Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3759/03.0TBBCL.G1
Relator: JORGE SEABRA
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
FORO ESPECIAL
CONCORDATA
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. De acordo com as regras que emergem do art. 11º da Concordata de 2004 (que reafirma a doutrina já decorrente da Concordata de 1940), a competência internacional dos tribunais portugueses é de afirmar se ao litígio (definido pela causa de pedir e pedido formulados) forem aplicáveis as regras internas do direito português.

2. Através da dita norma, pretendeu-se fazer coincidir as regras de jurisdição e competência com as normas de direito material aplicáveis pelo foro eclesiástico e aplicáveis pelos tribunais e autoridades públicas portuguesas.

3. Versando o litígio sobre a aquisição originária (por usucapião) do direito de propriedade sobre imóvel (Capela) sito em Portugal, por força da regra de conflitos prevista no art. 46º, n.º 1 do Código Civil Português, a lei aplicável é a lei civil portuguesa, o que conduz à afirmação da competência internacional dos tribunais portugueses.

4. Não exibindo qualquer uma das partes título de aquisição ou registo da posse, vingará a posição daquela que lograr demonstrar os pressupostos necessários à aquisição originária, por usucapião, do imóvel em disputa.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: B..
Recorridos: C., D., E., F. e G..

*
Braga –Instância Local – Secção Cível – J3.
*
1. C., D., E., F. e G. intentaram a presente acção [...] declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra B., C., I., J. e L., pedindo a condenação destes no seguinte: «A) Ser declarado que a autora D. desta comarca é dona e legítima proprietária do prédio identificado em 1.º desta petição e que a ocupação que da mesma fazem os réus é ilegítima, abusiva e sem qualquer título; B) Serem todos os réus condenados a reconhecer esse direito e a efectuarem a entrega imediata do mesmo imóvel aos autores, bem como a efectuarem a entrega dos bens móveis referidos nesta petição e que se encontravam no seu interior; C) Serem todos os réus solidariamente condenados a ressarcir a autora Junta de Freguesia e os restantes autores Armindo, Alfredo e Manuel por todos os danos morais que lhes causaram e assim condenados a pagar-lhes a quantia de 10.000,00€ a cada um, acrescida de juros legais a contar da citação até integral pagamento; D) Serem todos os réus condenados a ressarcir a autora C. de todos os danos patrimoniais que lhes causaram e causarão com a ocupação da mesma capela e móveis; E) Serem todos os réus condenados a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam e perturbem ou diminuam o exercício do direito de propriedade antes referido; Subsidiariamente, e para a hipótese de se vir a entender que a mesma Capela é bem público, deve: F) Ser [...]declarado e os réus condenados a reconhecer que o prédio identificado no art.º 1.º desta petição é bem público, afecto à administração da autora Junta, mantendo-se os pedidos formulados nas alíneas B), C), D) e E)».
Invocaram os AA., para tanto e em suma, que no Lugar de…, freguesia de …, concelho de Barcelos, existe um prédio urbano composto por uma Capela, denominada, Capela de …, com um pavimento e logradouro, inscrita na matriz urbana sob o art.º 24.º, da qual a D. é proprietária, em virtude de, há mais de 20 e 30 anos, se encontrar na sua fruição, de forma ininterrupta e reiterada com ciência e paciência gerais, na genuína convicção de que dela é dona, direito esse que se filiou na sua esfera jurídica por prescrição aquisitiva (usucapião).

Referem, ainda, que em Julho de 2003, por ocasião das Festas de Santa Cruz, a C. instalou na capela uma aparelhagem sonora e altifalantes para a promoção da festa e convívio, sendo que, no dia 16 de Julho, os réus deslocaram-se à Capela e trocaram a fechadura existente por uma outra, mantendo no seu interior a aparelhagem, o que obrigou a Junta de Freguesia à aquisição de uma nova, no valor de 500,00€, a fim de que a festa não se realizasse sem música e alegria.

Alegam, por outro lado, que tudo isto decorreu na presença de diversas pessoas e a situação tornou-se conhecida em toda a freguesia de … e nas demais freguesias do concelho, tendo sido noticiada pela imprensa local, o que deixou a autora C. e os demais autores vexados, humilhados e desacreditados, na medida em que estes últimos integram a Junta e foram eleitos para cargos deste órgão.
Dizem, por fim, que todos os réus propalaram pela Freguesia de… que os autores e a C. se pretendiam apoderar de bens da Igreja e da primeira ré e que eles, demais réus, mais não fizeram do que restituir à Igreja o que lhes pertencia.
*
2. Citados, contestaram os réus e, para além de excepcionarem a ilegitimidade processual passiva dos réus pessoas singulares, impugnaram a matéria de facto alegada pelos autores, sustentando que a aludida a Capela pertence à ré B., para o que formularam pedido reconvencional nesse sentido.
*
3. Responderam os autores, pugnando pela improcedência da excepção e concluindo como na petição inicial.
*

4. Foi elaborado despacho saneador, dando por verificados os devidos pressupostos processuais, e foi elaborado despacho de condensação, com fixação de factos assentes e base instrutória, que não mereceu reclamações.
*
5. Procedeu-se a julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e totalmente improcedente a reconvenção, como se segue:
a) declarar a D. proprietária do prédio melhor descrito em 1) dos factos provados, condenando-se a ré B. a reconhecer tal facto e a abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam, perturbem ou diminuam o direito de propriedade da primeira;
b) Condenar a ré B. a restituir à autora D. o prédio aludido em 1), bem como os bens móveis referidos em 15) dos factos provados;
c) Condenar a ré B. a indemnizar a autora D. pelos danos patrimoniais decorrentes da ocupação do prédio identificado em 1), a liquidar em posterior incidente;
d) Absolver os réus B., H., I., J. e L. do demais peticionado;
e) Condenar autores e réus a suportarem as custas processuais da acção, na proporção dos respectivos decaimentos.
f) Absolver os autores/reconvindos do pedido reconvencional formulado pela ré/reconvinte B.;
g) Condenar a ré/ reconvinte B. na totalidade das custas processuais da reconvenção.
*
6. Inconformada com a aludida sentença, veio a Ré B. interpor recurso da mesma, deduzindo as seguintes conclusões recursivas:
1- O tribunal a quo na análise da prova, ignorou sistematicamente a natureza jurídica da Recorrente e o ordenamento jurídico que lhe é aplicável: o ordenamento jurídico da Igreja Católica, por força das Concordatas de 1940 e 2004 celebradas entre o Estado Português e a Santa Sé.
2- O ignorar sistemático do tribunal a quo da natureza jurídica da Recorrente inquinou toda a avaliação da prova.
3- O tribunal a quo, depois de ignorar a natureza jurídica da Recorrente e a legislação que lhe é aplicável, utilizou conceitos jurídico canónicos, nomeadamente “actos de culto”, “culto religioso”, “capela pública”, fora do seu contexto, para fundamentar a sentença recorrida.
DO ERRO NA FUNDAMENTAÇÃO DAS RESPOSTAS À MATERIA CONTROVERTIDA E CONSTANTE DA BASE INSTRUTÓRIA
4- Foi dado como provado nos pontos 6 a 14 dos Factos Provados, que a D. vem utilizando a referida Capela, realizando e custeando obras de conservação e restauro no telhado e nas paredes exteriores e interiores (quesito 1º); criando um jardim no terreno envolvente, com muros, floreiras e pinturas (quesito 2.º); solicitando e obtendo os subsídios necessários para o efeito (quesito 3.º); franqueando a porta para permitir o culto religioso (quesito 4.º); efectuando limpezas no interior e exterior (quesito 5.º); o que vem fazendo à vista de toda a gente (quesito 6.º); sem oposição de ninguém (quesito 7.º);. de forma contínua (quesito 8.º); na convicção de ser a sua proprietária (quesito 9.º)
5- A prova, nomeadamente documental, resulta inconclusiva quanto a estes pontos.
6- Por sua vez, a prova testemunhal arrolada pela Recorrida não faz prova, ao não conseguir concretizar quais os actos materiais de posse praticados pela C. sobre a Capela.
7- A prova arrolada pela Recorrente, e pelo contrário, concretiza os actos materiais de posse da B., aqui Recorrente sobre a Capela.
8- Os pontos 6, 9, 10, 11, 12, 13 e 14 dos Factos Provados devem ser dados como não provados.
9- Quanto aos pontos 7 e 8, deve ser alterada a redacção, por outra, onde conste que os actos praticados pela C. incidiram sobre o espaço envolvente da Capela, o qual nunca foi logradouro da Capela, nem foi algum dia reivindicado como propriedade sua pela Recorrente.
10- Devem ser dados como provados os factos constantes dos quesitos 22º, 23º, 24º, 25º, 26, 27º, 28º, 29º, referidos nas alíneas e), f), g), h), i), j), K), l) dos factos não provados.
DO DIREITO
11- O tribunal a quo entendeu que a questão jurídica deveria ser resolvido com o recurso à lei civil vigente na República Portuguesa.
12- Mas este entendimento, não implica a impossibilidade legal de aplicar as normas de Direito Canónico conforme decorre do art. 10 da Concordata de 2004 e, antes desta, do art. 3 da Concordata de 1940, conforme resulta do art. 8, nº 2 da CRP.
13- Não obstante, o prescrito no art. 8, nº 2 da CRP, o tribunal a quo, em completa violação deste preceito constitucional, sistematicamente ignorou a natureza jurídica da Recorrente e o seu direito interno.
14- O que também acaba por ser uma violação do art. 41º, n.º 4 da CRP.
15- O que desde se invoca com as demais consequências legais.
Sem prescindir,
16- A Capela de…foi devolvida em 1932, conforme consta dos autos (fls. 686 a 696), e encontrando-se a Capela afecta ao culto por ocasião da celebração da Concordata de 1940, pelo que foi nos termos do artigo 6º reconhecida a propriedade da B. sobre a mesma.
17- A Capela de…é um Bem Eclesiástico (cân.1257, §1).
18- O ordenamento jurídico canónico recebe, tal como está regulado na legislação civil da nação respectiva, a prescrição como modo de adquirir e/ou perder um direito.
19- Por outro lado, e de acordo com a lei aplicável, nenhuma prescrição tem validade se não for fundada na boa fé.
20- A alegada posse da Autora, C., é uma posse de má fé, primeiro porque tinha consciência de que lesava o direito de outrem, segundo porque não é titulada (art. 1260º, nºs 1º e 2º do Código Civil).
21- Nos termos do cân. 198, a alegada aquisição do direito de propriedade da Capela de… pela C., porque não é de boa fé, não é válida, o que desde já se invoca com os demais efeitos legais.
22- Ocorre a violação da norma do cân.198.
Sem prescindir,
23- É jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que as Concordatas assinadas entre Portugal e a Santa Sé estão compreendidas no conceito de Convenção Internacional a que alude o art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa, vigorando na ordem jurídica com primazia sobre qualquer disposição de direito interno anterior ou posterior, pelo que, estando em questão uma matéria que contenda com aplicação ou interpretação de normas de Direito Canónico, os tribunais portugueses são absolutamente incompetentes para o conhecimento a questão.
24- Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2013 (processo n.º 27/09.7TBHRT.L1.S1, relator Tavares de Paiva), de 17 de Dezembro de 2009 (processo n.º 743/08.0TBABT-A.E1.S1, relator Lopes do Rego); cfr., ainda, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Abril e 2009 (processo n.º 63/08.0TBALJ.P1, relator Pinto Ferreira)].
25- Pelo que, desde já se suscita a incompetência, em razão da atribuição internacional, dos tribunais portugueses.
Sem prescindir,
26- A D. é uma pessoa colectiva pública “ de base territorial correspondentes aos agregados residentes em diversas circunscrições do território nacional, que asseguram a prossecução de interesses comuns resultantes da proximidade geográfica, mediante actividade de órgãos próprios representativos das populações. ”
27- Coincidente com os limites geográficos da Freguesia de… existe uma outra entidade, a Paróquia de … .
28- Nos termos do cân. 515, §1, a paróquia é uma determinada comunidade de fiéis, constituída de modo estável na Igreja Particular, cuja cura pastoral, debaixo do Bispo Diocesano, se encomenda a um pároco, como seu pastor próprio.
29- A D. poderia “utilizar” a Capela através do seu órgão executivo, a C., mas apenas na hipótese da C. possuir funções de culto, o que convenhamos não acontece por força da lei.
30- A D., pessoa colectiva pública não pode ter animus possidendi relativamente à Capela, lugar de culto religioso, sobretudo, quando resulta provado que foi a devoção religiosa que motivou a realização das obras, isto em 1977.

31- Mas, a Paróquia, aqui representada pela Recorrente, já pode ter animus possidendi em relação à Capela, sobretudo tendo em conta o motivo da Comissão de homens ter feito as obras: a devoção religiosa.
32- As obras efectuadas na Capela, em 1977, foram feitas por uma Comissão de homens residentes em …, em resposta ao pedido de um membro da B., obras essas, feitas gratuitamente, por devoção à Santa Cruz.
33- As obras efectuadas no espaço envolvente da Capela pela C., com inicio na década de 90, dizem respeito ao espaço envolvente, que não se confunde com a Capela e não é, nem nunca foi, propriedade da B..
34- Os alegados actos de posse mencionados na sentença recorrida, são “ praticados ” pela D. (Comissão de homens, em cumprimento da sua devoção religiosa).
35- Os outros actos são praticados pela Junta.
36- Alguns dos alegados actos são “praticados” sobre a Capela, outros sobre o espaço envolvente, que repete-se, nunca fez parte da Capela.
37- Os actos praticados não têm ou estabelecem “ uma relação duradoura com a coisa”;
38- Bem como, não têm “uma intensidade especial” que é exigida para a constituição da posse.
39- Os alegados actos não foram, no decurso do tempo, sempre praticados pelos mesmos sujeitos.
40- Tais factos não configuram, desde logo, actos possessórios fundados numa posse adquirida paulatinamente (reiterada).
41- Não há também uma posse pública.
42- Quanto aos actos materiais, os actos que incidam directa e materialmente sobre a coisa, os actos que traduzem o “ corpus ”, também não se verificam.
43- A C., no exercício das suas funções, procedeu ao arranjo urbanístico do espaço envolvente da Capela, que repete-se não se confunde com a Capela.
44- Quanto às obras de 1977, elas foram efectuadas por uma Comissão alheia à C., pelo que embora sendo actos materiais, não são actos praticados pela Autora C..
45- Os actos materiais têm de ser praticados com “animus possidendi” equivalente ao direito real em cujos termos se vem possuindo.
46- A B., enquanto pessoa juridica pública de Direito Canónico, para além do direito inato a possuir bens, possui os bens com [...]a única finalidade de os pôr ao serviço dos fins da Igreja: sustentar o culto divino, sustentar honestamente o clero e demais ministros, e fazer as obras de apostolado sagrado e de caridade, sobretudo com os necessitados (cân.1254, §1).
47- A Capela de …é um edifício destinado ao culto, neste caso, público.
48- A B. através do seu representante legal, o pároco, nos termos da lei aplicável, é a única que pode exercer actos de posse, com animus possidendi, relativo ao prédio em questão.
49- A C., atendendo aos seus fins e funções, não pode, não tem “animus possidendi” para exercer actos materiais sobre um edifício destinado ao culto, quando o culto não é a sua finalidade.
50- A D., enquanto pessoa colectiva pública, de base territorial correspondentes aos agregados residentes em diversas circunscrições do território nacional, que asseguram a prossecução de interesses comuns resultantes da proximidade geográfica, mediante actividade de órgãos próprios representativos das populações ” não pode por si “ utilizar ” a Capela, isto é, nas mesmas circunstâncias em que o fará uma pessoa física, podendo apenas actuar através do seu órgão executivo.
51- A C. pode fazer obras e auxiliar a B. na conservação do património desta, porque lhe assim é permitido [...]nos termos da Lei do Património à data vigente e agora nos termos da Concordata de 2004.
52- A C. não se confunde com os seus membros, entendendo-se aqui as pessoas físicas que compõem os órgãos da autarquia.
53- Estas pessoas físicas, não obstante terem sido eleitas para os órgãos da autarquia, não perdem nem estão impedidas, por força da lei constitucional, de terem as suas convicções religiosas nem, outrossim de integrarem pessoas jurídicas de direito canónico, como será a Fábrica da Igreja.
54- Na eventualidade, o que não se concede, de não ser alterada a matéria de facto provada, ficando, assim, provado que em 1977 a comissão de obras era liderada por dois membros da autarquia local, tal não significa, que os dois membros agissem em nome e por conta da Junta.
55- Na ausência de qualquer documentação da C., dando conta desta iniciativa, conclui-se que os dois alegados membros da autarquia, agiram não nessa qualidade, mas na qualidade de fiéis, de Povo de Deus, que cumpriam o Quinto Mandamento da Igreja, ao restaurar a Capela gratuitamente.
56- A C. nunca exerceu actos materiais sobre a Capela, mas sim sobre o terreno envolvente, que nunca foi propriedade da B. nem reclamado como seu por esta.
57- A D., enquanto pessoa colectiva pública só pode exercer actos materiais através do seu órgão executivo.
58- A menção do ano de 1977 como início da prática de actos materiais está incorrecta.
59- Os primeiros actos materiais iniciam-se em 1984, data do famigerado contrato promessa.
60- A D. não tem título.
61- A posse entende-se, nos termos da lei aplicável, de má fé, pelo que o direito de propriedade só se adquire no termo de 20 anos.
62- A presente acção foi proposta em 2003, ainda não tinham sido decorridos os 20 anos, exigidos por lei no art. 1297º do Código Civil.
Sem prescindir,
63- A posse da Recorrida também não é pública.
64- O prazo da usucapião só começa a contar do momento em que a posse é pública.
65 - A decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado nos artigos 1251º, 1252º, 1259º, 1260º, 1262º, 1263º, al.a), 1287º e 1297º do Código Civil, bem como os câns. 114, 204, 222, 515, 834, 1254, 1257 , 1261,1262 do Código de Direito Canónico e art. 37, 48, 49 e 90 do [...]do Regulamento Geral da B., art.10 da Concordata de 2004 e do art. 8, n.º 2 da CRP.
Sem prescindir,
66- A Capela de …foi arrolada em 1911, em cumprimento da Lei da Separação, tendo sido devolvida em 1932, conforme consta dos autos a fls. 686 – 696.
67- Encontrando-se a Capela afecta ao culto por ocasião da celebração da Concordata de 1940, e não sendo um monumento nacional ou de interesse público, foi nos termos do artigo 6º reconhecida a propriedade da Fábrica da Igreja sobre a mesma, sendo por conseguinte um bem eclesiástico.
68- A B. enquanto proprietária da Capela usou-a conforme lhe foi conveniente e tendo em conta as necessidades e meios pastorais.
69- Estas decisões competem unicamente à Recorrente, isto no exercício das suas funções.
70- Como compete unicamente à Recorrente decidir se aceita ou não as zeladoras, as Comissões de Festas, os actos de culto a praticar, os peditórios a efectuar.
71- Quanto às obras de conservação, e porque a B. não tem fins lucrativos,é comum solicitar doações para as fazer, advertindo o Povo de Deus que está em causa o cumprimento do Quinto Mandamento da Igreja, do prescrito no cân.222.
72- Embora a Recorrente não tenha título de aquisição, a Capela foi arrolada em 1911 por ser propriedade da B..
73- A B. recuperou a propriedade em 1940, por força da Concordata, art. 6º.
74- A Capela é um bem eclesiástico.
75- A B., desde sempre praticou os actos supra descritos na convicção que o fazia em coisa própria, e no cumprimento das suas funções.
76- À vista e com o conhecimento de todos.
77- Com total desconhecimento de lesar direitos de terceiros.
78- A B. detém a posse pública, pacífica, contínua e de boa fé da Capela de… há mais de 150 anos.
79 - A Recorrente adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre a Capela de … .
80- Por isso mesmo, a decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas [...]
aplicáveis, o preceituado nos artigos 1251º, 1252º, 1259º, 1260º, 1262º, 1263º, al.a), 1287º do Código Civil, bem como os câns. 114, 204, 222, 515, 834, 1254, 1257, 1261,1262 do Código de Direito Canónico e art. 37, 48, 49 e 90º do Regulamento Geral da B., art.10º da Concordata de 2004 e o art.8, n.º 2 da CRP.
Sem prescindir,
81- A Lei n.º 107/2001 prevê através de acordos entre o Estado e os detentores particulares de bens culturais ou outras entidades, tendentes a reforçar a preservação e a valorização do património cultural, dando corpo, no fundo, a uma missão comum e de interesse para a sociedade civil no seu todo.
82- A Lei n.º 107/2001 prevê no art.4, nº4 um lugar especial para a Igreja Católica quando é reconhecido que esta detém uma importante parte do património nacional, dando-se acolhimento e consagração das principais linhas definidas pelos acordos entre o Estado e a Igreja, quanto ao regime dos bens e, sobretudo da própria Concordata de 1940, ainda vigente aquando da entrada do novo normativo do património cultural na ordem jurídica.
83- A Concordata de 2004, no seu artigo 23 º, e no seguimento das linhas gerais da Lei do Património, declara o “empenho na salvaguarda, valorização e fruição dos bens, móveis ou imóveis, de propriedade da [...]Igreja Católica ou de pessoas jurídicas canónicas reconhecidas que integram o património cultural português.”
84- Todos os actos praticados pela C. na Capela, nomeadamente a instalação da energia eléctrica, pinturas, etc, isto à semelhança do que acontecia na Igreja Paroquial inserem-se neste “ empenho na salvaguarda, valorização e fruição dos bens ” previsto art. 23 da Concordata e art. 4 da Lei do Património.
85- As obras efectuadas no espaço envolvente da Capela também se inserem no “ empenho na salvaguarda, valorização e fruição dos bens ”.
86- No art. 23º, n.º 2 da Concordata, a República Portuguesa reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos deve ser salvaguardada pelo direito português.
87- A Capela de … é um bem eclesiástico, destinado ao culto.
88- O tribunal a quo ao decidir como decidiu, não está a reconhecer a finalidade da Capela, que é o culto religioso.
89- Nem que a C. nunca poderá exercer actos de culto ou gerir o culto, isto atendendo às suas funções legais e às normas de direito canónico que regulam esta matéria.
90- A decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado nos artigos 4º da Lei do Património, art.6 da Concordata de 1940 e o art. 23, nº1 e 2 da Concordata de 2004 e art.8º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, peticionou a recorrente a procedência do presente recurso e revogação da sentença proferida, assim como pela procedência da reconvenção, reconhecendo a propriedade da B. sobre a Capela de …, com as demais consequências legais.
*
7. A recorrida C., notificada, veio oferecer contra-alegações, nas quais concluiu:
1º Não foi cometido qualquer erro na apreciação e valoração dos depoimentos prestados por todas as testemunhas, nem dos documentos, sendo notável e digna de eolgio a profícua e douta fundamentação das respostas dadas à Base Instrutória.
2º Nessa fundamentação está devidamente explanado um julgamento isento de qualquer mácula.
3º A ré desvirtua os depoimentos prestados pelas testemunhas, e esqueceu-se dos depoimentos certos, lúcidos, inequívocos e desinteressa-[...]
dos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora.
4º Do conjunto da prova produzida resulta evidência ESMAGADORA e contrária à pretensão da ré, ou seja a de que esta jamais foi dona e jamais adquiriu por usucapião a Capela em causa.
5º Tendo sido a autora quem sobre ela exerceu ao longo dos anos, mais de 30 anos, um poder de facto duradouro e com intensidade suficiente para convencer qualquer um da posse e direito que exercia.
6º A ré não logrou provar os diversos requisitos da posse necessária à aquisição de um direito real máximo de propriedade, prova essa que, face ao direito em causa, tinha que ser rigorosa e sem deixar margem para qaisquer dúvidas.
7º Essa prova fê-la a autora, para si e para a freguesia de …, tal como resulta do julgamento da matéria de facto.
8º A decisão que julgou a matéria de facto e a douta sentença recorrida não merece o mínimo reparo ou censura, pautando-se pelo escrupuloso cumprimento da lei.
Concluiu, assim, a recorrida pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença proferida.
* *
Após os vistos legais, cumpre decidir.

