Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4260/15.4T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Os documentos particulares com autoria reconhecida gozam de força probatória plena no que respeita aos factos neles contidos que sejam contrários aos interesses do autor do documento.

II – Tal não sucede com os “recibos de vencimento” e “mapas de ajudas de custo”, exarados pelo empregado, ainda que não impugnados pelo trabalhador, pois não gozam de força probatória plena relativamente aos factos contrários aos interesses do trabalhador que tenham sido inseridos pelo empregador em tais documentos.

III – O facto de o documento ter sido assinado pelo trabalhador não lhe confere a sua autoria, razão pela qual os referidos documentos são de livre apreciação quanto aos factos neles inseridos, que sejam contrários aos interesses do trabalhador.

IV – Nas situações em que o comportamento ilícito do empregador é continuado, o prazo de caducidade do direito à resolução do contrato só se inicia quando for praticado o último acto de violação do contrato, já que o conhecimento da situação se renova permanentemente enquanto ela se mantiver.

V - Não integra a figura do abuso de direito na modalidade do “venire contra factum proprium”, a conduta do trabalhador que resolve do contrato de trabalho com justa causa no decurso do prazo do aviso prévio de denúncia desse mesmo contrato, motivado pela recusa definitiva do empregador proceder à liquidação de retribuição em atraso.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: “EMPRESA X, LDA”
APELADO: JOSÉ

Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo do Trabalho de Viana do Castelo – Juiz 2

I – RELATÓRIO

“EMPRESA X, LDA”, com sede no Parque …, Viana do Castelo, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra JOSÉ, residente na Avenida …, Esposende, pedindo que:

- seja declarada ilícita a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do Réu;
- seja o Réu condenado a pagar à Autora a quantia de €1.761,30, a título de indemnização pela ilicitude da resolução;
- seja o Réu condenado na quantia que vier a liquidar-se em sede de liquidação em execução de sentença, por todos os prejuízos causados à Autora derivados da resolução.

Alega que síntese que jamais reduziu a retribuição do Réu, sempre lhe pagou pontualmente, não tendo o Réu prestado qualquer trabalho suplementar por sua determinação, não existindo por isso qualquer fundamento para o réu resolver o contrato de trabalho com justa causa. Por fim alega que a cessação do contrato da iniciativa do Réu lhe causou prejuízos que ainda não conseguiu quantificar.
O Réu contestou, dizendo por um lado que os factos que fundamentaram a sua resolução do contrato com justa causa são verdadeiros e por outro lado são falsas as alegações feitas pela entidade patronal, designadamente que teve prejuízos com a cessação do contrato de trabalho.
Conclui pela sua absolvição dos pedidos contra si formulados.
O Réu formulou ainda pedido reconvencional que não veio a ser admitido.
Após o saneamento dos autos foi admitida a apensação a estes autos do processo 2205/16.3T8VCT em que é Autor o ora aqui Réu e em que é Ré a ora aqui Autora.

Nestes autos peticiona o autor JOSÉ o seguinte:

- que seja declarada lícita a revogação da denúncia do contrato de trabalho;
- que seja declarada licita a resolução do contrato de trabalho com justa causa;
- que seja a ré condenada a pagar a quantia de €9.073,00, a título de diferenças salariais;
- que seja a ré condenada a pagar uma indemnização pela resolução do contrato com justa causa no montante de €4.175,56;
- que seja a ré condenada a pagar a quantia de €818,73, referente a 16,5 dias de férias não gozadas;
- que seja a ré condenada a pagar a quantia de €1.910,38, referente a proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal;
- que seja a ré condenada a pagar a quantia de €559,81, a título de crédito de horas para formação profissional não proporcionada;
- que seja a ré condenada a pagar a quantia de €9.761,20, a título de trabalho suplementar;
- que seja a ré condenada a pagar o montante correspondente à prestação devida à Segurança Social e o montante devido à Administração Tributária, relativamente à quantia de €211,00 por mês e subsídio de férias e de Natal;
- que seja a ré condenada a pagar a quantia de €2.159,73, a título de abono mensal para falhas;
- que seja a ré condenada a pagar juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da apresentação da reconvenção até efectivo pagamento.

A Ré contestou reiterando além do mais o que havia alegado na p.i. formulada no processo principal, negando ainda ter fornecido ao autor veículo automóvel e equipamento de comunicações móveis para uso pessoal e negando a existência de créditos por liquidar, designadamente férias vencidas. Por fim, refere que deu vasta formação ao autor e não lhe reconhece o direito a receber abono de falhas, uma vez que este não manuseava de forma contínua e permanente com dinheiro.

Realizado o julgamento foi proferida sentença pelo Mmo. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decidimos:

- absolver o trabalhador dos pedidos formulados pela entidade patronal;
- condenar a entidade patronal a reconhecer a justa causa da resolução do contrato operada pelo trabalhador;
- condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador a quantia líquida de Euros 4 181,23, a título de indemnização pela resolução com justa causa;
- condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador a quantia ilíquida de Euros 9 073,00, a título de diferenças de retribuições;
- condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador a quantia líquida de Euros 818,74, a título de férias vencidas, em 1 de Janeiro de 2015, e não gozadas;
- condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador a quantia ilíquida de Euros 1 910,39, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal;
- condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador a quantia ilíquida de Euros 560,07, a título de créditos de formação profissional;
- condenar a entidade patronal a pagar ao trabalhador juros vencidos e vincendos, como peticionado, à taxa legal;
- absolver a entidade patronal do mais peticionado.
Custas pela entidade patronal e pelo trabalhador na proporção do decaimento.
Registe e Notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Autora “Empresa X, Lda” interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

1 – A recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, pois há erro no julgamento, na apreciação e valoração da prova, há matéria de facto considerada provada que não se pode ter por provada, e outra considerada não provada que deve ser considerada provada, que pode ser alterada pelo Tribunal da Relação por no processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada;
2 – Os erros na apreciação e valoração da prova verificam-se nas respostas de Provada à matéria de facto em 4., 6., 7., 8., 11., 15., 16., dos Factos Provados, e na resposta de Não Provada à matéria considerada não provada sob os números 1., 2., dos Factos Não Provados;
3 – O recorrido e Ricardo, J. L., J. D., Carlos, Sérgio, cessaram o contrato de trabalho em simultâneo, passando a desenvolver tarefas em concorrência direta com a atividade da recorrente, aproveitando os contactos que vinham mantendo com clientes desta (18., 20., 22., dos Factos Provados), o que deve ser tido em consideração na análise das provas dado que são a maioria das testemunhas arroladas pelo recorrido que depuseram;
4 - Assim como tem de ser tido em consideração que as testemunhas J. L., J. D., Carlos, têm pendentes processos em que são contraparte da recorrente, em tudo idênticos aos presentes autos, dado que os fundamentos de facto e os pedidos são idênticos aos da presente ação, o que é do conhecimento oficioso deste Tribunal, por virtude do exercício das suas funções;
5 – A notória comunhão de interesses do recorrido e das testemunhas Ricardo, J. L., J. D., Carlos, retira aos seus depoimentos a exigível sinceridade, verticalidade, imparcialidade, fidelidade aos factos, o que compromete tais depoimentos, não devendo fundamentar a decisão da matéria de facto por serem parciais, de quem tem interesse na decisão da causa;
6 - Em consequência, não podem dar-se como provados os factos referidos em 4., 6., 7., 8., 11., 15., 16. dos Factos Provados, e como não provados os factos referidos em 1. e 2. dos Factos Não Provados, que o foram com base nos depoimentos das testemunhas acima referidas;

