Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8126/06.0TBBRG.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESPONSABILIDADE
CONSUMIDOR
PRODUTOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – No âmbito de um contrato de locação financeira, padecendo os bens fornecidos de vícios e defeitos, pode o locatário exigir do vendedor e fornecedor desses bens, a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição.
II – Nenhuma responsabilidade pode ser exigida à ré que comercializa os bens em causa se não foi ela que os forneceu no âmbito do mencionado contrato.
III - Tendo a recorrente adquirido os bens em causa para uso profissional, não pode ser considerada consumidor para os efeitos previstos na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, diploma cuja aplicação ao caso dos autos fica assim excluída.
IV - Não tendo resultado provada a qualidade de produtor da ré, não pode a mesma ser responsabilizada, independentemente de culpa, em conformidade com o Decreto-lei nº 383/89, de 6 de Novembro, que regula a responsabilidade objectiva do produtor.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
B… , LDA. instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra D… , S.A., pedindo que esta seja condenada no reconhecimento da existência de vícios, defeitos ou deficiências descritos na petição inicial referentes às máquinas que a ré entregou à autora e de que esta é locatária financeira, e dada a reiterada incapacidade daquela em reparar tais vícios, na entrega à autora de duas máquinas novas com as mesmas características do equipamento em questão e em perfeito estado de funcionamento ou, não sendo tal possível, seja declarada a anulação ou resolução do contrato de compra e venda e seja a ré condenada a pagar à autora o preço das duas máquinas no montante de € 41.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal a contar desde a data do pagamento do preço à ré pela sociedade de locação financeira, e ainda em qualquer das circunstâncias a condenação da ré a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da não reparação das deficiências a relegar para posterior liquidação.
Em suma, alegou:
- adquiriu à ré duas máquinas, o que fez com recurso a uma operação de locação financeira.
- desde que começou a utilizar as máquinas, em meados de Agosto de 2005, verificou que as mesmas apresentavam diversos vícios e deficiências que as tornavam e tornam inadequadas ao fim a que se destinam.
- comunicou à ré sucessivamente os diversos problemas apresentados e que vários funcionários da ré se deslocaram às suas instalações tentando reparar as avarias sem que tenham conseguido eliminar os defeitos, não dispondo pois a ré e os seus técnicos de capacidade e conhecimento para reparar as máquinas.
- a autora, por força da imobilização das máquinas por longos períodos, não consegue realizar os serviços que lhe encomendam vendo-se obrigada a recusá-los para evitar incorrer em incumprimento com os seus clientes, encontrando-se o seu estabelecimento numa situação de quase paralisia uma vez que apenas dispõe destas duas máquinas para o exercício da sua actividade.
A ré contestou, arguindo a sua ilegitimidade por não ter sido ela quem vendeu as máquinas à autora, mas sim a sociedade “Cancela & Sara, Lda.”, as quais não obstante funcionam devidamente, mas a não ser assim estamos face a uma situação de erro, pelo que a acção de anulação devia ter sido intentada no prazo de seis meses e a denúncia apresentada no prazo de 30 dias, o que não sucedeu, pelo que se verifica a caducidade do direito da autora.
A autora replicou, opondo-se à procedência das invocadas excepções de ilegitimidade da ré e de caducidade, contrapondo que nos termos do artigo 6º do DL 67/2003 de 8 de Abril o produtor é igualmente responsável pela reparação ou substituição do produto defeituoso, pelo que sempre a ré seria responsável pelo peticionado pela autora.
Mais requereu a intervenção principal provocada da sociedade “C… , Lda.” o que foi deferido por despacho de fls. 123.
Uma vez citada a referida sociedade, veio a sócia S… informar que juntamente com o outro sócio procedeu à dissolução e liquidação da sociedade, invocando a nulidade da citação efectuada.
Por despacho proferido a fls. 158 foi decidido que a extinção da sociedade interveniente não importava a extinção da instância quanto a si, devendo a causa continuar e a fls. 173 considerou-se que a representação daquela era deferida a S… e J… , os quais foram citados e vieram contestar invocando a ilegitimidade da sociedade interveniente, alegando ainda que esta se limitou a reencaminhar para a ré as reclamações apresentadas pela autora, uma vez que não possui técnicos qualificados para tal, para aquela averiguar o que se passava.
