborar, contendo no seu interior, mais de 100 clientes a consumirem os artigos ali comercializados, estando a ser reproduzida música ambiente;
6. A detecção deste comportamento, pela entidade autuante, traduz por parte da firma arguida para além da atividade ruidosa, o desrespeito pelo cumprimento, da ordem de restrição horária imposta, ao seu horário de funcionamento, pela CÂMARA MUNICIPAL, nos termos e para os efeitos da deliberação de 28/05/2015 e, que lhe fora regularmente notificada, pelos serviços.
7. Auto de notícia NPP 468214/2015 (P.C.O. nº 461/15-1) - em visita de fiscalização, ao estabelecimento da arguida, em 18/10/2015, pelas 4,20 horas foi constatado que o mesmo se encontrava a laborar, contendo no seu interior, cerca de 20 clientes a consumirem os artigos ali comercializados, estando a ser reproduzida música em alto som;
8. A detecção deste comportamento, pela entidade autuante, traduz por parte da firma arguida para além da atividade ruidosa, o desrespeito pelo cumprimento, da ordem de restrição horária imposta, ao seu horário de funcionamento, pela CÂMARA MUNICIPAL, nos termos e para os efeitos da deliberação de 28/05/2015 e, que lhe fora regularmente notificada, pelos serviços
9. Auto de notícia NPP 499435/2015 (P.C.O. nº 521/15-1) - em visita de fiscalização, ao estabelecimento da arguida, em 07/11/2015, pelas 2,30 horas foi constatado que o mesmo se encontrava a laborar, contendo no seu interior, cerca de 80 clientes a consumirem os artigos ali comercializados;
10. A deteção deste comportamento, pela entidade autuante, traduz por parte da firma arguida para além da atividade ruidosa, o desrespeito pelo cumprimento, da ordem de restrição horária imposta, ao seu horário de funcionamento, pela CÂMARA MUNICIPAL, nos termos e para os efeitos da deliberação de 28/05/2015 e, que lhe fora regularmente notificada, pelos serviços.
11. A arguida foi notificada em 01/06/2015, da deliberação de Câmara Municipal de 28/05/2015, relativa à restrição de horário de funcionamento, tendo em tempo interposto, providência cautelar de suspensão da eficácia do acto, que correu seus termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o número 2517/15.3BEBRG, a qual, por sentença de 18 de Março de 2016, do TAF-BRAGA, foi recusada.
12. De acordo com a deliberação de Câmara Municipal de 28/05/20150 horário de encerramento é às 02:00 da manhã;

*
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos).
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2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

A convicção do Tribunal assentou nos autos de notícia de fls. 7 a 13 e 39, elaborados pela PSP certidão de matrícula da arguida de fls. 18, notificações de fls. 41 a 44, sentença da providência cautelar nº 517/15.3BEBRG do TAF de Braga de fls. 73-105,certidão de fls. 130-152, despacho no âmbito do processo nQ2517/15.3BEBRG de fls. 71, em conjugação com o depoimento das testemunhas António, Manuel, Artur e José, agentes da PSP, que se deslocaram ao estabelecimento da arguida e constaram os factos por si relatados nos autos de notícia, os quais confirmaram, cada um o que por si foi elaborado.
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3. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA:

3.1.ENQUADRAMENTO JURIDICO-CONTRA-ORDENACIONAL:
O Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, que entrou em vigor a 1 de Março de 2015 (cfr. art. 17) veio regular o regime jurídico de acesso às atividades económicas do comércio, serviços e restauração.
Através do presente diploma vigora o princípio da liberdade de acesso e exercício das actividades económicas, uma das dimensões fundamentais do princípio da liberdade de iniciativa económica consagrado no artigo 61.º da Constituição, exceptuado apenas em situações por imperiosas razões de interesse público em que se exige uma permissão administrativa.
Na verdade, a regra geral prevista no presente decreto-lei passa pela exigência de meras comunicações prévias, destinadas apenas a permitir às autoridades um conhecimento sobre o tecido económico português. Assume-se, em contrapartida, uma perspetiva de maior responsabilização dos operadores económicos, com um incremento de fiscalização e das coimas aplicáveis.
O presente decreto-lei implementa assim de forma acrescida os princípios e as regras a observar no acesso e exercício das actividades de serviços realizadas em território nacional, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.
Aproveitou-se a oportunidade para introduzir simplificações em diplomas conexos, em matéria de horários de funcionamento de estabelecimentos de comércio e de serviços e de vendas a retalho com redução de preço, a fim de revitalizar o pequeno comércio e os centros urbanos onde se localiza.
Estas medidas visam potenciar a criação de emprego, aumentando a concorrência, a produtividade e a eficiência e adequar a oferta às novas necessidades dos consumidores. Promovem ainda a adaptação do mercado à crescente procura turística que tem vindo a verificar-se em Portugal, assim como uma resposta adequada por parte do mercado ao desafio do comércio electrónico.
A par da liberalização de horários de funcionamento dos estabelecimentos procede-se a uma descentralização da decisão de limitação dos horários. Prevê-se, com efeito, que as autarquias possam restringir os períodos de funcionamento, atendendo a critérios relacionados com a segurança e proteção da qualidade de vida dos cidadãos, sempre sem prejuízo da legislação laboral e do ruído.
Assim, estabelece o artigo 31º do referido diploma, sob a epígrafe "Horários de funcionamento dos estabelecimentos", que:
"Sem prejuízo do disposto em regime especial, os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços e de restauração ou bebidas abrangidos pelo RJACSR devem observar o disposto no Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, alterado pelos Decretos-Leis n.os 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de Outubro, e 48/2011, de 1 de Abril, quanto ao respectivo horário de funcionamento."
Ora, tal Diploma - Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio - regula o Regime de Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais.
Os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, de restauração ou de bebidas com espaço para dança ou salas destinadas a dança, ou onde habitualmente se dance, ou onde se realizem, de forma acessória, espectáculos de natureza artística, os recintos fixos de espectáculos e de divertimentos públicos não artísticos, têm horário de funcionamento livre (cfr. art. 1º, com as alterações do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro)
Contudo, as Câmara Municipais podem restringir os períodos de funcionamento, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de protecção da qualidade de vida dos cidadãos, para o que deverá ouvir os sindicatos, as forças de segurança, as associações de empregadores e consumidores e a junta de freguesia competente (cfr. art. 3º, com as alterações do Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro)
Nesta decorrência, e no uso dos poderes que lhe são concedidos, a Câmara Municipal restringiu o horário que abrange o estabelecimento em causa, nos termos e para os efeitos da deliberação de 28/05/2015 e, que foi regularmente notificada a arguida.
Tanto assim é, que a arguida recorreu aos Tribunais Administrativos par impugnar tal acto administrativo. Contudo ao contrário do que alega a recorrente a providência cautelar de que lançou mão não suspendeu a eficácia da deliberação de 28/05/2015. Dúvidas não existem que tal era o efeito pretendido, contudo tal providência cautelar foi recusada - cfr. sentença junta aos autos a fls. 195-226. Acresce que não foi proferido, ou pelo menos não foi junto aos autos, no âmbito de tal processo qualquer despacho a suspender, ainda que provisoriamente o acto administrativo impugnado. Nesta decorrência não logra provimento a alegação da recorrente.
Nesta decorrência, verifica-se que atentos os factos provados que a recorrente praticou as contra-ordenações que lhe são imputadas dado que nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidos em L, 3., 5., 7. e 9. dos factos provados encontrava-se em funcionamento, com pessoas/clientes no seu interior após o horário das 02:00 horas (hora em que deveria encerrar).
Veja-se que nos termos do art. 5º, nº 2, aI. b), do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, constitui contra-ordenação punível com coima de (euro) 250 a (euro) 3740, para pessoas singulares, e de (euro) 2500 a (euro) 25 000, para pessoas colectivas, o funcionamento fora do horário estabelecido.
Atentos os diplomas aplicáveis e a sua entrada em vigor - Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro e Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio - e a deliberação de Câmara Municipal de 28/05/2015 que foi notificada à arguida em 01/06/2015, dúvidas não existem que tal legislação e ato administrativo é aplicável nos presentes autos, pois atenta à data em que os factos foram praticados, encontravam-se já em vigor e produziam já os seus efeitos jurídicos.
Pelo exposto, encontram-se preenchidos os elementos do tipo objectivo contra­ordenacional.
Todavia, face à neutralidade ética das condutas nas contra-ordenações, poderá, em rigor, falar-se de culpa?
Figueiredo Dias é de opinião que pode e deve falar-se de culpa, no sentido de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor. Isto é, no sentido de sujeição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima - d. Figueiredo Dias, in O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social, Jornadas de direito criminal, CEJ, 1983, pág. 315 e ss.
Atentos os factos provados, entendemos que a arguida agiu com culpa e na modalidade de negligência, dado que não agiu com o cuidado de indagação das obrigações legais que sobre a mesma recaem.
Atenta a matéria assente, inexiste qualquer circunstância susceptível de excluir a ilicitude e/ou a culpa.
Face ao exposto, improcede o presente recurso de contra-ordenação.

4. DECISÃO:

Pelo exposto, julgo totalmente improcedente as nulidades invocadas pela recorrente, bem como o presente recurso de impugnação judicial e, em consequência, decido:
1. Manter a decisão administrativa da Câmara Municipal, constante de fls. 155 a 159, que condenou a recorrente BR., LDA no pagamento da coima única de €2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), pela prática de cinco contra-ordenações previstas e punidas pelos arts, 3lº do DI. nº l0/2015, de 16 de Janeiro, e arts, lº, 3º, e 5º, nº2 alínea b) do Decreto-Lei n.e 48/96, de 15 de Maio, (alterado pelos Decretos-Leis n.os 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de Outubro, 48/2011, de 1 de Abril e DI. nº 10/2015, de 16 de Janeiro).
(…).»

2.4. Antes de entrarmos na apreciação das concretas questões suscitadas pela recorrente, importa frisar que o recurso da decisão judicial proferida no âmbito do processo de contraordenação, é restrito à matéria de direito, nos termos do disposto no art.º 75, do RGCO e que em relação à matéria de facto, apenas pode ser impugnada, por via, da invocação dos vícios (que também são de conhecimento oficioso), previstos no artigo 410º n.º 2 do Código Processo Penal, aplicável ex vi, art.º 74º n.º 4 do RGCO, quais sejam: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova.
Tratam-se de vícios que têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, para fundamentar a existência do vício, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos.
2.5. Apreciemos, então, as questões suscitadas:

– Da contradição entre a matéria factual provada na sentença recorrida, sob o ponto 12 e a correspondente motivação
A arguida/recorrente invoca a existência de contradição da matéria factual dada como provada no ponto 12, no segmento respeitante à hora de encerramento do estabelecimento – 02:00 da manhã – e o teor da deliberação da Câmara Municipal, de 28/05/2105, que estabeleceu o dito horário, sendo a hora de encerramento pelas 24 horas, todos os dias da semana.
O Digno Procurador-Adjunto junto da 1ª instância, na resposta ao recurso, entende, que nesta parte, assiste razão á arguida/recorrente, devendo a redação do ponto 12 dos factos provados ser retificada em conformidade.
Apreciando:
Embora nos factos dados como provados na sentença recorrida não seja reproduzido o teor da aludida deliberação de restrição de horário de funcionamento do estabelecimento da arguida, na motivação da decisão de facto exarada na sentença, o Tribunal a quo consignou que para sedimentar a sua convicção atendeu, designadamente, ao teor do documento junto a fls. 73 a 105.
Ora, do teor do aludido documento resulta que de harmonia com essa deliberação, e para efeito do disposto no nº. 3 do Decreto-Lei nº. 48/96, de 15 de maio, na redação dada pela Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro, a restrição de horário de funcionamento imposta pela Câmara Municipal, quanto à hora de encerramento, é às 24 horas, todos os dias da semana.
Verifica-se, assim, nesse concreto ponto, contradição insanável entre aquele facto provado e a respetiva fundamentação/motivação.
