Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1438/12.6TBVVD.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: CASO JULGADO
CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE DA CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo acto jurídico.
2. Importa distinguir claramente a causa de pedir dos meios de que a parte se serve para a sustentar ou demonstrar estes.
3. O caso julgado não cobre toda a causa de pedir, da qual podem decorrer muitos outros efeitos além do deduzido pelo autor na acção.
4. Nesta acção foi invocada a aquisição do direito de servidão da água e na outra acção a aquisição originária da propriedade da água, pelo que não é idêntica a causa de pedir.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

Proc. n.º 1438/12.6TBVVD.G1

I –AA e Outros, intentaram acção sob a forma de processo sumária contra BB e Outros, pedindo, em síntese, que se declare que, sobre o Campo do Poço dos réus existe uma servidão de águas em proveito do Campo de Soussavinha, também conhecida por Soussavinha Grande dos autores AA e mulher, identificado no artigo 1º da petição inicial, relativamente à irrigação deste campo com as águas nascentes no Campo do Poço, servidão essa constituída por usucapião, a ser exercida do modo explanado na petição inicial, que se declare que, para esse efeito e nessa exacta medida, a onerar o prédio dos RR. Existe um direito de servidão de presa e de aqueduto, bem como da acessória servidão de passagem, com as características referidas na petição inicial, para integral aproveitamento da água da Poça ou Fonte do Poço, que sejam os RR.
Condenados a reconstruir e a repor a Poça ou Fonte do Poço no estado anterior, para armazenamento da água, para rega e lima dos prédios referidos nos artigos 1.º e 3.º da petição inicial, bem como o respectivo rego ou aqueduto e carreiro de pé posto, que sejam os RR. condenados a retirarem os pilares de cimento, os arames, os portões e os respectivos cadeados, tudo para permitir o livre e total aproveitamento das referidas águas da Poça ou Fonte do Poço por parte dos autores (e demais consortes), abstendo-se de quaisquer actos que impeçam ou dificultem o exercício de tais direitos e que sejam os RR. condenados a indemnizarem os autores por todos os prejuízos que já lhes causaram e continuam a causar, a liquidar em incidente próprio.
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Os réus BB contestaram, tendo invocado a excepção do caso julgado e tendo concluído, em face do por si alegado, pela improcedência da acção.
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Os Autores apresentaram resposta à contestação deduzida pelos réus, tendo concluído pela improcedência da excepção de caso julgado invocada pelos mesmos.

Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:

Pelo exposto, julgo a presente acção, intentada por AA e Outros contra BB e Outros, parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
declaro que, a favor do prédio dos AA. …foi constituído, por usucapião, o direito a uma servidão de águas, provenientes do Campo do Poço, servidão essa que onera este prédio dos RR., para irrigação do prédio dos AA., no Verão e no Inverno, de Domingo ao pôr-do-sol até segunda-feira ao pôr-do-sol, na semana da feira do Pico, e de sábado ao pôr-do-sol até Domingo ao pôr-do-sol, na semana da feira de Vila Verde (pedido formulado pelos AA. …);
considero constituídas, a favor dos prédios dos AA. …, servidões legais de aqueduto, a onerar o prédio dos RR., as quais permitem os proprietários do terreno dos AA. encanar, a descoberto, por meio de regos, a água proveniente da Poça do Monte para os prédios dos AA. (pedido formulado pelos AA. …);
declaro que os proprietários dos prédios agora dos AA. …, para o aproveitamento das águas acima referidas, têm direito a encaminharem e conduzirem as aludidas águas e a acompanharem o seu curso, pelo caminho que lhe é marginal, até ao prédio dos RR. (pedido formulado pelos AA. ….);
condeno os RR. a reconstruírem, repondo no estado em que se encontrava antes de terem procedido à sua destruição, a aludida Poça ou Fonte do Poço (pedido formulado por todos os AA.);
Julgo improcedentes, por não provados, os demais pedidos formulados pelos AA. contra os RR., absolvendo-os dos mesmos.