SEM PRESCINDIR

7 - A matéria dada por provada em 4., 6., 7., 8., relativa a que até 31 de Maio de 2012, sempre a A. pagou ao R. o montante mensal líquido de €955,00, e a resposta de não provada à matéria sob o número 1., assentou nos depoimentos das referidas testemunhas arroladas pelo recorrido, nomeadamente Ricardo, J. D., J. L., mas os depoimentos transcritos nestas Alegações revelam não terem conhecimento daqueles factos, nem contrariam a matéria considerada não provada sob o número 1;
8 - O depoimento da testemunha Ricardo mostra que apenas entrou na recorrente em 2013 e, tal como os depoimentos do J. L. e J. D., todos demonstram que não têm conhecimento do teor do acordo entre recorrente e recorrido quanto à retribuição ou quanto a quaisquer valores referentes a retribuição ou a ajudas de custas auferidas pelo recorrido;
9 - Carece de fundamento a decisão da matéria de facto assente em que as testemunhas N. P., J. C. e V. A. “atestaram de forma perentório a versão do Trabalhador”, quando os depoimentos transcritos nestas Alegações mostram que a testemunha N. P. não sabe se o recorrido recebia, ou não, ajudas de custo, e declarou que apresentava faturas de combustível relacionadas com a deslocação de casa até ao trabalho para lhe serem pagas; a testemunha J. C. não sabe se o recorrido recebia, ou não, ajudas de custos, e declarou desconhecer que o pagamento de ajudas de custo fosse um hábito ou procedimento generalizado na recorrente; a testemunha de V. A. não referiu qualquer dívida ao recorrido que motivasse a saída quando apresentou a carta de denúncia do contrato de trabalho;
10 - Os depoimentos das testemunhas N. P., J. C., V. A., e D. C. transcritos nas Alegações contrariam a versão do recorrido de que na recorrente havia o procedimento generalizado de combinar com os trabalhadores um valor líquido de retribuição e de parte deste ser pago “encapotadamento como ajudas de custo” e de tal ter originado créditos à generalidade dos trabalhadores;
11 - O depoimento da testemunha L. F. e os documentos das ajudas de custo e recibos de vencimentos, contrariam os depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido em que se fundou as respostas de Provada dada aos factos 4., 6., 7., 8., dos Factos Provados, e de Não Provada em 1) e 2) dos Factos Não Provados;
12 - O depoimento da testemunha L. F. transcrito nas Alegações, mostra a razão de ciência desta, que é quem faz o processamento dos salários e das ajudas de custo e contacta o recorrido sobre estes assuntos;
13 - Do depoimento desta testemunha resulta que o valor da retribuição do recorrido é a constante no respetivo vencimento, sobre as ajudas de custo explicou em que consistiam e que havia um valor diário atribuído ao trabalhador quando este estava deslocado e fazia deslocações;
14 – A testemunha L. F. depôs de forma clara e concreta, não tendo fundamento considerar que o depoimento foi de “avanços e recuos” ou em “falta de credibilidade” porque respondeu ao que lhe foi perguntado e descreveu os factos, de forma pormenorizada, e quando não sabia responder, também o declarou;
15 – O depoimento da testemunha L. F., e que foi corroborado pelo da testemunha F. C. , contraria a alegação do recorrido de que por diversas vezes reclamara àquela o pagamento de montantes de retribuição que estariam em dívida, contraditando o que declarou a testemunha Ricardo;
16 - Os documentos assinados pelo recorrido referentes às ajudas de custo são documentos particulares que fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, consubstanciando uma confissão extrajudicial que, feita à parte contrária ou quem a represente, tem força probatória plena, constituem contraprova da matéria dada por provada em 4., 6., 7., 8., dos Factos Provados, e fazem prova da matéria dada como não provada em 1. e 2. dos Factos Não Provados (art.ºs 352.º, 355º, nº 4, 358º, nº 2, 363.º, n.º 2, 376.º, do C. Civil.);
17 - O Tribunal “a quo” não teve em conta os elementos de prova que gozam de força probatória plena que corroboram o depoimento da testemunha L. F. e contrariam os depoimentos das testemunhas Ricardo, J. D., J. L., e que impõem a alteração para Não Provada da resposta à matéria de facto em causa em 4., 6., 7., 8., dos Factos Provados (art.ºs 358.º, n.º 2, 393.º, n.º 2, do C. Civil);
18 – Os recibos de vencimento do recorrido demonstram que era de €880,65 ilíquidos a retribuição auferida pelo recorrido, em 2015, o que não foi tido em consideração pelo Senhor Juiz a quo, devendo ser considerada provada a matéria sob o número 1 dos Factos Não Provados;
19 – Quanto à matéria considerada provada em 11., 15., 16., dos Factos Provados, a resposta fundou-se unicamente nos depoimentos das testemunhas Ricardo, J. L., J. D., Carlos, que, como resulta das conclusões 3 a 6, não podem ser valorados como demonstrativos da realidade do que declararam quando têm interesse direto na prova do que declararam;
20 – O depoimento da testemunha F. C. transcrito nas Alegações, a qual assistiu, em 29/07/2015, à parte final do telefonema entre o representante da recorrente e a testemunha Ricardo em que foi pedido o pagamento de montantes, declarou que aquele disse que “não sabia do que estava a falar” e não disse que não pagava, o que contraria os depoimentos das testemunhas referidas na conclusão 19;
21 – A decisão da matéria de facto não teve em consideração o depoimento da testemunha F. C., que tem de ser relevado, e que em conjugação com a matéria provada de que sendo intenção deste fazer cessar o contrato de trabalho, a conduta que adotou em 24 de Julho de 2015 foi a de denunciar o contrato de trabalho, contrariam os depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido, em que se fundou a consideração de provada no que respeita à matéria em 11., 15., 16., dos Factos Provados;
22 - Em 24/07/2015, a circunstância do recorrido considerar haver diferenças salariais em atraso não constituiu, manifestamente, justa causa para aquele resolver o contrato de trabalho e lhe pôr termo, o que denota que o recorrido tinha plena consciência e conhecimento de não haver justa causa para resolver o contrato de trabalho;
23 - O entendimento do Tribunal “a quo” de dar por provados os factos referidos em 4., 6., 7., 8. 11., 15., 16., dos Factos Provados e de considerar não provados os factos sob os números 1. 2, dos Factos Não Provados, não teve em conta os elementos de prova que estão nos autos, inclusive documentos que gozam de força probatória plena, que corroboram o depoimento da testemunha L. F., e contrariam totalmente os depoimentos das testemunhas arroladas pelo recorrido, e que impõem que a matéria de facto em 4., 6., 7., 8. 11., 15., 16., dos Factos Provados tenha que ser alterada para Não Provada, e a matéria considerada não provada sob os números sob os números 1. 2, seja alterada para Provada;

SEM PRESCINDIR

24 - Na carta de 31/07/2015 o recorrido invocou a resolução do contrato de trabalho devido a a falta culposa de pagamento pontual da retribuição reportada a Junho de 2012, a qual se considera existir quando se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo (art.º 394.º, n.ºs 2, al. a), 5, do CT);
25 - Quando em 31/07/2015, o recorrido resolveu o contrato de trabalho, a alegada falta culposa pontual de pagamento da retribuição ocorrera há mais de 30 dias com conhecimento deste, ou seja, muito para além do prazo legal (art.º 395.º, n.º 1, do CT);
26 – A alegação de que em 29/07/2015 a recorrente declarou que não iria a pagar a retribuição, que não estava a ser paga desde Junho de 2012, não é elemento integrante da causa de resolução do contrato de trabalho, não relevando tal declaração do empregador (art.º 394.º, nº. 2, al. a), do CT);
27 - A única declaração do empregador que, para este efeito, releva, é a deste, a pedido do trabalhador, declarar por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo do prazo de 60 dias (art.º 394.º, n.º 5, do CT);
28 – O recorrido sabia que o não pagamento de retribuição desde Junho de 2012 não constituía justa causa para resolver o contrato de trabalho, pois se assim não fosse, é notório que, lógica e consequente, e como resulta das regras da experiência, o recorrido resolveria o contrato de trabalho com justa causa;
29 - Em 31/07/2015 tinha decorrido o prazo de 30 dias previsto no art.º 395.º, n.º 1, do CT, o que determina a ilicitude da resolução do contrato de trabalho pelo recorrido e acarreta a responsabilidade civil deste perante a recorrente (art.ºs 399.º, 401.º, do CT);
30 – A ação deve ser julgada procedente e o recorrido condenado no pagamento à recorrente da quantia de 1.761,30€, a título de indemnização pela ilicitude da resolução;

SEM PRESCINDIR

31 - Dos factos provados resulta que o recorrido sabe que desde Junho de 2012 não estavam a ser pagas retribuições que considerava ter direito, e apesar disso durante mais de três anos não resolveu o contrato de trabalho com justa causa, e que quando em 24/07/2015 quis fazer cessar o contrato de trabalho, denunciou-o, com aviso prévio.
32 - Pelo que, ao vir invocar a licitude da resolução do contrato de trabalho com justa causa em 31/07/2015, apesar de em 24/07/2015, por livre iniciativa, ter denunciado o contrato de trabalho, o recorrido excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, existindo abuso de direito por parte do recorrido, na modalidade de “venire contra factum proprium” (art.º 334.º do C. Civil e art.º 126.º do CT);
33 - O abuso de direito torna ilegítimo o seu exercício e obsta a que a presente ação possa improceder e a que que possam proceder os pedidos formulados pelo recorrido quanto à licitude da resolução do contrato de trabalho com justa causa e condenação da recorrente no reconhecimento da mesma e no pagamento de indemnização ao recorrido pela resolução do contrato com justa causa;
34 - Não tem fundamento a condenação da recorrente no pagamento de montante indemnizatório de 4.181,23€, dada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho pelo recorrido, devendo a sentença recorrida ser revogada e a recorrente absolvida de tal pedido de condenação;
35 – Sem prescindir da conclusão 34, o abuso de direito por parte do recorrido, determina a improcedência do pedido de condenação da recorrente no pagamento de indemnização, conforme conclusões 31 a 33;
36 - Não foi produzida nos autos qualquer prova da matéria em 4., 6., 7., 11., dos Factos Provados, nomeadamente nenhuma das testemunhas arroladas pelo recorrido tinha conhecimento de quaisquer valores em concreto, pelo que não tem fundamento fixar em 9.073,00 o pretenso valor de diferenças salariais, devendo improceder este pedido do recorrido e a recorrente ser absolvida do pagamento de tal quantia;
37 - Consequentemente, não são devidos os valores relativos a férias não gozadas, proporcionais de férias, subsídio de férias ou de Natal, formação profissional, em que a recorrente foi condenada, pois não têm em conta o valor de 880,65 € ilíquidos que o recorrido auferia, conforme recibos de vencimento;
39 - A sentença recorrida violou, designadamente, o disposto nos art.ºs 607.º, n.º 4, do CPC, art.ºs 334.º, 352.º, 355º, nº 4, 358º, nº 2, 363.º, n.º 2, 376.º, 393º, nº 2,do C. Civil, art.ºs 126.º, 394.º, n.ºs 1, 2, al. a), 5, 395.º, n.º 1, 399.º, 401.º, do CT.

Termina pugnando pela revogação da sentença, com a sua substituição por outra que julgue ilícita a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do recorrido e condene o recorrido a pagar-lhe a quantia de €1.761,30 a título de indemnização pela ilicitude da resolução, e que a absolva dos pedidos formulados pelo recorrido, com as consequências legais.
Respondeu o Recorrido/Apelado defendendo a manutenção da sentença recorrida nos seus exactos termos.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.

Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.

A Recorrente respondeu ao parecer, manifestando a sua discordância e pugna pela procedência do recurso por si interposto.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Autora/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito
- Da caducidade do direito à resolução
- Do abuso do direito

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:

1. A entidade patronal dedica-se, com intuito lucrativo, à actividade de consultoria e programação informática, consultoria em equipamento informático, processamento de dados, actividades de bancos de dados e disponibilização de informação em contínuo e prestação de serviços, entre outras.
2. Por documento escrito intitulado “contrato de trabalho a termo certo”, o trabalhador foi admitido ao serviço da entidade patronal no dia 03 de Dezembro de 2006, para, mediante retribuição, sob as suas ordens, direcção e interesse, prestar a actividade correspondente à categoria técnico de contabilidade. A remuneração mensal era de Euros 855,00 sujeitos aos respectivos descontos legais.
3. A 29 de Junho de 2012, ao contrato referido em 2) foi aditado o documento n.º 2 de fls. 8 e 8vs, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Apesar do que ficou a constar do documento escrito referido em 2), a Entidade Patronal e o Trabalhador combinaram que a retribuição mensal liquida do trabalhador seria de € 955,00;
5. Acrescida da atribuição de telemóvel para uso pessoal e profissional sem restrições e automóvel para uso profissional.
6. Desde, pelo menos, 01 de Janeiro de 2009 até 31 Maio de 2012, sempre a Entidade Patronal pagou ao trabalhador o montante mensal líquido de €955,00, a que acrescia os citados veículo e telemóvel.
7. Para chegar àquele montante líquido, a Entidade Patronal fazia constar dos recibos do trabalhador uma quantia mensal média de € 211,00 que intitulava de “ajudas de custo”.
8. A Entidade Patronal atribuiu ao Trabalhador: um veículo automóvel para uso profissional, com autorização de utilização do cartão da sociedade para abastecimento de combustível e portagens; um telemóvel para uso profissional e pessoal; todas as despesas de alojamento e alimentação quando em serviço externo;
9. As despesas de alojamento e alimentação, quando efectuadas em serviço externo, eram facturadas à Entidade Patronal, com indicação do NIF desta, sendo o Trabalhador reembolsado do respectivo valor no momento da apresentação dessas facturas.
10. A Entidade Patronal, além de efectuar os referidos reembolsos, pagava o subsídio de refeição por referência ao mesmo período.
11. Em 01 Junho de 2012, a entidade patronal reduziu a retribuição mensal do trabalhador para €744,00 líquidos, fazendo constar dos recibos o valor de Euros 880,65, a título de retribuição mensal (ilíquida), alegando dificuldades financeiras e prometendo pagar as diferenças daí resultantes no futuro, quando a situação melhorasse.
12. O trabalhador, no ano de 2015, exercia as funções de contabilista/técnico oficial de contas, categoria à qual tinha sido promovido.
13. O trabalhador, enquanto técnico de oficial de contas, planificava, elaborava e executava a contabilidade de clientes.
14. Por carta remetida à entidade patronal e por esta recebida em 24 de Julho de 2015, o trabalhador comunicou a denúncia, com aviso prévio, do contrato de trabalho acima referido, a partir do dia 22/9/2015.
15. Em 29 de Julho de 2015, a entidade patronal declarou ao trabalhador que não ia pagar o montante correspondente às diferenças referidas em 11).
16. A entidade patronal sabia que o Trabalhador contava com esse montante.
17. E com data de 31 de Julho de 2015, o Trabalhador, mediante nova comunicação escrita (documento n.º 10 e 10 vs, que aqui se dá por integralmente reproduzido), alegando justa causa, fez cessar imediatamente o seu contrato de trabalho e revogou a denúncia referida em 14).
18. O trabalhador e cinco colaboradores da Entidade Patronal cessaram o contrato de trabalho em simultâneo.
19. A saída dos referidos trabalhadores criou à Entidade Empregadora dificuldades no apoio a clientes.
20. Os referidos seis trabalhadores, onde se inclui o aqui referido, passaram a desenvolver tarefas em concorrência directa com a actividade desta.
21. Por essa altura, alguns dos contratos de manutenção e assistência técnica de clientes da Entidade Patronal cessaram.
22. Os referidos seis trabalhadores aproveitaram os contactos que vinham mantendo com clientes da “Empresa X”, enquanto trabalhadores ao serviço desta.
23. Os referidos Trabalhadores decidiram criar a sua própria empresa, ideia que surgiu do convívio profissional na empresa da Entidade Patronal e com os conhecimentos do mercado em que este laborava.
24. Os referidos Trabalhadores integram, presentemente, os quadros da “DT – tecnologia de informação e consultoria, Lda” que actua mas mesmas áreas da entidade patronal.
25. A entidade patronal, nos últimos três anos, forneceu ao trabalhador 16 horas de formação profissional.
26. Relativamente às férias vencidas em 01 de Janeiro de 2015, o trabalhador tinha, a 31 de Julho de 2015, 16,5 dias de férias vencidas e não gozadas.
27. A entidade patronal é entidade formadora certificada.
28. Foram apagados setenta gigabytes de dados dos ficheiros internos da empresa constantes de pastas, ficheiros e contas de correio electrónico, durante o mês de Julho.
*
IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Impugnação da decisão da matéria de facto

A Autora impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido na parte em que considerou provada a factualidade constante dos pontos 4, 6, 7, 8, 11, 15 e 16 dos factos provados e não provada a factualidade que consta dos pontos 1 e 2 dos factos não provados, com base na apreciação da prova gravada e da prova documental.
Nos termos do artigo 662º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada pela Relação se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art. 640.º, do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe no seu n.º 1 o seguinte:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E o seu n.º 2 estipula que «No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.»

Importa salientar que o segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância, já que apenas se impõe verificar, mediante a análise da prova produzida, designadamente a que foi objecto de gravação, se a factualidade apurada pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. Tal deverá ser feito com o cuidado e a ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.

Na verdade, existem diversos factores relevantes na apreciação e credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes em audiência e isto sem prejuízo, no que respeita ao Tribunal da Relação, estar igualmente subordinado ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção. A apreciação a realizar em 2ª instância não pode deixar de ter em atenção os mencionados princípios, pois deles decorrem aspectos de determinante relevância na valoração dos depoimentos, tais como as reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões que apenas são perceptíveis pela 1ª instância.

Em suma, à Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, para que ponderando, e sem esquecer as mencionadas limitações, formar a sua convicção.

Observado pela Recorrente o ónus de impugnação, incumbe apreciar:

A Recorrente pretende que sejam dados como não provados os seguintes factos:

4 - Apesar do que ficou a constar do documento escrito referido em 2), a Entidade Patronal e o Trabalhador combinaram que a retribuição mensal liquida do trabalhador seria de € 955,00;
6. Desde, pelo menos, 01 de Janeiro de 2009 até 31 Maio de 2012, sempre a Entidade Patronal pagou ao trabalhador o montante mensal líquido de €955,00, a que acrescia os citados veículo e telemóvel.
7. Para chegar àquele montante líquido, a Entidade Patronal fazia constar dos recibos do trabalhador uma quantia mensal média de € 211,00 que intitulava de “ajudas de custo”.
8. A Entidade Patronal atribuiu ao Trabalhador: um veículo automóvel para uso profissional, com autorização de utilização do cartão da sociedade para abastecimento de combustível e portagens; um telemóvel para uso profissional e pessoal; todas as despesas de alojamento e alimentação quando em serviço externo;
11. Em 01 Junho de 2012, a entidade patronal reduziu a retribuição mensal do trabalhador para €744,00 líquidos, fazendo constar dos recibos o valor de Euros 880,65, a título de retribuição mensal (ilíquida), alegando dificuldades financeiras e prometendo pagar as diferenças daí resultantes no futuro, quando a situação melhorasse.
15. Em 29 de Julho de 2015, a entidade patronal declarou ao trabalhador que não ia pagar o montante correspondente às diferenças referidas em 11).
16. A entidade patronal sabia que o Trabalhador contava com esse montante.

E pretende que sejam dados como provados os seguintes factos:

1) Dos Factos Não Provados – O R. auferia, no ano de 2015, a retribuição base mensal ilíquida de €880,65;
2) Dos Factos Não Provados – A quantia paga pela Entidade Patronal, a título de “ajudas de custo”, correspondia a despesas efetuadas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal, só sendo pagas devidamente documentadas.

O Recorrente insurge-se quanto ao facto do tribunal a quo ter relevado sobretudo os depoimentos das testemunhas J. D. e J. L. para dar resposta positiva aos factos que defende que devem ser alterados, já que por terem pendentes processos idênticos ao ora em apreço limitaram-se a reproduzir a versão do recorrido não informando, nem esclarecendo os factos. O mesmo se terá de dizer dos depoimentos das testemunhas Ricardo e Carlos que por ter interesses comuns ao recorrido os seus depoimentos não revelaram a sinceridade, verticalidade e imparcialidade e fidelidade aos factos. Daí que as mencionadas testemunhas tenham relatados os factos de forma coincidente com a versão do recorrido, que contudo não deveria ter sido valorada, por tais depoimentos se revelarem de parciais.

O tribunal a quo deu tais factos como provados com a seguinte fundamentação, que passamos a transcrever, pois sendo clara, exaustiva, irrepreensível e assertiva, dela resultando a convicção do juiz a quo explanada na forma minuciosa da apreciação de toda a prova produzida, explicitando das razões pelas quais foram valorados determinados depoimentos em detrimento de outros, tudo conjugado com a prova documental, não deixa margens para grandes dúvidas, nem nos permite detectar qualquer erro na apreciação da prova que mereça ser corrigido.

”A convicção do tribunal, no que se refere à matéria de facto provada supra referida, resultou:

- do acordo das partes, conforme acta de fls. 162;
- da análise crítica dos documentos juntos aos autos;
- das declarações de José X, representante legal da A., que efectuou um relato pormenorizado da evolução desta, nos quase trinta anos de existência, designadamente das dificuldades que surgiram após um período de baixa prolongada seu e as medidas que encetou para a “salvar2.

Destacamos ainda das suas declarações: a justificação para o pagamento de “incentivos“ aos colaboradores, designadamente aos que saíram antes de Julho de 2015; a justificação para não se ter chegado a um entendimento com o aqui trabalhador e os restantes cinco trabalhadores, designadamente a circunstância de nada lhes dever e de estes terem apagado informação que lhe pertencia; as consequências da saída dos trabalhadores da empresa, designadamente a falta de passagem de testemunho para outros colaboradores por forma a assegurar a continuidade do trabalho; a formação ministrada aos trabalhadores.
- do depoimento da testemunha L. F., contabilista da R. desde 2000, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha descreveu: a forma como se distribuíam os sectores em que trabalhava o aqui referido trabalhador bem como os outros cinco funcionários que também deixaram a Entidade Patronal; a importância dos referidos sectores para a empresa; a falta de meios que originou a saída destes; a forma como a saída se processou; o projecto que acabaram por criar e as diligências que efectuaram para retirar/desviar clientes da Entidade Patronal; o horário de trabalho estabelecido na empresa; a formação ministrada aos trabalhadores; o vencimento do Trabalhador; os prémios existentes na empresa, admitindo que alguns trabalhadores e a gerência tinham “acordado” chegar a um determinado valor, sem poder precisar em que moldes; a forma como a empresa suportava as despesas dos trabalhadores, sendo de destacar que acabou por admitir que todas as despesas – veículo da empresa, gasolina – cartão frota empresa -, portagens – via verde da empresa -, dormidas e refeições – pagas mediante factura em nome da empresa -; as mudanças operadas em 2012, por referência às “ajudas de custo” admitindo que os colaboradores a questionavam sobre quando se iriam repor e que os valores processados até 2012, a esse título, eram em termos médios, os mesmos nos diferentes anos; a existência de uma reunião em que a empresa referiu aos seus colaboradores que, logo que tivesse viabilidade financeira, que os valores em causa –“ajudas de custo” – iriam ser pagos (importa aqui referir que acabou, já a instâncias da Entidade patronal, por referir que não foi dito que iam devolver o dinheiro mas implementar outras medidas para compensar); atestou que as pessoas que saíram da empresa antes do aqui Autor, designadamente o J. C. e outros receberam o montante das “ajudas de custo” que havia sido interrompido o pagamento em 2012 até à data da saída; que efectuava, no final de cada ano, um resumo dos montantes “poupados” a título de “ajudas de custo”.

Importa referir, em abono da verdade, que a presente testemunha começou por ter um relato seguro e afirmativo, reiterando a versão da Entidade patronal, mas que, operada a instância pelo Trabalhador, acabou por se desdizer ou dizer quase tudo de outra forma. Teve, em suma, uma participação no mínimo … lamentável!

(…)
- do depoimento da testemunha F. C., gestor de empresas que trabalha para a “Empresa X” desde 2013, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha atestou: os sectores/departamentos existentes na “Empresa X” e aquele a que estava afecto o J. B. bem como os outros cinco colegas que saíram; a importância económica/financeira dos sectores; as dificuldades sentidas e as medidas implementadas perante a ausência dos seis trabalhadores; a informação apagada dos computadores e telemóveis que estavam afectos aos seis trabalhadores; a conversa telefónica que o tio (Eng. X) teve com o Ricardo e com o J. L., sendo de destacar o facto de ter referido que este último falou de montante em divida e que o tio lhe respondeu que não sabia do que estava a falar; que cerca de um mês após a saída dos seis colaboradores, contrataram três colaboradores.
- do depoimento da testemunha Ricardo, director comercial da “Empresa X”, entre 2013 e 2015, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha atestou: as diferenças salariais decorrentes da reunião de 2012 para o J. B.; o acordo existente entre os trabalhadores e a Gerência da “Empresa X” para garantir vencimentos líquidos superiores aos declarados no contrato e recibo de vencimento; o mal estar que a redução de rendimentos originou nos colegas, as diligências que os colegas efectuavam para ver repostos os valores, designadamente junto da L. F. que lhes atestava que se limitava a fazer os mapas onde dava a conhecer à gerência os valores que estavam para trás e competia a esta decidir o que pagava; que as pessoas que foram saindo da “Empresa X” receberam esses valores (que estavam para trás), designadamente o J. C.; as dificuldades sentidas na “Empresa X”; a circunstância de a gerência falar na possibilidade de encerrar sectores/departamentos; a principal actividade da “Empresa X”, como sendo a área portuária; como surgiu – um ou dois meses antes de saírem – a ideia de criarem um projecto próprio que garantisse os respectivos postos de trabalho; a forma como iriam suportar os custos do novo projecto; a necessidade, perante a nega do Gerente da “Empresa X” em pagar ao J. B. e aos outros colaboradores que saiam da empresa os valores em divida, de recorrerem a um investidor; o início de actividade da nova empresa e o momento em que cada um iniciou a sua actividade nesta, sendo de destacar que apenas o J. B. iniciou em Setembro e os outros em Dezembro de 2015; a forma como a “Empresa X” suportava as deslocações/despesas dos seus colaboradores, sendo de destacar o facto de ter referido que jamais recebeu ajudas de custo, pois que todas as despesas efectuadas eram suportadas pela empresa; que o Gerente da “Empresa X”, no dia 29 de Julho de 2015 lhe referiu que não pagava esses valores e outros, referindo-se aos que o J. B. e os outros colaboradores que iam sair para iniciar o novo projecto reivindicavam; as negociações/conversas encetadas para a solução do diferendo, designadamente a proposta de se efectuar uma parceria entre as empresas que no chegou a ser discutida na medida em que o Gerente colocou como condição para ouvir a proposta que aqueles abdicassem dos valores que estavam para trás; o J. B. e os outros cinco colegas quando souberam que a “Empresa X” se recusava a pagar os valores em divida consultaram um Advogado e deixaram de dar o aviso prévio; a circunstância de a “Empresa X” estar certificada para dar formação mas que não a dava internamente, existindo folhas assinadas apenas para se obter fundos; a existência de um documento interno designado por “Mapa de Férias”, que circulava entre os colaboradores, onde era indicado o período de férias por gozar; as férias que tinha pendentes iam ser gozadas nessa altura, sendo que esclareceu que desconhecia o que os outros colegas combinaram; a circunstância de a empresa onde actualmente trabalha, bem como os seis trabalhadores que saíram da “Empresa X”, estar na área informática e por isso fazer concorrência ainda que o faça na área dos portos e transportes; que a “Empresa X”, relativamente aos valores líquidos pagos aos seus colaboradores, perante a insistência e mal-estar manifestado pelos colaboradores J. L. e Carlos efectuou-lhes alguma reposição do rendimento líquido, sendo de destacar o facto de ter referido que chegou a ver o primeiro a sair do gabinete do Gerente a chorar.
- do depoimento da testemunha N. P., engenheiro informático que trabalhou na “Empresa X” entre 2007 e 2013, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.

A testemunha atestou: a existência de um vencimento líquido acordado superior ao declarado, sendo que a diferença era inscrita no recibo como “ajudas de custo”; referiu-se ao acordo como sendo um estratagema para a empresa pagar menos impostos, tanto que sempre trabalhou nas instalações da empresa e nessa medida não tinha quaisquer custos que implicassem a dita “ajuda”, a existência da reunião de 2012 onde foram retiradas as ditas “ajudas de custo” sendo que quando saiu a “Empresa X” liquidou as importâncias retiradas desde aquela data até à sua saída e esse valor – Euros 150 x os meses em causa – foi-lhe entregue em mão e em numerário pela Sr.ª L. F., que as ditas importâncias eram salário, que teve formação interna que rotulou de fraca, mas que lhe parece que os outros – referindo-se ao J. B. e aos outros cinco colegas – nem isso.
- do depoimento da testemunha J. C., designer que trabalhou para a “Empresa X”, entre 2003 a 2006 e 2007 a 2013, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.

A testemunha atestou: a existência de um vencimento líquido acordado superior ao declarado, sendo que a diferença inscrita no recibo como “ajudas de custo”; que assinou “folhas” onde era referido que se deslocava sitio sem que tal tivesse sucedido; a existência da reunião de 2012 a partir da qual o acordo deixou de ser cumprido por parte da “Empresa X”; que os colegas se queixavam do incumprimento; que quando confrontava a L. F. sobre os valores em falta esta referia que os mesmos iam ser pagos com retroactivos; que quando saiu a “Empresa X” pagou as importâncias não liquidadas desde aquela data até à sua saída e esse valor foi incluído em recibos verdes de serviços que prestou; que até 2005, teve formação e que a partir dessa altura assinava “folhas” a atestar a sua participação em formações que não teve; que o J. B. tinha telemóvel e carro da empresa; que chegou a almoçar fora do serviço da “Empresa X” e que mediante a apresentação da factura em nome desta lhe foi devolvido o montante pago.
- do depoimento da testemunha V. A., vendedor que trabalhou para a “Empresa X” entre 2003 e 2013, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.

A testemunha atestou: a existência de um vencimento líquido acordado superior ao declarado, sendo que a diferença era inscrita no recibo como “ajudas de custo”; que as saídas que serviam para justificar as “ajudas de custo” eram falsas; que a dada altura deixaram de lhes pagar esses valores com a promessa de que no futuro, havendo disponibilidade, que seria tudo pago; que recebeu essas importâncias quando saiu da “Empresa X”; que os colegas – referindo-se ao J. B. e aos outros cinco que saíram na mesma altura . tinham carro e telemóvel; que o J. B. cobrava dinheiro aos clientes.
- do depoimento da testemunha D. C., técnico do IFP, que trabalhou para a “Empresa X” entre 2003 e 2012, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha atestou: que o J. B. tinha carro da “Empresa X” – não exercia cargo de chefia, mas por morar longe a gerência concedeu-lho ------ e telemóvel que usava também fora de serviço; que os colegas trabalhavam para além do horário de trabalho; a forma como era efectuado o controlo do tempo de trabalho na “Empresa X”, que em determinada altura, depois de ter sido efectuada uma inspecção pela ACT, a gerência pediu-lhes para saírem às 18 horas e que depois podiam voltar a entrar; que teve formações e que chegou assinar formações que não chegou a ter.
- do depoimento da testemunha J. L., analista de sistema informático que trabalhou para a “Empresa X” entre 2000 e 2015,como director do sector das empresas públicas e privadas, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha atestou: que no início negociou um vencimento líquido com a entidade patronal e que esta é que definia como o processava; os vencimentos auferidos pelos colegas; que até meados de 2012, uma parte dos trabalhadores da “Empresa X”, pelo menos do seu, do J. B., do Carlos, do Sérgio e de muitos outros era pago como “ajudas de custo”; que a “Empresa X”, a de 2010, passou a pedir um mapa – grelhas – de despesas por forma a dar a aparência de que não havia regularidade nos pagamentos, mas que no fim do ano a importância liquidada era a inicialmente acordada; que essa também era a forma de liquidar a diferença acordada e por referência aos subsídios de férias e de Natal; a reunião de 2012 que levou a “Empresa X”, depois a comunicar a existência de dificuldades, a deixar de pagar a parte do vencimento dos trabalhadores que até então tinha a designação de “ajudas de custo” mas com a promessa de, uma vez superadas as dificuldades seriam repostos os valores em causa; que os colegas que entretanto saíram da Empresa X – entre 2012 e 2014 – receberam aqueles valores; que confrontava a contabilista da Empresa X, a Sr.ª L. F., sobre os referidos valores e que a mesma lhe referia que mensalmente levava à Gerência os valores em causa mas que esta não aprovava esse pagamento; que quando saíram – sendo que faz parte do grupo de seis colegas que saiu em 2015 – estavam a contar com esse dinheiro e que o mesmo permitiria fazer face `s despesas com um projecto que decidiram criar; os motivos (o receio de que a empresa fechasse – porquanto houve redução de pessoal entre 2012 e 2015, deixaram de lhes pagar o salário acordado, falava-se em fechar sectores da empresa – levou-os a pensar num projecto próprio) e a forma como foi decidida a saída da Empresa X; a conversa telefónica que presenciou entre o Ricardo, que estava a liderar o novo projecto, e o Gerente da “Empresa X” da qual destaca o facto de este ter referido que não iria pagar os valores em dívida as funcionários que estavam a sair; que no dia seguinte, depois de se aperceberem que não iriam receber os valores em causa, procuraram ajuda jurídica e foi então que decidiram apresentar a rescisão com justa causa; no dia seguinte perguntou pessoalmente ao Gerente da “Empresa X” se lhe pagava os valores em dívida e perante a recusa do mesmo, decidiu entregar-lhe a carta de rescisão; que os colegas efectuaram o mesmo procedimento; que existia um mapa (…)
- do depoimento da testemunha J. D., técnico informático, que trabalhou para a “Empresa X” entre 1995 e 2015, que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha prestou um depoimento de igual teor ao da testemunha J. L..
Atestou ainda que o J. B., o Sérgio e o Carlos tinham veículo da empresa; que no seu caso, após a reunião de 2012, passou a receber menos de 1/3 do vencimento; que quando ocorrera um despedimento colectivo na “Empresa X” os colegas que saíram receberam os valores que haviam sido retirados desde 2012; (…); que cada colega perguntou pessoalmente ao Eng. X se pagava a importância em dívida, por reporte aos valores acumulados de “ajudas de custo”, e perante a nega deste apresentaram a respectiva carta de rescisão.
- do depoimento da testemunha Carlos, técnico informático, que trabalhou para a “Empresa X” até 2015 e que demonstrou ter conhecimento directo de parte dos factos em análise.
A testemunha prestou um depoimento de igual teor ao da testemunha J. L..
Atestou a forma como a entidade patronal processava as “ajudas de custo” que permitiam retribuir os trabalhadores pelos valores líquidos acordados.
Mais atestou que sempre a entidade patronal liquidou as despesas que os seus colaboradores tinham com deslocações externas, seja por cartão de gasolina, seja por via verde, seja pela apresentação da factura da refeição(com o NIF da entidade patronal).

(…)
Atestou ainda que foi perante a recusa da entidade patronal em liquidar os valores em dívida que, depois de consultarem um Advogado e de voltarem a perguntar à entidade patronal pelo respectivo pagamento, e perante a reiteração da recusa em proceder ao pagamento, entregaram as cartas a cessar com justa causa os contratos de trabalho (…)
*
Importa referir, em abono da verdade, que as declarações do representante legal foram prestadas com segurança e, de um modo geral, com coerência.
Porém, além de parciais, por evidente interesse no desfecho da acção, não podemos deixar de referir que, por contrárias às declarações de testemunhas – credíveis – e às regras da experiência, não mereceram credibilidade, designadamente quanto à justificação apresentada para a diferença de remuneração paga ao trabalhador. As chamadas “ajudas de custo”.
Na verdade, e por referência aos anos de 2009 a 2012, face aos documentos juntos aos autos designadamente a fls. 39 e segs. E 63 e segs. Não se percebe de que modo o Trabalhador poderia apresentar mensalmente, durante esse período, valores sempre iguais – com a particularidade de corresponderem ao dobro nos meses de Julho e de Novembro – ou, somadas as parcelas mensais, no fim do ano corresponderem ao mesmo valor que em anos anteriores.

Aliás, para fundamentar a referida conclusão, também não podemos deixar de fazer referência às declarações das testemunhas N. P., J. C. e V. A. que, de modo seguro e objectivo, sem que seja possível descortinar qualquer interesse na presente acção e com conhecimento directo dos factos, atestaram de forma peremptória a versão do Trabalhador e, nomeadamente, que quando saíram da empresa os valores em divida – designados por simpatia contabilística de “ajudas de custo” – lhes foram pagos.
Não podemos deixar de acrescentar, por reporte ao depoimento da testemunha L. F., que a mesma, pela assinalada falta de credibilidade e pela função desempenhada na “Empresa X” – de directora financeira segundo alguns e de contabilista segundo outros -, suscitou uma convicção contrária às declarações prestadas, em especial pelos avanços e recuos manifestado.

Mais importa referir que a testemunha J. D., além de manter um lítigio com a “Empresa X” por factos semelhantes, revelou animosidade com a “Empresa X” mas que, não obstante, além de mostrar conhecimento directo dos factos, relatou-os com rigor e de forma assertiva.
A testemunha J. L., não obstante manter um litigio com a “Empresa X” por factos semelhantes, efectuou um relato sereno e objectivo, logrando merecer credibilidade em especial quando confrontado com a restante prova.

(…)
Finalmente, importa referir que nenhuma prova segura foi produzida quanto à factualidade que se deu como não provada, sendo mesmo de realçar que nenhuma testemunha, de forma isenta, a referiu.”
Depois de termos analisado toda a prova produzida designadamente termos procedido à audição de toda a prova testemunhal afigura-se-nos dizer que não vislumbramos qualquer razão para proceder à modificação da matéria de facto nos termos pretendidos pela Recorrente.
A prova produzida pelo Recorrido de que a parcela de retribuição que ao longo dos anos foi recebendo a título de “ajudas de custo” de forma encapuçada, para que sobre a mesma não incidissem quer os impostos, quer os demais encargos, bem como o comportamento da Recorrente de ter procedido à suspensão provisória de tal pagamento e por fim a recusa da Recorrente em proceder ao pagamento do valor da retribuição do autor que reduziu de forma provisória e com a promessa de que procederia à pagamento de tais quantias logo que a sua situação económica, foi exuberante e não deixou qualquer margem para dúvidas, tal como também resulta exaustivamente explicitado na fundamentação de facto levada a cabo pelo tribunal a quo.
Ao invés a versão que a Recorrente trouxe ao tribunal destes factos não logrou de forma alguma provar, revelando-se as declarações de parte do seu legal representante parciais e interessadas no desfecho não só desta acção, mas das restantes quatro interpostas, afigurando-se-nos de pouco credível a justificação por si apresentada para pagar aos seus colaboradores os apelidados “incentivos”. Por outro lado, os depoimentos das testemunhas por si apresentadas que depuseram sobre tais factos, revelaram-se de imprecisos, incoerentes, medrosos, indecisos, titubeantes e inverosímeis, designadamente no respeita ao depoimento da testemunha L. F., que ao pretender não prejudicar o empregador, omitiu factos e tentou fugir ao que lhe foi perguntado em contra interrogatório, ajudando a alicerçar a convicção do tribunal que os factos ocorreram não da forma como a Recorrente os pretendia provar, mas sim da forma alegada pelo Recorrido. Por fim, os documentos juntos aos autos só por si revelaram-se de manifestamente insuficientes para dar como provada a versão da Recorrente.
Ao contrário do que afirma a Recorrente o tribunal a quo não relevou sobretudo os depoimentos das testemunhas J. D. e J. L. que também mantêm um litígio semelhante com a Recorrente, pois tal como resulta claro da fundamentação da decisão de facto que acima se transcreveu, quanto a estes factos provados e que agora se pretende ver alterados, o Tribunal alicerçou a sua convicção não só no depoimento destas testemunhas, mas também nos documentos juntos aos autos, conjugados com o depoimento das testemunhas ex funcionários da Recorrente (N. P., J. C. e V. A.), que não tiveram, nem têm qualquer litígio com esta e que de forma desinteressada e espontânea relataram o procedimento generalizado utilizado pela Recorrente na forma de fixação e atribuição da retribuição que liquidava aos seus colaboradores antes de 2011 e depois de 2011, fizeram referência à suspensão dos pagamentos referentes à quantia que constava do recibo a título de “ajudas de custo” e por fim afirmaram que quando terminaram os respectivos contratos, foi-lhes liquidado pela recorrente as quantias, que esta lhe havia sido descontado mensalmente desde 2012. As referidas testemunhas também revelaram ter conhecimento do facto de ao autor ter sido atribuído pela empresa veículo automóvel e telemóvel.
Tal como acima deixámos expresso e voltamos a frisar na reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os princípios da livre apreciação da prova pelo julgador, da oralidade e da imediação. Não está assim em causa proceder a um novo julgamento, nem sindicar a convicção do Juiz e apenas se deverá determinar a alteração da matéria de facto em caso de evidente erro de julgamento, que se traduza na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, o que no caso não se verifica.

Com efeito, e ainda que partilhássemos da posição assumida pela Recorrente no que respeita à valorização dos depoimentos das testemunhas que também mantêm um litigio semelhante com a Recorrente, analisando de novo tais depoimentos não podemos deixar de dizer que o seu relato dos factos se nos afigura de credível espontâneo e sincero, indo ao encontro do documentos juntos aos autos (recibos de vencimento) e permitindo retirar as ilações daí resultantes, que não só resultam de toda a conjugação da prova, bem como das regras da experiência.

Por outro lado, voltamos a salientar o facto dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente sobre estes factos revelaram-se de pouco ou nada credíveis não pondo sequer em causa que os factos sucederam da forma como foram relatados pela generalidade dos ex trabalhadores que foram inquiridos em audiência de julgamento.

Na verdade, importa não confundir convicção da Recorrente com factos apurados em audiência de forma suficientemente concretizada, dos quais não se descortina qualquer erro na apreciação da prova que importe corrigir.

Ora, refere a Recorrente que a testemunha Ricardo procurou transmitir que existia uma prática generalizada na empresa de combinar uma retribuição liquida com os trabalhadores sendo parte da mesma paga a título de ajudas de custo, no entanto depois afirma que não sabe concretizar o acordo estabelecido entre o empregador e o autor, sendo certo que ele nunca teve ajudas de custo, nem nunca ouviu o Eng. X a prometer pagar quaisquer valores devidos a título de ajudas e custo. Não verificamos que este depoimento padeça de qualquer contradição com a versão do recorrido, pois o facto da testemunha em causa, aliás por ter sido contratada apenas em 2013, não se encontrar incluída no grupo de funcionários que acordou com o empregador em receber determinada retribuição líquida, que constava dos recibos de vencimento dividida em duas parcelas (retribuição base e ajudas de custo), não impede, como efectivamente terá sucedido, que não tivesse conhecimento de tais factos, quer por lhe terem sido relatados pelos colegas, quer porque assistiu a diversos episódios em que os colegas interpelaram a contabilista da empresa sobre a reposição e o pagamento das quantias liquidadas a título de “ajudas de custo”, cujos custos eram inexistentes.

Importa ainda referir que o facto de a recorrente considerar que os depoimentos do Ricardo, do J. L. e do J. D., no que respeita ao pagamento das ajudas de custo ao recorrido até 2012 serem vagos genéricos revelando desconhecimento do que concretamente sucedeu com o recorrido. E por outro lado o facto de a recorrente considerar que os depoimentos prestados, pelo N. P., J. C. e V. A. contrariam a versão do recorrido no sentido de que este também se encontrava incluído nos trabalhadores que haviam combinado com o empregador receber um valor líquido de retribuição e de parte deste ser liquidado a título de “ajudas de custo”, concluindo assim que a matéria de facto assente em tal prova não tem fundamento, teremos de dizer que não podemos concordar com tal conclusão.
Se por um lado, é verdade que nenhuma das testemunhas arroladas pelo recorrido revelou saber ou ter conhecimento dos montantes concretamente auferidos pelo recorrido, bem como o teor do acordo que terá firmado com o empregador no que respeita ao valor da sua retribuição líquida e forma como a mesma constava do recibo de vencimento. Por outro lado, muito se estranharia que as testemunhas do recorrido tivessem tal conhecimento, pois este tipo de acordo é firmado entre empregador e trabalhador, sem qualquer tipo de publicitação. No entanto e porque efectivamente a prova foi exuberante, não resta qualquer dúvida que para além de tais acordos terem sido um procedimento generalizado e implementado pela recorrente antes do ano de 2011, tal procedimento foi aplicado ao recorrido. E tal resulta precisamente dos depoimentos das mencionadas testemunhas conjugados com a análise efectuada aos recibos de vencimento do autor até à altura em que deixou de receber a quantia que normalmente recebia a título de ajudas de custo, pois como bem assinala o Juiz a quo não se perceberia como é que os valores líquidos auferidos pelo recorrido mensalmente no período compreendido entre 2009 e 2012 seriam sempre iguais, com o pormenor, que não pode deixar de passar despercebido, de corresponderem ao dobro nos meses de Julho e de Novembro – ou, somadas as parcelas mensais, no fim do ano corresponderem ao mesmo valor que em anos anteriores. Acresce ainda dizer que o depoimento da contabilista da Recorrente L. F., que sobre estes factos não mereceu qualquer credibilidade, apenas permite concluir que a mesma depôs de forma a não prejudicar o empregador, afigurando-se-nos dizer, tal como o Mmº Juiz a quo o apelidou em jeito de desabafo de “lamentável”, pois apesar de sempre ter respondido ao que lhe foi perguntado, o fez de forma a mascarar a realidade dos factos, o que ficou perceptível nos seus avanços e recuos e na forma como tentou por diversas vezes fugir à resposta do que lhe era perguntado pelo ilustre mandatário do recorrido.

No que respeita à matéria considerada provada nos pontos 11, 15 e 16 dos factos provados e que se refere à redução da retribuição mensal do recorrido com a promessa de que quando a situação económica melhorasse o empregador iria pagar tais diferenças, bem como a declaração do empregador formulada em 29-07-2015 de que não iria pagar tais diferenças, defende a recorrente que o tribunal alicerçou a sua convicção no teor dos depoimentos das testemunhas que puseram termo aos contratos em simultâneo com o autor, tendo algumas delas litígios pendentes com o empregador, idênticos ao presente, razão pela qual considera que tais depoimentos não podem ser valorados, por ter interesse directo na prova do que declaram, sendo ainda certo que o depoimento de F. C. (sobrinho do legal representante da Recorrente) contraria o depoimento de tais testemunhas.

Salvo o devido respeito por opinião em contrário não podemos concordar com tal alegação, desde logo porque o facto de algumas destas testemunhas terem pendentes acções idênticas à ora em apreço não nos permite concluir que os seus depoimentos não possam ser valorados livremente pelo tribunal, tal como veio a suceder. Acresce dizer que o facto da testemunha que melhor precisou a forma como estes factos se desenrolaram foi a testemunha Ricardo, que revelou ter conhecimento directo dos factos, porque neles teve intervenção directa e que apesar de ter posto termo ao contrato que mantinha com a recorrente, chegou a acordo, sem que tivesse tido antes qualquer litígio com a recorrente. Não se vislumbra que possa ter qualquer interesse directo na prova do que declarou.

No que respeita ao depoimento de F. C., para além de revelar várias imprecisões e não ter conseguido sequer transmitir a conversa telefónica a terá ouvido parcialmente ocorrida no dia 27/07/2015 entre o seu tio e o Ricardo, afirmando várias vezes ao longo do seu depoimento não se recordar, apesar das insistentes tentativas para que se recordasse do que ouviu, com tanta imprecisão as mesmas não resultaram obter êxito, pelo que neste aspecto o seu depoimento em nada ajudou e muito menos contraditou o depoimento da testemunha Ricardo.

Mais uma vez teremos de afirmar que não existe qualquer desconformidade e muito menos flagrante entre os elementos da prova e a decisão tomada pelo tribunal a quo, a qual também quanto à prova destes factos não merece qualquer reparo.

Por fim e antes de concluirmos pela improcedência da impugnação da matéria de facto e que deve por isso manter-se inalterada importa ainda apreciar a questão relativa da prova plena atribuída aos documentos particulares assinados pelo recorrido, já que a recorrente defende que os recibos de vencimento juntos aos autos e documentos referentes ao processamento das ajudas de custo, que o recorrido assinava constituem confissão extrajudicial feita em documento particular.

Na verdade defende a recorrente que o tribunal pode dar como provados os factos dados como não provados em 1) e 2) com base em tais documentos que serviram também como contraprova aos factos dados como provados em 4,6,7 e 8, que deverão assim ser dados como não provados

Vejamos:

Resulta do disposto no artigo 376.º n.ºs 1 e 2 do CC. que os documentos particulares com autoria reconhecida fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.

Sucede porém que os documentos em causa – recibos de vencimento e documentos respeitantes a ajudas de custo assinados pelo recorrido – não são da autoria do trabalhador. São documento da autoria do empregador, por ele exarados, no cumprimento da lei, por isso as declarações neles contidas, designadamente o montante da retribuição mensal auferida e as ajudas de custo auferidas mensalmente, bem como o documento que as justifica, são declarações emitidas pelo empregador e não pelo trabalhador.

Na verdade ainda que tais documentos se encontrem assinados pelo trabalhador, fazendo-se normalmente constar uma declaração de quitação da retribuição recebida, tais documentos não passam por isso a ser da sua autoria, apenas aquela declaração é que é da sua autoria as restantes declarações e elementos contidos nos documentos continuam a pertencer ao empregador.

Ora o facto de o trabalhador ter reconhecido a veracidade da sua assinatura não faz dele autor das demais declarações e menções dos factos contidos em cada um desses documentos e consequentemente, os factos compreendidos nesses documentos contrários aos seus interesses não podem ser dados como provados apenas com base nos ditos documentos. Ou seja os factos inseridos em tais documentos pelo empregador que sejam contrários aos interesses do trabalhador são de livre apreciação pelo tribunal, já que não gozam de força probatória plena.

Em suma, matéria de facto dada como provada e não provada só podia ser alterada com base na reapreciação da prova testemunhal (ainda que conjugada com a prova documental) que já acima apreciámos e concluímos que deve ser mantida de inalterada, pela simples razão de que o Mm.º Juiz a quo fundamentou a sua convicção em termos racionais, concretos, procedendo a uma profunda análise de toda a prova, indo ao encontro da prova que efectivamente foi produzida, não se impondo assim decisão diferente, uma vez que de acordo com as regras da experiência comum a factualidade posta em crise não só não se revela grosseiramente apreciada pelo tribunal a quo, como na sua reapreciação, tendo presente o princípio da livre apreciação da prova, consideramos ser de manter na íntegra a matéria de facto apurada, visto que não foi cometido qualquer erro na sua apreciação.
Improcedem assim as conclusões 1ª a 23ª do recurso.

- Erro de julgamento quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito,

- Da caducidade do direito à resolução

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter verificado a justa causa de resolução do contrato da iniciativa do trabalhador com fundamento na falta culposa pontual de pagamento de retribuição ocorrida há bem mais de 30 dias, sendo tal facto do conhecimento o recorrido, estando assim a carta datada de 31/07/2015 muito para além do prazo de 30 dias previsto no artigo 395.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Vejamos se os factos provados nos permitem concluir pela caducidade do exercício do direito de resolver o contrato invocando justa causa, como defende a recorrente.
Ao caso em apreço, aplica-se o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02 (doravante CT).
Nos termos do artigo 394º do CT ocorrendo justa causa o trabalhador pode fazer cessar imediatamente a relação de trabalho.
O nº 2 do citado artigo enumera, de forma não taxativa várias, circunstâncias capazes de fundar a justa causa de rescisão, desde que verificados os requisitos do artigo 351º, nº 3 do CT por força do nº 4 do artigo 394º.

Prescreve o n.º 2 do art.º 394.º do CT sob a epígrafe “Justa causa de resolução”, o seguinte:

“2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
(…)”
Por fim, conforme resulta do disposto artigo 398.º, nº 3 do CT, na acção em que for apreciada a justa causa de resolução do contrato o tribunal apenas poderá atender aos factos que tenham sido invocados pelo trabalhador na comunicação que, para tanto, dirigiu ao empregador.

Nesta conformidade, na carta em que formalizou a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, o trabalhador/recorrido invocou, para além doutras circunstâncias que foram desconsideradas pelo tribunal a quo, a circunstância do empregador de forma unilateral ter procedido à redução da sua retribuição em Junho de 2012, com a promessa de regularizar a situação no futuro, tendo posteriormente mais precisamente, em Julho de 2015, ter declarado que não iria de modo algum liquidar os montantes resultantes de tal redução da retribuição. Estes factos logrou o recorrido provar tal como resulta dos pontos de factos provados enumerados em 6, 7,11, 15, 16 e 17, daqui resultando não só verificada a falta culposa de pagamento pontual de parte da retribuição, pois ao longo dos últimos três anos o empregador, liquidou de forma consecutiva ao recorrido uma retribuição mensal inferior à devida, bem como violou de forma culposa as garantias legais do trabalhador, uma vez que resulta do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 129.º do CT que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previsto no código do trabalho ou em instrumento de regulamentação colectiva, o que no caso não se verifica.
A questão que importa agora indagar é a da caducidade do direito à resolução com justa causa da iniciativa do trabalhador.

Em 1º instância a este respeito consignou-se o seguinte:

“Uma vez que o trabalhador justificou a resolução no facto de a entidade patronal ter declarado em 29 de Julho de 2015, já na pendência da denúncia do contrato, que não lhe ia pagar os valores em causa, dúvidas não podem subsistir de que a resolução foi apresentada em tempo.”

Na verdade não podemos deixar de concordar com o que aí se fez consignar, pois efectivamente o que verdadeiramente fundamentou a justa causa de resolução do contrato e permite concluir pela impossibilidade e inexigibilidade da manutenção da relação contratual, não foi apenas o facto da falta do pagamento de parte da retribuição, o que já verificava há três anos consecutivos, mas sim foi o facto do empregador se recusar de forma definitiva a regularizar tal situação, o que só se verificou no dia 29 de Julho de 2015, quando o empregador declarou ao trabalhador que não ia pagar o montante correspondente às diferenças resultantes da redução da retribuição, sendo certo que a outros trabalhadores que se encontravam em idêntica situação, aquando da cessação do seus contratos foram-lhes liquidadas tais diferenças.

No entanto, importa fazer algumas considerações sobre a caducidade da resolução, pois ainda que assim não se entendesse sempre seria de considerar de tempestiva a resolução da iniciativa do trabalhador.

Vejamos porquê:
Prescreve o n.º 1 do artigo 395.º do CT que “o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.

No caso em apreço, está em causa, além do mais, a falta de pagamento pontual de parte da retribuição em termos continuados, o que se verificava desde Junho de 2012 e que sem margem para qualquer dúvida constituía justa causa para resolver o contrato de harmonia com o previsto no art.º 394º n.ºs 2 al. a) e 5 do CT.

No que respeita ao prazo de caducidade para a resolução do contrato considerarmos que este apenas começará a decorrer quando cessar a conduta ilícita que fundamenta a resolução contratual, já que o comportamento ilícito do empregador é continuado, renovando-se o conhecimento da situação ilícita permanentemente enquanto ela se mantiver. Assim, nestas situações, o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último acto de violação do contrato

Na verdade, no caso em apreço, bem como nas demais situações em que esteja em causa a falta de pagamento pontual da retribuição, o que releva em termos do cômputo do prazo de caducidade em questão (art.º 298.º n.º 2 do Código Civil), não é o facto instantâneo referente à ausência de pagamento da retribuição no momento do seu vencimento (art.º 278.º do Código do Trabalho), mas sim a situação continuada do incumprimento retributivo, como resulta do art.º 395.º n.º 2 e 1 do Código do Trabalho, pelo que sempre teríamos de considerar que o prazo apenas começaria a correr quando cessasse a continuada conduta ilícita que fundamenta a resolução.

Tal como refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no douto parecer junto aos autos, esta posição constitui jurisprudência uniforme dos nossos tribunais, tal com resulta a título meramente exemplificativo dos seguintes Acórdãos do STJ de 8.05.2002, AD, 493, pág. 148; da TRC de 14.12.2016, proc. 125/06.9TTAVR.L1, da TRL de 16/11/2016, proc. 15354/14.3T2SNT.L1-4 e da TRP DE 17/11/2014, proc. 739/12.8TTMTS-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.3.1995, in BMJ 445-641.

Em face do exposto teremos de concluir que quando o trabalhador procedeu à resolução do contrato, a situação ilícita do incumprimento retributivo por parte da recorrente ainda não havia cessado, pelo que também por esta razão não se verifica a invocada excepção de caducidade, improcedendo assim a questão suscitada pela Recorrente.

- Do abuso do direito

Sustenta a recorrente que a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa da iniciativa do trabalhador excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé, ou seja o recorrido actuou com abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, já que em 24/07/2015 por sua iniciativa denunciou o contrato com aviso prévio e posteriormente em 31/07/2015 revogou tal denuncia e invocou a verificação de justa causa, sendo certo que os factos motivadores da mesma verificaram-se durante mais de três anos sem que o trabalhador os tivesse utilizado para resolver o contrato.

Vejamos se lhe assiste razão.

Prescreve o artigo 334.º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Pretende-se, por este meio, evitar que no exercício de um qualquer direito sejam ultrapassados os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. No entanto, não basta um qualquer desvio do fim económico ou social ou uma qualquer ofensa à boa-fé e aos bons costumes, uma vez que o citado preceito exige que ocorra um excesso manifesto no exercício dum direito pelo seu titular.

Como referem Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, pg. 217. A este propósito “… não basta que do exercício dum direito advenham prejuízos para outrem, sendo necessário que o seu titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, decorrentes da tutela da confiança e impostos pelos padrões morais de convivência social reinantes na comunidade de contexto, bem como pelo fim económico e social que justifica a existência desse direito, redundando numa injustiça flagrante (sem que seja exigível que tenha consciência disso, como resulta da concepção objectiva do instituto, acolhida no nosso ordenamento jurídico).”

Em suma e conforme se diz no Acórdão do STJ de 6/12/2017, proferido no proc. 3649/13.8TTLSB.S2 (relator Gonçalves Rocha) “Não é assim, um qualquer exercício excessivo de um direito que o torna, só por si, proibido, pois o que se exige é que o respectivo titular ultrapasse, manifesta e clamorosamente, os limites impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa-fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito.

Nesta conformidade, e conforme se diz acórdão deste Supremo Tribunal de 16/11/2011“… existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”

Como modalidade do abuso de direito quer a doutrina, quer a jurisprudência salientam, a do “venire contra factum proprium” que no dizer do prof.º Vaz Serra (RLJ 111º, pág 296) corresponde ao exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha, de boa fé, confiado e, com base nela, programado a sua vida. Ou seja caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.

Como se sumariou no acórdão do STJ de 16/1172011, proc. 203/08.0TTSNT.P1.S1 (relator Pereira Rodrigues) “II - Como figura integradora de comportamento típico de abuso do direito a doutrina costuma mencionar, entre outras, a do “venire contra factum proprium”, que na sua estrutura pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o “factum proprium”) é contraditada pela segunda (o “venire”), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso do direito.”

Nestas situações a paralisação do direito é justificada pela tutela da confiança e da congruência do comportamento, resultante da uma anterior conduta de um sujeito que é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele no futuro se comportará de determinada maneira.

A questão que se coloca no caso vertente é a de saber se justifica a paralisação do direito do recorrido/trabalhador resolver o contrato de trabalho com justa causa e com direito a indemnização.

Para fundamentar a sua pretensão alega a Recorrente que decorre dos pontos 11, 14, 18 a 24 e 28 dos factos provados que o recorrido tinha perfeito conhecimento de que desde Junho de 2012 não estava a ser paga a retribuição que entendia que tinha direito, apesar disso, durante mais de 3 anos não resolveu o contrato de trabalho com justa causa e por fim, quando pretender fazer cessar o contrato de trabalho denunciou-o com aviso prévio. No entanto, posteriormente 31/07/2015 veio a resolver o contrato alegando como justa causa a falta culposa do pagamento pontual da retribuição, facto esse que há muito conhecia, designadamente à data em que denunciou o contrato, excedendo assim manifestamente os limites impostos pela boa fé.
Salvo o devido respeito, por opinião em contrário, afigura-se-nos dizer que à Recorrente não assiste razão, pois os factos provados não nos permitem de forma alguma concluir que o recorrido actuou manifestamente em desconformidade com a boa-fé.
Na verdade os factos provados são claros e precisos relativamente à motivação que levou o autor a alterar a sua decisão relativamente à forma como fez terminar a relação contratual que mantinha com a Recorrente, não resultando da mesma qualquer outro facto que não seja o exercício legítimo e atempado de um direito que lhe assistia.
Se por um lado é certo que durante mais de três anos se conformou com a situação criada pelo empregador de incumprimento retributivo, sem que tivesse esboçado qualquer reacção. Por outro lado, estava convicto que a situação de incumprimento retributivo iria regularizar-se, mais que não fosse aquando do término do contrato, tal como havia sucedido com outros colegas de trabalho.

Assim, foi apenas ao aperceber-se que o empregador se recusava a liquidar as diferenças retributivas que estavam por liquidar, o que apenas sucedeu após ter denunciado com aviso prévio o contrato, que entendeu resolver o contrato com justa causa e precisamente com fundamento na falta do pagamento parcial da retribuição.

O facto de o trabalhador ter tolerado durante três anos o comportamento ilícito do empregador, violador das mais elementares garantias legais do trabalhador, não significa de forma alguma a sua aceitação, mas sim apenas a sua tolerância. E o facto de ter denunciado o contrato com aviso prévio ao invés de ter optado pela resolução com justa causa, apenas nos permite concluir que o trabalhador convicto de que lhe iria ser liquidada a parte da retribuição que lhe havia sido retirada em Junho de 2012, ficaria satisfeito se decorrido o prazo de aviso prévio lhe tivesse sido liquidada tal retribuição.

Ora, mas foi perante a recusa do empregador em liquidar a retribuição em falta, que o trabalhador resolveu o contrato com justa causa, sendo mais do que expectável ao empregador que tal viesse a suceder, pois mantendo-se o seu comportamento infractor em termos irreversíveis, ao trabalhador mais não restava do que reagir.

Importa ainda acrescentar que o facto de o trabalhador ter denunciado o contrato com aviso prévio, não significa de forma alguma que tal pudesse gerar no empregador a convicção de que o trabalhador não iria jamais reclamar os seus direitos laborais decorrentes do contrato e existentes entre as partes, não podemos esquecer as especificidades da relação laboral, designadamente a subordinação jurídica e económica, a que normalmente o trabalhador está sujeito durante a relação laboral, razão pela qual o facto de silenciar e não reagir durante a vigência do contrato, não significa que esteja a prescindir do reconhecimento dos seus direitos e que quando os venha a exercer aja em abuso do direito dado que, manifestamente, não excede os limites sociais e económicos do seu direito subjectivo, nem os limites da boa fé e dos bons costumes

Assim, apesar do recorrido se ter mantido durante um largo período de tempo em silêncio, sem reivindicar os seus direitos, não se pode afirmar que essa sua conduta possa ter gerado na contraparte a justificada convicção de que o A. jamais iria reclamar os seus créditos laborais e que não iria reagir em conformidade perante a recusa no cumprimento dos seus deveres pelo empregador. Nem a sua actuação ao resolver o contrato com justa causa ultrapassa de forma clamorosa o fim social ou económico dos direitos reclamados, nem excede manifestamente a boa fé e os bons costumes.

Em suma, não podemos concluir que o exercício do direito de resolução do contrato com justa causa por iniciativa do trabalhador tenha sido manifestamente excessivo, já que este actuou em resposta legítima ao comportamento do empregador, utilizando a prerrogativa que a lei lhe confere, sendo inexistente e desprovida de fundamento a expectativa do empregador de que por ter denunciado o contrato o trabalhador não considerava existir justa causa para resolução do respectivo contrato.
Assim sendo e porque consideramos que a conduta do trabalhador não integra a figura do abuso do direito, improcede também esta questão.
Pelo exposto, teremos de concluir pela improcedência total a apelação

V – DECISÃO

Ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do CPT. e 663.º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por ”Empresa X, LDA”, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique
Guimarães, 17 de Maio de 2018


Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins