Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
131/08.9TAFLG-A.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: ERRO SOBRE A ILICITUDE
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/21/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – A consciência da ilicitude respeita à culpa, não ao dolo do tipo;
II – A falta de narração na acusação de factos relativos à consciência da ilicitude só acarreta a não punibilidade da conduta relativamente a condutas cuja relevância axiológica é pouco significativa;
III – A alegação na acusação do conhecimento da proibição legal não é indispensável à condenação relativamente aos tipos de crime cuja ilicitude é conhecida de todos, como o homicídio, as ofensas corporais, o furto ou as injúrias.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO
O assistente ANTÓNIO G... veio interpor recurso do despacho do Mmº Juiz do Tribunal de Arcos de Valdevez que, ao abrigo do disposto no artº 311º, nºs 2, al. a), e 3, al. d), do CPP, rejeitou, por manifestamente infundada, a acusação por si deduzida contra Vítor C....
O assistente expressa as seguintes conclusões:
a) Vem o Assistente recorrer do despacho, aliás douto, de fls. (ref. 1007739), proferido pelo Meretíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, que decidiu que “ao abrigo do disposto no artº. 311, nº.s 2, alínea a), e 3, alínea d) do C.P.P., rejeita-se a acusação particular deduzida, por a mesma, não contendo a alegação de factualidade relativa ao elemento subjectivo do tipo de crime, ser manisfestamente infundada”
a) O assistente deduziu contra o arguido a acusação particular de fls.
b) A acusação particular referida supra veio a ser acompanhada pela Digma. Magistrada do Ministério Público a fls.
c) Na douta decisão de que ora se recorre o Mmº. Juiz refere que “no presente caso, a acusação particular não contém a alegação de factos relativos ao elemento subjectivo do tipo de crime, apenas faz referência às palavras dirigidas pelo arguido à assistente”
d) Mais refere o Mmº. Juiz que “o assistente apenas alegou que tais palavras efectivamente o ofenderam nos termos aludidos supra, não tendo referido que o arguido actuou com a consciência de que tais palavras eram susceptíveis de provocar tais ofensas”, ou seja, a acusação particular foi rejeitada por não conter factualidade relativa ao elemento subjectivo do tipo de crime (injúrias).
e) Ora com todo o respeito, que é muito, andou mal o Mmº. Juiz ao considerar a ausência de factualidade relativa ao elemento subjectivo do tipo de crime, pois não olvida o recorrente que para que exista crime necessário é o elemento objectivo e o elemento subjectivo.
f) Também é certo que o assistente não utilizou na descrição dos factos constantes da acusação particular a expressão “o arguido tinha plena consciência da ilicitude da sua conduta” ou outra fórmula vulgarmente utilizada.
g) A decisão recorrida parte da ausência da afirmação da consciência da ilicitude através de uma fórmula enraízada, ou seja, da falta de uma imputação expressa, no entanto, a verdade é que os factos pertinentes estão contidos na acusação.
h) Como refere o nº. 3 do artº. 283º. do Código de Processo Penal “a acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) a narração, ainda que sintéctica dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer cinscunstâncias relavantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada;”…
i) Ora a acusação particular apresentada pelo assistente contém, salvo melhor opinião, todos os elementos referidos no parágrafo supra.
j) O que o legislador pretende é que ao submeter-se uma pessoa a julgamento se defina aquilo que ela “fez” e a postura subjectiva com que agiu e não que se utilizem expressões sedimentadas pela prática que se apliquem a todos os casos.
k) Quando alguém se queixa de que outrem lhe chamou determinado nome ou lhe dirigiu certas expressões ou gestos vulgarmente tidos por injuriosos ou difamatórios, não está simplesmente a fazer uma narração dos factos mas, implicitamente, a dizer que tal nome, expressão ou gesto foram praticados com a intenção correspondente ao seu significado objectivo e que essa pessoa cometeu um crime.
l) No caso destes autos, o arguido, ao dizer à assistente “não vou porque o que tu queres é reformas” mais lhe disse “és um deficiente”, bem como ao dirigir-lhe as seguintes palavras injuriosas: “seu filho da puta”, “deficiente”, “borracho”.”, terá querido ofender a honra do visado e teria consciência da censurabilidade penal de tal conduta, pois com tal factualidade resulta integrada a correspondente componente subjectiva do tipo, ao nível da vontade e da representação do ilícito.
m) Acresce que o assistente, sempre acrescenta que o arguido cometeu o crime de injúrias, p. e p. pelo artº 181º do Código Penal, o que quer dizer, obviamente, que agiu com consciência da ilicitude.
n) Assim, e salvo melhor opinião a acusação particular deduzida pelo assistente deveria ter sido recebida por conter todos os elementos a que se refere o nº. 3 do artº. 283º. do Código de Processo Penal.
o) O que o legislador pretende é que ao submeter-se uma pessoa a julgamento se defina aquilo que ela “fez” e a postura subjectiva com que agiu e não que se utilizem expressões sedimentadas pela prática que se apliquem a todos os casos, pois que quando alguém se queixa de que outrém lhe chamou determinado nome ou me dirigiu certas expressões ou gestos vulgarmente tidos por injuriosos ou difamatórios, não está simplesmente a fazer uma narração dos factos mas, implicitamente, a dizer que tal nome, expressão ou gesto foram praticados com a intenção correspondente ao seu significado objectivo e que essa pessoa cometeu um crime
p) Ora contendo a acusação particular os factos integradores do tipo de ilícito, bem como a narração dos factos ocorridos, ainda que sinteticamente, esta deveria ter sido recebida, a fim de o arguido ser submetido a julgamento.
q) Assim e pelas razões supra expostas deverá o douto despacho agora colocado em crise e que não recebeu a acusação particular, ser revogado e consequentemente ser substituído por outro que receba a acusação particular apresentada pelo assistente e designe data para a realização da audiência de julgamento.
r) O douto despacho agora colocado em crise violou o artº. 311º., nº. 2 al. a) e nº. 3 al. d); artº. 283º. nº. 3, ambos do Código de Processo Penal e artº. 181º. do Código Penal
Normas jurídicas violadas
Entre outras, artº. 311º., nº. 2 al. a) e nº. 3 al. d); artº. 283º. nº. 3, ambos do Código de Processo Penal e artº. 181º. do Código Penal.
O Ministério Público respondeu no sentido da manutenção do despacho recorrido.
Nesta instância, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta aderiu à posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, emitindo parecer que ao recurso deve ser negado provimento.
II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
A questão suscitada: a acusação particular não é “manifestamente infundada” porque contém os factos pertinentes ao elemento subjectivo do tipo criminal imputado.
2. O DESPACHO RECORRIDO.
Apresenta o seguinte conteúdo (na parte que releva):
O assistente ANTÓNIO G... deduziu, a fls. 255 e segs., acusação particular contra o arguido Vítor C..., imputando-lhe a prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, n.º 1, do Código Penal.
O Ministério Público acompanhou a aludida acusação particular.
Cumpre decidir:
Nos termos do disposto no artigo 311º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, “Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido (...) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada”.
Por sua vez, o n.º 3 do mesmo preceito legal vem consagrar, de forma taxativa, as situações que permitem considerar a acusação manifestamente infundada, estipulando, na alínea d), que, “Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada (...) Se os factos não constituírem crime.”.
Como vem referido no acórdão do T.R.E. de 10/10/2006 (in www.dgsi.pt), apesar da feição marcadamente acusatória do nosso processo penal (cfr. artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa), no referido artigo 311º, n.º 3, prevêem-se casos em que a total iniquidade da acusação conduz a uma ameaça extrema aos princípios processuais penais com assento constitucional (artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa), reconduzindo-nos a um tipo de nulidade sui generis, a ponto de se permitir ao Juiz de julgamento a intromissão na acusação.
Prossegue o mesmo acórdão, defendendo que, atendendo ao aludido princípio do acusatório, a mencionada “ingerência na acusação” deve ser encarada com especiais cautelas, “melhor se entendendo a tendencial taxatividade e necessidade de interpretação restritiva das hipóteses de rejeição por manifesta improcedência, única forma de evitar que o juiz que irá proceder ao julgamento se pronuncie sobre a substância da acusação, com a consequente desconformidade ao texto constitucional.”.
Do exposto, pode-se concluir que a acusação só poderá ser rejeitada em situações verdadeiramente excepcionais, que não deixem qualquer margem para dúvidas quanto à sua iniquidade e falta de fundamento.
No presente caso, a acusação particular não contém a alegação de factos relativos ao elemento subjectivo do tipo de crime, apenas fazendo referência às palavras dirigidas pelo arguido ao assistente, o que lhe terá provocado ofensas nas suas honra e consideração.
Para integrar o elemento subjectivo deste tipo de ilícito, o que releva é a consciência do agente de que as palavras proferidas são susceptíveis de ofender a honra e a consideração do destinatário das mesmas, factualidade que, no caso sub judice, não foi alegada. Na verdade, o assistente apenas alegou que tais palavras efectivamente o ofenderam nos termos acima aludidos, não tendo referido que o arguido actuou com a consciência de que tais palavras eram susceptíveis de provocar tais ofensas.
Assim, na nossa opinião, a factualidade descrita na acusação particular nunca seria apta a, em abstracto, fazer incorrer o arguido na prática de tal crime.
Situação essa que, sem necessidade de considerações adicionais, determina que a acusação particular deva ser considerada manifestamente infundada e, consequentemente, que tal acusação deva ser rejeitada, tudo nos termos do disposto no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea d), do C.P.P..
Nestes termos, ao abrigo do preceituado no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea d), do C.P.P., rejeita-se a acusação particular deduzida por ANTÓNIO G... a fls. 255 e segs., por a mesma, não contendo a alegação de factualidade relativa ao elemento subjectivo do tipo de crime, ser manifestamente infundada.

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
Acompanhado pelo Ministério Público V. fls. 51., o Recorrente deduziu acusação particular contra Vítor C... nos seguintes termos V. fls. 3-5. (no que ora interessa):
1º.
No dia 9 de Abril de 2010, por volta das 24 horas, no lugar de P..., freguesia de A..., desta comarca, o denunciante dirigiu-se ao estabelecimento comercial de restauração, denominado “Cozinha A...”, propriedade do arguido. Aí chegado solicitou ao arguido uma cerveja. Perante tal pedido o arguido disse para a esposa, que também ali se encontrava, “para este senhor é uma cerveja sem álcool’. Ao ouvir tal o assistente respondeu que queria uma cerveja normal e não sem álcool, como aliás sempre pedia. Tanto mais que sentiu que o denunciado ao dirigir tais palavras à esposa estava a insinuar que o denunciante estava bêbado o que não é verdade, que o ofendeu na sua honra e consideração.
2°.
Logo de seguida e ainda no interior do estabelecimento dirigiu-se ao denunciado dizendo-lhe para irem para o exterior a fim de acertarem umas contas pendentes entre ambos, relativas ao pagamento de um vidro. Perante tal solicitação o denunciado respondeu-lhe dizendo “não vou porque o que tu queres é reformas” mais lhe disse «és um deficiente”.
3°.
Acto contínuo o arguido saiu para fora do balcão enquanto se dirigiu para o exterior do estabelecimento, e ao passar pelo assistente, que entretanto também se tinha dirigido para o exterior deu-lhe um empurrão fazendo-o cair ao chão.
4°.
Sendo que já no exterior do estabelecimento dirigiu ao assistente as seguintes palavras injuriosas: “seu filho da puta”, “deficiente”, “borracho”.
5°.
Tendo tal sucedido de forma completamente inesperada e sem que o assistente tenha feito algo que contribuísse para tal.
6°.
Estas expressões injuriosas ofenderam profundamente o assistente na sua honra e consideração, provocando-lhe mau estar, vexame e um profundo desgosto,
7º.
Cometeu assim o arguido um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181°. do Código Penal.
De harmonia com o disposto no artº 283º, nº3, do CPP (aplicável por força do artº 285º, nº3, do CPP), a acusação particular contém, “sob pena de nulidade” (no que ora releva):
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
O artº 311º do CPP versa sobre o “saneamento do processo” nos seguintes termos Nas partes expressamente convocadas no despacho recorrido.:
2 – Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido:
a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada;
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:
d) Se os factos não constituírem crime.”
Considera o Mmº Juiz a quo que “a factualidade descrita na acusação particular nunca seria apta a, em abstracto, fazer incorrer o arguido na prática” do crime de injúria, por “não conter a alegação de factualidade relativa ao elemento subjectivo do tipo de crimenão tendo referido que o arguido actuou com a consciência de que tais palavras eram susceptíveis de provocar tais ofensas” – fls. 9..
O ilícito de injúria é um crime contra as pessoas, “essencialmente doloso, a que basta, para uma plena imputação subjectiva, mesmo o mero dolo eventual José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do CP, Coimbra Editora, 1999, t. I, p. 632. (arredada que está, há muito, a controvérsia sobre a exigência do denominado “dolo específico”).
A estrutura do “dolo” compreende 2 elementos: intelectual e volitivo, os quais não são em si separáveis, “pois que nada pode ser querido sem que seja previamente conhecido Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, Verbo, 1981, I, p. 457. .
Trata-se de elemento do crime que, porque de ordem psicológica, só é, em geral (a não ser que haja confissão), susceptível de prova indirecta Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 1981, II, p. 292.; o que significa que pode afirmar-se através de presunções, associadas a um princípio de normalidade ou de regras de experiência comum.
A “consciência da ilicitude A que alude a Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta, no seu Parecer, a fls. 65. respeita à culpa V.g., o artº 17º do CP. (não ao dolo do tipo); e “enquanto facto psicológico de conteúdo positivo não tem que ser alegado e provado em cada caso, pelo menos nos chamados “crimes em si” do direito penal clássico onde se inserem os crimes de difamação e injúria Ac. da RE de 05/03/2013, relatado pelo Desemb. João Latas no proc. 5689/11.2TDLSB.E1, www.dgsi.pt..
A peça processual em apreço poderá não ser modelar em matéria de imputação ao arguido da intenção, como, aliás, o próprio Recorrente parece reconhecer V.g., a Conclusão f).; mas daí a “concluir”, como faz o Mmº Juiz a quo, que se enquadra numa “situação verdadeiramente excepcional, que não deixa qualquer margem para dúvidas quanto à sua iniquidade e falta de fundamento”, já consubstancia interpretação inadmissível, reveladora de uma veneração excessiva pelas fórmulas vulgarmente utilizadas e repetitivas, em suma, sacramentais.
Fazemos nossas as palavras do Desemb. Sénio Alves No ac. da RE de 11/07/2013, relatado no proc. 126/12.8GAMAC.E1, www.dgsi.pt.: “A prática judiciária tem reconduzido os dois elementos referidos à expressão “o arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, conhecedor do carácter proibido da sua conduta”, ou outra semelhante. E aquilo que mais não era (ou não devia ser) do que mera tentativa de uniformização do jargão judiciário e de facilitação do labor dos profissionais forenses tem vindo, a pouco e pouco, a transformar-se em fórmula sacramental, perante cuja ausência tudo soçobra e nada faz sentido. Mas não tem que ser assim.”
A acusação particular em apreço reveste manifesta simplicidade e descreve factualidade temporal e espacialmente localizada, objectivamente lesiva da honra e consideração do Recorrente; nela estão narradas as expressões ofensivas, as circunstâncias em que foram dirigidas ao assistente, a actuação livre do arguido.
De semelhante exposição factual claramente se infere a consciência do carácter ofensivo das palavras proferidas, associada à vontade de as proferir De maneira a excluir, também muito claramente, as conjecturas alvitradas pela Exmª Srª Procuradora-Geral Adjunta, no seu Parecer: “pode tê-lo feito sem querer , inadvertidamente e na brincadeira…” (cf. fls. 65)., pelo que se mostra suficiente para, vindo a comprovar-se, perfectibilizar o tipo legal do crime de injúria.
A inexistência na acusação do elemento emocional do dolo, ou seja a representação ou previsão pelo agente do facto ilícito com todos os seus elementos integrantes e, por outro, a consciência de que esse facto é censurável, não desencadeia de modo automático e necessário a impunibilidade da conduta de modo a justificar a rejeição da acusação.
O conhecimento da proibição legal só é indispensável quando o tipo de ilícito objectivo abarca condutas cuja relevância axiológica é tão pouco significativa que o ilícito é primariamente constituído não só ou mesmo nem tanto pela matéria proibida, quanto também pela proibição legal.
Já assim não é relativamente aos tipos de ilícito velhos de séculos, cuja ilicitude de todos é conhecida, como v.g. o homicídio, as ofensas corporais, o furto, as injúrias, em que é contrário à experiência e à realidade da vida, pôr em duvida se o agente sabe que é proibido, matar, ofender corporalmente, desapropriar, injuriar, etc. Ac. da RP de 02/02/2005, relatado pelo Desemb. António Gama no proc. nº 0445385, www.dgsi.pt, cujo sumário reza assim: “Não é indispensável alegar na acusação o elemento intelectual ou emocional do dolo, se está em causa um facto que todos sabem constituir um crime”..
Finalmente, não será despiciendo assinalar que, tendo em conta que os factos essenciais – a narração resumida de uma ocorrência da vida suficientemente concretizada Por forma a possibilitar o exercício efectivo do direito de defesa por banda do arguido, designadamente, contraditando-os. - estão expressos na acusação particular deduzida, nada obstaria (ou obstará) a que o Tribunal colmate imperfeições na audiência de discussão e julgamento, completando a respectiva descrição Neste sentido, veja-se, por exemplo, o ac. da RP de 21/06/2006, relatado pelo Desemb. Paulo Valério no proc. 0612036, www.dgsi.pt. (v. os artºs 339º, nº4, e 358º, ambos do CPP).

Em conclusão: impõe-se a revogação da decisão sub judice.

III - DECISÃO
1. Concede-se provimento ao recurso interposto pelo assistente ANTÓNIO G... e em consequência, revoga-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que receba a acusação particular por ele deduzida contra Vítor C....
2. Sem custas.

21 de Outubro de 2013