* *
II – FUNDAMENTAÇÃO de FACTO.

Na sentença recorrida, julgou-se provada a seguinte factualidade: (ipsis verbis)

1. No Lugar de …, hoje Lugar de …, freguesia de …, concelho de Barcelos, existe um prédio urbano denominado Capela de …, com um pavimento e logradouro, a confrontar do norte e poente com J.. e do nascente e sul com caminho [Al. A) da matéria de facto assente (M.F.A.)];
2. A C. (Junta de Freguesia de…) procedeu à instalação de luz eléctrica no prédio dito em 1), e, desde Maio de 1987, sempre pagou o custo do fornecimento de energia eléctrica à Capela de …[Al. B) da M.F.A.];
3. Em Julho de 2003, os autores E., F. e G. exerciam funções na Junta de Freguesia de …[Al. C) da M.F.A.];
4. O réu H. era o pároco de …[Al. D) da M.F.A.];
5. A ré L. era Promotora de Justiça, junto da Cúria Arquiepiscopal de Braga [Al. E) da M.F.A.];

6. Desde, pelo menos, 1977, a D. (Freguesia de…) vem utilizando a referida capela, realizando e custeando obras de conservação e restauro no telhado e nas paredes exteriores e interiores (quesito 1.º);
7. Criando um jardim no terreno envolvente, com muros, floreiras e pinturas (quesito 2.º);
8. Solicitando e obtendo os subsídios necessários para o efeito (quesito 3.º);
9. Franqueando a porta para permitir o culto religioso (quesito 4.º);
10. Efectuando limpezas no interior e exterior (quesito 5.º);
11. O que vem fazendo à vista de toda a gente (quesito 6.º);
12. Sem oposição de ninguém (quesito 7.º);
13. De forma contínua (quesito 8.º);
14. Na convicção de ser a sua proprietária (quesito 9.º);
15. Em Julho de 2003, a autora C. (Junta de Freguesia) instalou no interior da sacristia da referida Capela uma aparelhagem sonora e altifalantes, para a promoção da Festa de … (quesito 10.º);
16. No dia 16 de Julho de 2003, membros da ré B., ordenados pelo presidente da mesma, Padre H., destruíram a fechadura da porta da capela e substituíram-na por outra (quesito 11.º);
17. A ré B. conserva as respectivas chaves, continuando a autora D. (Freguesia de…) privada de utilizar a capela e os móveis acima referidos (quesito 15.º);
18. Mantendo dentro da capela os aparelhos referidos em 10) (quesito 12.º);
19. A autora comprou uma nova aparelhagem no valor de 500,00€ (quesito 13.º);
20. A autora ficou privada de utilizar a Capela de … na celebração da festa (quesito 14.º);
21. O referido em 16) ocorreu perante várias pessoas (quesito 16.º);
22. Tornou-se conhecido em … e nas freguesias limítrofes (quesito 17.º);
23. Mereceu destaque da comunicação social local (quesito 18.º);
* *

Por seu turno, na sentença recorrida consideraram-se não provados os seguintes factos: (ipsis verbis)

a) Os actos referidos 16) e 18) foram directamente executados por I., J. e L.;
b) Os réus propalaram na freguesia de … que os autores se queriam apoderar dos bens da B. (quesito 19.º);
c) Em virtude dos factos descritos em 11) a 19), os autores sentiram-se desacreditados, humilhados e vexados (quesito 20.º);
d) A autora D. (Freguesia de…) procedeu conforme descrito em 2) a pedido da ré B. (quesito 21.º);
e) Na primeira metade do século XIX, a ré B. procedeu à construção da Capela de …, custeando-a (quesito 22.º);
f) Há mais de 150 anos, que vem fruindo essa capela, efectuando e custeando as obras necessárias à sua conservação (quesito 23.º);
g) Procedendo às limpezas e praticando actos de culto (quesito 24.º);
h) Promovendo todos os anos a Festa de …(quesito 25.º);
i) O que vem fazendo à vista de toda a gente (quesito 26.º);
j) Sem oposição de ninguém (quesito 27.º);
k) De forma contínua (quesito 28.º);
l) Na convicção de ser dona da capela e de não prejudicar ninguém (quesito 29.º).
* *
III – FUNDAMENTAÇÃO.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 3, e 639º, nºs 1 e 2, do NCPC.
Assim, face ao exposto enquadramento, e em função das conclusões recursivas, as questões essenciais que se colocam para a decisão da presente apelação são as seguintes:
1º competência internacional dos tribunais portugueses;
2º impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3º verificação dos pressupostos da prescrição aquisitiva (usucapião).

* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO de DIREITO.

4.1. Da competência internacional dos tribunais portugueses:
Tendo em vista o conhecimento da presente apelação e tendo presente o seu objecto (acima definido), naturalmente, a primeira questão que importa dirimir refere-se à questão da competência internacional dos tribunais portugueses.

Com efeito, vingando a posição da incompetência internacional dos tribunais portugueses, de tal excepção decorreria a absolvição dos réus da instância (e também dos próprios autores quanto ao pedido reconvencional) – cfr. arts. 99º, n.º 1, 576º, n.º 2, 577º, al. a)- e 578º, todos do CPC. –, o que, naturalmente, prejudicaria o conhecimento do mérito da causa e das demais questões acima elencadas – cfr. art. 576º, n.º 2 do CPC.

Sendo assim, cumpre decidir, sendo certo que a excepção de incompetência absoluta é de conhecimento oficioso e, consequentemente, ainda que não suscitada no tribunal de 1ª instância (como não foi), sempre está este tribunal de recurso vinculado a dela conhecer e decidir – cfr. art. 578º citado. Vide, neste sentido, AC RP de 27.04.2009, relator PINTO FERREIRA, in www.dgsi.pt .

Como é consabido, a competência do tribunal afere-se em função dos pedidos formulados e da respectiva causa de pedir, ou seja dos fundamentos fáctico-jurídicos que servem de sustento à pretensão formulada em juízo.
Com efeito, como sempre tem vindo a ser posição da doutrina e da jurisprudência, o aludido pressuposto processual define-se em função da concreta relação material litigiosa submetida à apreciação do tribunal nos precisos termos definidos pelo autor, através da causa de pedir e, em [...]especial, do pedido por este este formulado. Neste sentido, refere MANUEL de ANDRADE, “ Noções Elementares de Processo Civil ”, Coimbra Editora, 1979, pág. 91, que a competência afere-se pelo «quid disputatum» (em antítese com aquilo que será mais tarde o «quid decisum»), para significar que «a competência se determina pelo pedido do Autor.» Vide, ainda, neste sentido, por todos, AC STJ de 13.03.2008, relator SEBASTIÃO PÓVOAS, in www.dgsi.pt.

Neste contexto, é de dizer que a presente acção (e a própria reconvenção) se reconduzem a típicas pretensões reivindicativas sobre determinado imóvel, fundadas na alegada prescrição aquisitiva do mesmo (usucapião), com a particularidade de o dito imóvel ser constituído por uma capela, utilizada para fins de culto religioso (católico).

De facto, quer a acção, quer a reconvenção em apreço nos presentes autos têm feição ou natureza reivindicatória.
Neste tipo de acções o demandante/autor (ou o réu/reconvinte) afirma o seu domínio, alegando os factos que o permitam induzir ou concluir, caracterizados pelo facto jurídico que deu origem ao direito de propriedade cujo reconhecimento pede, sendo certo que os demais pedidos indemnizatórios, deduzidos em cumulação, não contendem com a dita [...]pretensão essencial, qual seja o reconhecimento do domínio e a consequente entrega do respectivo bem. Sobre a estrutura e objecto da acção de reinvidicação, vide, por todos, neste sentido, A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil Anotado ”, III volume, 2ª edição, pág. 112-116 e, ainda, L. MENEZES LEITÃO, “ Direitos Reais ”, 2009, pág. 256-257.

Ora, tendo presente a lição que se colhe dos Ils. Professores, neste conspecto, independentemente da natureza das pessoas jurídicas envolvidas no presente pleito - pessoas singulares; pessoas colectivas de direito público (Junta de Freguesia) ou pessoas colectivas de direito canónico – Paróquia/B.), -, estamos em crer que, no concreto litígio em apreço nestes autos (definido pela causa de pedir e pedidos formulados, nos termos já expostos), a competência internacional dos tribunais portugueses não é, segundo nosso julgamento, de colocar em dúvida.

Neste âmbito, diga-se, desde logo, que não nos oferece dúvidas que a ré B. (ou Comissão…, como também é designada) é de considerar-se como pessoa pública eclesiástica, na estrita medida em que a mesma faz parte da paróquia enquanto orgão canónicamente erecto e a quem, no seio desta última, incumbe a administração e gestão de todos os seus bens.

Aliás, esta natureza, ao contrário do que invoca a recorrente, é expressamente declarada e reconhecida na sentença recorrida, quando ali se refere «que a B. é uma pessoa jurídica de direito canónico» - vide fls. 851 dos autos.

Com efeito, de acordo com o Código de Direito Canónico, o administrador da catedral é o bispo com o cabido; o da igreja paroquial é o pároco, ajudado pelo Conselho para os Assuntos Económicos - também chamado de Conselho da Fábrica da Igreja ou Comissão Fabriqueira -, de constituição obrigatória (cfr. can. 537º do citado Código, doravante designado apenas por CDC).

Ora, ao dito orgão da paróquia (presidido obrigatoriamente pelo respectivo pároco) compete-lhe precisamente representar a entidade eclesiástica/paróquia perante as autoridades civis e administrativas e, ainda, administrar, de acordo com a lei canónica e civil, os bens da mesma, mantendo actualizado o respectivo inventário de tais bens e prestar anualmente contas ao bispo (cfr. can. 114º, 1273º a 1310º do CDC.)