Assim, julgando-se verificado o enunciado vício, previsto no artigo 410º, n°2, al. a), CPP, mas constando dos autos os elementos necessários à respetiva sanação, impõe-se que se altere o ponto 12 da matéria factual dada como provada na sentença recorrida, com referência ao horário de encerramento, às 24 horas (e não às 02:00 da manhã como consta do ponto 12).
Ae a questões suscitadas pela arguida/recorrente – saber se a deliberação da Câmara Municipal, de 28/05/2015 (que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento da Recorrente, estabelecendo a hora de encerramento “às 24,00 horas) estava suspensa na sua execução, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 128º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ), à data dos factos cuja prática veio imputada à Recorrente; e saber se por força do disposto no artigo 1º, do Decreto-Lei nº 10/2015, de 16 de janeiro, o regime de horário em vigor à data dos factos era de funcionamento livre), serão apreciadas em conjunto, uma vez que estão interrelacionadas.
Sustenta a arguida/recorrente que à data dos factos que lhe são imputados, com referência ao estabelecimento comercial por si explorado, vigorava o horário de funcionamento livre, atento o disposto no artigo 31º da Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro, estando a indicada deliberação da Câmara Municipal, de 28/05/2015, que restringiu o horário de funcionamento, suspensa a eficácia da respetiva execução, atenta a pendência da providência cautelar que a ora requerente intentou, no Tribunal Administrativo e atento o disposto no artigo 128º, nº. 1, do CPTA.
O Ministério Público, junto da 1ª instância, na resposta ao recurso, que foi acolhida pelo Exmº. PGA, junto desta Relação, pronuncia-se no sentido de não assistir razão à arguida/recorrente, defendendo que tendo em conta o efeito suspensivo da providência cautelar instaurada pela recorrente, nos termos do artigo 128º do CPTA, no momento em que se verificaram os factos, não estava em vigor o regime de horário livre, mas ainda o regime de horário que tinha sido fixado anteriormente pelo regulamento da Câmara Municipal e que ainda não tinha sido adaptado nos termos do artigo 4º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 48/96, de 15 de maio, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro, pelo que a conduta da arguida que resultou apurada, integra a prática das contraordenações por que foi condenada.
Vejamos:
Á sociedade arguida ora recorrente é imputada a prática de cinco contraordenações p. e p. pelo artigo 31º do Decreto-Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro e artºs. 1º, 3º e 5º, nº. 2, al. b), do Decreto-Lei nº. 48/96, de 15 de maio, com as alterações subsequentes, sendo a mais recente introduzida pela Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro, por inobservância do horário de funcionamento do estabelecimento comercial que explora, desrespeitando a deliberação da Câmara Municipal, data de 28/05/2015, que impôs a restrição de horário, estabelecendo o limite para o encerramento pelas 24:00 horas, todos os dias da semana.
Encontra-se provado que nas datas e horário que seguidamente se enunciam, a arguida/recorrente, mantinha em funcionamento o estabelecimento de bar que explora:
- No dia 05/09/2015, entre as 2h:50m e as 3h:00m;
- No dia 19/09/2015, pelas 2h:30m;
- No dia 03/10/2015, pelas 4h:00m;
- No dia 18/10/2015, pelas 4h:20m; e
- No dia 07/11/2015, pelas 2h:30m.
Nas datas referenciadas, o regime relativo ao horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais era regulado pelo Decreto-Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro, que aprovou Regime Jurídico de Acesso e Exercício de Atividades de Comércio, Serviços e Restauração (RJACSR), procedendo, na parte que releva para o caso dos autos, à alteração da legislação aplicável aos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais.
O RJACSR entrou em vigor no dia 1 de Março de 2015, à exceção das normas do mesmo diploma legal que constituem habilitação para a aprovação de regulamentos administrativos, bem como os requisitos aplicáveis ao exercício da função de responsável técnico de atividade funerária, que entraram em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma, ou seja, no dia 17 de Janeiro de 2015 (cfr. artigo 17º do Decreto-Lei nº. 10/2015).
O regime jurídico previsto no enunciado diploma legal aplicando-se aos empresários que já tenham acedido às atividades de comércio, serviços e restauração antes do dia 1 de Março de 2015, mas apenas aos factos ocorridos após a data de entrada em vigor do diploma (cfr. artigo 15º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 10/2015).
Enquanto a legislação anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 10/2015 (Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de Maio, alterado pelos Decretos- Lei n.ºs. 126/96, de 10 de Agosto, 111/2010, de 15 de Outubro, e 48/2011, de 1 de Abril) previa diferentes horários de funcionamento, consoante a natureza dos estabelecimentos comerciais em causa, o Decreto-Lei nº. 10/2015, estabeleceu como princípio geral o de horário de funcionamento livre.
Em relação aos horários dos estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços e de restauração ou bebidas abrangidos pelo RJACSR, o artigo 31º do mesmo diploma estatui que sem prejuízo do disposto em regime especial (…) devem observar o disposto no Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs. 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de outubro, e 48/2011, de 1 de abril, quanto ao respetivo horário de funcionamento.
Assim, por força da alteração da redação dos artigos 1º, nº. 1, 3º e 4º, nº. 1, do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio - alterado pelos Decretos-Leis n.ºs. 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de outubro, e 48/2011, de 1 de abril –, introduzida pelo artigo 3º do RJACSR, o regime jurídico do horário de funcionamento dos enunciados estabelecimentos comerciais passou a ser seguinte:

«Artigo1.º
1 - Sem prejuízo do disposto no regime especial em vigor para atividades não especificadas no presente diploma, os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração ou de bebidas, os estabelecimentos de restauração ou de bebidas com espaço para dança ou salas destinadas a dança, ou onde habitualmente se dance, ou onde se realizem, de forma acessória, espetáculos de natureza artística, os recintos fixos de espetáculos e de divertimentos públicos não artísticos têm horário de funcionamento livre.
(…)
Artigo 3º
As câmaras municipais, ouvidos os sindicatos, as forças de segurança, as associações de empregadores, as associações de consumidores e a junta de freguesia onde o estabelecimento se situe, podem restringir os períodos de funcionamento, a vigorar em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, em casos devidamente justificados e que se prendam com razões de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos.
Artigo 4º
1 - Os órgãos municipais devem adaptar os regulamentos municipais sobre horários de funcionamento em função do previsto no n.º 1 do artigo 1.º ou do disposto no artigo anterior.
(…).»
Temos, assim, que, com entrada em vigor do RJACSR e das alterações que introduziu ao Decreto-Lei n.º 48/96, nos termos sobreditos, os estabelecimentos de venda ao público, de prestação de serviços, de restauração e de bebidas, os espaços de restauração ou de bebidas com espaço para dança, ou onde se realizem de forma acessória atividades artísticas passaram a ter horário de funcionamento livre.
Todavia, as câmaras municipais podem restringir os períodos de funcionamento, em casos devidamente justificados e perante necessidades de segurança ou de proteção da qualidade de vida dos cidadãos, ouvidas as entidades indicadas no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio, na redação introduzida pelo RJACSR.
O artigo 4º do Decreto-Lei n.º 48/96, na redação que lhe foi dada pelo RJACSR, estabeleceu a obrigação de as Câmaras Municipais procederem à adaptação dos seus regulamentos municipais relativos aos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais à nova legislação.
Revertendo ao caso dos autos, encontra-se provado que a Câmara Municipal, da área em que se situa o estabelecimento comercial da arguida/recorrente, por deliberação de 28/05/2015, deliberou restringir o horário de funcionamento desse estabelecimento, com encerramento às 24H00m, tendo a arguida/recorrente sido notificada dessa deliberação.
Temos, assim, que a arguida/recorrente nas datas sobreditas mantinha em funcionamento o sue estabelecimento comercial para além do horário que foi imposto pela Câmara Municipal para o seu encerramento.
Mas será que a aludida deliberação da Câmara Municipal, com referência ao período temporal em que ocorreram os factos que determinaram o levantamento dos cinco autos de notícia mencionados na matéria factual provada, era vinculativa para a arguida/recorrente, em termos de a obrigar a cumprir o horário estabelecido para o encerramento do seu estabelecimento?
Ou antes, como defende a arguida/recorrente a eficácia da aludida deliberação encontrava-se suspensa, por se encontrar pendente procedimento cautelar requerendo a suspensão da eficácia do ato administrativo, intentado pela arguida/recorrente no Tribunal Administrativo de Braga e considerando o disposto no artigo 128º do CPTA?
Vejamos:
Encontra-se provado que a arguida/recorrente, notificada, em 01/06/2015, daquela deliberação de restrição de horário de funcionamento do estabelecimento comercial, que explora, intentou, em 19/6/2015, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, providência cautelar de suspensão da eficácia do ato, que correu termos sob o nº. 2517/15.3BEBRG, sendo aí proferida sentença, em 18/3/2016, que recusou tal providência.
Sob a epigrafe “Proibição de executar o ato administrativo”, dispõe o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19/02 -:
1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve os interessados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.
De harmonia com o disposto no nº. 1 do citado artigo 128º, sendo requerida junto dos tribunais administrativos, pelo(s) respetivo(s) destinatário(s) ou por terceiro, a suspensão da eficácia de um ato administrativo, e uma vez recebido o duplicado do respetivo requerimento, pela autoridade administrativa, esta não pode iniciar ou prosseguir a execução daquele ato administrativo, operando-se o efeito suspensivo imediato.
Dito de outro modo, impõe o artigo 128º do CPTA, a proibição de executar o ato administrativo quando seja requerida ao Tribunal a decretação de providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, ficando vedado à autoridade administrativa, logo que por esta seja recebido o duplicado do requerimento, iniciar ou prosseguir com a sua execução. – Acórdão do TB Centra. Administrativo Sul, de 30/03/2017, proferido no proc. 964/16.2BESNT, acessível, no endereço www.dgsi.pt.
Tal efeito suspensivo automático só poderá ser impedido se, no prazo de 15 dias, a autoridade administrativa emitir uma resolução fundamentada, na qual explicite as razões pelas quais tal efeito suspensivo automático, não deve manter-se por ser gravemente prejudicial para o interesse público.
Como referem Pedro Gonçalves e Bernardo Azevedo, “Impugnabilidade dos actos praticados ao abrigo do art. 128.º, nº. 2, do CPTA e inconstitucionalidade da norma habilitante”, in Justiça Administrativa, nº. 90, Novembro/Dezembro 2011, pág. 3: «No fundo, de acordo com o disposto nos nºs. 1 e 2 do art. 128º do CPTA, as autoridades administrativas requeridas no contexto de providências cautelares de suspensão da eficácia de actos administrativos encontram-se adstritas ao cumprimento de um duplo dever: por um lado, ficam proibidas, por si próprias, de iniciar ou prosseguir com a execução do acto suspendendo; por outro lado, ficam incumbidas de impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados o façam ou, de harmonia com a letra da lei, procedam ou continuem a proceder à execução do acto.»
No caso dos autos, tendo a arguida/recorrente, intentado no TAF de Braga, em 19/6/2015, providência cautelar, requerendo a suspensão da eficácia do ato administrativo/deliberação da Câmara Municipal, datada de 28/05/2015, que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento da arguida, estabelecendo como hora de encerramento as 24:00 horas, tendo a providência sido liminarmente admitida e notificada a entidade administrativa, para, querendo deduzir oposição e dando-lhe conta do disposto no artigo 128º do CPTA, o que ocorreu em 29/06/2015 - cfr. despacho a fls. 193 e fls. 358 e 359 dos autos -, uma vez recebido, pela mesma entidade/Câmara Municipal, o duplicado do requerimento da providência cautelar, ficou suspensa a eficácia da aludida deliberação.
E não tendo sido produzida, pela entidade administrativa/Câmara Municipal, no prazo legal de 15 dias, nos termos previstos na parte final do nº. 1 do artigo 128º do CPTA, resolução fundamentada, no sentido de o diferimento da execução da deliberação em causa, seria gravemente prejudicial para o interesse público, resolução essa que teria de ser junta aos autos de procedimento cautelar e notificada à requerente, ora arguida/recorrente (o que não aconteceu – cfr. ofício de fls. 358), a eficácia da deliberação manteve-se suspensa desde 29/6/2015 até ao transido em julgado da sentença, proferida, em 18/03/2016, nos autos de procedimento cautelar, que recusou o decretamento da providência.
O efeito suspensivo da eficácia do ato administrativo/deliberação da Câmara Municipal, de 28/05/2015, operou-se automaticamente, nos termos sobreditos, e perdurou até ao trânsito em julgado da sentença que recusou a providência cautelar de suspensão da eficácia daquele ato.
Ora, estando, no referenciado período temporal, suspensa a deliberação da C.M. que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento comercial explorado pela sociedade arguida/recorrente, estabelecendo a hora de encerramento às 24:00 horas, atento o disposto no artigo 1º, nº. 1º e 31º do Decreto-Lei n.º 48/96, de 15 de maio - alterado pelos Decretos-Leis n.os 126/96, de 10 de agosto, 111/2010, de 15 de outubro, e 48/2011, de 1 de abril –, na redação introduzida pelo artigo 3º do Dec. Lei nº. 10/2015, de 16 de janeiro (RJACSR), vigorava o regime de horário de funcionamento livre, tal como defende a arguida/recorrente.
Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a posição defendida pelo Ministério Público, no sentido de que, no período a que respeitam os factos imputados à arguida/recorrente, se mantinha em vigor o horário que tinha sido fixado anteriormente à entrada em vigor do RJACSR, pelo regulamento da Câmara Municipal.
Na verdade, aplicando-se o regime jurídico previsto no RJACSR à sociedade arguida, que já tinha acedido à atividade exercida no estabelecimento comercial em referência, antes do dia 1 de Março de 2015 e aos factos ocorridos após a data de entrada em vigor do diploma (cfr. artigo 15º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 10/2015), estabelecendo o mesmo diploma legal o principio do horário de funcionamento livre para esse tipo de estabelecimento, ainda que prevendo a faculdade de as câmaras municipais restringirem tal horário, dispondo a lei para o futuro e tendo em conta os princípios gerais da vigência da lei estabelecidos no artigo 7º do Código Civil, há que considerar que o RJACSR, revogou tacitamente o regulamento municipal, que estabeleceu o horário de funcionamento dos estabelecimentos que se dedicassem ao tipo de atividade exercida pela arguida/recorrente e, vigorando o regime de horário de funcionamento livre, que tendo sido objeto de restrição, por deliberação da Câmara Municipal, de 28/5/2015, a eficácia deste ato administrativo ficou suspensa a partir de 29 de junho de 2015, momento em que aquela entidade administrativa foi citada e recebeu o duplicado do requerimento inicial da providência cautelar intentada pela ora recorrente, no TAF de Braga, requerendo a suspensão da eficácia daquele ato, suspensão que se manteve até ao trânsito em julgado da sentença proferida em 18/3/2016, no âmbito desse procedimento cautelar.
Nesta conformidade, com referência ao período temporal em que ocorrem os factos imputados à arguida/recorrente, estando suspensa a eficácia da deliberação da Câmara Municipal, de 28/5/2016, que restringiu o horário de funcionamento do estabelecimento comercial explorado pela sociedade arguida/recorrente, estabelecendo a hora de encerramento às 24:00 horas, vigorando, o regime de horário de funcionamento livre, há que concluir que a arguida/recorrente ao manter em funcionamento o estabelecimento, nas datas e horas que resultaram apuradas (no dia 05/09/2015, entre as 2h:50m e as 3h:00m; no dia 19/09/2015, pelas 2h:30m; no dia 03/10/2015, pelas 4h:00m; no dia 18/10/2015, pelas 4h:20m; e, no dia 07/11/2015, pelas 2h:30m), não desrespeitou o horário de funcionamento do estabelecimento, nem violou qualquer disposição legal, não tendo cometido as contraordenações por cuja prática vem condenada.
Consequentemente, na procedência do recurso, tem a arguida/recorrente de ser absolvida.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida/recorrente BR., Ldª., revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, absolvendo-se a arguida/recorrente, da prática das contraordenações por que foi condenada.

Sem tributação.

Notifique.


Guimarães, 25 de setembro de 2017