Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
27/10.4TBMNC.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
OBRIGAÇÃO SUBSIDIÁRIA
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) É desnecessária a fundamentação das decisões judiciais quando se trate de um despacho de mero expediente, quando o pedido não seja controvertido ou quando não se trate de alguma dúvida suscitada no processo;
2) Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância, ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido;
3) A obrigação imposta ao FGADM de assegurar as prestações a que se refere a Lei n.º 75/98, de 19/11, é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189.º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) M… veio requerer regulação de responsabilidades parentais do seu filho T…, nascido a 27/12/2004 contra C…, onde entende dever ser regulada para que:
a) À requerida seja atribuída a responsabilidade parental do menor, ficando-lhe entregue aos seus cuidados e guarda;
b) As visitas do requerido ao filho sejam feitas na presença da requerente;
c) Seja o requerido condenado a pagar à requerente mensalmente e a título de pensão de alimentos de seu filho, quantia não inferior a €100,00, devidos desde a proposição da presente regulação de responsabilidades parentais (artigo 2006.º do Código Civil);d) Seja o requerido condenado a pagar à requerente metade do valor que esta já despendeu com o menor, na quantia de €6.550,00.
Realizou-se a conferência a que se refere o artigo 175.º da OTM, tendo-se obtido o acordo, homologado por sentença, que consta a fls. 40, onde se decidiu que:
1. A guarda do menor fica atribuída à mãe, com quem o menor vive desde sempre;
2. As responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta;
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor, passam a caber à mãe;
4. O pai poderá visitar o menor aos sábados, deslocando-se para o efeito a Monção; uma vez que está dependente de transportes públicos, o pai contactará a mãe na sexta-feira anterior, de modo a combinar os horários;
5. No início e enquanto os pais o acharem necessário, as visitas decorrerão na presença de ambos os progenitores;
6. Fixa-se a pensão de alimentos devida ao menor na quantia de €250,00 euros (duzentos e cinquenta euros), a serem depositados na conta da Caixa Geral de Depósitos com o N.I.B…..
Entretanto, a requerente veio informar, através do seu requerimento de fls. 69, estar em dívida a quantia de €2.750,00, relativa a 11 meses de pensão alimentar ao menor, pelo requerido.
Realizou-se a conferência a que se refere a acta de fls. 79 e seg.
Na referida conferência (fls. 79) foi determinado que o pagamento das quantias em dívida que, então, atingiam o valor de €3.500,00 fosse paga em prestações mensais e sucessivas no montante de €50,00, vencendo-se a primeira em 8 de Agosto de 2011 e as seguintes em igual data dos meses subsequentes
Foi ainda considerado na referida conferência que “decorre do relatório de fls. 49 e seguintes que o próprio técnico da Segurança Social sugere que o Fundo de Garantia de Alimentos a Devidos a Menores se substitua ao pai do T… no pagamento das prestações alimentares.
Uma vez que de todos os elementos documentais juntos aos autos se conclui que se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 3º do D. L. nº 164/99, de 13 de Maio, determina-se que o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores suporte as prestações alimentares referentes ao menor, fixando-se a pensão em €300,00 (trezentos euros) mensais, devendo o pagamento iniciar-se no próximo mês de Agosto, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4º do citado diploma.”
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B) Inconformado com esta decisão, veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM) interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação e com efeito suspensivo (fls. 124), não obstante o efeito correcto ser o devolutivo.
C) Nas alegações de recurso do apelante são formuladas as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Monção, que considera preenchidos todos os pressupostos legais e determina que o FGADM se substitua ao progenitor devedor numa prestação de €300,00 mensais, com o qual salvo o devido respeito, o FGADM não se pode conformar.
2. Com efeito, o mesmo é escasso quanto aos elementos de facto e de direito que o fundamentam, referindo tão-somente basear-se nos elementos documentais juntos aos autos, determinando o seu envio ao FGADM.
3. Não fora os relatórios sociais enviados e o FGADM desconheceria por completo os contornos dos presentes autos. Ainda assim, desconhece qual o valor da prestação fixada ao progenitor.
4. O despacho recorrido recai sobre o mérito da causa, pelo que devia ter sido devidamente fundamentado, de harmonia com os artigos 158.° e 668.° n.º 1 al. b), ambos do Código de Processo Civil.
5. Pelo que se invoca a sua nulidade, por omissão, nos termos do art. 201.° n.º 1, 2.ª parte, do CPC, ou a entender-se que um menor grau de gravidade, a sua anulabilidade.
6. Este é o entendimento da jurisprudência maioritária.
7. Quanto ao teor dos documentos, deve realçar-se que o relatório social de 06/08/2010 referente à progenitora suscita dúvidas, já que esta se encontra registada como desempregada desde 2005 e a prestação de desemprego cessada em Fevereiro de 2006, residindo porém numa urbanização recente, num T1 "novo e com divisões de grandes dimensões", da qual paga renda e condomínio.
8. Tal corresponde a 5 anos de utilização de poupanças e de ajuda paterna (segundo o alegado pela mesma), às quais o tribunal decide agora juntar €300,00 mensais de FGADM.
9. Mais, do relatório feito ao progenitor refere que este alegou que irá em breve adquirir a crédito um veículo automóvel a crédito (fls. 61) e conclui que reúne condições económicas e habitacionais para assumir as responsabilidades parentais, incluindo o pagamento da prestação de alimentos ao menor.
10. Salvo o devido respeito, decorre do despacho recorrido que os progenitores devedores podem incorrer em quaisquer tipo de despesas, excepto a que decorre da sua obrigação inalienável e irrenunciável enquanto pais – a obrigação de alimentos.
11. O devedor trabalhava e recebe presentemente um subsídio de desemprego no valor de €763,20 mensais.
12. O FGADM foi condenado a prestar, não obstante a falta de preenchimento do pressuposto legal para a sua intervenção correspondente à impossibilidade de imposição coerciva da prestação pelas formas previstas no art. 189.° da OTM.
13. Face a eventuais dificuldades do devedor (inexistentes para a aquisição e manutenção de uma viatura automóvel) poderia haver lugar à redução da prestação, tendo em conta que o direito a alimentos é irrenunciável, nos termos dos artigos 2004.° e 2008.° do CC.
14. O limite mínimo de impenhorabilidade do art. 824.° n.º 2 do CPC só se aplica quando o crédito exequendo não seja de alimentos.
15. As faculdades previstas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 824.° do CPC não foram utilizadas.
16. Assim sendo, o FGADM não pode substituir-se ao devedor enquanto este apresentar rendimentos penhoráveis, independentemente da sua natureza.
17. Sem prescindir, o FGADM contesta a quantia que lhe foi fixada, de €300,00 mensais, quer devido acima referido quanto a ambos os progenitores, quer porque, salvo lapso, o valor que lhe foi fixado é superior ao do progenitor.
18. Nos termos da Lei n.º 75/98, e do DL n.º 164/99, o Estado, ao substituir-se ao devedor incumpridor através do Fundo, fica sub-rogado nos seus direitos, "com vista à garantia do respectivo reembolso" (arts. 6.°, n.º 3 da L. 75/98 e 5.° n.ºs 1 e 2, do D.L. 164/99).
19. Assim sendo, a prestação do FGADM não deverá exceder a fixada ao obrigado. "( ... ) de outro modo, o Fundo (... ) seria mero pagador de prestação social não reembolsável", porquanto não poderia "exercer, pelo menos na plenitude, o direito à sub-rogação." (Ac. TR Coimbra, proc. n.o 419/06, de 06/06/2006, in www.dgsi.pt; Ac.TRLisboa.proc.n.03278/06-7, de 19/05/2006).
20. Não se vislumbra como harmonizar entendimento diverso com o preceito legal que determina a manutenção da obrigação principal, de valor mais reduzido, com o exercício do direito ao reembolso (art. 7.° do D.L. 164/99).
21. Face ao que se entende que o douto despacho recorrido não cumpriu o disposto nos artigos 201.° n.º 1, 2.ª parte, do CPC, quanto à fundamentação; 1.° da Lei n.º 75/98, de 19/11 e 2.° n.º 2, e 3.°, n.º 1, al. a), do DL n.º 164/99, de 13/05; 2004.° e 2008.° do CC e 824.° do CPC quanto à imposição coerciva da prestação; 6.° n.º 3, da L. 75/98 e 5.°, n.ºs 1 e 2 do D.L. 164/99 da Lei n.º 75/98, de 19/11 e do DL n.º 164/99 de 13/05, quanto ao valor da prestação fixada ao FGADM.
Termina entendendo dever ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente:
a) Ser declarada a nulidade ou, em assim não se entendendo, a anulabilidade do douto despacho recorrido;
b) Proferindo-se nova decisão na qual se exima o FGADM de prestar alimentos nos presentes autos por falta do preenchimento do pressuposto legal previsto no artigo 1.° da Lei n.° 75/98, de 19/11 e nos artigos 2.° n.º 2 e 3.° n.º 1, al. a) do DL n.º 164/99, de 13/05 e 824.° CPC;
c) Sem prescindir, se assim não se entender, proferindo-se nova decisão que reduza a prestação do FGADM para valor nunca superior à que o devedor foi condenado, cujo valor se desconhece.
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A apelada M… apresentou contra-alegações onde entende que deve o despacho/sentença ora recorrido manter-se nos mesmos termos, ou seja, ser o Fundo obrigado a suportar a prestação de alimentos ao menor T… no montante de 300,00 euros.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir neste recurso são as de saber:
1) Se a decisão recorrida é nula ou anulável;
2) Em que condições é lícita a junção de documentos com as alegações de recurso;
3) Qual a natureza da prestação a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 660.º n.º 2, 684.º n.º 2 e 3 e 690.º n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil).
B) Consideram-se provados os seguintes factos:
1) O menor T…, nascido a … é filho de M… e de C….
2) Foi proferida decisão homologatória de acordo de regulação de exercício das responsabilidades parentais, em 16/04/2010, pela qual ficou decidido que:
a) A guarda do menor fica atribuída à mãe, com quem o menor vive desde sempre;
b) As responsabilidades parentais serão exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo no caso de urgência manifesta;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor, passam a caber à mãe;
d) O pai poderá visitar o menor aos sábados, deslocando-se para o efeito a Monção; uma vez que está dependente de transportes públicos, o pai contactará a mãe na sexta-feira anterior, de modo a combinar os horários;
e) No início e enquanto os pais o acharem necessário, as visitas decorrerão na presença de ambos os progenitores;
f) Fixa-se a pensão de alimentos devidas ao menor na quantia de €250,00 euros, a serem depositados na conta da Caixa Geral de Depósitos com o NIB….
3) O requerido nunca pagou qualquer importância da pensão de alimentos a que está obrigado.
4) A requerente reside num apartamento tipo T1, com boas condições, está desempregada, não tem rendimentos e recebe €52,42 de abono do menor, sendo apoiada monetariamente pelo seu pai.
5) A requerente tem como despesas mensais, mais significativas, €259,00 de renda e condomínio, €25,00 de electricidade, €6,00 de água e €200,00 com o sustento do seu filho (consultas, medicamentos, alimentação, calçado e vestuário).
6) O agregado familiar do requerido C… é composto pela sua esposa, Ma…, de 39 anos, empregada, pelo filho de ambos D…, de 12 anos, estudante e pela sogra Mar…, de 70 anos, reformada, dona da habitação.
7) O agregado auferia, em 04/11/2010, rendimentos do trabalho no montante de €930,19 (€640,00 do trabalho do requerido e €290,19 do trabalho da sua esposa) e tinha despesas no montante de €514,00, a que acresce a quantia de €290,00 de livros e materiais escolares do menor D….
8) Desde Março de 2011 que o requerido se encontra desempregado, recebendo subsídio de desemprego (fls. 76).
9) Por ocasião da conferência realizada em 05/07/2011 (fls. 79 e seg.), encontrava-se em dívida, de prestações não pagas pelo requerido, à requerente, relativas ao menor T…, a quantia de €3.500,00, tendo sido determinado que o requerido procedesse ao pagamento em prestações mensais e sucessivas, no montante unitário de €50,00, vencendo-se a primeira prestação em 08/08/2011 e as seguintes em igual data dos meses subsequentes.
10) Na mesma conferência referida foi decidido que “decorre do relatório de fls. 49 e seguintes que o próprio técnico da Segurança Social sugere que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se substitua ao pai do T… no pagamento das prestações alimentares. Uma vez que de todos os elementos documentais juntos aos autos se conclui que se encontram verificados os pressupostos previstos no art.º 3º do D. L. nº 164/99, de 13 de Maio, determina-se que o Fundo de Garantia de Alimentos a Menores suporte as prestações alimentares referentes ao menor, fixando-se a pensão em €300,00 (trezentos euros) mensais, devendo o pagamento iniciar-se no próximo mês de Agosto, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4º do citado diploma.”
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C) Apreciando.
O apelante veio invocar a nulidade do despacho que considera preenchidos todos os pressupostos legais e determina que o FGADM se substitua ao progenitor devedor numa prestação de €300,00 mensais, entendendo que o mesmo deveria ser devidamente fundamentado, pretendendo certamente dizer que tal despacho se acha insuficientemente fundamentado.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 158.º do Código de Processo Civil,
“1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.”
Trata-se aqui de uma consequência do princípio plasmado no artigo 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Destas duas normas resulta, desde logo, que é desnecessária a fundamentação das decisões judiciais em três situações: quando se trate de um despacho de mero expediente, quando o pedido não seja controvertido ou quando não se trate de alguma dúvida suscitada no processo.
Daqui resulta que as demais situações devem ser fundamentadas.
Na situação dos autos, afigura-se-nos que não existe pedido controvertido, dado que as partes – requerente e requerido – estão de acordo quanto ao “pedido”, no caso, estão de acordo na forma de pagamento por este àquela das prestações em dívida, pelo que, em termos meramente formais, esta é uma das situações excepcionadas no artigo 158.º do Código de Processo Civil.
Saber se, no caso, a decisão se justificava é outra questão que se apreciará abaixo.
Não há, assim, qualquer nulidade (ou anulabilidade), na decisão em questão que, assim, improcede.
Refere ainda o apelante que o despacho decidiu em função do relatório social de fls. 49 e segs., que é de 06/08/2010 e quanto ao mesmo, não pode o FGADM deixar de se questionar quanto ao facto de a progenitora do menor se encontrar desempregada e sem rendimentos mas residir numa zona recentemente urbanizada, num T1 "novo e com divisões de grandes dimensões", da qual paga renda e condomínio.
E, por outro lado, veio o apelante juntar quatro documentos, neste recurso, com base nos quais tece diversas considerações.
A propósito da junção de documentos, nos tribunais superiores, estabelece o artigo 693.º-B do Código de Processo Civil que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º”.
A este propósito refere o Dr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, em anotação ao referido artigo que “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância (art. 524.º)…
Podem ainda ser juntos documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo (art. 693.º-B).
Mas a reforma do regime dos recursos ampliou as possibilidades de instrução documental dos recursos a que se reportam as alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do artigo 691.º, sendo agora possível, por exemplo, instruir o recurso ou as contra-alegações com documentos destinados a reapreciar a questão da competência absoluta ou relativa, a justificar por que razão determinado meio de prova deve ser admitido ou a contrariar os fundamentos de facto que levaram o juiz a quo a conceder ou a rejeitar a providência cautelar…”
Assim, tendo em conta o disposto nos artigos 693.º-B e 691.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Civil, é admissível a junção de documentos.
Quanto às considerações tecidas sobre o facto de a requerente se encontrar desempregada e viver num T1 do qual paga renda e condomínio, conforme resulta da matéria de facto provada, “a requerente reside num apartamento tipo T1, com boas condições, está desempregada, não tem rendimentos e recebe €52,42 de abono do menor, sendo apoiada monetariamente pelo seu pai….” e, no que se refere às considerações sobre o requerido, resultou provado que “o agregado auferia, em 04/11/2010, rendimentos do trabalho no montante de €930,19 e tinha despesas no montante de €514,00, a que acresce a quantia de €290,00 de livros e materiais escolares do menor D…” e “desde Março de 2011 que o requerido se encontra desempregado, recebendo subsídio de desemprego (fls. 76).
Refere ainda o apelante que o requerido recebe um subsídio de desemprego de €763,20 mensais.
Trata-se de um facto que foi trazido com as alegações de recurso, através do documento junto a fls. 92, que não foi considerado na decisão proferida na 1.ª instância, sendo certo que nas contra-alegações foi igualmente junto outro documento onde se refere que o montante recebido pelo requerido é no montante de €419,10.
Trata-se, assim, de um facto controvertido, que deverá ser apurado pela 1.ª instância.
É certo que no tribunal a quo e através da consulta da Base de Dados da Segurança Social (fls. 76), foi apurado que o requerido recebe subsídio de desemprego, mas não se cuidou de apurar, como se devia, qual o montante que recebe, a esse título.
Refere ainda o apelante que o douto despacho recorrido condenou o FGADM a prestar, não obstante a falta de preenchimento do pressuposto legal para a sua intervenção constante do artigo 1.° da Lei n.º 75/98, de 19/11 e dos artigos 2.° n.º 2 e 3.° n.º 1, al. a), do DL n.º 164/99, de 13/05: a impossibilidade de imposição coerciva da prestação pelas formas previstas no art. 189.° da OTM.
E que dizer quanto a esta situação?
O artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19/11 estabelece que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.
Por outro lado, “as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC” – artigo 2.º n.º 1.
O artigo 3.º do mesmo diploma estatui que “compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal fixe o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar (n.º 1).
Se for considerada justificada e urgente a pretensão pode o juiz proferir decisão provisória (n.º 2).
A referida Lei veio a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05 e, no seu artigo 2.º estabeleceu que:
“1 - É constituído, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, adiante designado por Fundo, gerido em conta especial pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
2 - Compete ao Fundo assegurar o pagamento das prestações de alimentos atribuídas a menores residentes em território nacional, nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
3 - O pagamento das prestações referidas no número anterior é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, na qualidade de gestor do Fundo, por ordem do tribunal competente, através dos centros regionais de segurança social da área de residência do alimentado.”
Por outro lado, conforme se estabelece no artigo 3.º, “o Fundo assegura o pagamento das prestações de alimentos referidas no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.
2 - Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário.
3 - As prestações a que se refere o n.º 1 são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 UC, devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.”
Por força do disposto no n.º 5 do artigo 4.º do mesmo diploma, “o centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.”
Importa dizer que não se justificava, sem mais, o aumento da prestação a pagar pelo requerido à requerente de €250,00 (valor que havia sido acordado na conferência de 16/04/2010 – fls. 40 e seguinte) para €300,00, para mais quando nem sequer a requerente o pediu, nem se vê que, face aos elementos disponíveis tal aumento se justificasse, pelo que, à míngua de outros elementos fácticos relevantes, terá de se manter o valor de €250,00.
No que se refere à exigibilidade da prestação por parte do Fundo, importa notar que a mesma é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189.º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
Conforme se pode ler no Acórdão do STJ de 07-04-2011, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt “a garantia de alimentos devidos a menor surge como uma prestação social do regime não contributivo, a cargo do Estado, destinada a suprir o incumprimento por parte daquele que se encontre sujeito à obrigação alimentar familiar, traduzindo-se, por isso, numa prestação social de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à protecção, tal como consagrado no artigo 69.º n.º 1, da Constituição.
É isso mesmo que é reconhecido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, em que se faz expressa menção à exigência constitucional do artigo 69º, como implicando, em especial no caso das crianças, «a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna», e em que se caracteriza a garantia de alimentos devidos a menores, instituída pela Lei n.º 75/98, como uma nova prestação social, «que traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado» e que «dá cumprimento ao objectivo de reforço da protecção social devida a menores».
Bem se compreende, neste plano, que as prestações sociais assim caracterizadas não constituam um direito subjectivo prima facie dos menores a quem se dirigem (ao contrário do que sucede com todas as demais prestações sociais do regime contributivo), mas representem antes um recurso subsidiário, fundado na solidariedade estadual, que se destina a dar resposta imediata à satisfação de necessidades de menores que se encontrem numa situação de carência, e que, por isso, não pode, desligar-se da concreta situação familiar do titular da prestação (neste sentido, Remédio Marques, Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 214-215).
Assim sendo, resultando que o obrigado a alimentos recebe subsídio de desemprego, cumpriria, em primeiro lugar, recorrer ao expediente legal previsto no artigo 189.º da OTM, mais propriamente à alínea c) do n.º 2, motivo pelo qual não era lícito proferir a condenação do FGADM, sem, previamente, se dar cumprimento ao disposto naquele normativo, por força do disposto no artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19/11, pelo que a apelação terá de proceder e revogar-se a douta decisão recorrida, que determinou a obrigação de o apelante suportar, desde já, o pagamento da quantia indicada, devendo o tribunal a quo, verificados os respectivos pressupostos legais, determinar o cumprimento do disposto no artigo 189.º da OTM e, apenas, verificada a eventual impossibilidade de obter o pagamento através do expediente referido nas alíneas do artigo 189.º da OTM, avaliar, nos autos de incumprimento, da eventual condenação do FGADM, no cumprimento da obrigação legal respectiva.
*
D) Em conclusão:
1) É desnecessária a fundamentação das decisões judiciais quando se trate de um despacho de mero expediente, quando o pedido não seja controvertido ou quando não se trate de alguma dúvida suscitada no processo;
2) Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva), quando se destinem a provar factos posteriores ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento em 1.ª instância, ou quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido;
3) A obrigação imposta ao FGADM de assegurar as prestações a que se refere a Lei n.º 75/98, de 19/11, é subsidiária relativamente às situações previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (OTM), isto é, só depois de se verificar a impossibilidade de obtenção das prestações, através dos meios que o referido artigo 189.º estabelece é que se poderá colocar a questão da obrigatoriedade da intervenção do FGADM.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a douta decisão recorrida, que determinou a obrigação de o apelante suportar, desde já, o pagamento da quantia indicada.
Custas pela apelada.
Notifique.
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Guimarães, 06/03/2012
António Figueiredo de Almeida
José Manuel Araújo de Barros
Ana Cristina Duarte