Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1631/10.6TBFAF.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
LIQUIDATÁRIO
SÓCIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Após o registo de encerramento da dissolução da sociedade, a mesma é considerada extinta, nos termos do disposto no artº 160, nº2, do CSC e as funções dos liquidatários terminam, nos termos do artº 151, nº 8, do mesmo código.

II – O sócio nomeado liquidatário da sociedade, não pode exigir o pagamento de créditos a terceiros, já existentes aquando da deliberação de dissolução, através de acção proposta em data posterior à data do registo de encerramento da dissolução.

III – Nessa altura, o sócio não pode agir em nome da sociedade porque esta já não existe e, não pode agir como liquidatário da mesma porque essas funções terminaram com a extinção daquela.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

O A., JOSÉ… , residente na Rua ..., Gandarela de Basto, da freguesia de S. Clemente, Celorico de Basto, intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra a R., E… , LDA, com sede na Rua ..., da freguesia de Fafe, em Fafe, pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 16 649,91, referente ao capital e juros de mora vencidos, acrescido de juros de mora vincendos à taxa legal de 8,00% e à que, entretanto, vier a ser legalmente fixada, sobre a quantia de € 12 168,50, até efectivo e integral pagamento.

Para o efeito o mesmo alegou que a sociedade comercial denominada Confecções… , Unipessoal, Lda., com sede na Rua Professor ..., da freguesia e comarca de Fafe, dedicou-se durante muitos anos à actividade de confecção. No exercício daquela actividade a aludida sociedade prestou, à ré, a pedido desta, serviços de confecção, mormente, mão-de-obra, titulados pelas facturas n.º 156 e n.º 157, com datas de vencimento em 29/02/2008 e 31/03/2008, respectivamente, no montante global de €19.602,00. Sucede que a ré, do respectivo preço, apenas pagou à dita sociedade Confecções… , Unipessoal, Lda., o montante de €7.433,50, relativo a parte da factura n.º 157. A ré ficou a dever àquela sociedade a quantia de €12.168,50. O autor já por diversas vezes instou a ré para lhe efectuar o pagamento daquela quantia em dívida. No entanto, a Ré apesar de reconhecer a dívida e prometer pagar, ainda não o fez e nem se presume que o venha a fazer.

Citada a Ré, contestou por excepção, invoca a ilegitimidade do autor e a compensação de créditos a seu favor, e por impugnação.

Conclui pedindo a total improcedência da acção, por procedência da excepção da compensação e, consequentemente, seja a Ré absolvida do pedido, com as devidas consequências legais;

Caso assim não se entenda,

Por procedência da excepção da ilegitimidade do Autor e, consequentemente, seja a Ré absolvida da instância, com as devidas consequências legais.

Na sua resposta, o autor pugna pela sua legitimidade, pela falta do direito de compensação invocado pela ré, concluindo com o pedido de improcedência da excepção deduzida e como na petição inicial.

De seguida foi proferido despacho saneador/sentença que concluiu pela legitimidade das partes, julgando improcedente a alegada excepção dilatória da ilegitimidade do autor e, julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido formulado na mesma.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou o autor, terminando as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

Contra-alegou a ré terminando as suas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se na seguinte e única questão, saber se o valor de um crédito apurado aquando do encerramento da liquidação, a sua cobrança poderá ser por este exigida judicialmente à devedora, aqui recorrida, após o registo de dissolução e encerramento da sociedade.


*

II - FUNDAMENTAÇÃO

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (a considerar atento o teor dos documentos juntos aos autos e o acordo das partes):

1- A sociedade comercial “Confecções J. C.… , Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua Professor Manuel José Costa, da freguesia e comarca de Fafe, dedicou-se durante muitos anos à actividade de Confecção;

2- No exercício daquela sua actividade a aludida sociedade prestou, à Ré, a pedido desta, serviços de confecção, mormente, mão-de-obra, titulados pelas facturas n.º 156 e n.º 157, com datas de vencimento em 29/02/2008 e 31/03/2008, respectivamente, no montante global de €19.602,00; - cfr. teor dos docs. que se juntam sob os nºs 1 e 2 – cfr. fls. 8 e 9 dos autos;

3- Em Assembleia Geral Ordinária da “JC…, Lda.” de 31.07.2008, foi deliberado, entre outros, a dissolução da sociedade bem como a nomeação do Autor como liquidatário da mesma, com menção especial a um activo daquela sociedade referente a um crédito que dispunha sobre a Ré, no montante de €12.168,50 sendo que o sócio José… , ora Autor ficaria incumbido de tratar de todos os assuntos relacionados com essa cobrança – cfr. fls. 11 e 12 –acta nº 7 junta como doc. 4, com o articulado de petição inicial.

4- Em aditamento à acta nº 7, a que se reporta o nº anterior, o seu único sócio declarou “a verificação da inexistência de activo e passivo da sociedade” – cfr. fls.14 e 15 dos autos – junto como doc. 4 com a petição inicial.

5- A Dissolução e Encerramento da sociedade “JC..., Lda.” foi apresentada “a registo” junto da competente Conservatória do Registo Comercial em 05.08.2008, sob “Insc. 4 AP 1/20080805” – conforme se constata pela cópia da Certidão do Registo Comercial.

6- A presente acção judicial é intentada contra a Ré, em Setembro de 2010, sendo a Ré dela citada no dia 29 do mesmo mês e ano.

Vejamos:

Consta do facto assente nº 5, que em 05 de Agosto de 2008, o aqui A., na qualidade de sócio e gerente da firma J.C…. , Ldª, utilizando uma das formas legalmente previstas no Código das Sociedades Comerciais (CSC) para a dissolução das sociedades, cfr. artºs 141º, nº 1, al. b) e 145º, nº 1, ambos do CSC, apresentou a registo, junto da Conservatória do Registo Comercial, a dissolução daquela sociedade.

Este acto foi precedido da deliberação tomada em Assembleia geral, cfr. facto assente nº3, de onde consta: “…, foi deliberado, entre outros, a dissolução da sociedade bem como a nomeação do Autor como liquidatário da mesma, …”, cfr. consta da certidão junta a fls. 11 e 12, dos autos, designada acta nº 7.

Que dizer, então, da repercussão da prática destes actos na vida da sociedade, sabendo que, a dissolução da sociedade é coisa totalmente diferente da sua extinção. Aquela, é o começo do processo que irá determinar a última, acompanhada da liquidação do património, satisfação do passivo e repartição do activo.

Como é sabido, a sociedade dissolvida continua a ter existência jurídica, embora apenas para a liquidação do seu património e partilha do resíduo pelos sócios, cfr. arts. 146º ss, do CSC e, enquanto em liquidação mantém a personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação (arts. 146º-2, e 160º-2).

Assim, apesar de ser decretada a sua dissolução, a sociedade continua, durante a fase da liquidação, temporariamente, a exercer a actividade social, cfr. artº 152º, nº2, als.a) e b, do CSC.

Terminada a liquidação, os liquidatários devem requerer o registo de encerramento da liquidação, que marca o termo de personalidade jurídica da sociedade, cfr. artº 160º CSC e artº 3º, al. s), do CRC, já que só no termo do processo de liquidação, através do registo do seu encerramento, é que a sociedade se considerará extinta, cfr. artº 160º, nº2, já referido.

O A. requereu o registo da dissolução e encerramento da sociedade, conforme consta do facto assente nº5.

Daqui, tem de se concluir, que sem personalidade jurídica, a sociedade, J.C… , Ldª, extinta não tem personalidade judiciária, deixou de poder ser parte, cfr. artº 5º do CPC) e, tal falta de personalidade judiciária no caso, não é possível ser sanada, já que não se trata de modo algum de situação enquadrável no que dispõe o artº 8º, do mesmo diploma.

Na falta de personalidade judiciária, é evidente a falta de capacidade judiciária, não podendo, por isso, nos termos do artº 9, do mesmo código “…estar, por si, em juízo.” e, também não o pode estar através dos seus representantes, já que para este efeito necessitava de, igual modo, de ter aquela capacidade judiciária.

Logo, não existindo a sociedade, J.C… , Ldª, desde 2008, não pode o seu ex-sócio e único, propor, em 2010, acção para reclamar direitos que à extinta sociedade pertenciam, já em 2008, não se podendo aplicar o disposto no artº 162, do CSC, já que, tal preceito aplica-se, apenas, às acções pendentes.

Aqui chegados não há dúvida, perante o exposto, que o A. não poderia intentar a presente acção na qualidade de ex-sócio da sociedade extinta, nem é dessa forma que o mesmo se apresenta a litigar nesta acção.

O mesmo alega fazê-lo como liquidatário nomeado para esse efeito.

Que dizer, sobre este aspecto?

Revendo, a dissolução e encerramento da sociedade, J.C… , Ldª, foi apresentada “a registo” junto da competente Conservatória do Registo Comercial em 05.08.2008, sob “Insc. 4 AP 1/20080805” – conforme consta da cópia da Certidão do Registo Comercial, junta a fls. 38, dos autos, tendo o A., alegando ter sido nomeado liquidatário da mesma, intentado a presente acção contra a ré, em 21.09.2010 e, esta sido citada no dia 29.09.2010.

Dispõe o art. 151, nº 8 do CSC, que as funções do liquidatário, nomeadamente a prevista no art. 152º, nº 3 alínea b) “cobrar os créditos da sociedade”, terminam com a extinção da sociedade. Ora esta ocorreu em 5.08.2008, através do Registo da Dissolução e Encerramento da sociedade de que o A. era sócio e gerente.

É verdade que o referido naquele nº 8, do artº 151 não colide com o disposto nos artºs 162, 163 e 164 do mesmo código. Mas, também é certo que o caso em apreciação não se enquadra em nenhuma das situações previstas naqueles artigos.

O artigo 162º, respeita a situações em que, à data da extinção da sociedade existam acções pendentes em que a mesma seja parte. Logo, não é o caso dos autos, a acção contra a ré só foi intentada após a extinção.

O artigo 163º, respeita a situações em que está em causa um passivo da sociedade, pelo que, também, não é aplicável aos presentes autos.

O previsto no artigo 164º, respeita a situações em que está em causa um activo superveniente, o que, de igual modo, não é a situação em causa nos presentes autos. Não estamos perante um “activo superveniente”, resultante de “algo” que se tenha verificado após o encerramento da liquidação e extinção da sociedade. O crédito que o autor, agora, vem reclamar, na qualidade de liquidatário, já era conhecido à data da deliberação de dissolução da sociedade em 31.07.2008, data da Assembleia Geral Ordinária cfr. consta do facto assente nº 3.

Aí, foi deliberado, entre outros, a dissolução da sociedade bem como a nomeação do autor como liquidatário da mesma, com menção especial a um activo daquela sociedade referente a um crédito que dispunha sobre a Ré, no montante de € 12.168,50 sendo que o sócio José… , ora autor ficaria incumbido de tratar de todos os assuntos relacionados com essa cobrança, cfr. acta nº 7 e aditamento, juntos a fls. 11, 12 e 15, dos autos.

Mas, as funções do autor, como liquidatário da sociedade, J.C… , Ldª, terminaram com a extinção desta, por força do Registo da Dissolução e Encerramento da sociedade “J.C… , Ldª” junto da Conservatória do Registo Comercial em 05.08.2008 e, nos termos do artº 151, do CSC, que dispõe, no seu nº 8 “– As funções dos liquidatários terminam com a extinção da sociedade, sem prejuízo, contudo, do disposto no artigo 162o, artigo 163º e artigo 164º.”, que, como já vimos, não têm aplicação no caso.

Face a isso, à data em que intentou a presente acção contra a ré, em Setembro 2010, o autor já não tem a qualidade, em que alega fazê-lo, essas terminaram em 05.08.2008, com a “extinção da sociedade” J.C… , Ldª, credora do débito aqui peticionado.

Assim, falece a conclusão do apelante, referida em 8), quando refere “ainda liquidatário”.

O A. já não é liquidatário da sociedade quando intentou a acção.

À data da propositura da acção, a sociedade já não existe e o A. já não é seu liquidatário para poder intentar novas acções relativamente a créditos da sociedade existentes desde a decisão de dissolução da mesma.

O A., não obstante a dissolução que ocorreu e, está devidamente registada, na sequência de deliberação dele próprio, seu único sócio, durante este processo de extinção, podia, a todo o tempo, ter posto termo a tal processo de dissolução e regressar à sua actividade normal e, podia nesse período como liquidatário da sociedade ter proposto a presente acção, mas o certo é que não logrou fazê-lo antes do acto final de extinção da sociedade, o qual formalizou com o registo da liquidação, através da inscrição registral de 05.08.2008, muito anterior à data em que instaurou a presente.

Concluindo, o autor nem na qualidade de ex-sócio, nem na de liquidatário podia intentar a presente acção.

E, não sendo ele o titular do crédito que reclama contra a ré, bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu: “a presente acção terá de improceder sem mais”.

Não tendo a mesma decisão procedido à violação de qualquer dispositivo legal, nomeadamente, os mencionados pelo apelante no ponto 15 das suas conclusões.

Consequentemente, deve manter-se a decisão recorrida, improcedendo a apelação.


*

SUMÁRIO (artº 713, nº7, do CPC):

I – Após o registo de encerramento da dissolução da sociedade, a mesma é considerada extinta, nos termos do disposto no artº 160, nº2, do CSC e as funções dos liquidatários terminam, nos termos do artº 151, nº 8, do mesmo código.

II – O sócio nomeado liquidatário da sociedade, não pode exigir o pagamento de créditos a terceiros, já existentes aquando da deliberação de dissolução, através de acção proposta em data posterior à data do registo de encerramento da dissolução.

III – Nessa altura, o sócio não pode agir em nome da sociedade porque esta já não existe e, não pode agir como liquidatário da mesma porque essas funções terminaram com a extinção daquela.


*

III – DECISÃO

Em conformidade com o que se expôs, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo autor/apelante.

Notifique.

Guimarães, 6 de Dezembro de 2011

Rita Romeira

Amílcar Andrade

José Rainho