Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1585/10.9.TBVCT-A.G1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: MÚTUO
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
OBRIGAÇÃO CONJUNTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – Nas obrigações comerciais, ou seja, nas que têm por fonte um acto mercantil, quando exista pluralidade de sujeitos passivos, a regra é a da solidariedade.
2 – Esta regra não é extensiva aos não comerciantes como sucede no caso de um mútuo celebrado entre um banco e duas pessoas que não são comerciantes (§ único do art. 100º do Código Comercial).
3 - Porém, se do contexto global do programa contratual firmado entre as partes for de concluir pelo seu acordo tácito no sentido dos mutuários se terem responsabilizado de igual forma perante o mutuante, então estamos perante uma obrigação solidária.
3 - Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação”.
4 - Na interpretação dos facta concludentia regem as regras dos artigos 236º e seguintes do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO
A… deduziu oposição à execução comum para pagamento de quantia certa contra si instaurada pelo Banco…, S.A., pretendendo que, julgada procedente a oposição, seja decretado não ser legal e judicialmente permitido ao exequente deduzir a presente acção executiva.
Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que as obrigações decorrentes dos contratos de mútuo que constituem os títulos dados à execução, que, conjuntamente com P…, celebrou com o exequente não estão abrangidas pelo regime de solidariedade passiva, tratando-se antes de obrigações conjuntas, pelo que a executada/oponente é responsável apenas pela quota-parte do seu débito.
Sucede que o exequente reclamou a totalidade da dívida nos autos de falência em que era falido o referido P…, vindo a receber, em resultado do rateio exercido na massa falida, a quantia de € 34.378,36, pelo que tendo o exequente optado por exigir naquele processo a totalidade da dívida, não pode vir agora exigir da executada/oponente o pagamento da dívida.
O exequente contestou, defendendo, por um lado, que às obrigações assumidas pela oponente e por P… é aplicável o regime da solidariedade passiva, por via do disposto nos arts. 99º e 100º do Código Comercial e, por outro lado, que o facto de ter reclamado o seu crédito no processo de falência, onde foi apreendido o bem sobre o qual detinha uma hipoteca, não o impede de exigir da executada o pagamento da dívida.
Considerando ter o processo todos os elementos necessários para decidir, a Mm.ª Juiz conheceu, no saneador, do mérito da oposição deduzida, tendo-a julgado parcialmente procedente, ordenando o prosseguimento da execução apenas quanto a metade do valor mutuado pelo exequente e constante dos títulos executivos, as já referidas escrituras de mútuo com hipoteca, a que acrescem os juros e demais encargos aí convencionados
Inconformadas com o decidido, recorreram ambas as partes para esta Relação, encerrando os recursos de apelação interpostos com as seguintes conclusões:
No recurso interposto pelo exequente:
«1 - A douta decisão ora em crise ao entender que nos contratos de mútuo juntos aos autos e que suportam o pedido do Recorrente/exequente se aplica o regime da obrigações conjuntas fez uma errada interpretação dos artºs 512, 518, 519 e 217 e seguintes todos do Código Civil.
2 - De acordo com o vertido no artº 512 do C.Civil a obrigação diz-se solidária pelo seu lado passivo, quando o credor pode exigir a prestação integral de qualquer um dos devedores e por sua vez a prestação efectuada por qualquer um dos devedores libera todos os restantes perante um credor comum.
3 - O regime da solidariedade pode resultar da lei ou da vontade das partes, entendo-se que essa vontade não terá de ser expressamente declarada, podendo ser tacitamente deduzida quando se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelam
4 - Dos presentes autos, resultou provado pelo texto das escrituras e respectivo documento complementar, que a Recorrida/executada juntamente com P… contraíram perante o Recorrente dois mútuos, sendo um requerido ao regime do crédito á habitação e com o objectivo de aquisição de bem imóvel destinado à sua habitação exclusiva.
5 - E outro concedido no regime geral do qual se reconheceram devedores e cujos respectivos pagamentos deveriam ser efectuados em prestações mensais e sucessivas, por débitos na sua conta á ordem, que estes se obrigaram a ter provisionada para o efeito.
6 - Conta essa, comum e solidária a ambos os mutuários, Pelo que ao decidir a douta sentença ora em crise na absolvição dos Oponentes por força da procedência da prescrição por estes invocada, violou os pressupostos consignados no artigo 326 do C.Civil.
7 - Razões de facto e de direito bastantes para que se possa asseverar da intenção inequívoca das partes em contrair uma obrigação solidária e em se responsabilizar solidariamente perante o credor!
8 - Aliás a Recorrida não alega nem prova que os pagamentos por si devidos eram efectuados em conta autónoma, nem alega nem prova que a quitação das prestações liquidadas eram dadas separadamente.
9 - Devendo nessa medida e de acordo com o vertido nos artigos 236 a 239 do C.Civil, conjugados com o disposto artºs 217 e 512 e 513 do mesmo diploma legal, considerar-se que no caso em apreço as parte pretenderam instituir o regime da solidariedade entre os co-obrigados e como tal ser modificada a sentença ora em crise, no sentido de julgar totalmente improcedente a oposição á execução.»

No recurso interposto pela executada/oponente:
«1.º Dado que a não suspensão da presente execução possa criar irreparáveis prejuízos à ora recorrente, e porque da mesma já se encontram penhorados os seus dois únicos imóveis, e a favor do credor, o indeferimento desta pretensão corresponderia a uma enorme injustiça.
2.º No caso de indeferimento da referida pretensão, o que só academicamente se admite deve, então, ser-lhe concedido um prazo consentâneo com a tramitação dos presentes autos do recurso, para que a ora recorrente possa apresentar nos autos uma caução, a fim de que, sendo suspendida a execução, não seja efectuada a tão temível venda, antes da referida tramitação final dos autos.
3.º A decisão que os Autos de Falência n.º 609/03.0 TBVCT de 5 de Maio mereceu, consignando no seu teor os pressupostos de uma autêntica sentença, como tal há-de ser entendida e aceite para todos os devidos e legais efeitos.
4.º E entre essa referenciada sentença dos Autos de Falência e a sentença que os autos da presente execução mereceram, haverão de ocorrer, ainda que cum grano salis, os pressupostos conducentes ao instituto do caso julgado.
5.º Mas ainda que não pudesse ocorrer a identidade dos três necessários pressupostos para que ocorra caso julgado, por lhes faltar a identidade das partes, dos devedores, tal falta de identidade dos devedores entre ambas as acções, é suprida pelas consequências jurídicas resultantes da preclusão/extinção da dívida, que só inicialmente fôra da responsabilidade da ora recorrente.
6.º Evidentemente que se o Credor foi aos Autos de Falência em referência aí reclamou e exigiu a totalidade do seu crédito, o recebeu, ainda que rateadamente, e o douto Tribunal considerou em sentença aquele P… como o único devedor desse referenciado crédito, dúvidas não pode haver de que a renúncia/exclusão da respectiva dívida da ora recorrente tenha ocorrido.
7.º Mas para corroborar a ocorrência da renúncia/exclusão da dívida da ora recorrente, para com o credor, basta recorrermos às prescrições dos art.ºs 513.º e 519.º do CC, e aí verificarmos se as duas acções judiciais (os Autos de Falência e a presente execução), obedeceram aos imperativos de tais normas, ou se antes não ocorreu a sua respectiva violação!...
8.º Efectivamente, dado que no caso sub judice não foi respeitado o regime normativo, próprio das obrigações conjuntas, mas antes foi utilizado um regime mais favorável ao credor do que o regime das obrigações solidárias, tais procedimentos, do credor e do Tribunal, haverão de levar à efectiva renúncia/exclusão da dívida da ora recorrente, para com o credor.
9.º A ser permitido ao recorrente a aplicação dos dois regimes, (o das obrigações conjuntas e o das obrigações solidárias), tal facto corresponderia a que o credor pudesse jogar em dois tabuleiros, (no das obrigações conjuntas e no das obrigações solidárias), quando apenas lhe era permitido jogar num, o do regime das obrigações conjuntas!...
10.º E se o art.º 519.º do CC, aplicável apenas às obrigações solidárias, e exprimindo o principio subjacente à construção que vimos seguindo, prescreve que mesmo neste tipo de dívidas (solidárias), a exigência judicial da totalidade do crédito a um dos devedores, preclude a possibilidade de, posteriormente, o credor vir exigir ao outro devedor a mesma dívida;
11.º Por maioria de razão, assim ocorre no campo das obrigações conjuntas, tal como no caso presente acontece, em que a dívida não é da responsabilidade (solidária) de ambos os devedores, (da ora recorrente e daquele P…), mas antes cada um destes devedores tinha uma responsabilidade parcelar, e autónoma, sobre a mesma dívida.
12.º Daí que, havendo o Credor agido ao arrepio do art.º 513.º e 519.º, (deste último a contrario), e optando por reclamar toda a dívida àquele referenciado P…, já não pode agora o credor voltar a reclamar tal dívida à ora recorrente, mercê da preclusão/exclusão da mesma dívida, a que vimos aludindo.
13.º De resto, porque as excepções do art.º 519.º, são apenas aplicáveis às obrigações solidárias, que não se aplicando, pois, ao tipo das obrigações conjuntas, daqui se há-de concluir não poder o credor voltar a pedir a mesma dívida à ora recorrente.
14.º Neste sentido, veja-se o Ac. de 13 de Janeiro de 1977, e respectiva Anotação do Prof. Vaz Serra, in RLJ, Tomo 110, págs. de 373 a 381, a págs. 379, onde vem escrito:
-“ Assim, se o credor exigiu judicialmente a um dos devedores a prestação, não pode, em principio, demandar os outros devedores solidários pois a Lei quer evitar que ele, tendo incomodado com a acção ou execução um dos devedores, vá depois sem razão admissível proceder contra os outros.”
15.º E também o Professor Almeida Costa in Direito das Obrigações, 10.ª Edição, Reelaborado, a pág. 666, ensina, tendo presente o campo das obrigações conjuntas:
-“Cada um dos devedores só tem direito ou apenas se encontra obrigado à sua parte na prestação total. Os vínculos obrigacionais dos vários credores e dos vários devedores, mostram-se em tudo distintos e independentes uns dos outros, estando cada um deles imune às consequências dos actos ou factos jurídicos praticados pelos restantes credores ou devedores ou praticados por terceiros em face destes.”
16.º Não sendo correcto o fundamento da sentença da Mtma Juiz a quo, exposto na 5.ª página desta peça processual, e comportando a redacção seguinte:
-“O argumento da “maioria de razão” invocado pela oponente não colhe porque não se está tratar o credor das obrigações conjuntas de forma mais vantajosa do que o credor das obrigações solidárias.”
pois que tal vantajosa posição é por demais evidente.
17.º E já que, encontrando-se o credor adstrito às malhas das obrigações conjuntas, não podia ir reclamar toda a dívida, e seja nos referenciados autos de falência, àquele Patrício Lomba Araújo, seja na presente execução, à ora recorrente!...
18.º E também não é correcto o fundamento da sentença ora em impugnação exposto na mesma 5.ª página e consubstanciado no seguinte discurso:
-“…tanto nas obrigações solidárias como nas obrigações conjuntas o credor que exige a prestação integral de um só dos codevedor não está a renunciar em definitivo à possibilidade de obter dos demais a prestação…”
19.º Com efeito, se um credor de uma qualquer obrigação conjunta, e tal como no caso dos autos ocorre, acciona o respectivo devedor, pela totalidade da dívida, que não apenas pela quota-parte da sua responsabilidade, é graduado e pago, ainda que rateadamente, pela totalidade e vem tal devedor fixado na sentença como único devedor, por certo que, mediante tais factos, ocorre a definitiva renúncia da dívida do outro co-obrigado.
20.º Daí que, dadas as expostas circunstâncias na 19.ª cl.ª, referente ao caso sub judice, as mesmas foram a causa da preclusão/renúncia da dívida da ora recorrente, por parte do credor e por imposição consequencial por parte do Tribunal.
21.º E também, não é de aceitar o fundamento da Mtma Juiz a quo quando na pág. 4 da sentença em análise discorre acerca da atribuição:
-“…de um igual regime, quer para as obrigações solidárias, quer para as obrigações conjuntas,”
Servindo-se para tal conclusão do argumento da falta de disposições legais referentes às obrigações conjuntas.
22.º Em tais circunstâncias, deveria a Mtma Juiz a quo, data venia, recorrer ao art.º 9.º do CC e criar a norma que o legislador criaria, dentro do nosso Sistema Jurídico, acaso fosse chamado a legislar e, assim, salvaguardando a subsunção factual ao concreto preceito que criasse, ao mover-se dentro do campo das respectivas obrigações conjuntas.
23.º A segurança do direito (ou certeza jurídica) bem como o princípio da Justiça, ambos tidos como pedras basilares do nosso Ordenamento Jurídico, haverão de concorrer em uníssono para a prolação de uma sentença equitativa e justa.
24.º E se, em geral, parece dever ser dada primazia ao princípio da Justiça, tal não desmerece a importância que, atenta a factualidade do caso presente, deve ser dada à segurança jurídica, consubstanciada nos art.ºs 513.º e 519.º do CC!...
25.º Mas o confronto de posições entre o credor, como uma Instância Bancária que é, e cujo móbil é o lucro desmedido, e a ora recorrente, acorrentada às graves vicissitudes que sobre si se abatem e a levam ao incumprimento, hão-de servir de parâmetros para que a Justiça fundida na equidade, possam vir à sua epifania.
26.º Ao dar um igual tratamento às obrigações conjuntas e às solidárias e, consequentemente, não dando a necessária autonomia ao tipo das obrigações conjuntas, pela criação da norma que, nos termos do art.º 9.º do CC, seria criada dentro do espírito do Sistema Jurídico, a Mtma Juiz violou os art.ºs 513.º, 519.º e art.º 9.º, todos do Código Civil.
27.º Daí que, mercê da violação das normas invocadas na precedente 26 cl.ª, maxime pela não aplicação da norma a criar nos termos do art.º 9.º CC, tenha ocorrido grave erro na decisão da sentença em análise, ao não dar a oposição totalmente procedente por provada.»
A executada/oponente apresentou ainda contra-alegação, pugnando pela improcedência do recurso apresentado pelo exequente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objecto dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1, do CPC), as questões que se suscitam são as de saber:
- se as obrigações assumidas pela executada e por um terceiro nos contratos de mútuo com hipoteca que servem de base à execução são solidárias ou conjuntas;
- no caso de se concluir, como na sentença recorrida, que tais obrigações são conjuntas, o facto do exequente ter reclamado a totalidade da dívida nos autos de insolvência do co-devedor (o referido terceiro), impede o exequente de exigir nesta execução qualquer quantia da executada/recorrente, com defende esta, ou apenas a qauota-parte da responsabilidade do co-devedor, como se sustentou na sentença.

III - FUNDAMENTAÇÃO
A) - OS FACTOS
Na 1ª instância consideraram-se provados os seguintes factos:
1. Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada no dia 30/3/99, o banco exequente concedeu à executada e a P…, entretanto declarado falido por sentença já transitada em julgado, um mútuo nos termos, prazos e demais condições constantes da escritura pública de fls. 6 a 11 dos autos de execução, que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
2. Por escritura pública de mutuo com hipoteca celebrada no dia 30/3/99, o exequente concedeu à executada e a P… um outro mutuo, nos termos, prazos e condições constantes da escritura pública de fls. 13 a 17 dos autos de execução, que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
3. No âmbito do processo de falência de P…, o exequente foi ressarcido, na qualidade de credor hipotecário, da quantia de € 34.378,36.
4. A executada deixou de cumprir as obrigações creditícias em 2000/2001.
5. No dia 27/7/2005, ao exequente foi paga a quantia de € 34.378,36 resultante do rateio operado na massa falida, no processo de falência nº 609/03 do 2º Juízo Cível deste Tribunal, em que o referido P… foi declarado falido.
6. O exequente reclamou nesse processo de falência a totalidade da dívida que quantificou em € 343.174,71.

B) – O DIREITO
Como ponto prévio, cabe referir que foi oportunamente proferido despacho na 1ª instância (cfr. fls. 166), devidamente notificado às partes e já transitado em julgado, que indeferiu o efeito suspensivo ao recurso requerido pela executada/oponente, atribuindo a ambos os recursos efeito meramente devolutivo, o que foi tabelarmente mantido pelo relator no despacho de fls. 170, estando assim esta questão definitivamente arrumada.
Avancemos, pois, para o conhecimento das questões postas em ambos os recursos, começando pelo recurso do exequente.

Responsabilidade solidária ou conjunta (?)
A questão suscitada no recurso do exequente respeita à natureza das obrigações contraídas pela executada nos títulos que servem de base à execução: os contratos de mútuo com hipoteca acima identificados.
Sobre esta matéria escreveu-se na sentença recorrida:
«Trata-se, naturalmente, de obrigações plurais (porque foram contraídas pela executada e por um terceiro) – mas serão obrigações conjuntas (como defende a executada/oponente) ou obrigações solidárias (como defende o exequente)?
No âmbito do direito civil o regime-regra é o das obrigações conjuntas uma vez que a solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes (art.513º do CC). Pelo contrário, no âmbito do direito comercial vigora a orientação inversa pois o regime-regra é o das obrigações solidárias (art. 100º do C. Com).
No caso concreto, é patente a inexistência de acordo das partes no sentido da solidariedade. E o mesmo se diga de disposição legal que imponha esse regime, sendo certo que não tem aqui aplicação o disposto no art.100º C. Com. uma vez que o § único do preceito afasta expressamente a aplicabilidade do corpo do artigo “aos não comerciantes, quanto aos contratos que, em relação a estes, não constituem actos comerciais”: isto significa que aquele art.100º só é aplicável àquele ou àqueles em relação a quem o acto for mercantil (cf. F. Correia, Lições de Direito Comercial, vol. I, 1965, p.61) E, no caso em apreciação, não sendo a executada comerciante, não lhe é aplicável o preceito (com interesse, cf. Acs. do STJ de 06/07/2004, proc.04B1465, e do STJ de 12/11/2009, proc.340/06.5TBPNH.C1.S1, ambos em www.dgsi.pt).
Conclui-se, assim, estarmos perante obrigações conjuntas».
Na sentença recorrida acolheu-se, pois, a tese da executada de que as obrigações decorrentes dos mútuos com hipoteca que constituem os títulos dados à execução, incorporam obrigações conjuntas daquela executada e de um terceiro, Patrício Lomba Araújo, entretanto declarado falido.
Se não nos merece reparo o afastamento da regra da solidariedade nas obrigações comerciais a que alude o art. 100º do Código Comercial, considerando a excepção prevista no seu parágrafo único Quanto a esta matéria, nomeadamente sobre a classificação entre actos de comércio puros (ou bilateralmente comerciais) e actos de comércio mistos e para maiores desenvolvimentos, cfr. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 1º vol., 1987, AAFDL, pág. 42 e segs.. , uma vez que nada nos autos aponta para que os ditos contratos de mútuo constituam quanto à executada e ao dito terceiro actos comerciais, já não podemos comungar do entendimento da Mm.ª Juiz a quo quando diz ser “patente a inexistência de acordo das partes no sentido da solidariedade”.
Afastada que está, pois, a regra contida no artigo 100º do Código Comercial (regra da solidariedade, salvo estipulação em contrário), estamos caídos no regime regra do direito civil: “a solidariedade de devedores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes” (art. 513º do Código Civil).
Antunes Varela chama a atenção para o facto de que, na nossa actual lei se não arvorou a solidariedade como regra “também não foi ao ponto de exigir, para a sua estipulação entre as partes, uma declaração expressa”, contentando-se, na falta de qualquer exigência especial da lei, com qualquer forma de declaração, expressa ou tácita In Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 734..
Aceitando como boa esta posição, a questão que se nos coloca, à míngua de declarações expressas no sentido da busca da solução do caso concreto, é apenas a de saber se do contexto global do programa contratual firmado pelas partes, é legítimo concluir pelo seu acordo tácito no sentido de a executada e o referido terceiro se terem responsabilizado de modo solidário para com o exequente.
Entram aqui em jogo os facta concludentia Cfr. o Ac. do STJ de 13.03.2008 (Urbano Dias), proc. 08A466, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto. .
Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação”. “A interpretação das declarações tácitas resulta do apuramento do sentido da concludência, isto é, da determinação de qual o sentido negocial, ou não negocial, que deve ser tido como deduzindo-se com toda a probabilidade do comportamento concludente. A concludência pode resultar de pressuposição ou de implicação, consoante esse sentido é pressuposto ou implicado com toda a probabilidade pelos factos de que se deduz, sendo que à interpretação das declarações negociais tácitas se aplicam as regras dos artigos 236º e seguintes do Código Civil Paulo Mota Pinto, Declaração e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, págs. 746 a 760 e 892; no mesmo sentido, vd. Pedro Pães de Vasconcelos, Teria Geral do Direito Civil, pág. 301..
O comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.
Mas terão de ser “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa C. Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, pág. 718..
Também Vaz Serra Citado no Ac. do STJ de 13.03.2008 a que se alude na nota 3. não deixa de fazer notar que “ «os factos concludentes» em que assenta a declaração tácita, não têm, necessariamente, de ser inequívocos em absoluto, sendo suficiente que eles «com toda a probabilidade» a revelem”.
E, mais à frente, acrescenta que “a designação «declaração tácita de vontade» é aqui enganosa, dado que não se entende o silêncio, mas uma exteriorização positiva, que, porém, diz imediatamente algo diverso, ou também um simples «acto real» como declaração de uma forma determinada de vontade de efeitos jurídicos, rematando que “a conclusão que aqui é tirada assenta a maior parte das vezes na admissão de um modo lógico e leal de pensar ou agir daquele cuja vontade de efeitos jurídicos é extraída da sua exteriorização ou da sua conduta” In Revista Decana, Ano 110º, págs. 377 e 378..
Vejamos, pois, se a factualidade provada dá razão ao exequente.
A recorrida outorgou juntamente com o referido P… duas escrituras: uma de compra e venda e mútuo com hipoteca e outra de mútuo com hipoteca (cfr., respectivamente, fls. 45 a 54 e 36 a 44 da apelação).
Na primeira das referidas escrituras, que diz respeito à aquisição “em comum e partes iguais” de um prédio urbano destinado “exclusivamente a sua habitação própria permanente”, a executada e o dito P… declararam: “([que] por esta escritura, eles, segundos outorgantes, se confessam devedores ao Banco,,, S.A. (…)».
Quer da escritura quer do documento complementar que faz parte integrante da mesma, resulta que os valores mutuados deveriam ser liquidados em prestações mensais constantes e sucessivas de capital e juros, a ser liquidados numa conta de depósitos à ordem aberta em nome dos dois, a qual se obrigaram a manter aprovisionada para o efeito.
Estes mesmos factos repetem-se a propósito da escritura de mútuo com hipoteca e inculcam a ideia de que, de uma forma tácita, as partes acordaram na responsabilização na forma solidária da executada e do dito P… perante o banco exequente, afastando, deste modo, a presunção de responsabilidade conjunta consagrada no art. 512º do CC: os facta concludentia apontam claramente nesse sentido.
Caso se tratasse de uma obrigação conjunta, o que seria normal é que o pagamento das prestações devidas fosse efectuado através de contas distintas e a executada haveria de alegar e provar que efectuava o pagamento da parte que lhe cabia separadamente, o que não fez.
Ademais, pressupondo a solidariedade, além da pluralidade de sujeitos de um ou de ambos os lados da relação obrigacional, o direito à prestação integral ou dever de prestação integral Sobre os pressupostos da solidariedade, vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6ª ed., pág. 723., este pressuposto verifica-se no caso em apreço, uma vez que o depósito de apenas metade da prestações devidas no âmbito dos contratos de mútuo em causa na conta à ordem da titularidade da executada e do dito P… não era por si só liberatória da prestação devida.
Também o pressuposto do efeito extintivo recíproco, que é essencial à solidariedade, se verifica in casu, pois como decorre inelutavelmente dos contratos, para o banco exequente, ora recorrente, era indiferente que fosse a executada ou o dito P… a provisionar a conta à ordem, pelo que havendo provisão suficiente para pagamento integral da prestação que se vencia todos os meses, a quitação era dada a ambos os devedores e não apenas a um deles.
Indo ao encontro das regras interpretativas da interpretação, consagradas nos artigos 236º e segs. do Código Civil, podemos, pois, dizer, que os facta concludentia deixados assinalados permitem concluir que, de uma forma tácita, a executada e o mencionado P… se obrigaram perante o exequente a cumprir de forma solidária as obrigações resultantes dos contratos firmados e aqui em apreciação.
E sendo assim, como é, podemos dizer afoitamente que as partes contratantes, por vontade tácita, consagraram a regra da solidariedade, indo ao encontro da permissão estabelecida no artigo 513º do Código Civil o mesmo é dizer que afastaram voluntariamente a regra da responsabilidade conjunta, do regime supletivo da lei civil.
Em jeito de remate, consolidando o já dito, lembraremos apenas que a venda e o mútuo, num caso, e o mútuo, no outro, foram celebradas em conjunto (isso é inelutavelmente um facto certo), mas - pormenor deveras importante - sem descriminação de preço, sem quaisquer diferenças de conteúdo quanto aos montantes que caberia a cada um por virtude dos negócios celebrados.
Isto significa que o exequente tem o direito de exigir a prestação integral de qualquer dos devedores, sendo que a prestação efectuada por um destes os libera a todos perante aquele (art. 512º, nº 1, do Código Civil).
Em face da solução encontrada, terá necessariamente de improceder o recurso da executada, o qual assenta num pressuposto que se viu não ocorrer, ou seja, o das obrigações em causa serem conjuntas.

Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC)
1 – Nas obrigações comerciais, ou seja, nas que têm por fonte um acto mercantil, quando exista pluralidade de sujeitos passivos, a regra é a da solidariedade.
2 – Esta regra não é extensiva aos não comerciantes como sucede no caso de um mútuo celebrado entre um banco e duas pessoas que não são comerciantes (§ único do art. 100º do Código Comercial). Porém, do contexto global do programa contratual firmado entre as partes é legítimo concluir pelo seu acordo tácito no sentido de os mutuários se terem responsabilizado perante o mutuante de forma solidária.
3 - Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação”. Na interpretação dos facta concludentia regem as regras dos artigos 236º e seguintes do Código Civil.

IV - DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação da executada e procedente a apelação do exequente, revogando a sentença recorrida e ordenando o prosseguimento da execução para pagamento da totalidade do pedido executivo.
Custas nesta Relação e na 1ª instância a cargo da executada.
*
Guimarães, 19 de Maio de 2011
Manuel Bargado
Helena Gomes de Melo
Amílcar Andrade