A autora apresentou réplica, concluindo pela improcedência da alegada excepção de ilegitimidade da interveniente.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que declarou a ré e a interveniente partes legítimas, afirmando a existência de todos os demais pressupostos processuais e a validade e consistência da instância, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, sendo a matéria de facto decidida pela forma constante do despacho de fls. 473 a 479, sem reclamação.
Seguidamente foi proferida sentença, cujo dispositivo reza:
«Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência decido:
a) Condenar a Interveniente “C… , Lda.” a reconhecer que a máquina Plotter Mitsuma X12 por ela entregue à Autora e de que esta é locatária financeira padece de vícios;
b) Condenar a interveniente “C… , Lda.” a entregar à Autora uma máquina Plotter Mitsuma X12 nova, com as mesmas características e em perfeito estado de funcionamento, em substituição da que lhe foi entregue em Agosto de 2005;
c) Condenar a Interveniente “C… , Lda.” a pagar à Autora uma indemnização pelos prejuízos decorrentes da não reparação das deficiências da máquina Plotter Mitsuma X12 cujo montante se relega para posterior liquidação.
d) Absolver a Ré D… , SA dos pedidos formulados nos presentes autos pela Autora.”
Desta sentença apelou a autora, concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
«1 - Não se conforma a Apelante com a douta decisão em crise, por entender que, em face da matéria de facto provada e do direito aplicável, o desfecho certo do pleito seria a total procedência da acção, com a condenação da Recorrida D… S.A. no pedido formulado.
2 – Ficou provado que a Apelante adquiriu as máquinas em causa à Interveniente a qual, por sua vez as adquiriu à Recorrida D… ,S.A. para esse efeito.
3 – Por isso mesmo, todas as denúncias de defeitos e reclamações subsequentes ao facto de tais defeitos não serem eliminados, foram feitas pela Apelante tanto à Recorrida D… , S.A. como à Interveniente.
4 – O insucesso da reparação da máquina em causa, ficou a dever-se, exclusivamente, aos técnicos da Recorrida D… , S.A.
5 – A Recorrida D… , S.A. assumiu claramente a responsabilidade pela comercialização de tais máquinas e pelas suas características.
6 – À Apelante, enquanto sub-adquirente das mesmas máquinas, assiste o direito de ver reconhecidos os seus direitos emergentes do cumprimento defeituoso contra qualquer destas alienantes, designadamente, contra a Recorrida D… , S.A., enquanto alienante de tais máquinas e prestadora dos infrutíferos serviços de reparação das mesmas.
7 - Deste modo, ao decidir-se pela improcedência parcial da acção e pela procedência da reconvenção, houve-se a Meritíssima Juiz “a quo” com violação, além do mais, do disposto nos artigos 406º, 913º e 914º, do Código Civil.»
A Ré apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
«i. Verifica-se que a decisão Recorrida não contém qualquer erro ou omissão, seja quanto aos fundamentos que a sustentam e justificam, seja sobre quaisquer questões que para além das insertas, devessem ser apreciadas.
ii. A responsável pela compra e venda à Recorrente das máquinas em apreciação nos autos é a Interveniente.
iii. Donde resulta dos autos inexistir qualquer fundamento legal para que as pretensões da Recorrente relativamente aos equipamentos/máquinas denunciadas possam ser imputadas e assacadas à Recorrida D… , S. A..
iv. Ao invés do que pretende a Recorrente, da aludida matéria de facto provada não resulta que a Interveniente tivesse em algum momento “funcionado” como uma mera filial da Recorrida.
v. Não se trata como pretende a Recorrente de transmitir direitos do cumprimento defeituoso ipso fure, mediante transmissão inter vivos, equiparando a Recorrida D… , S.A. à figura do “empreiteiro” da construção civil.
vi. Nos autos julga-se uma compra e venda acompanhada do ponto de vista do financiamento de um contrato de locação financeira, existindo um vendedor dos bens, a Interveniente e um adquirente, a Recorrente.
vii. A Recorrida D… , S. A. é completamente alheia quer à compra e venda entre as duas identificadas entidades jurídicas Vendedor/Comprador, Interveniente/Recorrida, quer ao contrato de locação financeira.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC, na redacção, aqui aplicável, atenta a data da propositura da acção, anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08), constitui questão proposta à resolução deste Tribunal saber se a ré, enquanto responsável pela comercialização do tipo de máquinas que a interveniente forneceu à autora no âmbito de um contrato de locação financeira que esta celebrou, pode ser responsabilizada pelos defeitos e vícios de que padecem aquelas máquinas.

III - FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. A autora é titular de estabelecimento destinado à prestação de serviços relacionados com impressão digital [alínea A) da matéria de facto assente].
2. A ré dedica-se à importação e comercialização de equipamentos electrónicos, designadamente na área da impressão digital [alínea B) da matéria de facto assente].
3. Em escrito particular de 28/07/2005, autora e Totta – Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A., declararam celebrar entre si acordo que designaram como ‘Contrato de Locação Financeira Mobiliária’, sendo aí a autora designada como ‘locatária’ e o ‘Totta – Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A. como ‘locador’, sendo que nas condições particulares os bens em locação financeira são identificados por ‘outros equipamentos electrónicos’, o peço de aquisição é estabelecido em 48.000,00€, o prazo da locação financeira é de 48 meses, o número de rendas (mensais, antecipadas e indexadas) é de 48, sendo o início da locação fixado em 17/09/2005 e o seu termo em 17/09/09 [alínea C) da matéria de facto assente].
4. Tal acordo teve por objecto duas máquinas electrónicas, uma Plotter Mitsuma X12330 e uma Plotter Mimaki JV3160SP, a primeira no valor de 23.000,00€ e a segunda no valor de 18.000,00€ [alínea D) da matéria de facto assente].
5. As máquinas foram entregues à autora em Agosto de 2005 [alínea E) da matéria de facto assente].
6. No acordo referido em 3) foi acordado entre autora e Totta – Crédito Especializado, Instituição Financeira de Crédito, S.A. competir à autora, em exclusivo, accionar judicialmente a fornecedora das máquinas em virtude da existência de deficiências destas [resposta ao artigo 1º da base instrutória].
7. A ré foi a fornecedora à interveniente das máquinas referidas em 3) e 4) [resposta ao artigo 2º da base instrutória].
8. A interveniente foi a fornecedora à autora das máquinas referidas em 3) e 4) [resposta ao artigo 3º da base instrutória].
9. A máquina Plotter não consegue imprimir 10 cm ou menos de 10 cm com qualidade satisfatória [resposta ao artigo 4º da base instrutória].
10. O traço impresso é irregular [resposta ao artigo 5º da base instrutória].
11. A autora comunicou à interveniente C… , Lda. o referido nos anteriores números em 1/09/2005 [resposta ao artigo 7º da base instrutória].
12. Em 10/11/2005, um técnico da ré dirigiu-se às instalações da autora a fim de proceder à reparação do referido nos anteriores números [resposta ao artigo 8º da base instrutória].
13. A ré comunicou o referido nos anteriores números à Interveniente [resposta ao artigo 24º da base instrutória].
14. No dia 25/11/2005 um funcionário da ré deslocou-se ao estabelecimento da autora para reparar o referido nos anteriores números [resposta ao artigo 26º da base instrutória].
15. Em 29 de Dezembro de 2005 a autora remeteu à interveniente C… , Lda. um pedido de assistência técnica onde mencionava que a Mimaki efectuava pedidos de chip não correspondentes ao volume de tinta gastos e que a Mitsuma imprimia 15 cm sem problemas e fazia uma sequência de banding de aproximadamente 5 cm repetindo o processo durante toda a impressão [resposta ao artigo 30º da base instrutória].
16. Os funcionários da ré deslocaram-se às instalações da autora em 31/01/2006 [resposta ao artigo 31º da base instrutória].
17. A autora enviou à interveniente C… , Lda. a comunicação datada de 31 de Janeiro de 2006 cuja cópia se encontra a fls. 28 [resposta ao artigo 33º da base instrutória].
18. Os técnicos da ré efectuaram intervenções na máquina Mitsuma em 20/04/2006, 8/05/2006, 9/05/2006, 12/05/2006, 18/05/2006, 19/05/2006 e 26/05/2006 [resposta ao artigo 36º da base instrutória].
19. A autora remeteu à D… , SA, Rua Teófilo Braga, 138, Rio Tinto a comunicação de fls. 36 a 37 datada de 21 de Abril de 2006 e à D… D… para o fax 218 650 009, a comunicação datada de 09/05/06 [resposta ao artigo 37º da base instrutória].
20. A máquina Mitsuma X12 imprime o amarelo e o preto mas sem qualidade. –Resposta ao quesito 38º da base instrutória.
21. A autora remeteu à D… , SA, Rua Teófilo Braga, 138, Rio Tinto a comunicação de fls. 42 datada de 09 de Junho de 2006 onde referia que a máquina Mitsuma não imprimia o amarelo e o preto [resposta ao artigo 39º da base instrutória].
22. Face ao referido nos dois anteriores números, os técnicos da ré tentaram solucionar o aí referido em 12 e 14 de Junho de 2006 [resposta ao artigo 40º da base instrutória].
23. A autora remeteu à D… , SA, Rua Teófilo Braga, 138, Rio Tinto a comunicação de fls. 45 datada de 03 de Julho de 2006 onde referia que ficara pendente a resolução do problema de derrame de tintas sobre a almofada de protecção das cabeças [resposta ao artigo 42º da base instrutória].
24. A máquina Mitsuma está imobilizada [resposta ao artigo 43º da base instrutória].
25. Face ao referido nos anteriores números, a autora recusa serviços que lhe encomendam [resposta ao artigo 44º da base instrutória].
26. Para o exercício da sua actividade a autora dispõe apenas das duas máquinas referidas em 4. [resposta ao artigo 45º da base instrutória].
27. Tecnicamente é possível a reparação mas economicamente é pouco provável pois implicaria um gasto de cerca de € 20.000 [resposta ao artigo 46º da base instrutória].

B - O DIREITO
Sendo facto incontroverso que foi a interveniente quem forneceu as máquinas em causa à autora, e nada resultando dos autos que durante o processo negocial decorrente do contrato de locação financeira com vista ao fornecimento daquele equipamento tenha a mesma actuado como uma filial da ré, não se vê como pode querer assacar-se a esta última qualquer responsabilidade pelos vícios e defeitos de que padecem as aludidas máquinas.
Não merecendo assim qualquer censura a, aliás, muito bem elaborada sentença, onde foi feita, correcta e devidamente, a subsunção dos factos provados ao direito, bem poderíamos remeter integralmente para os seus fundamentos, ao abrigo do disposto no art. 713º, nº 5, do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12.
Sempre se dirá, porém, que a locação financeira é o contrato pelo qual uma entidade (o locador financeiro) concede a outra (o locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa, adquirida para o efeito pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário (coisa que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado por preço determinado ou determinável segundo os critérios fixados (Menezes Cordeiro, Manual do Direito Bancário, págs. 555-563).
É um contrato de crédito com características específicas em que «por indicação do locatário, o locador adquire uma coisa, que no todo (física e materialmente) desconhece, no propósito de conceder àquele o seu gozo». O «locador, apesar de ser titular de um direito real, não suporta os riscos inerentes ao uso do bem. Obriga-se a “conceder o gozo” de uma coisa sem sequer ter tido qualquer tipo de contacto material com ela … Já o locatário financeiro dispõe de um direito de gozo do bem - portanto um direito de natureza obrigacional - embora onerado com os riscos que normalmente gravam sobre o típico proprietário» (Gravato de Morais, Manual da Locação Financeira, págs. 260-262, 163-164 e 114-115).
Deste modo, dispõe o art. 12º do DL 149/95, de 24 de Junho, que o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação, salvo o disposto no art. 1034º do CC (casos respeitantes à ilegitimidade do locador ou à deficiência do seu direito).
Atento este preceito legal o locador financeiro encontra-se à margem de qualquer conflito resultante da compra e venda e um eventual litígio relativo a um defeito na coisa locada deve ser dirimido entre o vendedor e o locatário financeiro.
Em conformidade, e consoante resulta do art. 13º do DL 149/95, «o locatário pode exercer contra o vendedor ou o empreiteiro, quando disso seja caso, todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda ou de empreitada». Assim, é garantida ao locatário financeiro situação idêntica à do comprador no que concerne ao exercício dos direitos decorrentes do cumprimento defeituoso. Poderá exigir, junto do vendedor, a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição (Gravato de Morais, ob. cit., pág. 134).
Ora, no caso em apreço provou-se que foi a interveniente quem vendeu as máquinas electrónicas que padecem dos defeitos e vícios apurados, sendo ela, aliás, que figura no contrato de locação financeira como a fornecedora de tais bens (cfr. fls. 15).
Ademais, foi à interveniente que a autora, em 29 de Dezembro de 2005, solicitou um pedido de assistência técnica (cfr. resposta ao artigo 30º da base instrutória). Só mais tarde, após a intervenção dos funcionários da ré, é que a autora passou a interpelar directamente a ré (cfr. respostas aos artigos 37º, 39º e 42º da base instrutória).
A circunstância de terem sido funcionários da ré e não da interveniente a deslocarem-se às instalações da autora para reparação das máquinas em questão, não significa a assunção de qualquer obrigação da ré perante a autora, apenas se justificando tal intervenção pelo negócio celebrado entre a ré e a interveniente, pois foi aquela que forneceu a esta as referidas máquinas.
Não encontra o mínimo respaldo na matéria de facto o vertido na conclusão 4ª de que o “insucesso da reparação da máquina em causa, ficou a dever-se, exclusivamente, aos técnicos da recorrida”.
O mesmo se diga, aliás, quanto à conclusão 5ª, pois nada resulta dos autos que a ré/recorrida, tenha assumido a responsabilidade pela comercialização e pelas características das máquinas em questão.
Nesta conclusão parece a recorrente querer trazer de novo à colação o regime legal do produtor, do consumidor e da segurança dos produtos transaccionados, questão que foi devidamente tratada na sentença recorrida, afastando a aplicação de tal regime ao caso dos autos.
Na verdade, a lei considera consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (artigo 2º, nº 1, da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).
Como a recorrente adquiriu as máquinas em causa para uso profissional, não pode ser considerada consumidor para os efeitos previstos naquela lei.
Ademais, não tendo resultado provada a qualidade de produtor da ré, não pode a mesma ser responsabilizada, independentemente de culpa, em conformidade com o Decreto-lei nº 383/89, de 6 de Novembro, que regula a responsabilidade objectiva do produtor que, como tal, contende com uma modalidade de responsabilidade civil extracontratual (Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, 1990, pág. 479).
Improcedem assim todas as conclusões da recorrente, pelo que a sentença deve manter-se.

Concluindo:
I – No âmbito de um contrato de locação financeira, padecendo os bens fornecidos de vícios e defeitos, pode o locatário exigir do vendedor e fornecedor desses bens, a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição.
II – Nenhuma responsabilidade pode ser exigida à ré que comercializa os bens em causa se não foi ela que os forneceu no âmbito do mencionado contrato.
III - Tendo a recorrente adquirido os bens em causa para uso profissional, não pode ser considerada consumidor para os efeitos previstos na Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, diploma cuja aplicação ao caso dos autos fica assim excluída.
IV - Não tendo resultado provada a qualidade de produtor da ré, não pode a mesma ser responsabilizada, independentemente de culpa, em conformidade com o Decreto-lei nº 383/89, de 6 de Novembro, que regula a responsabilidade objectiva do produtor.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 30 de Junho de 2011
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade