Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1265/12.0TBVCT-A.G1
Relator: JOSÉ ESTILISTA DE MENDONÇA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL COMUM
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
AUTO-ESTRADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – É com base na forma como o autor configura a acção – pedido e causa de pedir – que se afere do tribunal materialmente competente para dela conhecer.
II – Com o ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, foi alargada a competência dos tribunais administrativos a todas as questões atinentes a responsabilidade civil extracontratual que envolvam pessoas colectivas de direito público.
III – A Auto-Estradas … – …, SA, sociedade anónima de capitais privados, é uma pessoa colectiva de direito privado.
IV – Sendo competentes os tribunais judiciais para conhecer de pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual contra ela efectuado.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:

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Com data de 15 de Fevereiro de 2013, foi proferido o despacho saneador que segue, precedendo a elaboração da Base Instrutória (itálico de nossa autoria).
“Fixa-se à acção o valor de €39.543,50.
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O Tribunal é Competente em razão da nacionalidade e da hierarquia.
1.
Veio a R. invocar a incompetência absoluta do tribunal, à luz dos artigos 494, al. a), 66.º, 101. e 102., n9 1 do Código de Processo Civil e do artigo 4., n.º1, al. i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e artigo 1.º, n.º 5 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
No caso em apreço, a concepção, o projecto, a construção, o financiamento, a conservação e a exploração da A28 foi concedida à Ré.
Consequentemente, a actividade da Ré tem por base um contrato administrativo de concessão de obras públicas (artigo 178. do CPA e Base III do Decreto-lei n.º 234/2001, de 28 de Agosto, que aprovou as bases da concessão em causa), o qual delega, nas mãos da Ré, as tarefas de natureza pública de assegurar um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público em causa, envolvendo prerrogativas de direito público.
A eventual responsabilização da Ré por actos ou omissões decorrentes da sua actividade de exploração da A/28 claramente se insere no âmbito de aplicação do artigo 1., n.º 5 do novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
Apreciando e decidindo:
Na apreciação da excepção em causa seguir-se-á a jurisprudência resultante dos recentes Acs RG de 6/3/2012 (in www.dgsi.pt) e 11/7/2012 (proferido no processo 621/11.6TBVCT deste Juízo).
O autor intentou a presente contra a ré em virtude de ter sofrido um prejuízo decorrente de uma desvalorização patrimonial devido à construção da auto-estrada, decorrência da acção da Ré, aquando da realização das obras de construção daquela auto-estrada, peticionando uma indemnização a esse titulo.
A competência jurisdicional do tribunal - competência em razão da matéria - afere-se pela relação material controvertida, tal como é apresentada pelo autor - acção de indemnização no quadro da responsabilidade civil extra-contratual.
A regra da competência dos tribunais da ordem judicial é supletiva ou residual
- são da sua competência as causas não atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional - arts. 66.º, 67.º do CPC e 18.º da LOFT (Lei 3/99 de 13/1).
O âmbito da jurisdição administrativa é definido no art. 212.º, n.º3 da CRP - compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento de acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.
Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça nos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais - art. 1.º, n.º 1 ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) - Lei 13/2002 de 19/2 com as alterações introduzidas pela Lei 107-D/2003 de 31/12.
Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas - art. 39 ETAF.
Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: “A responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público” e “dos sujeitos privados, aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público” - alíneas g) e i) do art. 4.º do ETAF.
Afastada foi a norma que excluía da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das questões de direito privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público - cfr. art. 4.º, f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984.
A lei alargou o âmbito de jurisdição administrativa a todas as questões de responsabilidade civil envolvente de pessoas de direito público, independentemente da questão de saber se as mesmas são regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado, ou seja, sempre que o litígio envolva uma entidade pública, em quadro de imputação à mesma de facto gerador de um dano, o conhecimento do litígio compete aos tribunais administrativos.
Para a resolução da questão interessa, portanto, saber qual a natureza jurídica da Ré.
Ora, entende-se que a Ré é uma sociedade anónima, pessoa colectiva de direito privado, cuja organização e funcionamento se rege pelo direito privado.
Assim, não sendo a ré pessoa colectiva de direito público, mas sim uma sociedade anónima que constitui pessoa colectiva de direito privado, não tem aplicação a aI. g) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF.
E igualmente não tem aplicação a aI. i) do n.º1 do artigo 4.º, pois que à luz desta alínea a competência dos tribunais administrativos para apreciar acções emergentes de responsabilidade civil extracontratual de entidades privadas depende da existência de lei especial que determine ser-lhes aplicável “o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público’, o que não se vislumbra suceder no caso em apreço.
A Ré sendo uma sociedade anónima, pessoa colectiva de direito privado está sujeita ao regime da responsabilidade civil extracontratual regulado no Código Civil.
Pelo que se considera que o litígio em apreço não se encontra abrangido pela jurisdição administrativa, nomeadamente pela al. i) do n.º1 do artigo 4.º ETAF.
Pelo exposto, julga-se improcedente a invocada excepção da incompetência em razão da matéria, e declara-se este Tribunal materialmente competente para apreciação dos pedidos formulados pelo A.
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Não existem nulidades que afectem o processado.
As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente patrocinadas.
Não existem questões prévias, incidentais ou excepções dilatórias que obstem ao conhecimento do mérito.
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(segue-se a elaboração dos Factos Assentes e da Base Instrutória).

Deste despacho foi interposto recurso pela Auto-Estradas ... – ..., S.A.. que terminou formulando as seguintes conclusões:
A) O presente recurso jurisdicional vem interposto do segmento do douto Despacho Saneador proferido, em 15 de Fevereiro de 2013, pelo 1º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, no Proc. n.º 1265/12.0TBVCT, pelo qual foi julgada improcedente a excepção dilatória, de incompetência absoluta em razão da matéria, tempestivamente deduzida pela ora Recorrente em sede de Contestação;
B) O Tribunal a quo incorreu num flagrante erro de julgamento, na medida em que a actuação da Recorrente encontra-se, inteiramente, regida por disposições de direito administrativo, incluindo-se na sua esfera de acção jurídico-pública, o alegado facto ilícito que se encontra no cerne do litígio que opõe as partes na acção declarativa de condenação intentada pelos ora Recorridos;
C) Nessa medida, porque se encontra preenchido o pressuposto substantivo previsto no art. 1º, n.º 5, in fine, do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (RRCEE), a competência material para conhecer do mérito da acção pertence, inelutavelmente, nos termos do art. 4º, n.º 1, al. i). do ETAF, aos tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal;
D) A prova da integral regulação das acções da Recorrente “por disposições ou princípios de direito administrativo” resulta, à saciedade, (i.) da minuta de contrato (aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2001, de 31 de Agosto) e do respectivo Contrato de Concessão de Obras Públicas celebrado entre a Estado Português e a Recorrente, (ii.) das inerentes bases da concessão (aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 234/2001, de 28 de Agosto), (iii.) da definição e natureza do contrato administrativo em apreço e (iv.) de um conjunto de elementos adicionais, de índole jurídico-pública, atinentes à tramitação procedimental que teve início logo após a assinatura do mencionado Contrato;
E) Acresce que a doutrina e a jurisprudência são absolutamente claros a este propósito, sendo destacar o aresto proferido em 20 de Janeiro de 2010, pelo Tribunal de Conflitos (Conflito n.º 25/09), para onde se remete in totum;
F) Resulta, portanto, do quadro jurídico efectivamente aplicável, que a competência para apreciar o mérito da acção intentada pelos Recorridos contra a Recorrente, pertence aos tribunais integrados na jurisdição administrativa, devendo o Despacho Saneador recorrido (no segmento em apreço) ser revogado por V. Exas. – por errada interpretação do disposto no art. 4º, n.º 1, al. i). do ETAF e do disposto no art. 1º, n.º 5, in fine, do regime jurídico aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (e do próprio art. 22º da Constituição da República Portuguesa) – e substituído por outra decisão que julgue inteiramente procedente a excepção de incompetência absoluta deduzida, devendo, em consequência, ser a Recorrente absolvida da instância, nos termos do disposto nos arts. 105º, n.º 1, 288º, n.º 1, al. a). e do 493º, n.º 2 todos do CPC.
Termos em que, deve ser julgado procedente, por provado, o presente recurso de apelação e, em consequência, ser revogado o Despacho Saneador recorrido (no segmento delimitado), declarando-se a incompetência absoluta dos tribunais comuns para conhecerem do litígio em apreço. Por conseguinte, deve a aqui Recorrente absolvida da instância, tudo nos termos dos arts. 105º, n.º 1, 288º, n.º 1, al. a). e do 493º, n.º 2 do CPC,
Assim se fazendo a costumada Justiça!

Os apelados apresentaram contra-alegações terminando-as do seguinte modo:
1. Os argumentos aduzidos pela Ré, em torno da incompetência em relação à matéria, em que pretende ver prostrada a acção judicial sub judice, pese embora a polémica erudição com que se encontram, impregnados, em nada podem contribuir para a correcta fixação da juridicidade aplicável ao caso presente.
2. E tal acontece devido a que a Ré, obstinadamente preocupada em que se acreditasse que o caso sub judice só podia ser resolvido em termos do direito administrativo, não se dignou descer à raízes da factualidade típica, que subjaz à acção e aqui procurasse os verdadeiros pressupostos e fundamentos para tal resolução.
3. Mas se a Ré, então, descesse às origens da presente acção judicial, e havendo aqui de encontrar uma absoluta igualdade na factualidade típica entre a causa de pedir na presente acção judicial e na do processo expropriativo n.º 431/06.2TBVCT;
4. Logo chegava à conclusão de que o presente litígio, tal como o similar anterior só pela jurisdição cível podia alcançar a correcta resolução!...
5. Decerto que se a Ré verificasse que há absoluta igualdade nos factos constantes da causa de pedir do processo expropriativo 431/06.2TBVCT, maxime no que concerne a todos aqueles que resultam dos danos sofridos no Castelo do Malavado, e que os mesmos estão referenciados na alínea B), n.º 1 destas contra-alegações;
6. E se, então, natural e logicamente, compreendesse que se trata, em ambos os casos, de danos, directa e necessariamente, resultantes da expropriação por utilidade pública sub judice, facilmente haveria também de aceitar que a resolução do presente conflito só pela via do direito cível poderá alcançar resolução.
7. Mais haveria a Ré de compreender, data venia, que, dada a natureza dos danos resultantes da expropriação sub judice, ser a de danos directos e necessários da mesma expropriação, só por tibieza, mero lapso ou erro de julgamento é que tais danos não obtiveram resolução no processo expropriativo atrás em citação, e que, por isso, era absolutamente necessário que tal resolução ocorresse agora no processo em tratamento.
8. Ao despacho da Mtma juiz a quo, cujo teor é o de não aceitar a excepção da incompetência, em relação à matéria, deduzida pela Ré - Despacho ao qual os AA aderem totalmente -, devem acrescentar-se os argumentos demonstrativos da evidência, e da necessidade lógica, para levarmos a cabo a resolução do conflito sub judice, sob a égide dos tribunais comuns, dos tribunais cíveis.
9. A norma do art.º 1, n.º 5 do RRCEE, pese embora estender o regime, da responsabilidade administrativa nele previsto, às pessoas colectivas de direito privado, e se correlacionando com o art.º 4.º, n.º 1 alínea b) do ETAF, não se aplica ao caso dos autos.
10. Pois que a submissão de entidades privadas, tal como a Ré, ao regime da responsabilidade civil extracontratual da administração, e com a consequente sujeição aos tribunais administrativos, terá de ser casuisticamente definida e em função da natureza jurídica dos poderes que tais entidades tentem exercitar, em dada situação concreta. Ver, neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidade Públicas.
11. No caso sub judice, em que os danos correspondentes à responsabilidade civil resultam da construção do troço da A28, que passa sobre parte do prédio dos Autores, não se encontra actuação alguma da Ré, mesmo que tida como simples concessionária de uma obra pública, na qual se possa notar qualquer prerrogativa de poder público, ou comportamentos demonstrativos de disposições de administratividade.
12. Pelo contrário, os danos causados pela construção realizada pela Ré na referenciada propriedade dos AA., não se distinguem materialmente dos danos resultantes da actividade de construção de qualquer uma outra entidade.
13. Assim significando que não estamos perante qualquer nota de administratividade ou de prerrogativas de direito público a justificar a intervenção da jurisdição administrativa, não é aplicável a supra citada norma, (art.º1.º, n.º 5 do RRCEE).
14. Porém, para além dos fundamentos acabados de enumerar, outros mais ocorrem a contribuir para a aplicação dos tribunais comuns, (dos tribunais cíveis), na resolução do caso sub judice.
15. Por outro lado E tal como, patentemente se vem referindo no presente articulado, consistindo os danos objecto de indemnização, na qualidade de danos subsequentes, derivados ou laterias da expropriação sub judice, o que vale dizer danos directos e necessariamente contidos na mesma expropriação;
16. Porque tais referenciados danos não havendo sido avaliados no processo expropriativo 431.06.2TBVCT, devido a qualquer imprevisto ou erro de julgamento, devem agora ser apreciados pela mesma categoria de tribunais, os tribunais comuns, que são os competentes para conhecer dos litígios sobre a indemnização por expropriação;
17. Por outro lado ainda, a não aplicação do art.º 501.º do CC, ao prescrever a resolução dos conflitos de interesses de índole similar à dos presentes autos, levando ao indevido esvaziamento da norma em citação, mas daqui se devendo concluir pela obrigatoriedade de aplicação desse falado artigo, leva-nos, em consequência, à aplicação do tribunal cível para a resolução do caso em tratamento.
18. Não é de aplicar qualquer uma das duas hipóteses, deduzidas do n.º 5 do art.º 1.º da lei 67/2007, que mandam aplicar o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público aos problemas de responsabilidade civil das pessoas de direito privado.
19. Pois que, consistindo a 1.ª dessas hipóteses em que essa responsabilidade cível deva decorrer de prerrogativas do poder público, no caso dos autos não nos encontramos perante tais prerrogativas de poder público.
20. E também na 2.ª hipótese, consistindo esta em a concessionária dever reger-se por disposições ou princípios de direito administrativo, porque no caso dos autos não nos encontramos, sequer, perante vestígios de qualquer administratividade, não é, efectivamente aplicável a referenciada norma (n.º 5 do art.º 1 da lei em referenciação).
21. Ora, se tivermos presente que a concessionária, enquanto simplesmente construtora do troço da A28, sobre a propriedade dos AA., apenas pratica actos de gestão privada, logo haveremos de concluir que o presente conflito de interesses deve ser regido pelos tribunais comuns, que não pelo tribunal administrativo, como a Ré o pretende.
22. O processo ora em tratamento, tendo um substrato, uma diferente realidade material, do processo de onde o acórdão proferido no Tribunal de Conflito originou, Processo n.º 25/09-70, as prescrições aqui proferidas não deverão ser, obviamente, aplicáveis ao processo sub judice.
23. A resolução do caso em tratamento pela jurisdição cível, em que o mesmo já se encontra naturalmente inserido para além de se louvar nos princípios da celeridade e da economia processual, irá tal opção contribuir para que o presente litígio, tendo em vista a vocação dos tribunais cíveis, para a descoberta da verdade material, seja dirimido sob a égide da Justiça.
Termos em que, e nos demais de direito a suprir por Vossas Excelências, deve o persente recurso ser considerado improcedente e, consequentemente, improceder a excepção de incompetências em razão de matéria, invocada pela Ré.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações – artigos 684º, n.º 3 e 690º do Código de Processo Civil.
Das conclusões formuladas pelo recorrente resulta que a questão a dirimir consiste em saber se o despacho que declara o Tribunal Cível de Viana do Castelo materialmente competente para apreciação dos pedidos formulados pelo A nos presentes autos deverá ser revogado, declarando-se a incompetência absoluta dos tribunais comuns para conhecerem do litígio em apreço, e, por conseguinte, se deve a aqui Recorrente ser absolvida da instância, tudo nos termos dos arts. 105º, n.º 1, 288º, n.º 1, al. a). e do 493º, n.º 2 do CPC,

Vejamos
É a seguinte, em síntese, a estrutura da petição inicial no que concerne ao pedido e à causa de pedir:
Os AA. formularam contra a Ré o pedido no pagamento do montante € 10.000 e juros de mora, decorrentes da desvalorização sofrida pelo Castelo com a construção da auto-estrada, bem como o quantitativo necessário, e a que julgam ter direito, para levar a cabo a reconstrução do acesso ao Castelo inviabilizado com a construção da auto-estrada, e que, no processo de expropriação já decidido, foi considerado não resultarem da expropriação mas antes da construção da auto-estrada, pelo que não poderiam ser indemnizáveis no processo de expropriação mas em processo autónomo.
Fundamentam o seu pedido no facto de que, devido à passagem e construção da auto-estrada A28, o Castelo do Malavado sofreu danos consideráveis na sua estrutura, maxime na parte confinante com a referida via, e, entre tais danos conta-se a ocupação de parte do seu logradouro pela A28, bem como a total destruição do acesso para o denominado Castelo, e que não sendo agora possível aceder a tal Castelo, torna-se necessário ser construído um novo acesso.

Vemos assim que a questão decidenda é a de saber se os tribunais da ordem judicial são ou não competentes para conhecer da acção declarativa de condenação em causa.
Tendo em conta o conteúdo da decisão recorrida e das conclusões de alegação da recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- Caracterização do pedido e da causa de pedir formulados pelo recorrido;
- Natureza jurídica dos sujeitos do lado passivo e do contrato celebrado pela recorrente;
- Competência jurisdicional em razão da matéria dos tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa;
- Competência jurisdicional para conhecimento do objecto do litígio em relação ao recorrente.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.
1.
Comecemos pela caracterização do pedido e da causa de pedir formulados na acção.
O que os recorridos AA pretendem é a condenação da ora recorrente na realização de determinada obra ou no pagamento de uma quantia a título de indemnização.
A causa de pedir consiste na realização pela recorrente, com base em contrato de concessão de obras públicas de construção de uma rodovia pública, de que terão resultado os danos na propriedade dos AA. acima referidos.
Assim, a execução das referidas obras ocorreu no âmbito da concessão de uma obra pública atribuída à recorrente.
Em consequência, a causa de pedir em que o recorrido baseia o pedido traduz-se essencialmente em actividade danosa de execução de um contrato de concessão de obras públicas celebrado entre o Estado e a recorrente.
Assim, está em causa na acção a violação danosa do direito real de propriedade dos recorridos em virtude da execução de obras relacionadas com a construção da referida rodovia.
Trata-se, pois, de uma situação de responsabilidade civil extracontratual que envolve a recorrente, por um lado, e a recorrida por outro, conexa uma relação jurídica administrativa que se desenvolveu entre a recorrente e o Estado (artigos 483º, nº 1, e 1305º do Código Civil).

2.
Continuemos agora com a análise da subquestão de saber qual é a natureza jurídica da entidade accionada pelos recorridos.
A sociedade accionada, conforme consta do respectivo site, é composta pelas sociedades B…, S.A., C…, S.A., D…, S.A., E…, S.A., F…, S.A., G…, S.A., H…, S.A., I…, S.A. e J…, S.A., mediante a celebração do respectivo contrato com a L..., S. A., nos termos do presente diploma e das bases que dele fazem parte integrante, sendo portanto uma pessoa colectiva de direito privado (art. 2.º do Decreto-Lei n.º 234/2001 de 28 de Agosto).
Na verdade, a recorrente Auto-Estradas ... – ..., SA, sociedade comercial anónima constituída por capitais exclusivamente privados celebrou com o Estado um contrato administrativo de concessão de obras públicas, envolvente das bases da concepção, projecto, construção, financiamento, exploração de lanços de auto-estrada e conjuntos vários associados (A Concessão tem por objecto a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, em regime de Portagem SCUT, e aumento de número de vias dos seguintes Lanços de Auto-Estrada: a) IP 9 — Nogueira-Estorãos; b) IP 9 — Estorãos-Ponte de Lima (IP 1/A 3); e c) IC 1 — Viana do Castelo (IP 9)-Caminha. 2 — Constituem ainda o objecto da Concessão, para efeitos de projecto, aumento do número de vias, conservação, exploração e financiamento em regime de Portagem SCUT, os seguintes Lanços de Auto-Estrada: a) IP 9 Viana do Castelo (IC 1)-Nogueira; b) IC 1 Porto-Viana do Castelo (IP 9); e o completamento do nó de Modivas. (Base II do Anexo ao referido Dec. Lei).
Como vemos, as bases do referido contrato de concessão e as suas cláusulas foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 234/2001 de 28 de Agosto.
Conforme resulta daquele diploma, o objecto da referida concessão é de obra pública e é estabelecida em regime de exclusivo relativamente à Auto-Estrada que integra o seu objecto (Base III).
Também resulta que “A Concessionária deve desempenhar as actividades concessionadas de acordo com as exigências de um regular, contínuo e eficiente funcionamento do serviço público e adoptar, para o efeito, os melhores padrões de qualidade disponíveis em cada momento, nos termos previstos nas presentes bases e no Contrato de Concessão, e não pode, em qualquer circunstância, recusar o fornecimento do serviço público concessionado a qualquer pessoa ou entidade, nem discriminar ou estabelecer diferenças de tratamento entre utentes” (Base IV)..
Mas, como é bom de ver, não está em causa no presente recurso o regime da relação jurídica administrativa envolvida pelo referido contrato de concessão, a que são aplicáveis normas de direito administrativo substantivo.
Está, com efeito, em causa a responsabilidade civil extracontratual derivada de danos causados a terceiros com a execução das obras previstas no referido contrato de concessão de obras públicas.
Ao invés do que a recorrente alegou, não resulta do Decreto-Lei nº 234/2001, de 28 de Agosto, que a referida responsabilidade civil extracontratual seja regida por normas de direito público.
Com efeito, o que resulta do mencionado diploma, por um lado, é que a recorrente, na sua posição de concessionária, responde, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito (Base LXXIII).
E, por outro, que ela responde também, nos termos gerais da relação comitente-comissário, pelos prejuízos causados pelas entidades por si contratadas para o desenvolvimento das actividades compreendidas na concessão (Base LXXIV, nº 1).
Além disso, é estabelecido na Base XXXVII que “1 — A Concessionária garante ao Concedente a qualidade da concepção e do projecto bem como da execução das obras de construção e conservação dos Lanços previstos no n.º 1 da base II, bem como a qualidade da conservação dos Lanços referidos no n.º 2 da base II, responsabilizando-se pela sua durabilidade, em permanentes e plenas condições de funcionamento e operacionalidade, ao longo de todo o período da Concessão. 2 — A Concessionária responderá perante o concedente e perante terceiros, nos termos gerais da lei, por quaisquer danos emergentes ou lucros cessantes resultantes de deficiências ou omissões na concepção, no projecto, na execução das obras de construção e na conservação da Auto-Estrada, devendo esta responsabilidade ser coberta por seguro nos termos da base LXIX”.
Assim, ao invés do que a recorrente alegou, inexiste algum normativo que a sujeite, neste plano de responsabilidade civil extracontratual objecto da acção, ao regime da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
Na verdade, estabelece o art. 1.º da Lei n.º 67/2007 de 31/12 que “A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege -se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial. 2 — Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. 3 — Sem prejuízo do disposto em lei especial, a presente lei regula também a responsabilidade civil dos titulares de órgãos, funcionários e agentes públicos por danos decorrentes de acções ou omissões adoptadas no exercício das funções administrativa e jurisdicional e por causa desse exercício. 4 — As disposições da presente lei são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando -se extensivas a estes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes. 5 — As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Ora, a nosso ver, neste processo a ora recorrente apresenta-se "despida do poder público”, e, consequentemente, numa posição de paridade com o particular a que a conduta a avaliar respeita.
Nada há nos autos de onde resulte que na relação contratual em análise as partes "tenham expressamente submetido [o contrato] a um regime substantivo de direito público".
O contrato alegadamente violado não é o contrato de concessão, é, sim, aquele outro que deriva da responsabilidade extracontratual acima referida.
Aqui chegados, a nosso ver, não pode deixar de se concluir que não há norma alguma que atribua competência aos tribunais administrativos para julgarem esta causa, o mesmo é dizer que é competente, em razão da matéria, o tribunal da comarca de Viana do Castelo.

3.
Atentemos agora na competência jurisdicional em razão da matéria em geral dos tribunais da ordem judicial e da ordem administrativa.
A competência em razão da matéria do tribunal afere-se pela natureza da relação jurídica tal como é apresentada pelo autor na petição inicial, isto é, no confronto entre o respectivo pedido e a causa de pedir.
A questão da competência ou da incompetência do tribunal em razão da matéria para conhecer de determinado litígio é, naturalmente, independente do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes.
Estamos, conforme já se referiu, perante um litígio formal relativo à competência do tribunal em razão da matéria para conhecer de uma acção de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito imputado pelos recorridos a um conjunto de sociedades comerciais de capitais exclusivamente privados.
Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 212º, nº 3, da Constituição).
A regra da competência dos tribunais da ordem judicial, segundo o chamado princípio do residual, é a de que são da sua competência as causas não legalmente atribuídas aos tribunais de outra ordem jurisdicional (artigos 66º do Código de Processo Civil e 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – LOFTJ).
Considerando que o confronto é delineado entre a competência dos tribunais da ordem judicial e a dos tribunais da ordem administrativa para conhecimento de questão de responsabilidade civil extracontratual, vejamos qual é o âmbito da competência dos tribunais desta última ordem.
Deixou de vigorar a norma de pretérito, constante do artigo 4º, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 1984, que excluía da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das questões de direito privado, ainda que qualquer das partes fosse pessoa de direito público. Em relação ao regime de pretérito, a lei alargou o âmbito de jurisdição administrativa a todas as questões de responsabilidade civil envolvente de pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se as mesmas são regidas por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.
Certo é que a distinção entre actividade de gestão privada e de direito público continua a relevar para a determinação do direito substantivo aplicável à relação jurídica controvertida, nos termos do Decreto-Lei nº 48 051, de 21 de Novembro de 1967, ou da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, consoante a data em que ocorrerem os factos envolventes, de harmonia com o regime geral de aplicação de leis no tempo constante do artigo 12º do Código Civil ou de normas especiais de direito transitório.
Todavia, isso não releva para determinação da competência jurisdicional, certo que a lei seguiu o critério objectivo da natureza da entidade demandada, ou seja, sempre que o litígio envolva uma entidade pública, em quadro de imputação à mesma de facto gerador de um dano, o conhecimento do litígio compete aos tribunais da ordem administrativa, independentemente da natureza do direito substantivo aplicável.
Assim, compete aos tribunais da ordem administrativa e fiscal, por um lado, a apreciação de litígios que tenham, nomeadamente, por objecto, além do mais, que aqui não releva, as questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea g), do ETAF).
E, por outro, a apreciação da responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público (artigo 4º, nº 1, alínea h), do ETAF).
A referida competência fixa-se no momento da instauração da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, e se no mesmo processo existirem decisões divergentes sobre a questão da competência, prevalece a do tribunal de hierarquia superior (artigo 5º do ETAF).

4.
Atentemos agora na definição da competência jurisdicional para conhecimento do objecto do litígio.
Conforme já se referiu, a única questão que é objecto do recurso, do que se excluem as questões do mérito da causa e da própria legitimidade ad causam das partes, é a relativa à definição da mencionada competência.
A responsabilidade civil em causa é imputada a actuações materiais de agentes ou representantes de entes privados na execução de uma obra pública adjudicada à recorrente por via de um contrato de concessão de obras públicas celebrado com o Estado.
Mas a questão da competência jurisdicional em causa apenas se coloca em relação à responsabilidade civil extracontratual imputada à recorrente por factos por ela directamente praticados ou através das sociedades que contratou para o efeito.
A recorrente não é uma pessoa colectiva de direito público; é uma pessoa de direito privado em relação à qual, no caso, inexiste norma de lei que a submeta ao regime substantivo da responsabilidade civil extracontratual aplicável ao Estado ou a outras pessoas colectivas de direito público.
Não estamos, por isso, no caso vertente, perante as situações de competência jurisdicional dos tribunais da ordem administrativa a que se reportam as alíneas g) e i) do nº 1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
A conclusão é, por isso, no sentido de que são competentes para conhecer do litígio em causa, quanto à recorrente, os tribunais da ordem judicial.
Improcede, por isso, o recurso.

Sumário:
1 – É com base na forma como o autor configura a acção – pedido e causa de pedir – que se afere do tribunal materialmente competente para dela conhecer.
2 – Com o ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, foi alargada a competência dos tribunais administrativos a todas as questões atinentes a responsabilidade civil extracontratual que envolvam pessoas colectivas de direito público.
3 – A Auto-Estradas ... – ..., SA, sociedade anónima de capitais privados, é uma pessoa colectiva de direito privado.
4 – Sendo competentes os tribunais judiciais para conhecer de pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual contra ela efectuado.

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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da apelação e na 1ª instância, pela Apelante.

Guimarães, 26 de Setembro de 2013.
José Estelita de Mendonça
Conceição Bucho
Antero Veiga