A paróquia é, de acordo com o Direito Canónico, uma comunidade de fiéis, constituída de modo estável na Igreja Diocesana e entregue ao cuidado pastoral, sob a autoridade do Bispo Diocesano, de um pároco, [...]
como seu pastor próprio e seu primeiro responsável.
Erecta canonicamente a paróquia, o aludido Conselho da Fábrica da Igreja fica constituído (e como tal reconhecido pelo Estado) como pessoa jurídica capaz de adquirir, conservar, administrar e alienar bens temporais, nos termos do direito.
Desta forma, a dita B. é normalmente a proprietária dos bens paroquiais afectos ao exercício do culto, à promoção da catequese e à prática da caridade cristã, incumbindo-lhe a respectiva administração de tais bens (eclesiásticos) da paróquia e fornecer ao pároco todos os meios materiais necessários para ele, como pastor próprio, exercer o seu ofício pastoral em favor da comunidade, segundo os termos do direito.
Estas considerações mostram-se também vertidas na sentença recorrida, não sendo assim correcto afirmar-se que a natureza da ré foi ignorada ou desconsiderada na sentença recorrida. – vide fls. 851, frente e verso.

Porém, como é bom de ver, o que se deixa dito não nos resolve, de per si, o problema que ora se nos coloca, qual seja o de saber se os tribunais judiciais portugueses dispõem de competência internacional para dirimir o presente litígio que e que opõe pessoas colectivas de direito público/pessoas singulares a uma pessoa pessoa jurídica de direito canônico no âmbito de uma típica acção (e reconvenção) reinvindicatória.

De facto, não decorre da simples circunstância de estarmos em presença, como parte, de uma entidade eclesiástica ou de direito canónico (paróquia/fábrica da igreja), que o Estado Português (e os tribunais enquanto orgãos de soberania do mesmo e a quem se mostra confiado o poder/dever de administrar a Justiça) não disponha de competência (internacional) para dirimir todo e qualquer litígio em que as ditas entidades canônicas se mostrem envolvidas. Aliás, tanto quanto é do nosso conhecimento já variadíssimos litígios desta índole (reivindicatórios) foram suscitados e decididos pelos tribunais portugueses sem que a questão da competência internacional dos mesmos se tenha suscitado. Vide, por todos, no caso específico de acções de reivindicação, AC STJ de 17.02.2005, relator Bettencourt de Faria, AC RP de 22.10.2012, relator ANA PAULA AMORIM, AC RP de 16.09.1997, relator ARMINDO COSTA e AC RG de 22.04.2010, relator CONCEIÇÃO BUCHO (litígio em que figura como autora a ora ré e recorrente “ Fábrica da Igreja ” e atinente a um outro prédio próximo à Capela ora em causa – apelação 2663/04.9TBBCL.G1), todos disponíveis in www.dgsi.pt .

O critério para efeitos de aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, de facto, não pode ser este, antes deve ele decorrer do exacto tipo de litígio introduzido em litígio («quid disputatum») e, em particular, da questão de saber se o litígio se reconduz a um litígio [...]estrutural, interno ou orgânico da pessoa colectiva canónica, regulado pelo direito interno canônico, ou, ao invés, se o litígio se reconduz a uma questão externa ao âmbito canônico, designadamente quanto à propriedade de bens temporais, regulado pelo direito interno nacional, nomeadamente quando no pleito se discute a propriedade sobre um determinado imóvel sito em território nacional, como é o caso dos autos, independentemente da natureza das pessoas envolvidas nesse pleito.
No primeiro caso, a jurisprudência tem afirmado a incompetência dos tribunais portugueses [ vide, por todos, os casos atinentes a impugnações de actos eleitorais no âmbito das Misercórdias - AC RP de 27.04.2009, relator PINTO FERREIRA, AC STJ de 17.12.2009, relator LOPES do REGO, in www.dgsi.pt ], ao passo que no segundo caso tem afirmado a competência dos tribunais portugueses.

Neste sentido, refere-se no AC STJ de 10.12.2013, relator TAVARES de PAIVA, in www.dgsi.pt, que, à luz do regime que decorre das concordatas (de 1940 e 2004) celebradas entre a Santa Sé e o Estado Português (que constituem, à luz do art. 8º da nossa Lei Fundamental, convenção internacional e vigoram na ordem interna com primazia na escala hierárquica sobre o direito interno anterior e posterior – cfr., neste sentido, ainda, AC STJ de 26.04.2007, relator JOÃO BERNARDO e AC STJ de 22.02.2011, relator SILVA SALAZAR, ambos in www.dgsi.pt ), [...]
o critério da destrinça entre a competência das autoridades eclesiásticas e dos tribunais portugueses há-de ser o seguinte: se está em causa a violação do direito canónico será chamada a intervir a autoridade da igreja; se está em causa a violação do direito interno português, recorre-se aos tribunais civis. Vide, ainda, sufragando esta distinção o já citado AC STJ de 22.02.2011, relator SILVA SALAZAR.

Ainda, neste sentido, refere LOPES do REGO, no também já citado AC STJ de 17.12.2009, que «a principal diferença de regimes, nesta sede, situa-se no texto do art. 11º da Concordata de 2004, segundo o qual as pessoas jurídicas canónicas, decorrentes do princípio da livre organização da Igreja Católica proclamado pelo art. 10º - e que inteiramente se mantém e reforça - se regem pelo direito canónico e pelo direito português, aplicados pelas respectivas autoridades.»

E prossegue, ainda, o aludido acordão, que, por via da dita norma, pretendeu-se fazer coincidir as regras de jurisdição e competência com as normas de direito material aplicáveis pelo foro eclesiástico e pelos tribunais e autoridades públicas.
Dito de outro modo, e como já salientado, estando em causa a aplicação de normas de direito material canónico serão competentes as autoridades eclesiásticas; estando em causa a aplicação de normas de [...]
direito interno português, serão competentes as autoridades públicas e os tribunais portugueses, ao passo que assim não for e for aplicável o direito canónico serão já competentes as autoridades eclesiásticas.

Ora, aqui chegados, com o devido respeito, cremos ser patente que o litígio em apreço e o seu «quid disputatum» - elemento definidor da competência dos tribunais - se situa no estrito âmbito do direito interno civil português, em particular nos modos de aquisição do direito de propriedade sobre determinado imóvel, disputado por ambas as partes (de distinta natureza) à luz da alegada prescrição aquisitiva (usucapião), sendo certo que nenhuma das partes exibe qualquer título ou registo sobre o aludido imóvel.
Com efeito, segundo o preceituado no art. 46º, n.º 1 do Cód. Civil Português (sob o título «LEI REGULADORA DAS COISAS), «o regime da posse, propriedade e demais direitos reais, é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontram situadas.»

Não se nega, diga-se, que possam, eventualmente, ser chamadas à colação para efeitos decisórios normas de direito canónico, mas isso não invalida que o litígio (tal como configurado pelos autores) se situe no estrito âmbito do direito interno civil português, estando longe de constituir ele um litígio interno, estrutural ou organizativo atinente [...]
a uma pessoa canónica e sob o qual regule apenas o repectivo direito canónico a aplicar por entidade ou autoridade eclesiática.

Destarte, sendo assim, como se julga, é de concluir que não ocorre, em nosso julgamento, violação da competência internacional (ou da matéria) do tribunal judicial comum, improcedendo a excepção de incompetência absoluta suscitada pela ré “ B. ”.

* *

4.2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Dirimida a questão anterior, e assente, para o que ora releva, a competência dos tribunais portugueses para dirimir do presente litígio, cumpre conhecer da impugnação da matéria de facto.
Neste âmbito, e procurando sintetizar, a matéria que está em causa é a seguinte (vide conclusões n.ºs 8., 9. e 10. do recurso da recorrente):

- a matéria dos pontos 6., 9., 10., 11., 12., 13. e 14. dos factos julgados como provados deverá ser julgada como não provada, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido;

- a matéria dos pontos 7. e 8. deve ser alterada a respectiva redacção, por outra onde conste que os actos praticados pela C. (Junta de Freguesia) incidiram sobre o espaço espaço envolvente da Capela, o qual nunca foi logradouro da Capela, nem foi algum dia reivindicado como propriedade da Recorrente.

- a matéria de facto constante das alíneas e)-, f)-, g)-, h)-, i)-, j)-, k)- e l)- dos factos não provados deverá, ao invés do decidido pelo tribunal recorrido, ser julgada como provada.

Em abono desta sua posição quanto à decisão da matéria de facto, a recorrente invoca os depoimentos das testemunhas António, Duarte, Azevedo, Francisco, João, Vilas Boas, Costa, Silva, Manuel e José, assim como refere, ainda, os seguintes documentos, a saber: - livro de actas da recorrente Fábrica juntas aos autos (vide fls. 876-877 dos autos); - documentos a fls. 302-303, 305, 307-318, 321, 323, 324-328, 330, 331, 669-678, 681-682 (vide fls. 879 verso); - documentos a fls. 266-275, 277-282, 283-287, 288-293, 531-534, 535-538, 658-662 (vide fls. 880 dos autos).


Decidindo.

A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjectiva impõe ao Recorrente.

Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao Recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com toda a precisão dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do Recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objecto da impugnação.

Sob a epígrafe ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe, com efeito, o n.º 1 do art. 640º do CPC., que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. ” (sublinhados nossos)

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. ” (sublinhado nosso)

Deve, assim, o Recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso, através da indicação dos concretos meios probatórios que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida, sendo certo que, tratando-se de depoimentos, esclarecimentos ou declarações que tenham si prestados [...]perante o tribunal recorrido e aí tenham sido objecto de gravação, deverá, ainda, o recorrente proceder à sua referência através da indicação das exactas passagens da aludida gravação.

Isto posto, procedendo à análise das alegações recursórias apresentadas pela ré, verifica-se que a recorrente deu cumprimento aos aludidos ónus, razão porque se impõe conhecer do recurso, nesta parte.

Nesta matéria, importa por começar por referir que a impugnação da matéria de facto se traduz no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.
Pretende-se que a Relação reaprecie e repondere os elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se a decisão da primeira instância relativa aos pontos de facto impugnados se mostra conforme às regras e princípios do direito probatório, impondo-se se proceda à apreciação não só da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios, da sua consistência e coerência, à luz das regras da normalidade e da experiência da vida, mas também da sua valia extrínseca, ou seja, da sua consistência e compatibilidade com os demais elementos.

Nesta reapreciação e reponderação, o tribunal da Relação formará a sua própria convicção, sujeita às mesmas regras e princípios de prova [...]
o tribunal recorrido, podendo e devendo corrigir a factualidade apurada por aquele último, se a tanto o conduzir a sua própria convicção. – cfr. art. 662º, n.º 1 do CPC.

De facto, como já se referiu em outras ocasiões, para se proceder à alteração da decisão da 1ª instância, haverá que averiguar se algo de “ anormal ” se passou na formação da “ prudente convicção ”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às aludidas regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova . Vide, neste sentido, por todos, REMÉDIO MARQUES, “ A acção declarativa, à luz do Código Revisto ”, 3ª edição, pág. 638 e segs... .

Por outro lado, ainda, como é consabido, os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade [...]bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos subjectivos ou despóticos.

Na avaliação da prova testemunhal (que é o meio de prova essencialmente focado pela recorrente, no seu recurso), a fonte do conhecimento dos factos narrados pela testemunha (ou razão de ciência) é um elemento da maior importância para o julgador aferir da credibilidade do relato.

Neste sentido, referia J. ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, IV volume, 1987, pág. 442-443, « tem a maior importância esta exigência da lei, porque a razão da ciência é um elemento de grande valor para a apreciação da força probatória do depoimento…Desceu a lei a estas minúcias, porque uma vez destruída ou abalada a razão da ciência, o depoimento perde o valor ou fica notavelmente enfraquecido; e para a parte contrária poder atacar a razão da ciência e o tribunal poder avaliar até que ponto é exacta a razão invocada, muito interessa saber as condições e circunstâncias especiais de que a [...]testemunha se socorre para justificar o seu conhecimento.» (sublinhado nosso)

Por outro lado, ainda, convém realçar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não tem por finalidade a realização de um novo julgamento, mas antes apenas, como já referido, a reapreciação ou reponderação pelo tribunal superior de pontos ou questões de facto concretas submetidas a julgamento.

Neste sentido, a propósito do novo Código de Processo Civil e da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, refere A. ABRANTES GERALDES, “ Recursos no Novo Código de Processo Civil ”, 2ª edição, pág. 130, que «nesta operação [refere-se o Autor às alterações introduzidas no novo art. 662º, por comparação com o anterior art. 712º, e aos ónus de impugnação previstos no art. 640º do novo Código] foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente.» (sublinhado nosso)


À luz deste enquadramento geral, cumpre assim conhecer das questões de facto suscitadas no presente recurso, sendo certo que inexistem razões para o seu não conhecimento.

Neste conspecto, em primeiro lugar, discorda a recorrente do julgamento quanto à matéria factual dos n.ºs 6 a 14 do elenco dos factos provados, os quais, em seu entender, deveriam ter merecido resposta de não provados, salvo quanto aos pontos 7. e 8., cuja resposta deverá ser única e com a seguinte redacção: os actos praticados pela C. (Junta de Freguesia) incidiram sobre o espaço envolvente da Capela, que nunca foi logradouro desta última.
Por outro lado, em segundo lugar, como já se referiu, e em conformidade lógica com o antes sustentado quanto à matéria de facto que, na sua perspectiva, deveria ter sido julgada não provada/provada restritivamente (e que o tribunal recorrido julgou provada), sustentou também a mesma recorrente que a matéria factual constante das alíneas e)-, f)-, g)-, h)-, i)-, j)-, k)-, e l)- deveria ter sido julgada provada, em inverso do decidido pelo tribunal recorrido.

Vejamos.
Nesta matéria, o tribunal recorrido aduziu a seguinte fundamentação (ipsis verbis):
«Relativamente aos factos descritos de 6) a 14), importa, desde logo, destacar que, de acordo com prova pessoal produzida, não foi possível circunstanciar a ocorrência de quaisquer actos de posse relativos a data anterior ao ano de 1977, sendo certo, ademais, que as únicas referências (documentais) a data anterior a esta reportam-se aos seguintes elementos: (1) auto de arrolamento ocorrido a 21 de Agosto de 1911, onde se procede ao arrolamento da Capela de …, no âmbito da Lei da Separação do Estado das Igrejas de 20 de Abril de 1911 (fls. 693), (2) acta de comissão administrativa da Junta de 12 de Agosto de 1928, onde se refere a necessidade de caiar a capela (fls. 684), (3) auto de entrega e posse de 06 de Maio de 1932, efectuado na sequência de despacho do Sr. Ministro da Justiça e dos Cultos, onde se restitui a posse dos bens anteriormente arrolados, sem se reportar expressamente à Capela (fls. 79), (4) relatório do movimento associativo das freguesias da arquidiocese de Braga, onde se faz referência à capela de Santa Cruz (fls. 51 e 52) e (5) registo do diário da comissão fabriqueira de Dezembro de 1958, onde se refere a venda da tribuna da Santa Cruz (fls. 48 a 59).
Já, por sua vez, no que tange à prova pessoal produzida, valoraram-se os depoimentos das testemunhas Paulo (82 anos de idade e que participou nos trabalhos de reparação da capela, na [...]década de 70), António (75 anos de idade e que participou nos trabalhos de reparação da capela, na década de 70), Azevedo (85 anos de idade e que colaborou nos trabalhos de reparação da capela, na década de 70), Francisco (77 anos de idade idade, genro do Presidente da Junta da ocasião e membro da B. entre 1996 e 2002), Manuel (67 anos de idade e que participou na reconstrução da capela na década de 70) e Lopes (65 anos de idade e membro da Comissão de Festas no ano de 1993) que, considerando as suas idades e as respectivas razões de ciência, atestaram, de forma genuína e entre si coerente, a factualidade apurada.
Com efeito, todos foram unânimes em referir, tomando por referência a Revolução ocorrida a 25 de Abril de 1974, que, pelo menos, nessa ocasião e mesmo antes, a Capela de … encontrava-se votada ao abandono, parcialmente ruída (inclusivamente, ao nível do telhado) e cercada de mato e silvas, condições estas que inviabilizavam, por completo, a utilização da mesma para o único fim possível, qual seja, o culto da Santa Cruz.
Referiram, ademais, as indicadas testemunhas que, por volta do ano de 1976/1977 (cfr. fotografia de fls. 258), duas pessoas, por todas identificado como Sr. Simões (Presidente da Junta de Freguesia de..) e Sr. Damásio (que integrava a Junta ou a Assembleia de [...]Freguesia e, por desinteligências várias, havia abandonado a B.), iniciaram esforços, no sentido de angariar fundos e mão-de-obra junto dos fregueses de …, tendo em vista o restauro da referida capela.
Esclareceram as testemunhas, outrossim, que, nessa ocasião e na sequência deste movimento popular orientado por aqueles, reuniram materiais de construção junto de particulares e realizaram peditórios perante os fregueses, tendo em vista a angariação de dinheiro, voluntariaram a sua mão-de-obra e iniciaram os primeiros trabalhos de restauro da capela, consistentes, v.g, no corte da vegetação infestante que a invadia, no arranjo no telhado (telhas, ripado e forro) e na pintura do interior da capela.

Por outro lado, no que tange à motivação desta actuação, de igual modo, as identificadas testemunhas, assim como João (com 82 anos) foram unânimes e esclarecidas em reportar que estas obras foram promovidas pelos populares, no seguimento do movimento iniciado por aqueles dois membros da autarquia local, no genuíno sentimento de que assim actuavam em prol da população e da comunidade local, tendo em vista conferir ao povo meios condignos para expressar a sua fé e devoção e, naturalmente, proporcionando-lhes também a vertente pagã, usualmente, associada às festas religiosas locais, tendo-se isto processado sem a [...] consulta ou a intervenção do sacerdote da época ou da B., os quais nunca deram ordens ou instruções nesta matéria.
Por outro lado, resultou ainda destes depoimentos, assim como das declarações de parte do actual presidente da C. (Junta de Freguesia) (Jorge César Silva), que, desde então e até ao ano de 2003, tem sido a D. (Freguesia), [actuando, naturalmente, através do seu órgão executivo (a Junta C.)] que vem cuidando da referida capela, introduzindo-lhe benfeitorias, melhorando os seus acessos, alargando o respectivo adro, solicitando (e obtendo) subsídios e custeando os custos ordinários inerentes à mesma (v.g. electricidade), sendo certo que a prova documental junta aos autos corrobora avassaladoramente estes meios de prova pessoal.
E, circunstanciando cronologicamente, reportamo-nos aos seguintes:
a) Certidão de teor matricial demonstrativa de que a capela em questão se acha participada à matriz sob o art.º 24.º/…, figurando a C. (Junta de Freguesia) como titular inscrito (fls. 249/250 e 333/334);
b) Recibo de quitação, no valor de 177.486$00, relativo a trabalhos de trolha efectuados na capela e suportados pela C. (Junta de Freguesia) (fls. 276);
c) Contrato-promessa de compra e venda, datado de 1984, ajustado pela C. (Junta de Freguesia) (representada pelo presidente Vilas Boas), prometendo comprar a terceiro um terreno para logradouro [...]da capela de… (fls. 78);
d) Ofícios da C. (Junta), datados de 1986 e 1987, onde, anunciando o domínio da freguesia sobre a Capela, solicitam ao Município a realização de baixada eléctrica na Capela e a atribuição de subsídios para pagamento de gastos e despesas efectuados na mesma (fls. 305 e 307 a 318);
e) Pagamento de despesas relacionadas com serviços de reparação efectuados na capela em 1987 (fls. 322);
f) Ofícios da C. (Junta), datados de 1989, 1990, 1994, 1995, 1996, 1997 e 1999 onde, anunciando o domínio da freguesia sobre a Capela, solicitam a atribuição de fundos para electricidade (fls. 321, 323, 324, 325, 326, 327, 328. 330, 331, 669 a 678, 681, 682); g) Ofício da Câmara Municipal de Barcelos de 1996 (ofício n.º 12/96) respondendo a ofício da C. (Junta de Freguesia) (ofício 857/96/DOM), através do qual esta solicitava disponibilização e fundos para pagamento de trabalhos realizados na zona envolvente da capela (fls. 252), os quais, de resto, surgem reproduzidos nas fotografias constantes de fls. 253 a 258;
h) Ofício da C. (Junta de Freguesia), onde, anunciando o domínio da freguesia sobre a capela, solicita serviços de jardinagem à Câmara Municipal (fls. 657);
i) Memória descritiva e projecto elaborado a pedido da C. (Junta de Freguesia) tendo em vista a reabilitação do adro da capela de …, datado de Maio de 1996 (fls. 261 a 265);
j) Pagamento de arquitecto pela realização de projecto de reabilitação do adro da capela de … (fls. 663 a 665)
k) Deliberação da Câmara Municipal, datada de 1996, concedendo subsídios para a realização da zona envolvente da capela e demonstrativo do depósito desses fundos no valor de 2.667.178$00 (fls. 329 e 666 a 668 e 680)
l) Orçamentos solicitados pela C. (Junta de Freguesia), tendo em vista a realização de obras na Capela e na zona envolvente da mesma (fls. 651 a 653)
m) Pagamentos efectuados pela C. (Junta de Freguesia) relativos à realização de instalação eléctrica, aquisição de floreira e compra de plantas, no ano de 1997 (fls. 315 a 320, 655 e 656);
n) Relatório de contas da execução orçamental da C (Junta de Freguesia) relativo aos anos de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, onde se acham relevadas despesas correntes referentes a custos referentes à capela de Santa Cruz (fls. 266 a 275, 277 a 282, 283 a 287, fls. 288 a 293, 531 a 534, 535 a 538, 658 a 662);
o) Pagamento de arranjos florais da capela efectuado em 1998 e 2003 (fls. 293, 304);
p) Pagamentos efectuados pela C (Junta de Freguesia) à comissão de festas de … em 1998 (fls. 295/296)
q) Solicitação de subsídios para pagamento de despesas de electricidade na capela em 1997, 1998, 1999, 2001 (fls. 306, 294, 299, 300, 301, 530);
r) Pedido de subsídio efectuado ao Município para atribuição à comissão de festas, tendo em vista a realização das festas de … na capela que a freguesia assume como sendo propriedade sua, datado de 1998 (fls. 302, 303);
s) Despesas relacionadas com a realização da festa de … em 2003 (fls. 297 e 298)
t) Ofício da C. (Junta de Freguesia) datado de 2003, solicitando ao Município a realização de obras de beneficiação na Capela (fls. 314)
u) Demonstrativo do pagamento pela C. (Junta de Freguesia) das despesas de electricidade da capela entre 1987 e 2006 (fls. 335 a 529).

Por outro, no que tange à forma como o culto religioso se processava na referida capela, resultou dos depoimentos das testemunhas Paulo, António, Francisco, Manuel, Lopes e João que, no período em questão, a capela apenas era aberta duas vezes por ano (em Maio, por ocasião das festas da… e em Julho, em honra de [...]), sempre pela C. (Junta de Freguesia), sendo que cabia à comissão de festas diligenciar por padre que celebrasse missa (fosse ele o de … ou outra freguesia), a quem era pago o estipêndio pedido, tendo, inclusivamente, Azevedo invocado o caso de um padre que se recusou a celebrar missa na capela (Padre …), invocando estar em causa um «local público».
Resultou, ademais, dos depoimentos das testemunhas Azevedo e Francisco que, até Dezembro de 1997, nunca o pároco ou a B. tiveram chave da capela, altura em que, a pedido do padre, o presidente da C. (Junta de Freguesia) (Sr. …) forneceu uma chave da capela à B., sendo certo, ainda, que de acordo com os depoimentos das testemunhas Azevedo, João e Francisco, os zeladores da capela eram pessoas que não tinham qualquer ligação á Fábrica da Igreja e, muito menos, ao clero.
No que se reporta, por sua vez, à comissão de festas formada por ocasião da festa de …, resultou, unanimemente, dos depoimentos de Francisco, Manuel e Lopes (testemunhas que integraram comissões de festas em décadas distintas) que as comissões de festas eram de formação espontânea dos populares, transitando de uns anos para os outros de modo informal, ou seja, sem que a B. interferisse na sua formação ou que a esta [...]fossem devidas contas no final, tanto mais que esmolas angariadas ou os excedentes resultantes revertiam para a comissão de festas seguinte ou investidos na própria capela, depoimentos estes que foi igualmente corroborado pelo depoimento de Vilas Boas.

Por fim, resultou de forma unânime de todos os depoimentos até ao momento citados que, todos estes actos foram praticados de forma reiterada, ao longo dos anos, à vista de todos os fregueses de … e sem oposição de ninguém, designadamente, da B. (pelo menos até ao ano de 2003), tendo todos reportado que o sentimento generalizado da freguesia é o de que a capela em questão a esta pertence, sendo certo que, em bom rigor, este referido elemento subjectivo extrai-se e assaca-se de todos os elementos documentais indicados nesta fundamentação sob as alíneas a) a u). (...)
Ora, nada do até aqui referido saiu, minimamente, abalado pelo depoimento as demais testemunhas arroladas pela ré.
Na verdade, do depoimento de José (sacerdote, professor catedrático e autor da obra junta de fls. 782 a 827) apenas resultou, rigorosamente, que o mesmo não tem qualquer informação concreta sobre a referida capela de Santa Cruz, no sentido do apuramento do domínio da mesma, visto que desconhece quaisquer elementos históricos ou documentais que permitam apurar quem a construiu, ignorando, de resto [...]
se a referida capela inclusivamente se acha benzida ou sagrada, sendo certo que o único elemento documental (e que a testemunha citou na sua obra) que permitiria fazer luz acerca da propriedade da capela, corresponde a uma passagem colhida em obra de D. Teotónio da Fonseca, bacharel que exerceu funções de Conservador do Registo Predial de Barcelos (cfr. Decreto de Diário da República, I.ª Série, n.º 71, de 27 de Março de 1913), onde o mesmo afirma o seguinte: «Há nesta freguesia apenas uma capela e essa pública: é a capela de …. O seu edifício é pequeno e baixo; tem púlpito, coro e um único altar (…). Fazia-se aqui todos os anos uma festa e romaria importante, hoje decaída» (in O concelho de Barcelos Aquém e Além Cávado, II, 1948, da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Companhia Editora do Minho pág. 178).
De resto, como o próprio esclareceu, sendo possível, mediante autorização, a prática de actos de culto em capelas do domínio privado de outrem que não a Igreja, como é evidente a propriedade destes bens não se pode inferir a favor da Igreja pela simples razão de lá serem praticados actos de culto.
Por outro lado, apesar do depoimento da testemunha Vilas Boas (presidente da Junta de Freguesia entre 1976 e 1986) ter reportado que as obras efectuadas na capela nas décadas de 70 e 80 foram efectuadas pela Comissão … (estribando-se, para tanto, no teor da acta da Sessão de 19 de Novembro de 1976, da B. [...] , cujo livro foi oficiosamente, junto aos autos), a verdade é que tal depoimento mostra-se frontalmente contrariado pelos depoimentos atrás indicados, pela extensa documentação demonstrativa precisamente do inverso, sendo certo que a acta em questão limita-se a invocar a necessidade de realização de obras na capela, atenta deterioração da mesma e durante o período em que a Igreja se encontrasse em obras, não se reportando que nela tenham sido efectivamente realizadas quaisquer obras.
Acresce, ainda, que não se vislumbra como se poderá ter este depoimento como seguro e válido, na parte em que o mesmo refere que nunca actuou em benefício da dita capela na qualidade de presidente da junta, quando foi o próprio que, nessa qualidade, celebrou o contrato-promessa de fls. 78, tendente a à compra de uma parcela de terreno destinada a logradouro da capela de … .
Também os depoimentos das testemunhas Vilas Boas (integrou a Fábrica da Igreja entre 1977 e 1984) e António (viveu até ao ano de 1989 nas imediações da capela), para além de não terem sido capazes de enunciar um único acto possessório levado a cabo pela B. sobre a capela, acabaram, no essencial, por confirmar que as primeiras obras da mesma foram lideradas pelo Sr. Damásio e que a B. foi alheia à realização de todos os arranjos exteriores da capela.

Também o depoimento da testemunha José (com 89 anos de idade e a viver em … há 70 anos), após ter confirmado o estado de deterioração da capela, reportou que as obras iniciais da mesma foram da iniciativa da freguesia, mediante a constituição de comissão criada para o efeito, referindo, ademais, ser do seu conhecimento que a C. (Junta de Freguesia) lá realizou essas obras, como, por fim, que desde «os tempos do 25 de Abril» que a freguesia se dá como dona da capela.
Por último, o que, de essencial, se extraiu do depoimento da testemunha Manuel foi que, para além de mais uma vez não ter precisado um único acto de posse que a B. tenha exercido sobre a capela (não obstante a ter integrado por duas ocasiões distintas), confirmou, de igual modo, que as obras iniciadas em 1977 foram efectuadas por homens da freguesia, tendo em vista o restauro da capela, acabando por referir que a mesma ao povo pertence e terminando por reconhecer que todos os arranjos exteriores da capela foram efectuados pela C. (Junta de Freguesia).
Daí que, neste conspecto, para além de se terem julgado como provados os factos indicados de 6) a 14), julgaram-se, no reverso, indemonstrados os elencados de d) a l).» (sublinhados orignais).
* *
Feita esta exposição, cumpre referir que, como é consabido, a convicção do julgador não resulta «ex novo» ou «ex sponte», antes [...]resulta da ponderação crítica, intelectual, lógica e conjunta dos meios probatórios que perante si são produzidos.
Neste sentido, a convicção é a que o próprio julgador formula (seguindo as aludidas regras de apreciação da prova e de acordo com parâmetros de independência, imparcialidade e equidistância perante as partes e os respectivos interesses), baseado no valor intrínseco e extrinseco das provas e, em particular, quanto ao depoimento testemunhal aferindo da sua credibilidade, em função da razão de ciência apresentada, da sua isenção, do seu rigor e da sua compatibilidade lógica com outros elementos probatórios constantes dos autos, nomeadamente documentos, perícias e outros elementos disponíveis.
Neste particular, é de referir que a sentença em apreço, sob esse ponto de vista, é particularmente rigorosa, cuidada e exaustiva, fazendo a menção de todos e cada um dos documentos que contribuíram para a convicção do julgador quanto aos factos provados e não provados, fazendo a menção da razão de ciência de cada uma das testemunhas inquiridas e/ou declarações prestadas, explicitando, de forma clara e lógica, os meios probatórios que estiveram na base da dita convicção e efectuando a sua análise crítica, isto é, explicitando o que, em concreto, conduziu à consideração de cada meio probatório e o raciocínio lógico-dedutivo que conduziu à convicção formada, sendo certo também que, a este nível - análise crítica - , cuidou de explicitar porque razão foi dado crédito a [...]uma versão em detrimento de outra(s).

Ora, independentemente do mais, a recorrente não fez, claramente, o mesmo caminho ou exposição, limitando-se a citar excertos de depoimentos (descontextualizados do conteúdo global dos mesmos), sem qualquer apreciação crítica dos mesmos, isto é sem explicitar porque deveriam os meios probatórios que cita em abono da sua posição conduzir a resultados diversos daqueles a que chegou o tribunal recorrido, ou, dito de outra forma, quais as razões concretas, de um ponto de vista lógico-intelectual, deveriam ter conferido aos meios probatórios (sobretudo testemunhais) que invoca, maior credibilidade, maior rigor, melhor razão de ciência, maior imparcialidade e isenção dos que foram invocados pelo tribunal a quo, na sua fundamentação.

Na verdade, como referia J. ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, III volume, 1985, pág. 245, com plena actualidade, «a apreciação das provas resolve-se em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador «... segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz e segundo processos psicológicos que presidem à actividade intelectual e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica, ou seja as normas da crítica sã.»

Sendo isto evidente, temos que, não obstante a recorrente tenha indicado de entre os meios de prova produzidos perante o tribunal recorrido, quais aqueles que, em seu entender, permitiriam alicerçar uma convicção diferente, positiva ou negativa, sobre a factualidade em apreço, certo é que não faz uma explanação crítica e minimamente exaustiva, sustentada e consistente dessa prova, tendente a, de modo claro e linear, deixar explicitadas as razões da sua discordância com a decisão recorrida, de molde a que se entendesse: - quais as circunstâncias concretas em que errou o tribunal recorrido na interpretação e integração que fez dos meios probatórios de que se serviu.

Na verdade, pese embora assuma uma atitude crítica relativamente ao modo como o tribunal recorrido valorou a prova, a recorrente limita-se a afirmar que os meios probatórios que invoca (que são essencialmente as testemunhas por si arroladas) são passíveis de alicerçar conclusões diversas sobre a factualidade em apreço, omitindo, quase se poderá dizer, por completo, uma explanação crítica e sustentada da demais prova produzida em que se fundamentou o tribunal recorrido.
Ora, dir-se-á, que sem essa necessária e imprescindível análise crítica do material probatório produzido, comprometido ficará, em boa parte, o sucesso da impugnação factual, pois que, sendo a credibilidade conferida à prova produzida através de produção de depoimentos uma opção [...] que se baseia na imediação e livre apreciação da prova, ela só poderá ser censurada quando, analisada a prova produzida pelo tribunal superior (que não beneficia da imediação da prova), for feita a demonstração que uma tal opção viola as regras da experiência comum ou da lógica ou, ainda, em alguns casos, as regras ou os conhecimentos actuais da ciência.

Como já se referiu antes, mas não é demais salientar, a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida pelo meio probatório concreto (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes dos autos (outra prova testemunhal, documental, pericial, etc.), por forma a que o resultado final, em termos de convicção, não conduza a uma decisão injusta, no sentido de insuficientemente segura e fundada em termos de corroboração factual, incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.

Na verdade, o recurso da matéria de facto ou a sua impugnação não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas a reapreciação ou reanálise da prova já produzida por parte do tribunal superior por forma a permitir aquilatar da razoabilidade ou fundamentação lógica da decisão [...]
recorrida, corrigindo-a quando esta, de acordo com estes critérios, se não apresente lógica, desconforme com as regras da experiência ou, em alguns casos, desconforme com as regras/conhecimentos científicos.

Ora, no caso concreto dos autos, tendo este tribunal procedido à audição dos ficheiros fonográficos de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas citadas na fundamentação da decisão recorrida e nas alegações de recurso da recorrente, assim como, ainda, as declarações de parte do Presidente da C. (Junta de Freguesia), e tendo analisado e ponderado também todos os documentos que constam dos autos e a que se faz referência na fundamentação da decisão recorrida e nas alegações da recorrente (e, quanto aos depoimentos/declarações gravados, ouvimos não apenas os segmentos referenciados pela recorrente, mas os depoimentos/declarações na íntegra), não obstante as limitações já referidas (quanto à imediação da prova), não tem ele dúvidas quanto à correcção da convicção firmada pelo tribunal recorrido, seja quanto à factualidade que foi julgada como provada, como, ainda, como consequência lógica dessa convicção criada quanto à factualidade provada, da factualidade que ali não foi dada como provada.

Com efeito, ponderando, de forma distanciada e rigorosa, os meios de prova em causa, a nossa própria convicção mostra-se coincidente [...] com a que foi formada pelo tribunal recorrido, não se vislumbrando qualquer erro de avaliação, ponderação ou de análise, segundo as regras da experiência comum e da lógica, que justifique qualquer desvio ou correcção ao que, neste conspecto, ali foi decidido.

Na verdade, todas e cada uma das testemunhas Paulo, António, Azevedo, Francisco, Manuel, Lopes e João, cuja idade e razão de ciência se mostram devidamente explicitadas no respectivo interrogatório e citadas expressamente na decisão recorrida, confirmaram a factualidade julgada como provada, revelando-se os seus depoimentos isentos, seguros e rigorosos, atentas as razões de ciência e o conhecimento directo que revelaram e que explicitaram de forma clara no decurso das respectivas inquirições.
Por outro lado, ainda, esses depoimentos/declarações revelam-se reforçados, em termos da sua credibilidade, quando a sua versão se revela objectivada e confirmada no conjunto de documentos juntos aos autos a fls. 249/250 e 333/334 (certidão matricial, em que a C. -Junta de Freguesia- surge como titular do dito prédio – a dita certidão matricial, diga-se, porque a recorrente se insurge quanto à sua consideração, não faz, ela própria e de per si, prova da propriedade ou da posse sobre a Capela em apreço, mas constitui, naturalmente, um elemento de prova ou indiciador relevante, [...]
que pode e deve ser valorado, como foi, em conjunto com toda a demais prova), a fls. 252, 253-258, 261-265, 266-275, 276, 277-282, 283-287, 288-293, 294, 295-296, 297-298, 300, 301, 302, 303, 304, 305, 314, e 307-318, 315-320, 321, 322, 323-331, 335-529, 530, 531-534, 535-538, 651-653, 655-656, 657, 658-662, 663-665, 666-668, 669-678, 681-682, dos autos, documentos estes que demonstram, de forma clara, objectiva e reiterada, o conjunto de despesas suportadas pela autora e atinentes às intervenções, obras, limpezas, restauros, benfeitorias em geral efectuadas pela C. (Junta de Freguesia) na Capela (e logradouro), assim como as respectivas despesas de electricidade e, ainda, as despesas relacionadas com a organização e gestão dos eventos de culto religioso atinente às festas de ….

Com efeito, à luz de tais depoimentos (que, como se referiu, foram por nós ouvidos na íntegra), a convicção deste tribunal é precisamente coincidente com a que foi perfilhada pelo tribunal recorrido, seja quanto aos actos materiais praticados pela C. (Junta de Freguesia) sobre a Capela em apreço, seja quanto à convicção de os praticarem como seus donos (a D. -Freguesia, enquanto orgão representativo dos habitantes ou população de…), convicção esta que remonta, pelo menos, desde Abril de 1974, mas que se passou a evidenciar, com maior intensidade, a partir dos finais da década de 70/inícios da década de 80.


Por outro lado, são, ainda, de referir as declarações de parte do actual Presidente da C. (Junta de Freguesia), Jorge, que também confirmou, de forma serena, objectiva e rigorosa, a dita factualidade.
É certo que, por força das suas funções e da posição de representante da autora, o interesse do declarante é algo que não pode ser omitido, mas, ainda assim, o seu depoimento nos mereceu crédito, pelas razões apontadas e sendo certo que o mesmo revelou conhecer de factos anteriores à sua presidência da Junta, pois que o seu pai (Armindo) foi também presidente da mesma C. (Junta de Freguesia) e detinha essa qualidade à data da instauração da presente acção.

Por outro lado, é ainda de referir que, como já salientado na decisão recorrida, a versão carreada aos autos pelas aludidas testemunhas e declarante não se revelou infirmada, com consistência, segurança e credibilidade, por qualquer outro meio probatório, muito pelo contrário.

Com efeito, o depoimento da testemunha Dr. José Marques (sacerdote e autor da obra que se mostra junta de fls. 782 a 827), revelou-se nesta sede praticamente irrelevante; Seja porque o mesmo não revelou conhecer da situação da Capela, em particular quanto ao seu domínio e quanto aos actos com ela relacionados, sendo certo, ademais, que, à luz [...]
da própria obra de que foi Autor e dos elementos que nesse âmbito colheu, a mesma seria «pública». – vide a dita obra a fls. 805 dos autos, nota 89.
Por outro lado, é de referir, ainda nesta sede, que, sendo o imóvel em apreço constituído por uma Capela, ou seja um lugar de culto religioso, daí não decorre que os actos possessórios relevantes sobre a mesma se limitem ou restrinjam àquele âmbito, sendo certo que, como resultou provado, de forma unânime pelas testemunhas inquiridas e acima citadas, a esse nível, apenas ali ocorriam uma ou duas (no máximo) cerimónias religiosas por ano, e mesmo estas decorriam por iniciativa da população e sob a égide da Junta de Freguesia (que detinha a chave da Capela e franqueava a mesma para esse efeito) e sob a organização e gestão da comissão de festas, constituída por homens da freguesia, que para o efeito se dispunham, sem, todavia, existir uma relação de dependência/supervisão ou autorização da Paróquia/B., embora esta fosse auscultada e nela interviesse, concretamente por via do sacerdote que ali rezava a missa.

Mais, ainda, é de salientar que, não obstante os depoimentos das testemunhas Vilas Boas, Cunha, José e Manuel, cujas razões de ciência e funções desempenhadas também ficaram exaradas nos autos, se terem, no geral (em especial os depoimentos das testemunhas Vilas Boas, Cunha e António), pronunciado no [...]no sentido de a Capela ser pertença da Igreja (através da Comissão…/B.), certo é que os mesmos depoimentos se nos mostraram, não só, contrários a toda a documentação já referida (e que atesta as intervenções/obras/reparações efectuadas pela autora, como, ainda, a própria afirmação pública de pertença da Capela à população de …, através do seu orgão, C. (Junta de Frequesia), como, ainda, contrários a todos os demais depoimentos e declarações já citados, os quais, pelas razões já apontadas (sua razão de ciência, isenção, rigor demonstrados e compatibilização com a dita documentação) se nos afiguraram serem merecedores de inteiro crédito.

Aliás, como se constata da audição das ditas testemunhas (Vilas Boas, Cunha e António), nenhuma delas logrou, de facto, como já salientado na decisão recorrida, concretizar qualquer acto de posse concreto da B. ou da Paróquia sobre a Capela em apreço, nem logrou explicar, de forma coerente e credível, a razão porque os documentos antes referidos existiam e neles constava expressamente a autora Junta de Freguesia como entidade que se arrogava proprietária da Capela e efectuava, pagava e dirigia/organizava as obras e intervenções em referência na Capela e espaço envolvente.



Por outro lado, quanto à testemunha António Vilas Boas Silva, cujo depoimento assume particular importância, pois que foi Presidente da C. (Junta de Freguesia) entre 1976 e 1986, é de referir que também o mesmo não nos mereceu a necessária credibilidade e fundamento, sendo certo que, não só não logrou ele explicar, de forma convincente e segura, tal como as antes citadas testemunhas, as razões dos pagamentos e intervenções em causa na Capela e restante espaço a ela adjacente, assim como, não explicou, também de forma lógica, clara e convicente, a razão do contrato promessa fls. 78 dos autos (tendente à compra pela C.-Junta de Freguesia- de uma parcela destinada a logradouro da mesma Capela), quando essa sua intervenção nesse documento, objectivamente, ocorre na sua qualidade de Presidente da C. - Junta de Freguesia - e não como membro ou representante da B. ou em seu favor.

Tudo, portanto, ou seja toda a prova no seu conjunto (e ponderada de forma crítica), a suscitar fundadas dúvidas sobre a versão trazida a juízo pelas testemunhas arroladas pela recorrente B..

Por último, em sede de convicção deste tribunal é, ainda de referir, pelo seu contexto histórico e pelos esclarecimentos que deles emergem para a versão factual julgada como provada, o documento a fls. 693 a 696 (arrolamento da Capela em causa nestes autos, no âmbito da Lei de [...]Separação do Estado das Igrejas de 20 de Abril de 2011 - «Inventario dos bens immobiliarios e mobiliarios d’esta freguezia, declarados Propriedade do Estado e dos corpos administrativos pelo artigo 62º da lei de 20 de abril de 1911» -, inventário este onde consta como VERBA N.º 2 a Capela em apreço – vide fls. 693) e o documento a fls. 79 dos autos, datado de 18 de Junho de 1937 (auto de entrega e posse à «corporação encarregada de promover e sustentar o culto católico nesta freguesia [Gamil]) dos bens antes arrolados a favor do Estado») e do qual não consta, pelo menos de forma expressa, a devolução da Capela em apreço, mas antes e apenas «...A igreja paroquial, dependências e objectos do culto e a residência e passal, bens estes oportunamente arrolados por efeito da Lei de vinte de Abril de mil novecentos e onze.» - vide, ainda, neste âmbito, e também no mesmo sentido, o documento a fls. 248 dos autos.

O que, em conclusão, tendo presente todos os meios de prova referidos, nomeadamente os citados na fundamentação da decisão recorrida e confrontando-os com os citados nas alegações recursórias da recorrente, tudo ponderado de forma crítica e à luz das regras da experiência e da lógica, conduz à inexistência de razões/fundamentos para divergir da convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto julgada provada e não provada, sendo, assim de manter a mesma, nos seus precisos termos, o que se julga.

* *
4.3. Da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio reivindicado e, em particular, dos pressupostos da prescrição aquisitiva (usucapião).

Dirimida a questão de facto, cumpre conhecer da questão de direito, qual seja a de saber se ocorrem no caso os pressupostos necessários para a aquisição originária do prédio em discussão nos autos.
A este propósito é de referir que as questões suscitadas pela recorrente encontram, em grande parte, expressa pronúncia na sentença recorrida e na fundamentação jurídica que ali se sufragou.
Por outro lado, ainda, outras das questões suscitadas no recurso reportam-se directamente à matéria de facto julgada como provada (e não provada), no pressuposto da alteração desta, o que, como vimos, não é o caso, o que inutiliza ou prejudica, a nosso ver, necessariamente a argumentação baseada em tal matéria de facto não provada.

De todo o modo, sem prejuízo da fundamentação invocada na sentença recorrida, sempre se dirá o seguinte.

Como é consabido, a posse dos direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em [...]

contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.

Assim dispõe o art. 1287º Cód. Civil, definindo aquela forma de aquisição originária do direito de propriedade.

A posse, por sua vez, na definição fornecida pelo art. 1251º do mesmo Código, constitui-se por dois elementos: o “corpus”, que se traduz no conteúdo da relação material do sujeito com a coisa (poder ou domínio de facto efectivamente exercido), e o “animus” ou elemento psicológico, a revelar-se pela intenção de actuar de modo correspondente à titularidade do respectivo direito real.
De facto, atenta a concepção subjectivista da posse consagrada no nosso Código Civil, para que haja posse, é preciso algo mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela. Aliás, assim se distingue a posse (exigível para a aquisição originária dos direitos reais) e a detenção ou posse precária (insuficiente para este fim).Vide, por todos, A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil Anotado “, III volume, 2ª edição, 1987, pág. 5, e ORLANDO de CARVALHO, “ Introdução à Posse “, RLJ, ano 122º, pág. 104-105.

Acresce, ainda, como se extrai da conjugação do preceituado nos arts. 1258º a 1262º e 1294º a 1297º, todos do Cód. Civil, que a posse boa para usucapião há-de revestir-se das características enunciadas no primeiro grupo de preceitos – pública, pacífica, de boa ou de má-fé, com justo título (ou sem), com registo da posse (ou sem) -, elementos estes que embora não excluindo a posse influenciam na determinação do prazo (termo inicial e final) para a consolidação/aquisição do direito correspondente (por usucapião).

É de referir, neste conspecto, que, de facto, só a posse exercida de forma pública e pacífica acaba por ser efectivamente relevante para efeitos de aquisição do direito real por usucapião, pois que no citado art. 1297º expressamente se impede o início do curso do prazo prescricional quando a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente.

Ora, à luz destes considerandos, é patente que, de facto, como se avançou na sentença recorrida, a autora Junta de Freguesia (enquanto orgão da administração local, representativo dos habitantes da freguesia de Gamil), logrou demonstrar os elementos constitutivos da dita aquisição originária por usucapião.


Desde logo, demonstrou ela o exercício do aludido poder de facto sobre o prédio em causa (Capela) – vide factos provados sob os n.ºs 6., 7., 8., 9., e 10. dos factos provados.
Com efeito, e ao contrário do que sustenta a recorrente, se é certo que a dita Capela é um lugar de culto religioso (católico), daí não decorre que apenas os actos dessa natureza ou com tal finalidade ali levados a cabo, sejam actos possessoriamente relevantes.
A posse, como se sabe, na concepção subjectivista antes assinalada, radica numa actuação material sobre a coisa, um poder directo e imediato sobre a coisa, acompanhada do elemento subjectivo, qual seja a intenção de agir como beneficiário do direito, no caso o direito de propriedade. Vide sobre a matéria, A. VARELA, P. LIMA, op. cit., pág. 5-6 e ORLANDO de CARVALHO, op. cit., pág. 68-69.

Assim, a esta luz, todos os actos materiais praticados sobre a mesma (reparações, limpezas, obras, pagamento de impostos ou despesas com a manutenção/conservação da coisa), consubstanciam, a nosso ver, actos relevantes para efeitos possessórios se acompanhados, como é o caso, do “ animus ”, ou seja do propósito, da intenção ou convicção de se agir como beneficiário ou titular do respectivo direito correspondente à prática de tais actos, in casu o direito de proprietário. – cfr. factos provados sob os pontos n.ºs 6 a 14. da sentença recorrida.

Desta forma, à luz dos ditos factos provados resultam, em nosso julgamento, demonstrados os pressupostos da posse relevante para efeitos de usucapião, ou seja os aludidos “ corpus ” e “ animus ” da aqui autora.

Por outro lado, ainda, face à mesma factualidade provada, é de salientar que a dita posse é pública (à vista de toda a gente, à vista de todos), pacífica (sem a oposição de ninguém), ininterrupta – desde, pelo menos, 1977 – e de boa-fé, pois que, tanto quanto o demonstram os factos provados, apenas em 2003 (Julho) a ré “ Fábrica da Igreja ” se veio a opôr àquela actuação da autora sobre a coisa, removendo e substituíndo a fechadura da Capela ora em apreço. – vide factos provados sob os pontos n.ºs 6, 11., 12., 13., 14. e 16. da mesma sentença recorrida.

Concretizando, quanto ao caracter público da posse, a que se refere o art. 1262º do Cód. Civil, salienta L. CARVALHO FERNANDES, “ Lições de Direitos Reais ”, Quid Iuris, 6ª edição, pág. 301, que «a posse diz-se pública (...) quando exercida em termos de «poder ser conhecida pelos interessados». Vide, ainda, no mesmo sentido, A. VARELA, P. LIMA, op. cit., pág. 24-25.

Ora, no caso dos autos, face à actuação material da autora sobre o prédio em causa, e já antes referida e caracterizada (v.g., obras, limpeza [..]
restauro, intervenções na mesma e no espaço/logradouro anexo, detenção das respectivas chaves, pagamento de despesas a ela atinentes) e ao período temporal em causa, entre 1977 e Julho de 2003, é bem patente que uma tal actuação material não pode ser tida como oculta ou às escondidas de quem o pretendesse ver, mas antes, como, aliás, se mostra provado, a mesma só pode ser tida como pública.

A propósito já da boa-fé, ensina A. MENEZES CORDEIRO, “ Direitos Reais ”, II volume, pág. 675, que «é de boa fé a posse que, não sendo, na sua origem, violenta, se tenha constituído pensando o possuidor: - que tinha ele próprio o direito; e - que ninguém tinha direito algum sobre a coisa.» (sublinhado nosso)
No mesmo sentido, refere A. VARELA, P. LIMA, op. cit., pág. 20, que possui de boa-fé «quem ignora que está a lesar os direitos de outrem, sem que a lei entre em indagações sobre a desculpabilidade ou censurabilidade da sua ignorância.» É bastante, portanto, que o possuidor, tendo por referência o início da posse, actue na ignorância de estar a lesar o direito de outrem.

Ora, no caso dos autos, actuando a autora, desde 1977, ininterruptamente, até 2003, na convicção de ser a sua proprietária, fazendo-o em condições de ser conhecido de todos essa sua actuação e [...]
sem merecer a oposição de ninguém, é de concluir que actuou ela de boa-fé (na ignorância de lesar o direito de outrem, designadamente da Paróquia/Fábrica da Igreja), o que sucedeu, pelo menos, até 2003, pois que, à luz da factualidade provada, só nessa última data a ora ré se opôs à actuação material da autora sobre a Capela.- vide factos provados sob os pontos 16. e 17.

É certo, no entanto, que a sua posse não é titulada e, portanto, é de presumir de má-fé.
Todavia, ao contrário do que sucedia no pretérito Cód. Civil de Seabra, daí não decorre que não possa o possuidor, nessas condições (sem justo título), demonstrar a sua boa-fé.
Com efeito, conforme é posição pacífica da doutrina, a presunção de má-fé (para a posse não titulada) prevista no art. 1260º, n.º 2 do Cód. Civil é uma presunção iuris tantum, que pode, por isso, ser ilidida, como foi, nos termos expostos, pela autora. Vide, neste sentido, por todos, A. VARELA, P. LIMA, “ Código Civil... ”, III volume, cit., pág. 22 e L. CARVALHO FERNANDES, op. cit., pág. 303.

Todavia, no caso dos autos, esta questão nem sequer se mostra relevante para efeitos de aquisição por usucapião, pois que, ainda que se tenha a posse da autora como de má-fé, à data da propositura da [...]presente acção (Novembro de 2003) sempre já haviam decorrido mais de 20 anos a partir do início da posse, ou seja desde 1977. – vide factos provados sob os pontos 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13. e 14. da decisão recorrida.

Desta forma, em conclusão, verificados os citados pressupostos e sendo certo que a posse da autora perdurava, tendo por referência a data de propositura da presente acção (Novembro de 2003), sempre há mais de 20 anos (desde 1977), data do início da posse, e sendo certo que a posse tem por objecto um prédio urbano, à luz do preceituado no art. 1296º do Cód. Civil, é de reconhecer à autora a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o reivindicado prédio, sendo certo que nenhum outro título ostenta a ré para obstar ao efeito reivindicatório peticionado.

E, com o devido respeito, não colhe o argumento de que, à luz da Concordata de 1940 (art. 6º), a B. e/ou a Igreja (Paróquia) recuperou a propriedade sobre o prédio ora em apreço e, em consequência, sendo ele um bem eclesiástico, não pode a autora dele ter posse e, portanto, ser-lhe reconhecido o peticionado direito de propriedade.
De facto, e salvo melhor opinião, como, aliás, se refere na sentença recorrida, a questão não é essa, mas antes saber-se se, à luz do direito [...]civil português (aplicável por força da regra de conflitos prevista no art. 46º, n.º 1 do Cód. Civil), a autora pode ou não adquirir, por via de aquisição originária - usucapião -, a Capela em discussão nos autos.

Ora, à luz do que antes se expôs e demonstrados os pressupostos exigidos pela lei civil do Estado Português – e que sem por aplicável para efeitos da sobredita prescrição aquisitiva –, a resposta à sobredita questão, em nosso julgamento, deverá ser afirmativa, o que impõe a inelutável improcedência da presente apelação.

Com efeito, sendo certo que nenhuma das partes (C. -Junta de Freguesia autora e B. -ré) possui qualquer título ou sequer registo do imóvel em apreço, deverá vingar a posição daquele que lograr demonstrar ter adquirido, origináriamente, o direito em causa, por via do instituto da usucapião, como sucedeu, no caso dos autos, com a autora.

* *

V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença proferida.

* *
Custas pela Recorrente, que ficou vencida.
* *
Guimarães, 3.03.2016
*

Sumário:

1. De acordo com as regras que emergem do art. 11º da Concordata de 2004 (que reafirma a doutrina já decorrente da Concordata de 1940), a competência internacional dos tribunais portugueses é de afirmar se ao litígio (definido pela causa de pedir e pedido formulados) forem aplicáveis as regras internas do direito português.

2. Através da dita norma, pretendeu-se fazer coincidir as regras de jurisdição e competência com as normas de direito material aplicáveis pelo foro eclesiástico e aplicáveis pelos tribunais e autoridades públicas portuguesas.

3. Versando o litígio sobre a aquisição originária (por usucapião) do direito de propriedade sobre imóvel (Capela) sito em Portugal, por força da regra de conflitos prevista no art. 46º, n.º 1 do Código Civil Português, a lei aplicável é a lei civil portuguesa, o que conduz à afirmação da competência internacional dos tribunais portugueses.

4. Não exibindo qualquer uma das partes título de aquisição ou registo da posse, vingará a posição daquela que lograr demonstrar os pressupostos necessários à aquisição originária, por usucapião, do imóvel em disputa.

* *


___________________________________
Jorge Miguel Pinto de Seabra



______________________________________
José Fernando Cardoso do Amaral




_______________________________________
Helena Maria Gomes Melo