Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1100/12.0TVPRT.G1
Relator: ESTELITA MENDONÇA
Descritores: PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
FIADOR
CONTRATO DE FRANCHISING
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Instaurada uma acção nos tribunais estaduais e invocada a excepção de preterição de tribunal arbitral, só em casos de manifesta nulidade, ineficácia ou de inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção.
II - A nulidade manifesta é a invalidade que não necessita de mais prova para ser apreciada, recaindo apenas na consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade. E mesmo nestes casos, quando existam dúvidas sobre a validade da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário.
III. Para se determinar a natureza da questão em litígio “há que atender aos articulados, em particular à “ causa petendi “ e pedido formulados na petição inicial apresentada em juízo, pois é por aquela que se vai aferir a posição a tomar” (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 10/3/08, in www.dgsi.pt).
IV. É através da contestação que o Réu expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e expõe os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, em suma, é na contestação que o Réu se pronuncia sobre o fundo da causa, pelo que, tendo o Réu, logo no primeiro articulado em que se pronunciou sobre o fundo da causa, suscitado a excepção de preterição de convenção arbitral, cumpriu o disposto no art. 5.º n.º 1 da L:A:V.
V – Nada impede que o fiador de um contrato de franchising que interveio no contrato, subscrevendo-o em bloco, invoque a cláusula compromissória, não se vendo como pode defender-se que não lhe é aplicável a referida cláusula, por só nele ter intervindo na qualidade de fiador.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1100/12.0TVPRT.G1.

Recorrente: AA S.A..
Recorrido: BB.

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Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

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Com data de 2 de Dezembro de 2014 foi proferida a seguinte decisão (itálico de nossa autoria):
“Na sua contestação, a Ré, B, invocou a exceção de preterição do Tribunal Arbitral Voluntário, alegando, em síntese, que o contrato de franchising celebrado entre a Autora, a “CC, SARL” e a Ré, prevê na cláusula XXVIII, sob o título “cláusula de arbitragem” que “…qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato será definitivamente resolvido através de arbitragem (…)”.
Na réplica, a Autora divergiu do entendimento da Ré, sustentando que a cláusula de arbitragem invocada se não aplica ao presente litígio, porque a Ré intervém no contrato na qualidade de fiadora, oferecendo garantia pessoal do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, sendo assim aplicável o teor da cláusula XXIX do contrato, nos termos da qual “…em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar ou, como consequência, seja necessário ir a Tribunal, ambas as partes, renunciando ao seu foro, caso o possuam, submetem-se à competência e jurisdição dos tribunais da comarca de Vila Nova de Famalicão.”
Cumpre decidir (art.º 98º, do CPC):
A existência de tribunais arbitrais encontra-se prevista pela redação atual do artigo 209º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Através da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, (Lei de Bases da Arbitragem Voluntária - LAV) que precedeu a atualmente vigente Lei n.º 63/2011 de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária) foi densificado o quadro normativo dos tribunais arbitrais.
O artigo 1º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011 – aplicável às convenções celebradas antes da sua entrada em vigor, com exceção dos emergentes ou relativos a contrato de trabalho e do regime de recursos), sob a epígrafe “Convenção de Arbitragem”, prevê as condições em que um litígio pode ser submetido à apreciação de um tribunal arbitral voluntário, nos seguintes termos:
“1. Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.
2 - É também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido.
3 - A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória). 4 - As partes podem acordar em submeter a arbitragem, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras que requeiram a intervenção de um decisor imparcial, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar e adaptar contratos de prestações duradouras a novas circunstâncias.”
Encontra-se, assim, excluída pela redação dos nºs. 1 e 2 do artigo em apreço, a possibilidade de submeter a apreciação dos tribunais arbitrais a solução de litígios que reportem a direitos indisponíveis, outros que por lei devam ser necessariamente submetidos a tribunais do Estado ou a arbitragem necessária.
A convenção arbitral é um negócio jurídico bilateral, resultante do entendimento de vontades das partes.
A arbitragem voluntária é, por isso, “…contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado” (cfr. fundamentação, citando Francisco Cortez, “A Arbitragem Voluntária em Portugal”, in “O Direito”, pág. 555, do douto Acórdão do STJ de 18.01.2000, no processo n.º 99A1015, in www.stj.pt).
Os tribunais arbitrais voluntários são instituições de natureza privada cujas decisões, por participarem no exercício da função jurisdicional, veem por lei ser-lhes reconhecida a força do caso julgado e executiva (art.º 26º da Lei 31/86).
Na convenção arbitral, ambas as partes ficam constituídas no ónus de, querendo ver decidido litígio que se compreenda no seu objeto, preferirem a jurisdição arbitral, privada, à jurisdição pública. Se porventura, apesar da existência de convenção de arbitragem, uma das partes no litígio demandar a outra em tribunal judicial, o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância, por ocorrer a exceção dilatória da preterição do tribunal arbitral (neste sentido, Lopes dos Reis, in “Questões de Arbitragem Ad-Hoc II”, Revista da Ordem dos Advogados, n.º 59, pág. 292.
A preterição de tribunal arbitral voluntário determina a incompetência absoluta do tribunal (artigo 96º, alínea b) do CPC) e constitui exceção dilatória que obsta à apreciação do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância (artigos 576º, n.º 2 e 577º alínea a), ambos do CPC).
No caso vertente, a exceção foi suscitada pela Ré e o pedido da ação versa direito de natureza patrimonial não está submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária.
O contrato de franchising celebrado entre a Autora, na qualidade de “franchisador”, a “CC, SARL”, na qualidade de franchisado, e a Ré, na qualidade de fiador, prevê na cláusula XXVIII, sob o título “cláusula de arbitragem” que “…qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato será definitivamente resolvido através de Arbitragem (…)”.
A cláusula em apreço obedece à forma escrita prevista pelo artigo 2º, nºs. 1 e 2 da LAV e, salvo melhor opinião, aplica-se à presente ação, na medida em que o pedido se funda exclusivamente no não cumprimento de obrigações constituídas por mor do contrato em causa.
Na verdade, a decisão do pedido depende da apreciação das seguintes questões suscitadas pela Autora:
- a obrigação do franchisado pagar à franchisadora o preço da mercadoria que lhe foi fornecida no âmbito da relação contratual;
- a obrigação da Ré fiadora pagar à franchisadora, o montante contratual em dívida pelo franchisado, por força da fiança contratualmente constituída pela cláusula XVIII do contrato de franchising, nos seguintes termos “Os terceiros contraentes constituem-se fiadores e principais pagadores, renunciando desde já ao benefício de excussão prévia, pelos débitos do segundo contraente resultantes do presente contrato.”
Assim, quer porque a decisão da presente ação pressupõe a apreciação do direito de crédito da Autora sobre a “CC, SARL” à luz do contrato de franchising, quer porque a garantia que serve de fundamento à demanda da Ré constitui uma obrigação contratualmente prevista e assumida pela Ré na qualidade de parte contratante, é aplicável à presente demanda a cláusula de arbitragem estipulado sob o ponto XXVIII do contrato.
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Pelo exposto, julgo procedente a exceção de incompetência absoluta do tribunal, por preterição do tribunal arbitral voluntário, absolvendo a Ré da instância.
Custas pela Autora (art.º 527º, n.º 2 do CPC).
Notifique”.

Interpôs recurso de Apelação a A. terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
I - A Sentença proferida pelo tribunal de primeira instância merece a nossa inteira censura, não só porque o douto tribunal a quo parece ignorar, para tomar a sua decisão, os fundamentos legais invocados pela Autora, mas também porque, simultaneamente, viola frontalmente a lei ao fazer uma errada aplicação das normas que invoca para sustentar a sua posição.
II - Não se pode, igualmente, olvidar que peca ainda a douta sentença por não tomar em atenção a informação relevante constante dos autos e cuja análise cuidadosa importaria uma decisão contrária à proferida, nos termos do art. 616.º, n.º 2, a) do NCPC, o que desde já se invoca, face à existência de uma cláusula de foro judicial que não foi tida nem considerada, mas apenas levianamente referida.
III - A decisão do tribunal judicial, ora em crise, é incoerente e insensata, fazendo depender a apreciação da excepção invocada de factos e questões jurídicas que não lhe são nem prejudiciais, nem necessariamente dependentes.
IV - Aqui, na discussão da excepção da preterição do tribunal arbitral, apenas nos interessa uma coisa: se se aplica ou não a cláusula compromissória arbitral, e em caso afirmativo, se esta é valida e eficaz.
V – Defendemos a inaplicabilidade da cláusula arbitral à relação contratual existente entre o franquiador e o fiador, importando apenas as obrigações existentes entre estas partes e a forma como ambas configuraram a sua relação.
VI - A cláusula de arbitragem invocada pela Ré, na nossa opinião, apenas se aplica caso se suscite alguma questão ou conflito resultante do contrato de franquia, ou seja, apenas existe lugar a competência exclusiva do tribunal arbitral no caso de existir incumprimento de um dos dois outorgantes directamente envolvidos no negócio (franquiado e franquiador) ou se se verificar dúvidas quanto à interpretação de alguma cláusula, o que não é o caso.
VII - A Ré intervém no presente contrato a título de fiadora, ou seja, mediante garantia pessoal por si outorgada e com o intuito de apenas garantir o cumprimento das obrigações de pagamento que nasceram para a franquiada com a celebração do contrato em questão. (Art.º 627.º do Código Civil).
VIII - Entender o contrário seria aceitar então que se considerava que a fiadora estaria sujeita a todas as obrigações contratuais nele previstas, desde a obrigação de não concorrência à obrigação de receber a indemnização de clientela com o fim do contrato, o que não se pode aceitar.
IX - A única cláusula dirigida expressamente à Ré, na qualidade de fiadora, é precisamente a cláusula XVIII onde se constitui a mesma fiadora e renuncia ao benefício de excussão prévia, limitando-se todas as restantes a tutelar expressamente as relações entre o franquiador e o franquiado, facto esse que se denota em especial na cláusula XXV, onde para além da referência ao tribunal judicial, refere-se ainda que cabe ao franquiado e franquiador alterar ou modificar cláusulas que eventualmente sejam tidas por nulas ou ineficazes, mas não faz qualquer menção aos fiadores, o que demonstra, então, que a única cláusula do contrato que se aplica aos mesmos é exclusivamente aquela em que se constituem os mesmos garantes na dita modalidade.
X – Também a cláusula XXIX do contrato de franquia é clara ao estabelecer que “em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar (...) submetem-se à competência e jurisdição dos tribunais de comarca de Vila Nova de Famalicão”, resultando de forma cabal que o contrato prevê uma série de situações em que a competência dos tribunais arbitrais é alternativa e não exclusiva, como é o caso em discussão nos presentes autos.
XI - Presume-se facilmente com a confrontação de ambas as cláusulas que essa foi a vontade real e hipotética das partes, nos termos do art. 239.º do C.C.
XII - Não houve incumprimento contratual da Ré, nem poderia haver, enquanto terceira outorgante/fiadora, pelo que nunca estaria a mesma numa situação de conflito ou que obrigasse à discussão de questões associadas à interpretação do contrato, existindo apenas perante esta uma obrigação de pagamento em substituição da franquiada em caso de incumprimento desta última.
XII - Aliás a doutrina de referência entende não existir fundamento legal para que se possa estender a convenção arbitral ao co-devedor, ao fiador ou a outra garante de qualquer signatário. Neste sentido vejam-se os contributos do Dr. Carlos Ferreira de Almeida, Prof. Dr. da Faculdade De Direito da Universidade Nova de Lisboa, que no seu texto assume esta posição, citando para o efeito doutrina de referência alemã de autores como Schwab & Walter e Rosenberg.
XIII – A jurisprudência parece, com base na pesquisa extensiva por nós efetuada, ainda não se ter debruçado diretamente sobre uma situação idêntica à discutida nos presentes autos, porém, são dignos de menção, por lidarem com questões similares e por isso contribuírem para a presente discussão, o Acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2011 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-30-2005, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
XIV – O primeiro acervo mencionado defende, fundamentadamente, a inaplicabilidade de cláusula compromissória ao avalista. Já o segundo acervo, de forma ponderada e eloquente, entende que a cláusula atributiva de competência territorial a um determinado tribunal judicial inserta num contrato de mútuo com fiança, não se aplica às ações em que estejam em causa as relações de fiadores e mutuários.
XV - A acessoriedade da fiança, nos termos do art. 627.º do C.C, enquanto característica principal desta figura jurídica, permite distinguir a obrigação do fiador da do devedor, embora apresentem o mesmo conteúdo.
XVI - A Ré foi fiadora no contrato de franquia e apenas interveio nessa qualidade, daí se retirando que a mesma é exclusivamente uma garante e que apenas figura no contrato nessa posição jurídica, pelo que apenas se podem retirar as inerentes consequências de tal situação que não já as próprias das relações estabelecidas entre o franquiado e o franquiador, logo, não lhe é aplicável de forma alguma o compromisso arbitral pois os efeitos e a vontade das partes na redução de tal acordo, apenas foi feito tendo em conta a relação principal resultante do contrato de franquia: a do franquiado e franquiador.
XVII - O fiador contratualmente apenas assumiu o pagamento das dívidas que não fossem satisfeitas pelo franquiado, pelo que, a discussão da validade do contrato ou a violação de outras obrigações, que não a por si assumida, entre outras questões, eventualmente subsumíveis a tal cláusula, só respeito dizem aos outros intervenientes que nesses termos acordaram.
XVIII - É inequívoca a posição contratual da Ré no contrato que assinou, não lhe sendo extensível o compromisso arbitral acordado entre a primeira e segunda outorgante, pelo que o tribunal de primeira instância deveria ter considerada por improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral face à manifesta inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o que desde já se requer, devendo, por isso, a sentença, ora em crise, ser revogada e substituída por outra que declare o tribunal judicial por competente para decidir o presente litígio, com as demais consequências legais.
XIX - Se pelo contrário se considerasse que era aplicável ao fiador o compromisso arbitral, o que não se consente, e apenas se admite por mera hipótese académica, também teria a excepção da preterição do tribunal de ser dada por improcedente, por a nosso ver ser a cláusula de arbitragem manifestamente nula, o que, desde já, também se invoca.
XX - As cláusulas arbitrais podem ser irregulares ou defeituosas, naquilo a que a doutrina apelida de “Cláusulas patológicas”, expressão essa cunhada em 1974, pelo autor alemão Eisemann, para designar as convenções ambíguas ou com elementos errados, mas que não afectam a validade da estipulação de certos litígios à apreciação das instâncias arbitrais.
XXI - Contudo, quando estamos perante uma incorreção de tal modo grave, não há outra solução que não a de se dar a cláusula por inválida e ineficaz.
XXII – Considera a doutrina de referência que “um caso manifestamente grave e gerador de nulidade é o de submeter o mesmo litígio ou tipo de litígios a arbitragem e a um certo tribunal estadual, visto não poder averiguar-se qual a vontade das partes.” (Dr. Armindo Ribeiro Mendes) e no nosso caso concreto o contrato apresenta três cláusulas contraditórias e distintas (cláusula XXV, Cláusula XXVIII, Cláusula XXIX, Cláusula, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), que se forem lidas literalmente, não possibilitam saber qual o tribunal competente, ou que são, pelo menos, suscetíveis de serem interpretadas de diversa forma, como se denotou nos presentes auto.
XXIII - A interpretação que a Autora faz das cláusulas, conforme já referido, é que a competência dada ao tribunal arbitral não é exclusiva, mas alternativa, discordando dessa posição a Ré que entende que é exclusiva. E é alternativa porque não se estendendo na sua óptica a convenção arbitral ao fiador, estabeleceram que a dita relação contratual alternativamente teria por foro competente o judicial e não o arbitral.
XXIV - Ora da confrontação destas interpretações, e lidas na sua literalidade as cláusulas, resulta que é praticamente impossível com certeza jurídica separar em termos líquidos que tipo de litígios atribuíram as partes às diferentes jurisdições escolhidas. É que a expressão “em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar” é bastante dúbia, principalmente em confronto com a expressão usada na convenção arbitral que refere que a mesma se aplica a “qualquer questão ou conflito”. Quando é que ele não tem lugar? Em que situações? As previstas nas lei? O que é que as partes entenderam por qualquer questão? Tudo? Ficamos sem conseguir entender.
XXV - A inteligibilidade da cláusula arbitral quando confrontada com as demais previsões contratuais, faz com que a mesma se tenha por manifestamente nula e ineficaz, pois a indeterminabilidade do tribunal acarreta a dita nulidade por questões de segurança jurídica, muito nos espantando, que o douto tribunal de primeira instância tenha formado a sua decisão sem que analisasse e interpretasse o contrato globalmente, confrontando as demais cláusulas incompatíveis entre si, o que seria suficiente, dada a manifesta nulidade da convenção, para decidir no sentido oposto ao decidido. Até porque a Autora reivindicou a competência do tribunal judicial não só com base na sua posição, aqui já desenvolvida, da inaplicabilidade ao fiador da convenção arbitral, mas também porque invocou a cláusula da competência do tribunal judicial.
XXVI - Mais acresce, que a nulidade manifesta da cláusula arbitral, é também patente em dois outros elementos, o que igualmente se invoca: no objeto e na escolha do tribunal arbitral e pese tal evidência também o tribunal fecha os olhos
a tal facto.
XXVII - O Tribunal arbitral escolhido pelas partes foi: o “Tribunal Português de Arbitragem, no Conselho Superior das Câmaras do Comércio, Indústria e Navegação”, tribunal esse que não existe, defendendo a doutrina portuguesa, que a escolha de um tribunal arbitral não existente acarreta igualmente a nulidade da cláusula.
XXVIII - É que a escolha de um tribunal inexistente impossibilita as partes recorrerem a outro tribunal arbitral pois tal importaria violar efetivamente a cláusula arbitral e consideramos nós que a presente nulidade é total, o que se invocas, e não meramente parcial, não se conseguindo ultrapassar a mesma por via de interpretação corretiva ou até pelo preenchimento integrativo de uma lacuna que permitisse a sua salvação.
XXIX - Já no que versa os requisitos especiais do compromisso também violada está a necessidade de determinar o objecto do litígio, ou seja, de individualizar com precisão o litígio a decidir. Esta necessidade de determinar o objecto do litígio (e o litígio propriamente dito) é uma imposição legal do art. 2.º, n.º 6, da LAV.
XXX - Ora, a consequência da violação de tal imposição é a nulidade da convenção de arbitragem como prevê o art. 3.º do mesmo diploma e no nosso caso concreto, resulta da cláusula de arbitragem, já citada, que o objeto é indeterminado por ser demasiado genérico e impreciso, não especificando, como decorre da lei, a relação jurídica a que os litígios respeitem, nem determinando o objeto do litígio. E é precisamente esta imprecisão que dificulta a interpretação da dita cláusula quando em confronto com as demais que aparentemente a contrariam
XXXI - A falta de determinabilidade do objeto acarreta, por isso, a nulidade da cláusula, aqui invocada, uma vez que é impossível extrair da dita cláusula de forma concreta quais os litígios que lhe são subsumíveis.
XXXII - Do exposto resulta, por isso, que a cláusula é manifestamente nula por não determinar o objecto, por indicar um tribunal inexistente, e por estar em clara contradição com outras cláusulas existentes no contrato de franquia, o que vai invocado.
XXXIII - Logo, e atenta não só a inaplicabilidade da convenção, mas também a sua nulidade, deve a sentença, ora em crise, ser revogada e substituída por outra em que o tribunal judicial de primeira instância se declare competente, com as demais consequências legais.
XXXIV - Mais uma vez, e sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que se a cláusula de arbitragem fosse aplicável no nosso caso concreto, e não se tivesse a mesma por manifestamente nula, o que não se aceita, que também assim outro desfecho não poderia ser dado a causa que não o de se considerar o tribunal judicial por competente, uma vez que entendemos que a
Ré, fiadora do contrato de franquia, renunciou tacitamente à convenção arbitral.
XXXV – O presente processo judicial teve o seu início em 2012, e que até ter sido apresentada pela Autora petição inicial aperfeiçoada, e ter a Autora contestado a mesma, houve variadíssima intervenção de ambas as partes.
XXVI - A primeira intervenção da Ré foi feita em 27-12-2012, ainda na fase injuntiva, em que a mesma através de mandatário da União Europeia, junta aos Autos uma missiva em que apresenta a sua defesa. Na dita missiva não é invocada qualquer preterição do tribunal arbitral, reivindicando apenas a parte que o tribunal judicial competente não é o português, mas apenas o do Luxemburgo.
XXXVII - Perante tal missiva, e no seguimento de requerimento apresentado pela Autora, o tribunal ordenou a Ré para que juntasse o adequado formulário de oposição à injunção. No dito formulário a parte que o subscreve pode optar por opor-se a oposição sem apresentar qualquer defesa, ou pode, se assim o entender juntar anexo em que invoque os seus meios de defesa.
XXXVIII - Notificada pelo tribunal para juntar o dito formulário, a Autora veio-o fazer em 27-02-2013, tendo por anexo ao dito formulário apresentada cópia da missiva anteriormente apresentada, onde mais uma vez apresentou a sua defesa, sem que fosse invocada a excepção que veio mais tarde a invocar.
XXXIX - Ora, entendemos que resulta de tais intervenções que a Ré aceitou tacitamente a competência dos tribunais judiciais para dirimir o presente litígio, em oposição aos tribunais arbitrais.
XL - Há assim uma extensão da competência do tribunal judicial. Ou seja houve no nosso caso uma prorrogação tácita da competência que se fundou na presunção de que ao comparecer perante o tribunal incompetente (judicial), sem arguir a preterição do tribunal arbitral, a Ré aceitou tacitamente ser julgada por essa jurisdição.
XLI - Nesse caso, a comparência da Ré ao apresentar essa defesa tem como efeito a formação tácita de acordo quanto à competência judiciária, acordo que já não pode ser destruído pela posterior arguição da excepção.
XLII - Ora, com o efeito atributivo da competência resultante da comparência da Ré em juízo, no seu requerimento de defesa apresentado, sem aí ter-se suscitado a aludida excepção, já não será possível afastar esse efeito, pois decidir contrariamente, seria destruir-se o pacto de jurisdição tacitamente formado.
XLIII - No nosso caso concreto, a Requerida interveio várias vezes antes de arguir a excepção da preterição do tribunal arbitral, num documento que o tribunal parece ter infelizmente ignorado, documento esse redigido em francês, não alegando qualquer incompetência do tribunal judicial em preterição do tribunal arbitral, mas apenas se defendendo ao invocar que o foro competente é o luxemburguês.
XLIV - In casu, estamos perante um defesa de mérito e fundamentada, que não se limita a ser uma mera negação ao direito invocada pela requerida através da adesão e assinatura de um formulário automatizado existente para o efeito. Esse formulário é junto mas igualmente acompanhada da dita defesa de mérito da Ré.
XLV - O processo iniciou-se em 2012, tendo a primeira intervenção da Ré sido efetuada em Dezembro desse mesmo ano, porém, só no dia 26 de Março de 2014, invocou a mesma a excepção da preterição do tribunal arbitral.
XLVI - Dúvidas não podem por isso existir de que é competente o tribunal judicial, para dirimir tal questão.
XLVII - Aliás, facto esse patente no despacho da 2.ª vara Cível do Porto, datado de 14-03-2013, que remete os autos para o Tribunal Judicial de Vila Nova de
Famalicão, “por ser o competente”, despacho esse que transitou em julgado!
XLVIII - Ora, o art. 620.º do NCP é peremptório em afirmar que as sentenças e os despachos “que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, excepto se forem despachos previstos no art. 630.º do NCPC”, não se verificando esta última situação no nosso caso concreto.
XLIX - Logo, e havendo sucessão de despachos/decisões que recaiam sobre a mesma questão, deve-se atender ao que primeiro foi proferido, uma vez que faz o mesmo caso julgado formal sobre tal questão, conforme prescreve o art. 625.º do NCPC, importando também referir que se aplica a mesma solução quando exista contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
L – Assim, não é legalmente possível considerar-se, agora, incompetente, um tribunal que anteriormente tinha se considerado competente para dirimir a presente causa.
LI - Logo, dúvidas não existem de que o tribunal judicial é o tribunal competente para dirimir tal questão, devendo por isso a sentença, ora em crise, ser revogada por outra que considerando o tribunal competente, com as demais consequências legais, só assim se fazendo justiça
TERMOS EM QUE E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA A SENTENÇA ORA EM CRISE POR DESPACHO QUE CONSIDERE O TRIBUNAL JUDICIAL COMPETENTE PARA DIRIMIR O PRESENTE LITÍGIO, SEGUINDO A MESMA OS SEUS ULTERIORES TERMOS, ATENTO OS FACTOS E AS SOLUÇÕES DE DIREITO APRESENTADAS (VIOLAÇÃO DOS ARTS. 616, N.º2, A), 620.º, 625.º DO NCPC, 1.º 2.º e 3.º da LAV e 239.º e 627.º do C.C) COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL JUSTIÇA.

Contra-alegou a Ré terminando com as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente Recurso deve ser liminarmente indeferido por falta de fundamento legal;
2. Estão por demais demonstrados os requisitos de existência de um contrato de franchising que vincula todas as partes nele intervenientes, entre eles a ali Fiadora e aqui Recorrida;
3. Do conteúdo de tal contrato extrai-se uma “convenção arbitral validamente celebrada e eficaz em relação a todos os outorgantes no dito contrato;
4. Não existindo qualquer disposição, quer no contrato, quer na dita Convenção arbitral, que possa inquinar o seu conteúdo de forma tão manifesta que provoque a sua Nulidade ou Inexistência;
5. Pelo que, só o tribunal Arbitral a constituir nos moldes exigidos no contrato é competente para analisar qualquer conflito existente entre as partes outorgantes do contrato;
6. A Recorrente, na sua vasta mas “dispersa” exposição, não demonstra, de forma minimamente sustentada e fundamentada a suposta violação de normativos que invoca;
7. Andou bem o tribunal “a quo” ao decidir como decidiu, pelo que nenhum reparo ou alteração há a fazer à Douta Sentença proferida em 1ª Instância.
TERMOS EM QUE improcede o Recurso apresentado, mantendo-se, na íntegra, a Douta Decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância

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Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigo 635 do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, das formuladas pela Apelante resulta que são as seguintes questões que são colocadas à nossa apreciação:
- A Nulidade da cláusula
- A inaplicabilidade da cláusula arbitral à relação contratual existente entre o franquiador e o fiador
- Se a Ré, fiadora do contrato de franquia, renunciou tacitamente à convenção arbitral.
- Se o despacho da 2.ª vara Cível do Porto, datado de 14-03-2013, que remete os autos para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, “por ser o competente”, despacho esse que transitou em julgado, fixou a competência do Tribunal de Famalicão.
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Vejamos então.
Para a decisão dos presentes autos importa ter presentes os seguintes pontos:
- No dia 9 de Dezembro de 2004, em Vila Nova de Famalicão, foi assinado um “Contrato de Franchising” celebrado entre AA S.A. como primeiro outorgante, CC SARL como 2.º outorgante e BB,DD e EE como terceiros outorgantes (fls. 298 a 317).
- No referido Contrato a primeira outorgante AA S.A., representada por Filipe ... e António …, Presidente e Vice-Presidente do Conselho de Administração, assinou na qualidade de Franchisador, a CC SARL, 2.º outorgante, representada pelos seus sócios-gerentes BB e DD, na qualidade de Franchisado, e os terceiros outorgantes BB, DD e EE, na qualidade de Fiadores.
- Como objecto do Franchising ficou estabelecido entre as partes que o Franchisador concede ao Franchisado o direito de gerir um Franchising XX nos termos e condições constantes do contrato acima referido (Cláusula I).
- Na Cláusula VI ficou estabelecido que o contrato tem a duração de 5 anos a contar da data da assinatura, sendo renovado automaticamente por períodos de 5 anos, salvo notificação escrita em contrário, de qualquer das partes, com a antecedência mínima de 6 meses do termo ou de cada renovação do contrato.
- Na Cláusula XVIII ficou estabelecido que os terceiros contraentes constituem-se fiadores e principais pagadores, renunciando desde já ao benefício da excussão prévia, pelos débitos do segundo contraente resultantes do presente contrato.
- Na Cláusula XXVII ficou estabelecido que “Ambas as partes acordam que a lei a ser aplicada (no seu vector arbitral ou judicial) em caso de conflito resultante ou relacionado com o presente contrato, deverá ser a lei Portuguesa com exclusão de qualquer outra.
- Na Cláusula XXVIII ficou estabelecido que “Qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato será definitivamente resolvido através de Arbitragem. Cada parte designará o seu árbitro e estes dois árbitros nomearão um terceiro. A Arbitragem será sob a direcção do Tribunal Português de Arbitragem, no Conselho Superior das Câmaras do Comércio, Indústria e Navegação, de acordo com os seus regulamentos e estatutos, que regulam a condução da arbitragem e nomeação do árbitro. A arbitragem terá que seguir sempre os termos legais e processuais da lei portuguesa. As partes declararam o seu compromisso em honrar qualquer decisão que seja tomada.”
- Na Cláusula XXIX ficou estabelecido que “Em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar ou, como consequência, seja necessário ir a tribunal, ambas as partes, renunciando ao seu foro, caso o possuam, submetem-se à competência e jurisdição dos Tribunais da Comarca de Vila Nova de Famalicão”.
***

Vejamos então.

1. A Nulidade da cláusula

Sustenta a apelante que “a cláusula de arbitragem é manifestamente nula”.
Sustenta para tal que “um caso manifestamente grave e gerador de nulidade é o de submeter o mesmo litígio ou tipo de litígios a arbitragem e a um certo tribunal estadual, visto não poder averiguar-se qual a vontade das partes, e no nosso caso concreto o contrato apresenta três cláusulas contraditórias e distintas (cláusula XXV, Cláusula XXVIII, Cláusula XXIX), que se forem lidas literalmente, não possibilitam saber qual o tribunal competente, ou que são, pelo menos, susceptíveis de serem interpretadas de diversa forma”.
Sustenta ainda que “A interpretação que a Autora faz das cláusulas, conforme já referido, é que a competência dada ao tribunal arbitral não é exclusiva, mas alternativa, discordando dessa posição a Ré que entende que é exclusiva. E é alternativa porque não se estendendo na sua óptica a convenção arbitral ao fiador, estabeleceram que a dita relação contratual alternativamente teria por foro competente o judicial e não o arbitral. Ora, da confrontação destas interpretações, e lidas na sua literalidade as cláusulas, resulta que é praticamente impossível com certeza jurídica separar em termos líquidos que tipo de litígios atribuíram as partes às diferentes jurisdições escolhidas. É que a expressão “em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar” é bastante dúbia, principalmente em confronto com a expressão usada na convenção arbitral que refere que a mesma se aplica a “qualquer questão ou conflito”. Quando é que ele não tem lugar? Em que situações? As previstas na lei? O que é que as partes entenderam por qualquer questão? Tudo? Ficamos sem conseguir entender. A inteligibilidade da cláusula arbitral quando confrontada com as demais previsões contratuais, faz com que a mesma se tenha por manifestamente nula e ineficaz, pois a indeterminabilidade do tribunal acarreta a dita nulidade por questões de segurança jurídica, muito nos espantando, que o douto tribunal de primeira instância tenha formado a sua decisão sem que analisasse e interpretasse o contrato globalmente, confrontando as demais cláusulas incompatíveis entre si, o que seria suficiente, dada a manifesta nulidade da convenção, para decidir no sentido oposto ao decidido. Até porque a Autora reivindicou a competência do tribunal judicial não só com base na sua posição, aqui já desenvolvida, da inaplicabilidade ao fiador da convenção arbitral, mas também porque invocou a cláusula da competência do tribunal judicial”.
Sustenta ainda que “a nulidade manifesta da cláusula arbitral, é também patente em dois outros elementos, o que igualmente se invoca: no objeto e na escolha do tribunal arbitral e pese tal evidência também o tribunal fecha os olhos a tal facto. O Tribunal arbitral escolhido pelas partes foi: o “Tribunal Português de Arbitragem, no Conselho Superior das Câmaras do Comércio, Indústria e Navegação”, tribunal esse que não existe, defendendo a doutrina portuguesa, que a escolha de um tribunal arbitral não existente acarreta igualmente a nulidade da cláusula. É que a escolha de um tribunal inexistente impossibilita as partes recorrerem a outro tribunal arbitral pois tal importaria violar efectivamente a cláusula arbitral e consideramos nós que a presente nulidade é total, o que se invoca, e não meramente parcial, não se conseguindo ultrapassar a mesma por via de interpretação correctiva ou até pelo preenchimento integrativo de uma lacuna que permitisse a sua salvação.
E ainda que “A necessidade de determinar o objecto do litígio (e o litígio propriamente dito) é uma imposição legal do art. 2.º, n.º 6, da LAV. A falta de determinabilidade do objecto acarreta, por isso, a nulidade da cláusula, aqui invocada, uma vez que é impossível extrair da dita cláusula de forma concreta quais os litígios que lhe são subsumíveis. Do exposto resulta, por isso, que a cláusula é manifestamente nula por não determinar o objecto, por indicar um tribunal inexistente, e por estar em clara contradição com outras cláusulas existentes no contrato de franquia, o que vai invocado”.
Por seu turno a apelada entende que “Havendo, “in casu” uma “relação jurídica” contratual, perfeitamente definida, determinada e individualizável, sendo ela a “única e exclusiva” relação contratual existente entre as partes, sendo, a aqui Recorrida, parte dessa relação contratual – na qualidade de fiadora- e não sendo a mesma, Recorrida, parte em mais nenhum contrato com a Recorrente, nem com ela tendo mais qualquer tipo de relação jurídica, facto jurídico ou litígio, não vislumbra aonde e como é que a Recorrente pode entender que a “cláusula compromissória” aqui em debate, não é válida e juridicamente extensiva e aplicável á aqui Recorrida!!”
Vejamos.
Estamos perante uma cláusula compromissória – art. 1º, n.º 1 e n.º 2, 2ª parte da Lei 63/2011, de 14/12 –, quando as partes, com tal convenção, cometeram à arbitragem (à decisão de árbitros) os eventuais litígios emergentes da relação jurídica contratual que entre si estabeleceram ao outorgarem o referido contrato.
Apesar de reservar para os tribunais a administração da justiça, incumbindo-lhes a tarefa de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, a repressão da violação da legalidade democrática e o dirimir dos conflitos de interesses públicos e privados (art. 205º da C.R.P.), a Lei Fundamental prevê a existência de tribunais arbitrais (art. 211º, n.º 2 da C.R.P.).
O exercício da função judicial é constitucionalmente reservada aos tribunais órgãos de soberania, sendo a jurisdição plena exercida pelos juízes estaduais.
A arbitragem voluntária, a par da instituição dos Julgados de Paz, da Conciliação e da Mediação, é um dos meios alternativos de resolução de conflitos, resultado da necessidade surgida, no desenvolvimento da vida moderna, de procurar uma justiça mais rápida, mais informal, confidencial ou mais adequada ao interesse das partes.
Tudo o que pode ser objecto de transacção sobre o objecto do litígio pode ser objecto de arbitragem. No fundo, todos os direitos disponíveis.
Pela convenção de arbitragem --- um contrato entre particulares --- as partes acordam em atribuir a particulares (os árbitros) a “potestas indicandi”, de que estes carecem para dirimirem o conflito. O seu objecto imediato assume uma natureza adjectiva: pelo convénio, as partes obrigam-se a submeter o seu litígio à decisão de árbitros. A relação jurídica que nasce da convenção de arbitragem é uma relação jurídica processual que se desenvolve paralelamente àquela material sobre que recai o litígio. A convenção de arbitragem é, assim, instrumental ou adjectiva em face da relação jurídica substantiva sobre a qual vai actuar (Ac. Trib. Relação de Guimarães, de 30/01/2014, Proc. n.º 1257/13.2TBVCT.G1, relator Filipe Caroço).
Os árbitros têm uma função judicativa. A decisão arbitral, tomada em termos necessariamente independentes e imparciais vincula os litigantes, forma caso julgado se não susceptível de recurso e consubstancia um título executivo.
Os tribunais arbitrais voluntários – emanação da autonomia privada – não perdem a sua característica de instituições de natureza privada para se transformarem em órgãos do Estado – é o Estado que, reconhecendo a utilidade pública da arbitragem voluntária, quebra o monopólio do exercício da função jurisdicional pelos seus órgãos atribuindo à decisão os efeitos próprios da sentença judicial: a força de caso julgado e a força executiva.
Com efeito, o nosso actual sistema reconhece à decisão arbitral força de caso julgado material e também “a mesma força executiva que a sentença do tribunal judicial de l.ª instância, sem necessidade de homologação do tribunal judicial (cf. art.°s 39°, n° 4 e 42°, n° 7, da actual Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pelo Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro e art.ºs 25º e 26º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto).
A arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função e pública no seu resultado (Ac. do S.T.J. de 18/01/2000, in C.J., Acórdãos do S.T.J., Ano VIII, Tomo I, pag. 28 e ss).
Esta quebra do monopólio estadual da função judicial restringe-a a lei aos litígios que por lei especial não estejam submetidos exclusivamente a tribunal judicial ou arbitragem necessária e que respeitem a interesses de natureza patrimonial – art. 1º, n.º 1 da Lei 63/2011, de 14/12.
A convenção de arbitragem, assentando na autonomia privada, tem de ser acordada pelas partes, deve ser reduzida a escrito (art. 2º, n.º 1, da Lei 61/2011) – considerando-se satisfeita esta exigência quando a convenção conste de escrito assinado pelas partes – e deve especificar (no caso da cláusula compromissória) a relação jurídica a que os litígios respeitem (art. 2º, n.º 6 da referida Lei).
Duma tal convenção nasce um direito potestativo para as partes, que as vincula à constituição de um tribunal arbitral para os litígios nela previstos, e que, não afectando de forma directa a relação jurídica material, é um acessório dela, pois que não constituindo a solução para o litígio é o meio de as partes o solucionarem.
Uma tal convenção – desde que validamente celebrada – é obrigatória, desde que não revogada pelas partes que a convencionaram (e tal revogação deve ser feita por escrito assinado por ambas, até à pronúncia da decisão – art. 4º, n.ºs 2 e 3, da Lei 63/2011) e recorrendo uma das partes ao tribunal judicial, por decorrência do disposto no artigo 5, nº 1, da Lei 63/2011, “o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que se verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”, sendo que, em conformidade com o nº 4, desse mesmo preceito, “as questões da nulidade, ineficácia e inexequibilidade de uma convenção de arbitragem não podem sequer ser discutidas autónoma e judicialmente em acção de simples apreciação, nem em procedimento cautelar que tenha como finalidade impedir a constituição e funcionamento de um tribunal arbitral”.
Assim, a celebração de uma convenção arbitral implica a perda da jurisdição dos tribunais judiciais sobre o caso (art.°s 96º, al. b), 278º, nº 1, al a) e 577º, do actual Código de Processo Civil).
Cada uma das partes adquire reciprocamente um direito potestativo e uma sujeição: não só tem direito a que o litígio seja resolvido por arbitragem, como assim fica obrigada se a parte contrária o quiser.
Defende a apelante que a referida cláusula do contrato é nula, nos termos já acima referidos.
Vejamos.
Nos termos conjugados dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”, e, uma vez que se trata de negócio formal, necessariamente reduzido a escrito, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
Não estando em causa, no contrato em análise nos presentes autos, a resolução de um litígio dele contemporâneo, mas a previsão de regulação de potenciais litígios dele emergentes, é de cláusula compromissória que aqui se trata (art.º 1º, nº 2).
Esta tem por objecto conflitos eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual. O que distingue uma e outra modalidade é, portanto, a existência ou não da disputa. Se se tratar de litígio existente, falamos de compromisso arbitral, se se tratar de conflito eventual, falamos de cláusula compromissória. Nesta última situação, em que não é possível identificar um litígio, é necessário precisar a concreta relação jurídica da qual a controvérsia poderá emergir (art.º 2º, nº 3).
Como já acima vimos, segundo o art.º 2º, nº 1 da Lei 63/2011, a convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito. Esta forma especial serve precisamente para delimitar com precisão o conteúdo da convenção arbitral, em especial o seu objecto, de forma a conceder aos árbitros e às partes certeza quanto às questões submetidas à jurisdição arbitral.
Mariana França Gouveia in Curso de Resolução Alternativa de Conflitos, Almedina 2011, pág. 100, refere que “a convenção arbitral é o foco que ilumina a área da competência do tribunal arbitral. Quaisquer dúvidas que existam nessa competência devem ser ao máximo dissipadas, o que se consegue melhor se essa convenção estiver reduzida a escrito”, assim defendendo a opção legislativa. A existência, o objecto e o conteúdo da convenção devem ser claros. A forma escrita é a que melhor garante a fidedignidade, inteligibilidade e conservação da convenção (Cfr. Acórdão acima citado do Trib. Relação de Guimarães, de 30/01/2014).
Pela Cláusula XXVIII do contrato, acima transcrita, necessariamente reduzida a escrito, as partes respeitaram a forma legal.
O seu teor claro e preciso não deixa a menor dúvida interpretativa no sentido de que as partes quiseram que qualquer questão ou litígio emergente do contrato em que se insere, viesse a ser dirimido por arbitragem, a constituir sob a Direcção do Tribunal Português de Arbitragem, assim afastando a jurisdição estadual.
Na verdade, a cláusula XXVIII, acima transcrita, refere-se a “Qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato” e que será definitivamente resolvido através de Arbitragem.
Até se regula que “cada parte designará o seu árbitro e estes dois árbitros nomearão um terceiro”. A Arbitragem será sob a direcção do Tribunal Português de Arbitragem, no Conselho Superior das Câmaras do Comércio, Indústria e Navegação, de acordo com os seus regulamentos e estatutos, que regulam a condução da arbitragem e nomeação do árbitro. A arbitragem terá que seguir sempre os termos legais e processuais da lei portuguesa”.
Ora, embora actualmente não exista um Tribunal Português de Arbitragem nem um “Conselho Superior das Câmaras do Comércio, Indústria e Navegação”, certo é que existe Tribunal Arbitral e Centros de Arbitragem, nomeadamente o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa que, no respectivo regulamento estabelece que “Qualquer litígio, público ou privado, interno ou internacional, que por lei seja susceptível de ser resolvido por meio de arbitragem pode ser submetido a tribunal arbitral no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, também designado por Centro de Arbitragem Comercial, nos termos do presente Regulamento”.
Ora, referindo-se a cláusula XXVIII expressamente aos “Qualquer questão ou conflito resultante do presente contrato”, parece-nos evidente que toda e qualquer contenda que oponha uma parte à outra parte no âmbito da execução do contrato em que se insere, ou seja, das relações jurídicas que as partes estabeleçam entre si por força da vigência do contrato que celebraram e enquanto não estiver total e regularmente cumprido, deverá ser submetida ao tribunal arbitral nas condições ali previstas.
Referindo-se a conflitos potenciais, ao contrário do compromisso arbitral, a cláusula compromissória não pode concretizar o litígio; é necessariamente generalista dentro do âmbito das relações jurídicas a que respeita. O rigor legalmente exigido não respeita à identificação do litígio, mas à delimitação das relações jurídicas de onde os litígios podem emergir.
Se está em causa o incumprimento do contrato em que foi firmada a cláusula compromissória (artigos 9.º a 16.º do requerimento inicial corrigido constante de fls. 121 a 126), pedindo a A., aqui apelante, por via desta acção, a condenação da R., enquanto fiadora e, por consequência, como principal pagadora das dívidas assumidas pela Ré no âmbito do contrato de franquia celebrado pela mesma com a Autora (cfr. art. 17.º do referido requerimento inicial – fls. 125), não vemos como possa defender-se que o litígio está fora do âmbito do contrato e das relações jurídicas dele emergentes. Para que serviria então a convenção arbitral?
Assim, quanto à especificação, na cláusula compromissória, dos litígios que ficam sujeitos a arbitragem, em regra a mesma é feita através da remissão para o contrato de direito material em que está inserida.
Ora, no caso vertente, foi adequadamente satisfeita tal especificação, conforme aquela regra.
Quanto ás cláusulas XXVII e XXIX, acima reproduzidas, também não vemos que ocorra qualquer nulidade ou que as mesmas sejam contraditórias entre si.
Na verdade, na cláusula XXVII é estabelecido o primado da Lei Portuguesa, seja no seu vector arbitral seja no seu vector judicial, excluindo-se qualquer outra.
Na cláusula XXIX é dito que “Em todos os casos em que, por qualquer razão, a arbitragem não tenha lugar ou, como consequência, seja necessário ir a tribunal, ambas as partes, renunciando ao seu foro, caso o possuam, submetem-se à competência e jurisdição dos Tribunais da Comarca de Vila Nova de Famalicão”.
Basta ler a Lei da Arbitragem voluntária (Lei n.º 63/2011 de 4 de Dezembro para perceber o alcance desta cláusula.
Na verdade, decorre do art. 4.º que “A convenção de arbitragem pode ser modificada pelas partes até à aceitação do primeiro árbitro, ou, com o acordo de todos os árbitros, até á prolação da sentença arbitral (n.º 1). Além disso, nos termos do n.º 2 do art. 4.º “A convenção de arbitragem pode ser revogada pelas partes até a prolação da sentença arbitral”.
Ora, sendo a arbitragem voluntária, se as partes a revogarem terão de ser os tribunais judiciais a intervir…
Por fim, está previsto no art. 39 n.º 4 da Lei de Arbitragem Voluntária a possibilidade de recurso da sentença proferida pelo tribunal arbitral, nos termos aí previstos (no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem) entendendo nós que a cláusula XXIX, do modo como está redigida, pretendeu consagrar exactamente essa possibilidade de recurso a tribunal judicial”.
Não ocorre assim a invocada nulidade, na sua tripla vertente de indefinição, inaplicabilidade e contraditoriedade.
Improcede assim este fundamento do recurso
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2. A inaplicabilidade da cláusula arbitral à relação contratual existente entre o franquiador e o fiador
Sustenta a apelante que “a doutrina de referência entende não existir fundamento legal para que se possa estender a convenção arbitral ao co-devedor, ao fiador ou a outra garante de qualquer signatário. Neste sentido vejam-se os contributos do Dr. Carlos Ferreira de Almeida, Prof. Dr. da Faculdade De Direito da Universidade Nova de Lisboa, que no seu texto assume esta posição, citando para o efeito doutrina de referência alemã de autores como Schwab & Walter e Rosenberg”.
A acessoriedade da fiança, nos termos do art. 627.º do C.C, enquanto característica principal desta figura jurídica, permite distinguir a obrigação do fiador da do devedor, embora apresentem o mesmo conteúdo. A Ré foi fiadora no contrato de franquia e apenas interveio nessa qualidade, daí se retirando que a mesma é exclusivamente uma garante e que apenas figura no contrato nessa posição jurídica, pelo que apenas se podem retirar as inerentes consequências de tal situação que não já as próprias das relações estabelecidas entre o franquiado e o franquiador, logo, não lhe é aplicável de forma alguma o compromisso arbitral pois os efeitos e a vontade das partes na redução de tal acordo, apenas foi feito tendo em conta a relação principal resultante do contrato de franquia: a do franquiado e franquiador. O fiador contratualmente apenas assumiu o pagamento das dívidas que não fossem satisfeitas pelo franquiado, pelo que, a discussão da validade do contrato ou a violação de outras obrigações, que não a por si assumida, entre outras questões, eventualmente subsumíveis a tal cláusula, só respeito dizem aos outros intervenientes que nesses termos acordaram”.
A apelada diz que “Defendendo, como defende, a Recorrente que a “convenção arbitral” não é extensível á Fiadora, sempre se perguntará como é que esta poderia fazer valer os seus direitos que, regra geral, são comuns aos do devedor (vide, a título de exemplo, arts. 632º e arts. 637ºss do Código Civil). Trataria (tratará...!!) a Recorrente, de uma parte da ação, em sede arbitral, com o Franchisado, e da outra parte, em sede judicial, com o Fiador??? A Ponto de o Fiador poder fazer vingar, em tese judicial, aquilo que, com os mesmíssimos argumentos, o Franchisado não conseguiu fazer valer em sede arbitral??? E, mais ainda, pasme-se, no entender da Recorrente, sem que à Fiadora seja dada qualquer possibilidade de se pronunciar sobre o conteúdo do contrato de Franchising porque.. ... não faz parte dele e as suas cláusulas não lhe são aplicáveis(...). Independentemente da aplicabilidade de todas, de algumas ou apenas de uma cláusula do contrato ao Fiador, é óbvio e bom de ver que o mesmo é parte integrante do contrato subscrito (também por ele, fiador) entre Franchisador e Franchisado, Estando a ele vinculada!! Estando adstrito ao seu conteúdo, na parte que lhe é aplicável, nos mesmíssimos termos e condições em que os outros intervenientes no contrato o estão, não fazendo qualquer sentido e, como tal, devendo de imediato improceder, tudo o alegado, nesta sede, pela Recorrente!”
Como já acima adiantámos, entendemos que se está em causa o incumprimento do contrato em que foi firmada a cláusula compromissória (artigos 9.º a 16.º do requerimento inicial corrigido constante de fls. 121 a 126), pedindo a A., aqui apelante, por via desta acção, a condenação da R., enquanto fiadora e, por consequência, como principal pagadora das dívidas assumidas pela Ré no âmbito do contrato de franquia celebrado pela mesma com a Autora (cfr. art. 17.º do referido requerimento inicial – fls. 125), não vemos como possa defender-se que o litígio está fora do âmbito do contrato e das relações jurídicas dele emergentes”.
Para se determinar a natureza da questão em litigio “há que atender aos articulados, em particular à “ causa petendi “ e pedido formulados na petição inicial apresentada em juízo, pois é por aquela que se vai aferir a posição a tomar” ( Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 10/3/08, in www.dgsi.pt ).
Para se determinar a natureza da questão em litígio “há que atender aos articulados, em particular à “ causa petendi “ e pedido formulados na petição inicial apresentada em juízo, pois é por aquela que se vai aferir a posição a tomar” ( Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 10/3/08, in www.dgsi.pt ).
Nos termos do n.º2 do art.º 608º, do citado diploma legal, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e, apenas estas, de acordo com o pedido e a causa de pedir formulados.
Deve, realçar-se que é a causa de pedir que determina o objecto da acção, devendo o juiz seleccionar e conhecer a matéria de facto que se mostre relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Como se vê de fls. 117 do processo, a A. (aqui apelante) foi convidada a apresentar novo articulado onde alegue de forma concreta e pormenorizada os termos da acção, o que veio fazer a fls. 121 e seguintes.
Nesse novo articulado, corrigido, veio pedir que a Ré (aqui apelada) fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 159.865,24 e, acrescida de juros vincendos à taxa supletiva comercial.
Como acima vimos a A., aqui apelante, por via desta acção, veio pedir a condenação da R., enquanto fiadora e, por consequência, como principal pagadora das dívidas assumidas pela Ré no âmbito do contrato de franquia celebrado pela mesma com a Autora (cfr. art. 17.º do referido requerimento inicial – fls. 125).
Nos termos do nº 4 do art. 581 do C.P.Civil, a causa de pedir consiste no acto ou facto jurídico simples ou complexo, mas sempre concreto, donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer.
Assim, as questões suscitadas pelas partes e a dirimir devem ter correspondência com o objecto de discussão resultante da petição inicial, e não com qualquer outro.
Sendo assim, como é, invocando a A. (aqui apelante) a qualidade de fiadora e, por consequência, principal pagadora das dívidas assumidas pela Ré no âmbito do contrato de franquia celebrado pela mesma com a Autora, não vemos como possa defender-se que o litígio está fora do âmbito do contrato e das relações jurídicas dele emergentes, ou seja, que a referida cláusula é inaplicável á Ré por ser apenas fiadora.
Na verdade, embora a obrigação do fiador seja acessória da que recai sobre o principal devedor, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor (art. 627 do C. Civil).
Por isso interveio no contrato, subscrevendo-o em bloco, não vendo como pode defender-se que não lhe é aplicável a referida cláusula.
Improcede assim também este fundamento do recurso.
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3. Se a Ré, fiadora do contrato de franquia, renunciou tacitamente à convenção arbitral.
Sustenta a apelante que “por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que se a cláusula de arbitragem fosse aplicável no nosso caso concreto, e não se tivesse a mesma por manifestamente nula, o que não se aceita, que também assim outro desfecho não poderia ser dado a causa que não o de se considerar o tribunal judicial por competente, uma vez que entendemos que a Ré, fiadora do contrato de franquia, renunciou tacitamente à convenção arbitral”.
Sustenta ainda que “O presente processo judicial teve o seu início em 2012, e que até ter sido apresentada pela Autora petição inicial aperfeiçoada, e ter a Autora contestado a mesma, houve variadíssima intervenção de ambas as partes. A primeira intervenção da Ré foi feita em 27-12-2012, ainda na fase injuntiva, em que a mesma através de mandatário da União Europeia, junta aos Autos uma missiva em que apresenta a sua defesa. Na dita missiva não é invocada qualquer preterição do tribunal arbitral, reivindicando apenas a parte que o tribunal judicial competente não é o português, mas apenas o do Luxemburgo. Perante tal missiva, e no seguimento de requerimento apresentado pela Autora, o tribunal ordenou a Ré para que juntasse o adequado formulário de oposição à injunção. No dito formulário a parte que o subscreve pode optar por opor-se a oposição sem apresentar qualquer defesa, ou pode, se assim o entender juntar anexo em que invoque os seus meios de defesa. Notificada pelo tribunal para juntar o dito formulário, a Autora veio-o fazer em 27-02-2013, tendo por anexo ao dito formulário apresentada cópia da missiva anteriormente apresentada, onde mais uma vez apresentou a sua defesa, sem que fosse invocada a excepção que veio mais tarde a invocar. Ora, entendemos que resulta de tais intervenções que a Ré aceitou tacitamente a competência dos tribunais judiciais para dirimir o presente litígio, em oposição aos tribunais arbitrais. Há assim uma extensão da competência do tribunal judicial. Ou seja houve no nosso caso uma prorrogação tácita da competência que se fundou na presunção de que ao comparecer perante o tribunal incompetente (judicial), sem arguir a preterição do tribunal arbitral, a Ré aceitou tacitamente ser julgada por essa jurisdição”.
E. mais adiante: “Nesse caso, a comparência da Ré ao apresentar essa defesa tem como efeito a formação tácita de acordo quanto à competência judiciária, acordo que já não pode ser destruído pela posterior arguição da excepção. Ora, com o efeito atributivo da competência resultante da comparência da Ré em juízo, no seu requerimento de defesa apresentado, sem aí ter-se suscitado a aludida excepção, já não será possível afastar esse efeito, pois decidir contrariamente, seria destruir-se o pacto de jurisdição tacitamente formado. No nosso caso concreto, a Requerida interveio várias vezes antes de arguir a excepção da preterição do tribunal arbitral, num documento que o tribunal parece ter infelizmente ignorado, documento esse redigido em francês, não alegando qualquer incompetência do tribunal judicial em preterição do tribunal arbitral, mas apenas se defendendo ao invocar que o foro competente é o luxemburguês. In casu, estamos perante um defesa de mérito e fundamentada, que não se limita a ser uma mera negação ao direito invocada pela requerida através da adesão e assinatura de um formulário automatizado existente para o efeito. Esse formulário é junto mas igualmente acompanhada da dita defesa de mérito da Ré. O processo iniciou-se em 2012, tendo a primeira intervenção da Ré sido efetuada em Dezembro desse mesmo ano, porém, só no dia 26 de Março de 2014, invocou a mesma a excepção da preterição do tribunal arbitral. Dúvidas não podem por isso existir de que é competente o tribunal judicial, para dirimir tal questão”.
A apelada sustenta que “O facto de o Réu não apresentar (ou de não ter apresentado...), para tal efeito, o requerimento de arguição de incompetência “até ao momento em que apresenta o seu primeiro articulado”, não significa que se lhe retire o direito genérico de suscitar na respectiva Contestação a “questão prévia” de incompetência do tribunal estadual, podendo esta ser arguida, como foi, em tempo, sede e lugar próprios”.
Vejamos.
Nos termos do art. 5.º n.º 1 da LAV (Lei n.º 61/2011) “O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem, deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”.
É o chamado efeito negativo da convenção de arbitragem que se traduz na incompetência dos tribunais estaduais para conhecerem desse litígio ou desses litígios.
Aos tribunais estaduais apenas é dado procederem a um controle prima facie da validade, eficácia e exequibilidade da convenção de arbitragem, cuja apreciação é assim deferida ao tribunal arbitral (Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, Dário Moura Vicente e outros, Almedina, 2015, pág. 29)

Ora, folheando os autos verifica-se que os presentes autos tiveram o seu início em 9/11/2012, através de um requerimento de Injunção Europeia (fls. 3 a 18).
Após diversos desenvolvimentos, com data de 28/01/2013 foi ordenada a notificação da requerida para regularizar a instância, sendo entretanto ordenada a remessa dos autos para o Tribunal da sede da A. Por ser o territorialmente competente.
Como já acima se viu, com data de 14/11/2013 foi convidada a A. a vir apresentar novo articulado onde alegue de forma concreta e pormenorizada os fundamentos da acção, o que esta fez (fls. 121 e seguintes) terminando pelo pedido de condenação da Ré no pagamento da quantia de €159.865,24, nos termos e com os fundamentos já acima expandidos.
Com essa nova Petição inicial a A. juntou 10 documentos, sendo a cópia do Contrato de Franchising e diversas facturas (fls. 127 a 275).
Com data de 5/12/2013 (fls. 276) foi ordenada a “notificação da Ré da p.i. aperfeiçoada para contestar, querendo”.
A Ré veio apresentar contestação (fls. 286 a 293) juntando procuração a advogado (fls. 294) e juntou diversos documentos (fls. 297 a 328).
Na contestação suscitou expressamente a excepção de preterição de convenção arbitral.
Ora, é através da contestação que o Réu expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, e expõe os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas (art. 572 do C. P. Civil), em suma, é na contestação que o Réu se pronuncia sobre o fundo da causa.
Sendo assim, como é, tendo a Ré, logo no primeiro articulado em que se pronunciou sobre o fundo da causa, suscitado a excepção de preterição de convenção arbitral, cumpriu o disposto no art. 5.º n.º 1 da L:A:V. tendo suscitado essa questão no tempo, sede e lugar próprios, não sendo verdade que tenha aceitado tacitamente ser julgada pela jurisdição civil.
Improcede assim também este fundamento do recurso.
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4. Se o despacho da 2.ª vara Cível do Porto, datado de 14-03-2013, que remete os autos para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, “por ser o competente”, despacho esse que transitou em julgado, fixou a competência do Tribunal de Famalicão.
Sustenta a apelante que “dúvidas não existem de que o tribunal judicial é o tribunal competente para dirimir tal questão, devendo por isso a sentença, ora em crise, ser revogada por outra que considerando o tribunal competente, com as demais consequências legais, só assim se fazendo justiça”.
Estriba essa conclusão no teor do despacho da 2.ª vara Cível do Porto, datado de 14-03-2013, que remete os autos para o Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, “por ser o competente”, despacho esse que transitou em julgado.
Sustenta que “o art. 620.º do NCP é peremptório em afirmar que as sentenças e os despachos “que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo, excepto se forem despachos previstos no art. 630.º do NCPC”, não se verificando esta última situação no nosso caso concreto. Logo, e havendo sucessão de despachos/decisões que recaiam sobre a mesma questão, deve-se atender ao que primeiro foi proferido, uma vez que faz o mesmo caso julgado formal sobre tal questão, conforme prescreve o art. 625.º do NCPC, importando também referir que se aplica a mesma solução quando exista contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo versem sobre a mesma questão concreta da relação processual. Assim, não é legalmente possível considerar-se, agora, incompetente, um tribunal que anteriormente se tinha considerado competente para dirimir a presente causa”.
Em primeiro lugar sempre diremos que a Apelante confunde incompetência relativa com incompetência absoluta.
Na verdade, a infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território,…, determina a incompetência relativa do tribunal (art. 102 do C. P. Civil), sendo que a incompetência em razão do território deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal sempre que os autos fornecerem os elementos necessários (art. 104 n.º 1 do C.P.Civil).
Foi o que o tribunal fez, atenta a redacção dada à clausula XXIX, acima transcrita.
Mas, essa decisão sobre a competência territorial, incompetência relativa. Como vimo, nada tem a ver com a incompetência absoluta.
Na verdade, só determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 96 do C. P. Civil: a) a infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional; a preterição do tribunal arbitral.
Ora, como já acima vimos, a incompetência absoluta por violação do tribunal arbitral só pode ser arguida pelas partes (art. 97 do C. P. Civil), devendo sê-lo na contestação pelo Réu (art. 571 n.º 2, 576 n.º 2 e art. 577 a) e implica a absolvição do Réu da instância (art. 99 n.º 1 do C. P. Civil).
Foi o que o tribunal a quo fez.
Quanto ao propalado efeito do caso julgado ele existe, mas na exacta medida e com os limites constantes da decisão proferida, ou seja, no âmbito da remessa dos autos para o Tribunal da então Comarca de Famalicão, por ser o competente em razão do território.
Improcede assim a apelação na totalidade.

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SUMÁRIO
I - Instaurada uma acção nos tribunais estaduais e invocada a excepção de preterição de tribunal arbitral, só em casos de manifesta nulidade, ineficácia ou de inaplicabilidade da convenção de arbitragem, o juiz pode declará-lo e, consequentemente, julgar improcedente a excepção.
II - A nulidade manifesta é a invalidade que não necessita de mais prova para ser apreciada, recaindo apenas na consideração dos requisitos externos da convenção, como a forma ou a arbitrabilidade. E mesmo nestes casos, quando existam dúvidas sobre a validade da convenção, o tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário.
III. Para se determinar a natureza da questão em litígio “há que atender aos articulados, em particular à “ causa petendi “ e pedido formulados na petição inicial apresentada em juízo, pois é por aquela que se vai aferir a posição a tomar” (Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 10/3/08, in www.dgsi.pt).
IV. É através da contestação que o Réu expõe as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e expõe os factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, em suma, é na contestação que o Réu se pronuncia sobre o fundo da causa, pelo que, tendo o Réu, logo no primeiro articulado em que se pronunciou sobre o fundo da causa, suscitado a excepção de preterição de convenção arbitral, cumpriu o disposto no art. 5.º n.º 1 da L:A:V.
V – Nada impede que o fiador de um contrato de franchising que interveio no contrato, subscrevendo-o em bloco, invoque a cláusula compromissória, não se vendo como pode defender-se que não lhe é aplicável a referida cláusula, por só nele ter intervindo na qualidade de fiador.
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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pela Apelante.
Guimarães, 9 de Julho de 2015.
José Estelita Mendonça
Conceição Bucho
Maria Luísa Ramos