Inconformados os réus interpuseram recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:
I. Na presente acção e na acção ordinária n.º 681/2001 (e na acção sumária a ela apensae com ela julgada, por sentença transitada em julgado) ocorre identidade das partes.
II . De facto, os aqui autores … e … foram autores naacção ordinária n.º 681/2001, acima referida, e os autores … foram-no ma acçãosumária n.º 638/2002. Aquela apensa e com aquela julgada;
III . E os aqui réus, todos eles, foram-no também naquelas acções,
IV .sendo que na acção ordinária n.º 681/2001 deduziram reconvenção também contraos aqui e lá autores ….
V . O facto de aquela acção ordinária n.º 681/2001 haver sido intentada por outraspessoas, para além dos ora autores, não afasta a evidência de que estes nela intervieram,justamente como autores e ademais como reconvindos, e estão vinculados ao que aí foi decidido.
VI . Por outro lado, é manifestamente igual a causa de pedir invocada pelos autores nasduas acções anteriores e nesta.
VII . De facto, são os mesmos os factos concretos que, naquelas anteriores acções edesignadamente na acção ordinária n.º 681/2001, como na presente acção, os ali e ora autores…, invocam como geradores dos direitos que pretendem ver-lheagora reconhecidos e então lhes foram negados.
VIII . E tanto assim é que a prova desses mesmos factos naquela acção ordinária foi nospresentes autos e no aliás douto despacho saneador de que se recorre (mas a nosso verindevidamente) julgada adquirida e considerada, porque são justamente os mesmos nas duasacções, relevante e determinante para a decisão nestes autos proferida.
IX . São, ainda, manifestamente os mesmos os pedidos, formulados quer naquela acçãoordinária n.º 681/2001, quer nos presentes autos, de reconhecimento de que os autores … são titulares de um direito, em favor exactamente dos mesmosprédios referidos e identificados nas petições iniciais das duas acções, de servidão de presa e deaqueduto, bem como da acessória de passagem, com assento sobre o Campo do Poço dos réus,para aproveitamento da água da Poça ou Fonte do Poço, e de condenação dos réus a reconstruire repor, no estado anterior, a Poça ou Fonte do Poço, para armazenamento da água, para rega elima dos seus prédios identificados nas petições iniciais quer da anterior acção ordinária quer dapresente acção.
X . De facto, na petição inicial daquela acção ordinária, formularam todos os autores, inclusiveos Autores …, textualmente, os seguintes pedidos de condenação dosréus:
“3.º a reconhecerem aos mesmos autores, e em benefício dos seus indicados prédios, os direitosde servidão de presa e de aqueduto, bem como da acessória servidão de passagem, com assento sobre oprédio dos réus, para integral aproveitamento da água da Poça ou Fonte do Poço”
“6.º a reconstruirem e a reporem a Poça ou Fonte do Poço no estado anterior, paraarmazenamento da água, para rega e lima dos prédios referidos nos antecedentes art.º 9.º, 11.º e 13.º,bem como o respectivo rego ou aqueduto e carreiro de pé posto”
XI . E na petição inicial, com que deram início à presente acção, os Autores, que já o foramnaquela acção ordinária, novamente pediram a condenação dos réus (que também o foram naquela acçãoordinária)“a reconhecerem que os autores …, sãotitulares de um direito de servidão de presa e de aqueduto, bem como acessória servidão de passagem,com assento sobre o prédio dos réus… para integral aproveitamento da água da Poça ou Fonte do Poço”“ a reconstruirem e a reporem a Poça ou Fonte do Poço no estado anterior para aproveitamentoda água, para rega e lima dos prédios referidos nos antecedentes art.ºs 1.º e 3.º, bem como o respectivorego ou aqueduto e carreiro de pé posto”
XII .devendo, a propósito, sublinhar-se-se que os prédios referidos na petição inicialdesta acção nos art.ºs 1.º (Campo de Soussavinha, dos AA …) 3.º (Campo deChansavinha, dos Autores …) são, respectivamente, os prédios referidos eidentificados nos art.ºs 11.º e 9.º da petição inicial da acção ordinária n.º 681/2001.
XIII .Como pode, então, relativamente a esses concretos pedidos, fundamentadosexactamente nas mesmas causas de pedir, nas mesmas razões de facto, afirmar-se que nãoocorre identidade?Mais do que idênticos, são manifesta e inquestionavelmente os mesmos.
XIV . Apesar disso, diz-se no aliás douto despacho recorrido que a sentença proferida naacção ordinária n.º 681/2001 não se pronunciou sobre esses pedidos, quando a verdade é que essasentença se pronunciou expressamente, deles conheceu e deles absolveu os réus.
XV . Salvo o devido respeito, errou rotundamente esse douto despacho saneador, fazendotábua rasa do princípio de que tanto fazem caso julgado as decisões condenatórias como asdecisões materiais absolutórias. Seria, na verdade, muito estranho e desprestigiante para a Justiçae para os Tribunais que se não impusesse respeito pelas sentença absolutórias quando conheceme se pronunciam sobre as questões para que lhes é demandada decisão.
XVI . Finalmente, sendo diferente, em relação ao que haviam formulado na acçãoordinária n.º 681/2001, o pedido formulado pelos autores … de reconhecimento de quesobre o Campo do Poço dos Réus existe, constituída por usucapião, uma servidão de águas nascentesnesse mesmo prédio, em proveito do Campo de Soussavinha, dos Autores … parairrigação deste prédio do modo que indicam, quando naquela acção ordinária haviam formulado,invocando exactamente a mesma causa de pedir, o pedido de reconhecimento do direito de propriedadesobre essas mesmas águas, acontece que nessa acção ordinária os ali e aqui réus deduziram pedidoreconvencional em que demandaram fossem os ali e também agora autores condenados a reconhecer-lheso direito de propriedade sobre o referido Campo do Poço e sobre a água que nele nasce, direitos essesapenas limitados pelo direito de servidão de aqueduto e acessória de passagem para condução da água daPoça de Figueiras, pedido reconvencional esse que viria a ser julgado procedente e apenas limitado pelosdireitos de servidão de águas a favor do Campo de Sansavinha Pequena dos Autores … epelos direitos de servidão de aqueduto e acessória de passagem para condução da água da Poça deFigueiras.
XVII . À decisão que julgou procedente esse pedido reconvencional, porque são as mesmas aspartes e a mesma a factualidade ali e aqui em discussão, confere a lei força de caso julgado.
XVIII . A procedência desse pedido reconvencional conflitua, manifestamente, com a pretensãodeduzida pelos autores Adelino e Mulher de reconhecimento de quaisquer direitos de servidão onerandoo prédio dos ora réus e ali reconvintes, sejam direitos de águas, sejam quaisquer outros
XIX . De facto, impor aos réus, ali reconvintes, em favor dos autores, ali reconvindos, outraslimitações para além daquelas que a sentença então proferida então impôs, sendo as mesmas as partes,seria menorizar e prejudicar os direitos de propriedade que aos réus, ali reconvintes, foram reconhecidose os autores, ali reconvindos, condenados a reconhecer e, implicitamente, a respeitar.
XX . Tendo invocado na contestação que nestes autos deduziram a excepção de caso julgado,excepção que, sendo de conhecimento oficioso, não explanaram então completamente, como fazem agora,os réus, ora recorrentes disseram, então que se dela se não conhecesse, então, não prevalecendo o casojulgado, deveria o Tribunal reapreciar as razões de facto invocadas por autores e réus.
XXI . O Tribunal entendeu, salvo o devido respeito erradamente, não se verificar caso julgadoem relação em relação aos pedidos acima elencados.
XXII . Apesar disso entendeu que a autoridade do caso julgado (que caso julgado?) o compelia adar como assentes os factos que a sentença proferida na acção ordinária n.º 681/2001 julgara provados.
XXIII . E isso coloca-nos a questão de saber se o caso julgado e a sua autoridade se podelimitar aos fundamentos materiais ou factuais da decisão, designadamente quando a esta se nãoreconheça ou na medida em que a esta se não reconheça a força do caso julgado.
Temos para nós, embora reconheçamos que se trata de matéria controvertida, quer nadoutrina quer na jurisprudência, que o caso julgado só abrange a parte decisória da sentença, achamada “resjudicata”, solução que parece decorrer da formulação legal contida no n.º 2 do art.º580.º do CPC. Só faz caso julgado, o que facilmente se compreende, a própria decisão, atéporque, como muito bem assinala José Alberto dos Reis, pode estar errada, factual ou legalmente,pode não se afeiçoar à matéria de facto posta sub judice, pode contradizer os seus própriosfundamentos, mas nem por isso, passada em julgado, deixa de valer como caso julgado.
E, se pode conceder-se que o caso julgado, abrangendo apenas a decisão, deve aindaatender à respectiva motivação, quando se trate de fixar o seu conteúdo e alcance, como defendealguma doutrina e certa jurisprudência (Cfr Acórdão do STJ de 17/1/80, im BMJ 293.º, pag 235), nãopode, de modo algum, aceitar-se que tenha força e autoridade de caso julgado essa motivação,quando a não tenha a própria decisão.
XXIV – Por isso, a julgar-se que não ocorre no caso julgado, não pode deixar de facultar-seàs partes o direito de discutir, sem peias, e submeter ao crivo da prova toda a matéria de factoinvocada, na nova acção, quer pelos autores quer pelos réus.
XXV – Ao decidir privar as partes desse direito e ao impor-lhes decisão que não tem paraeles força de caso julgado, porque não o haveria no seu entendimento, o Tribunal recorridohouve-se com violação da lei.
XXVI – Deve julgar-se inteiramente procedente a excepção de caso julgado.
XXVII – Se assim se não entender deve anular-se o aliás douto despacho saneador naparte em que dá como assente a matéria de facto e define os temas de prova ou ordenar-se arespectiva correcção com anulação de todos os actos subsequentes, designadamente dojulgamento e da aliás douta sentença recorrida.
XXVIII – Nas decisões recorridas (despacho e sentença) ocorre, salvo o devido respeito,violação ou incorrecta aplicação, entre outras, das normas dos art.ºs 580.º, 581.º, 608.º, 619.º e621.º do Código de Processo Civil e 1305.º do Código Civil.
XXIX – Por tudo isso se demanda e pede seja o presente recurso de apelação julgadoprocedente, julgando-se verificada e operante a excepção de caso de julgado, nos termos supraindicados ou, se assim se não entender, decidindo-se como se demanda em XXVII.
Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Em 1ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 2001, os AA. intentaram contra os RR. uma acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinária, que correu os seus termos pelo 2º Juízo deste tribunal, com o n.º 681/2001, no âmbito da qual foi proferida a sentença e o acórdão, transitados em julgado, constantes de fls. 48 a 107, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Os autores Américo e mulher são donos de um prédio rústico denominado “Campo de Chanssavinha”, também conhecido por “Soussavinha Pequena”, de cultivo, situado no lugar de Guilhamil, freguesia de Valdreu, desta Comarca, descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º …, inscrito na matriz rústica sob o art. ….
3. Os autores Américo e mulher, por si e através de seus legítimos antecessores, detêm e fruem esse imóvel, agricultando-o e colhendo os respectivos frutos e produtos, desde há mais de 1, 30 e 50 anos, sem quaisquer interrupções, no seu interesse e proveito.
4. Os autores Adelino e mulher são donos de um prédio rústico denominado “Campo de Soussavinha”, também conhecida por “Soussavinha Grande”, de cultivo, situado no lugar de Guilhamil, freguesia de Valdreu, a confrontar do Norte com o caminho de Soussavinha, do Nascente com José da Silva, do Sul com Agostinho Pereira e do Poente com Manuel Martins, não descrito na Conservatória do Registo Predial, inscrito na matriz rústica respectiva sob o art. ….
5. Os 2º.s réus, enquanto usufrutuários, e os demais enquanto donos da raiz ou propriedade, são donos e legítimos possuidores do “Campo do Poço”, prédio rústico situado no lugar de Guilhamil, da freguesia de Valdreu, concelho de Vila Verde, a confrontar do Norte com o Carreiro da Cortinha, do nascente o caminho do Covelo, do sul com o caminho de Chanssavinha e do poente com Manuel Martins e Manuel Pereira, inscrito na matriz rústica sob o art.º 1367.º e descrito na conservatória do Registo Predial de Vila Verde sob o nº ….
6. Os RR., por si e legítimos antecessores, vêm, nessas qualidades, há mais de 20 e 30 anos detendo e, como coisa sua, fruindo esse prédio, dele retirando e fazendo seus, com exclusão de outrem, todos os frutos e os proveitos, o que, sem qualquer interrupção até hoje, sempre fizeram à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém.
7. Desde há mais de 50 anos e até Dezembro de 1999, no lugar de Guilhamil, freguesia de Valdreu, Vila Verde, dentro dos limites do prédio “Campo do Poço”, existiu um caleiro de pedra, que conduzia a água explorada no mesmo prédio até uma pia de pedra e desta uma parte da mesma água seguia para uma bica de pedra.
8. A água explorada no prédio “Campo do Poço” era aí represada na “Poça ou Fonte do Poço” e utilizada pelos autores para irrigar os seus terrenos agrícolas.
9. Os prédios dos AA. eram irrigados com água da “Poça ou Fonte do Poço”, poça essa aberta no solo, rodeada de muros de pedra e terra, com 11 metros de comprimento, 6 metros de largura e 1,5 metros de fundo, com olheiro de pedra.
10. A “Poça ou Fonte do Poço” era alimentada por uma parte da água que, depois de explorada no “Campo do Poço”, seguia pelo valado para um caleiro de pedra, com mais de 6 metros de extensão, que se dirigia para a pia de pedra.
11. Na pia de pedra, a água era repartida de forma a que uma parte era conduzida para a bica de pedra e a outra era lançada na “Poça ou Fonte do Poço”.
12. A água que acorria da bica e que não era consumida também era encaminhada para a “Poça ou Fonte do Poço”.
13. Há mais de 50 anos, os antecessores dos autores procederam à abertura do valado e conduta dirigida para a poça, com vista à exploração da água.
14. Para condução da água desde a “Poça ou Fonte do Poço” até aos prédios dos AA. existe um rego ou aqueduto a céu aberto, feito de pedra e terra, com carreiro de pé, marginal ao mesmo, que percorre cerca de 2/3 metros, no sentido sul/norte, sobre o valado a nascente do “Campo do Poço”.
15. Terminado o prédio, o rego atravessa subterraneamente o caminho conhecido como do Manuel do Lomba e vai desembocar num pejeiro em pedra.
16. Dali deriva um ramal que atravessa subterraneamente a estrada para o “Campo de Soussavinha ou Soussavinha Grande”.
17. Outro ramal em céu aberto inflecte no sentido contrário e prossegue ao longo da valeta da estrada, cerca de 50 metros, continuando depois em aqueduto subterrâneo para o “Campo de Chanssavinha ou Soussavinha Pequena”.
18. Para acesso à “Poça ou Fonte do Poço” a partir do caminho do Manuel do Lomba existem umas escadas de pedra, situadas no limite do prédio “Campo do Poço”.
19. Além das obras acima referidas, os antecessores dos autores construíram a “Poça ou Fonte do Poço”, abrindo-a no solo e rodeando-a de terra e pedra, e cavaram no solo os regos ou aquedutos desde a poça até aos prédios.
20. Tais obras foram executadas há mais de 50 anos, com o intuito de irrigar os prédios, no inverno e no verão e assim foram conservadas até aos dias de hoje, salvo as que se situavam dentro dos limites do prédio “Campo do Poço” que se mantiveram até Dezembro de 1999.
21. Posteriormente, há cerca de 40 anos, os pais do autor … e da ré …, José … e mulher, e os pais da autora Adosinda, David Pereira e mulher, ampliaram e melhoraram a referida Poça ou Fonte do Poço, ficando esta com as actuais dimensões, e também melhor vedada com cimento, tudo para permitir um maior e melhor armazenamento.
22. Nessa altura, os pais do autor … e da ré … eram donos e possuidores do “Campo do Poço”, bem como do “Campo de Chanssavinha” ou “Soussavinha Pequena”.
23. Logo que ficaram concluídas as obras aludidas em 21., os prédios dos AA. passaram a ser irrigados com a água da “Poça ou Fonte do Poço”, de verão e de inverno.
24. Os prédios eram irrigados de acordo com os seguintes giros anuais [de Verão e Inverno (rega e lima)]: o “Campo de Chanssavinha ou Soussavinha Pequena” de terça-feira ao pôr-do-sol até sábado ao pôr-do-sol, na semana da feira do Pico, de terça-feira ao pôr-do-sol até sexta-feira ao pôr-do-sol e de sábado ao pôr-do-sol até domingo ao pôr-do-sol na semana da feira de Vila Verde; o “Campo de Soussavinha” ou “Soussavinha Grande” é irrigado de Domingo ao pôr-do-sol até segunda-feira ao pôr-do-sol, na semana da feira do Pico, de sábado ao pôr-do-sol até Domingo ao pôr-do-sol, na semana da feira de Vila Verde.
25. Nos períodos referidos em 24., os autores, por si e antecessores, tapavam e abriam a poça, conduzindo a água através dos regos até aos seus prédios, desde há mais de 50 anos,
26. sem interrupção,
27. com ânimo de quem exerce direitos próprios,
28. à vista e com o conhecimento de toda a gente nisso interessada,
29. sem qualquer estorvo ou turbação.
30. Em Dezembro de 1999, os réus passaram a dizer que os prédios dos autores não beneficiavam da água da “Poça ou Fonte do Poço”, e que o público em geral não podia abastecer-se dela para gastos domésticos, argumentando que a poça é propriedade deles, réus.
31. Os RR. vedaram a “Poça ou Fonte do Poço” e o terreno onde esta se situa, com arames e portões fechados a cadeado, impedindo o respectivo acesso aos autores e às pessoas residentes na freguesia.
32. A Ré …, no dia 17 de Junho de 2000, deslocou várias pedras que formavam a Poça ou Fonte do Poço, destruindo-a parcialmente.
33. Os réus acabaram por destruir toda a poça ou Fonte do Poço.
34. Os autores ficaram impedidos de utilizar a água da “Poça ou Fonte do Poço” passando os réus a utilizar a mesma água, desviando-a para o “Campo do Poço”.
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A excepção de caso julgado consiste na alegação de que a acção proposta já está decidida por sentença com trânsito em julgado, e o caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor.
É sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento que se forma o caso julgado.
O caso julgado destina-se a evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual , contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.
Os limites objectivos do caso julgado, são dados, nos termos dos n.ºs 1ª 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Vejamos se no caso, se verifica identidade do pedido e da causa de pedir.
Para haver identidade de pedido basta que numa e noutra acção se pretenda obter o mesmo efeito jurídico.
Como resulta dos autos as partes não são exactamente as mesmas, pese embora o facto de nas duas acções serem sujeitos algumas das partes nesta acção.
Como resulta dos autos e está devidamente descrito a fls. 292, embora haja coincidência entre algumas das parte das duas acções elas não são exactamente as mesmas.
Nesta acção os autores peticionam que seja reconhecido que sobre o campo do poço existe uma servidão de água a favor do seu prédio campo da Soussavinha e que os autores são os titulares dessa servidão de presa e aqueduto, bem como da acessória servidão de passagem, a reconstruírem a poça ao seu estado anterior (…)
Peticionaram ainda que os réus fossem condenados a retirarem os pilares de cimento, os arames os portões e os respectivos cadeados para permitir o livre acesso.
Em síntese também alegaram que os primeiros e terceiros réus são donos e usufrutuários do Campo do Poço onde está situada a poça que irriga o campo dos autores.
Em Dezembro de 1999, os réus passaram a dizer que o campo dos autores não beneficiava dessa água e que a mesma era sua (dos réus) propriedade.
Daí passaram a impedir os autores de acederem à água.
Na acção 681/01, como já se referiu, as partes não eram as mesmas, sendo autora a Junta de Freguesia de Valdreu.
Também e para o que aqui interessa para a questão nem a causa de pedir, nem o pedido são os mesmos.
Com efeito, (sinteticamente) a Junta de Freguesia alega que o público desta freguesia e de outras sempre usou a água em questão que seguia para o fontanário. Em consequência pede que seja reconhecido que o público da Freguesia de Valdreu e outras freguesias têm o direito de se abastecer da água do fontanário.
Os 2ºs, 3º e 4º autores (correspondendo os 2º e 3º autores aos aqui autores) pedem (para além do mais) o reconhecimento de que são proprietários da água da Poça ou Fonte do Poço da sua nascente, para rega e lima dos prédios referidos na petição, bem como que ea favor dos seus prédios existe uma servidão de presa e de aqueduto(…).
Ora nesta acção o que está peticionado é que seja reconhecido que a favor dos seus prédios e a onerar o prédio dos réus está constituída por usucapião uma servidão de águas, e que os mesmos autores são titulares de uma servidão de presa e aqueduto , bem como da acessória servidão de passagem (…).
Verifica-se assim, que existe uma diversa causa de pedir, bem como do pedido, uma vez que na acção 681/01, foi invocado um direito de propriedade da água e nesta acção um direito de servidão em relação à mesma água, sendo os elementos constitutivos da causa de pedir completamente diversos.
Não há que confundir o direito de propriedade da água da nascente do Campo do Poço, com o direito de servidão sobre essa água, a favor do prédio denominado Campo de Chanssavinha Grande.
O que acontece é que foram alegados alguns factos naquela acção iguais aos que foram alegados nesta, em relação ao facto de os réus impedirem o acesso à água a partir de Dezembro de 1999.
No entanto, não existe nas duas acções completa identidade de causa de pedir nem de pedido.
A força do caso julgado não se estende aos fundamentos da sentença mas, os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado. (Neste sentido - Ac. do STJ de 13/5/03, CJ Acs, do STJ , Ano XI, t. 2 pág. 60).
Conforme resulta dos autos em relação ao pedido do reconhecimento do direito de propriedade sobre a água, aquela acção foi improcedente.
Deste modo não há identidade do pedido.
Mas não deixou de se considerar provado os factos referidos na sentença recorrida, e que já tinham sido considerados como provados naquela acção, exactamente por força do caso julgado.
A função do caso julgado não impede que, com base na decisão anteriormente proferida se peticione um efeito processual não abrangido pela decisão proferida (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, pág. 323).
Ora, o pedido aqui formulado não tinha sido formulado naacção anterior, pelo que não se verifica a excepção dilatória de caso julgado.

E o mesmo se diga quanto à causa de pedir.
Não há identidade no que respeita à causa de pedir invocada nos dois processos.
Conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 581º de Código de Processo Civil, há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico de que deriva o direito real.
Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo acto jurídico.
Como refere Alberto dos Reis Cód. Do Processo Civil Anotado, v. III, pág. 132) importa distinguir claramente a causa de pedir dos meios de que a parte se serve para a sustentar ou demonstrar estes.
O caso julgado não cobre toda a causa de pedir, da qual podem decorrer muitos outros efeitos além do deduzido pelo autor na acção(cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 711).
Nesta acções, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real.
Naquela acção 681/01 foi invocada a aquisição originária da propriedade da água e nesta a aquisição do direito de servidão da água, pelo que não é idêntica a causa de pedir.
Improcede, deste modo, o recurso.

III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 24 de Setembro de 2015.
Conceiçho
Maria Luisa Ramos
Raquel Rego