Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2777/12.1TBBRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: TEMAS DA PROVA
FACTOS ESSENCIAIS
ANULAÇÃO DA DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.

II- Incontornável resulta, assim, que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados.

III- Por isso, a não abrangência pelos temas da prova enunciados de factos essenciais ou nucleares de um das pretensões deduzidas, acarreta a anulação da decisão, uma vez que se não pode considerar que, realmente, sobre uma tal factualidade, por decorrência de um incumprimento ou do não exercício do contraditório, de um modo directo, incisivo e intencional tenha sido arrolado e produzido todo o substrato probatório que, efectivamente, o poderia teria sido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as partes tiveram a plena consciência de que esse facto fazia parte de um dos temas de prova enunciados.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: V…, Ldª e O…, Ldª.

Recorridos: V…, Ldª e O…, Ldª.

Tribunal Judicial de Braga – Varas Mistas.

V…, Lda., NIPC 502475340, com sede no Largo S. João do Souto, 14/15-2º, 4700-326 BRAGA, propôs a presente acção ordinária contra:

1. “Condomínio das fracções autónomas da zona comercial e cave com a subcave do prédio designado por Edifício Granjinhos”, sito na Av. da Liberdade e na Rua 25 de Abril, freguesia de Braga (São José de São Lázaro), desta cidade e concelho de Braga, representado pela sua administradora a sociedade O…, LDA, NIPC 505007886, com sede no dito Edifício Granjinhos, Av. Da Liberdade 432-5º piso, sala 29, 4710 - 249 BRAGA;

2. J… e mulher R…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Estrada Vicente de Carvalho, 1549, Apartado 503, Rio de Janeiro, BRASIL;

3. J… e mulher M…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua Solano da Cunha, 241, Ilha do Governador, Rio de Janeiro, BRASIL;

4. I… e mulher V…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua Visconde Cabo Frio, 14/801 Tijuca, Rio de Janeiro, BRASIL; e

5. J… e mulher M…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes em 3 Rue Edmond Gondinete, Paris 13, FRANÇA, estes 2ºs a 5ºs a ser representados nos autos pela também representante do 1º, a sociedade O…, LDA, pedindo a anulação:

a) da deliberação da Assembleia de Condóminos tomada na reunião de 2012-02- 17, pela qual os 2ºs a 5ºs RR aprovaram o orçamento das despesas do condomínio que integra a fracção CE, na parte respeitante à despesa fixada para pagamento de serviço de Vigilância; e

a) da deliberação da Assembleia de Condóminos tomada na reunião de 2012-02- 17, pela qual os 2ºs a 5ºs RR aprovaram o orçamento das despesas do condomínio que integra a fracção CE, na parte respeitante à despesa fixada para pagamento de serviço de Vigilância; e

b) da liquidação feita pela 1ª R, que, na sequência daquela deliberação que aprovou o orçamento das despesas, debitou à A, na proporção directa da permilagem da fracção CE, a sua quota-parte nas despesas orçamentadas de electricidade e de vigilância, com acréscimo do respectivo IVA.

Posteriormente, a mesma Autora propôs a acção sumária nº 5.930/12.4TBBRG contra:

1. “Condomínio das fracções autónomas da zona comercial e cave com a subcave do prédio designado por Edifício Granjinhos;

2. J… e mulher R…;

3. J… e mulher M…;

4. I… e mulher V…;

5. M…, solteiro, maior, residente em 3 Rue des Petits Hotels, 75010 Paris, FRANÇA e;

6. M…, solteira, maior, residente em 3 Rue des Petits Hotels, 75010 Paris, FRANÇA;

7. M… e marido F…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua da Bela Vista, da comarca de Amares;

8. M… e marido J…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Estrada Vicente Carvalho, 1550, C-02, Rio de Janeiro, Brasil; e

9. M… e marido A…, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, residentes em 33 Av. Pierre, 1er, Service, PARIS XVI França, pedindo desta feita:

a) a anulação da deliberação da Assembleia de Condóminos tomada na reunião de 2012-06-06, pela qual os 2ºs a 9ºs RR aprovaram como despesa do condomínio para o segundo semestre de 2012, o custo do serviço de Vigilância privada; e

b) que se declare que é ilegal a imputação dessa mesma despesa à fracção CE, na proporção directa da permilagem.

Por fim, a Autora intentou, ainda, a acção ordinária nº 2.589/13.5TBBRG contra:

1. “Condomínio das fracções autónomas da zona comercial e cave com a subcave do prédio designado por Edifício Granjinhos;

2. J… e mulher R…;

3. J… e mulher M…;

4. I… e mulher V…;

5. M…;

6. M…;

7. M… e marido F…;

8. M… e marido J…;

9. A…, casada com R… sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua Monsenhor Ferreira, 341, 4710-407 BRAGA;

10. R…, Lda., com sede na Av. da Liberdade, 424- 6º, sala 8, 4710 - 249 BRAGA;

11. A… e esposa A…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua Monsenhor Ferreira, 341, 4710-407 BRAGA;

12. A… e esposa E…, casados sob o regime da comunhão geral de bens, residentes na Rua Monsenhor Ferreira, 347, 4710-407 BRAGA; e

13. V…, Lda., com sede na Av. da Liberdade, 424- 6º, sala 8, 4710 - 249 BRAGA, pedindo agora que se declare:

a) a anulação da deliberação da Assembleia de Condóminos tomada na reunião de 2013-02-18, pela qual os 2ºs a 13ª RR aprovaram o orçamento das despesas do condomínio do condomínio para o ano de 2013, na parte relativa à A e às despesas de vigilância e despesas consequentes (IVA e Fundo Comum de Reserva); e

b) a invalidade da liquidação da quota-parte da A nas despesas de vigilância e electricidade e despesas consequentes, a que a administradora do condomínio procedeu, no âmbito dos poderes que lhe são atribuídos no artº 1.436º-d) e e) do CCivil.

Alegou a Autora, em todas as acções, que é proprietária da fracção CE do Edifício Granjinhos, a qual se encontra actualmente devoluta e não tem comunicação com as partes comuns interiores do edifício, dando directamente para a via pública. Como tal, defende que as despesas aprovadas para vigilância e para iluminação (estas últimas apenas em causa na presente acção e na acção nº 2.589/13.5TBBRG) não servem a sua fracção, pelo que a deliberação em causa é inválida nesta parte.

O Réu contestou cada umas das referidas acções, excepcionando a ilegitimidade passiva e impugnando os factos e as razões invocada pela Autora na petição inicial, já que as despesas em causa também a beneficiam.

Na acção sumária nº 5.930/12.4TBBRG excepcionou, ainda, a caducidade do direito de propositura da acção.

Concluiu pela improcedência da acção.

A Autor apresentou réplica, pugnando pela legitimidade passiva dos Réus e pela improcedência da excepção peremptória de caducidade, reiterando ainda o já alegado na petição inicial.

Foi ordenada a apensação da acção sumária nº 5.930/12.4TBBRG e da acção ordinária nº 2.589/13.5TBBRG supra identificadas à presente acção, ao abrigo do disposto nos arts. 275º nº 1 do C.P.C. (na redacção então em vigor).

Procedeu-se a audiência prévia, onde as partes mantiveram as posições respectivamente assumidas nos respectivos articulados, não obstante terem tentado alcançar um acordo sobre os termos do litígio.

Foi, então, proferido despacho saneador, no qual foi negado provimento à excepção dilatória de ilegitimidade e foi julgada improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de propositura da acção.

Foi, ainda, fixado o objecto do litígio e enunciado os temas da prova.

Posteriormente, foi proferida decisão que, julgando parcialmente procedente as acções, declarou ilegais e, consequentemente, anulou as liquidações feitas pelo 1º Réu, na sequência das deliberações da Assembleia de Condóminos tomadas nas reuniões de 2012-02-17 e de 2013-02-18 que aprovaram os orçamentos das despesas, na parte em que debitou à Autora, na proporção directa da permilagem da fracção “CE”, a sua quota-parte nas despesas orçamentadas de electricidade, com acréscimo do respectivo IVA e eventual acréscimo de contribuição para o fundo comum de reserva, absolvendo os Réus do restante pedido.

Inconformada com tal decisão, apela a Autora, V…, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões:

(…)

*

Os Apelados não apresentaram contra alegações.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:

- Analisar da existência ou não de erro na definição do objecto do litígio e dos temas de prova, por não abrangência de factos essenciais ou nucleares do pedido deduzido pela Autora.

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada.

- Apreciar se, como decorrência dessa alteração, ou mesmo que se entenda não ser de a ela proceder, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida, com relação às despesas de vigilância.

- Apreciar se deve ou não ser mantida a decisão recorrida que declarou ilegais e procedeu à anulação das liquidações feitas pelo primeiro Réu, na sequência das deliberações da assembleia de condóminos tomadas nas reuniões de 2012.02.17 e 2013.02.18.

*

III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como assente e indemonstrada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:

1. Por escritura pública de 23 de Agosto de 1989 foi constituída a propriedade horizontal do prédio conhecido por Edifício Granjinhos, com 14 pisos, sito na Av. da Liberdade 420 a 462, e na Rua 25 de Abril, 468 a 536, freguesia de Braga (São José de São Lázaro), desta cidade e concelho de Braga, descrito na 2ª CRP de Braga sob o nº 422 da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana da mesma sob o artigo 2275;

2. Nesse prédio encontra-se instalado o denominado “Centro Comercial dos Granjinhos”;

3. A Autora é proprietária da fracção autónoma CE, também designada como Loja 15 do Centro Comercial, no piso 2, com o nº 530 da Rua 25, de Abril, com o valor relativo de 13 mil avos, para comércio e outras actividades económicas, com registo de aquisição da propriedade da mencionada fracção a favor da Autora de 1992-03-10;

4. Os restantes Réus são proprietários das seguintes fracções autónomas do mesmo imóvel, com as designações e permilagens que seguem:

- J… e mulher R…: fracção BO, Loja 1, piso 2, Comércio e outras, 6,7; BP, Loja 2, piso 2, Comércio e outras, 8,4; CL, Loja 21, piso 3, Comércio e outras, 20,5; CS, Loja 28, piso 3, Comércio e outras, 7,1; CX, Loja 32, piso 3, Comércio e outras, 2,6; CZ, Loja 33, piso 3, Comércio e outras, 11,1; DA, Loja 34, piso 3, Comércio e outras, 2,6; DC, Loja 36, piso 3, Comércio e outras, 9,7;

- J… e mulher M…: CF, Loja 16, piso 2, Comércio e outras, 18,1; CD, Loja 14, piso 2, Comércio e outras, 6,7; CG, Loja 17, piso 2, Comércio e outras, 12,4; CM, Loja 22, piso 3, Comércio e outras, 11,0; CN, Loja 23, piso 3, Comércio e outras, 11,3; CT, Loja 29, piso 3, Comércio e outras, 7,8; CU, Loja 30, piso 3, Comércio e outras, 6,2; CV, Loja 31, piso 3, Comércio e outras, 7,5; DE, Loja 38, piso 4, Comércio e outras, 26,1;

- I… e mulher V…: DD, Loja 37, piso 4, Comércio e outras, 32,4;

- J… e mulher M…: DG, Loja 40, piso 4, Comércio e outras, 0,4;

- M… e M…: BQ, Loja 03, piso 2, Comércio e outras, 3,5; BS, Loja 05, piso 2, Comércio e outras, 6,9; BZ, Loja 10, piso 2, Comércio e outras, 3,2;

- R…, Lda.: EC, Loja 11-C, piso 2, Comércio, 4,6;

- M… e marido F…: CB, Loja 12, piso 2, Comércio e outras, 9,3;

- M… e marido J…: CC, Loja 13, piso 2, Comércio e outras, 3,4;

- M… e marido A…: DN, Loja 46, piso 4, Comércio e outras, 6,5;

- A… e marido R…: DP, Loja 48, piso 4, Comércio e outras, 7,8;

- R…, Lda.: EC, Loja 11-C, piso 2, Comércio, 4,6;

- A… e esposa A…: EE, Loja 11-E, piso 2, Comércio, 4,1;

- A… e esposa E…: EG, Loja 11-G, piso 2, Comércio, 2,7;

- V…, Lda.: EN, Loja 24-C, piso 3, Comércio, 6,4.

5. Consta do registo da inscrição da constituição da propriedade horizontal do prédio referido que “os condóminos de cada conjunto de fracções autónomas, com acesso privativo ou interesses idênticos” …(designadamente a)… “zona comercial e cave com a subcave (fracção DX), poderão designar administradores para cada um desses conjuntos”.

6. A sociedade “O…, Ldª.” tem vindo a desempenhar as funções de administradora do conjunto das fracções autónomas desse mesmo prédio que constituem a designada zona comercial e cave com a subcave, como condomínio autónomo, tendo sido eleita para o exercício correspondente ao ano de 2012 por deliberação tomada na reunião da Assembleia de Condóminos de 2012-01-30 e para o exercício correspondente ao ano de 2013 por deliberação tomada na reunião da Assembleia de Condóminos de 2013-02-18.

7. A fracção CE esteve arrendada, até final de 2011, a uma locatária/comerciante, que, até então, suportava todas as despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e o pagamento dos serviços de interesse comuns, quer do interesse dos condóminos, quer as do interesse dos comerciantes ali instalados.

8. Aquela Assembleia de Condóminos iniciada e suspensa em 2012-01-30, continuou em reunião de 2012-02-17 para aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano de 2012.

9. Esse orçamento foi aprovado com os votos favoráveis dos 2ºs a 5ºs RR. da presente acção - e contra da A. -, incluindo as seguintes rubricas de despesas: a) Vigilância, referente ao pagamento a uma empresa que assegura a vigilância todos os dias das 20H00 às 8H00 e aos dias úteis e sábados também das 12H00 às 20H00, no valor de 51.507,58€; b) EDP, referente ao pagamento do consumo de energia eléctrica, no valor de 13.144,77€; c) IVA, à taxa de 23%, que incide sobre os montantes de ambas as despesas das alíneas que antecedem, a elas acrescendo.

10. Por carta datada de 2012-02-28, dirigida à A, a Administradora do 1º Réu notificou-a da liquidação da quota parte que deveria pagar, juntando um mapa de "distribuição por fracção" das despesas orçamentadas ("Orç") e do Fundo Comum de Reserva ("FR."), da qual resultava que a Administradora dividira todas as despesas anuais, incluindo aquelas de Vigilância e Electricidade por todas as fracções do condomínio (à excepção da fracção DX) em função da permilagem.

11. Em Assembleia Extraordinária de Condóminos realizada no dia 2012-06-05 foi aprovado, com os votos favoráveis dos 2ºs a 9ºs RR da acção referente ao apenso A e voto contrário da A, foi aprovada uma proposta de orçamento de despesas de Vigilância para o 2º semestre de 2012, a qual imputa aos condóminos a despesa correspondente ao custo do serviço de Vigilância entre as 20H00 e as 8H00, tendo aí sido afirmado pelo representante da Administradora que, tal como as demais despesas, o custo do serviço de vigilância privada também seria devido por todas as fracções do condomínio (à excepção da fracção DX) em função da permilagem.

12. Por deliberação da Assembleia de Condóminos de 2013-02-18, com os votos favoráveis dos 2ºs a 13ª Réus da acção referente ao apenso B - e contra da Autora -, foi aprovado o orçamento das despesas para o ano de 2013, incluindo as seguintes rubricas de despesas: a) de vigilância, referente ao pagamento a uma empresa de vigilância privada para assegurar a vigilância todos os dias das 20H00 às 8H00, no valor de 38.280,00€; b) EDP, referente ao pagamento do consumo de energia eléctrica, no valor de 11.000,00€; c) IVA, à taxa de 23%, sobre os montantes de ambas as despesas das alíneas que antecedem, a elas acrescendo.

13. A Administradora do 1º Réu notificou a Autora da liquidação da quota parte que deveria pagar, juntando um mapa de "distribuição por fracção" das despesas orçamentadas ("Orç") e do Fundo Comum de Reserva ("FR."), da qual resultava uma vez mais que a Administradora dividira todas as despesas anuais, incluindo aquelas de Vigilância e Electricidade por todas as fracções do condomínio (à excepção da fracção DX) em função da permilagem.

14. A fracção CE está completamente devoluta e não tem qualquer comunicação com as partes comuns interiores do edifício.

15. A porta de acesso a esta fracção dá directamente para uma galeria que forma um corredor com cerca de três metros de largura, situado no exterior do edifício e da área fechada do Centro Comercial, cujo tecto é formado pelos pisos superiores do edifico do Centro Comercial, que avançam até ao limite exterior da mesma, cobrindo-a em toda a sua extensão.

16. A mesma galeria constitui um espaço aberto e sem qualquer vedação ou restrição de acesso a qualquer transeunte que aí queira aceder, provindo da artéria (Rua 25 de Abril) com a qual confronta longitudinalmente, 365 dias por ano e 24 horas por dia.

17. A iluminação da referida galeria não é suportada pelo condomínio.

18. A fracção CE não se serve do consumo de electricidade paga pelo condomínio, nem se serve de qualquer parte comum que seja iluminada ou gaste electricidade do condomínio.

Factos não provados:

a) A despesa aprovada para Vigilância visa pagar os serviços (desse tipo) contratados com o objectivo de prevenir/evitar os furtos das mercadorias e valores dos estabelecimentos comerciais instalados nas fracções deste condomínio (3 dos 14 pisos do edifício) e prevenir outros actos indesejados apenas nas partes comuns interiores do edifício;

b) A fracção “CE” não é servida pelo sistema de detecção de incêndio que existe nas partes comuns interiores.

Fundamentação de direito.

Comecemos então por apreciar e decidir da alegada existência ou não de erro, cometido na audiência prévia, na definição do objecto do litígio e dos temas de prova, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Como fundamento da sua pretensão alega a Recorrente, em síntese, que respeitando o presente recurso apenas à questão das despesas da vigilância, a decisão recorrida julgou não provado o facto da falta de interesse (directo) dos meros condóminos, facto esse que considerou controvertido e essencial para a discussão e decisão da causa, e que, por falta da sua prova, determinou a improcedência de um dos pedidos.

Todavia, em seu entender, esse facto não se compreendia no Objecto do litígio, nem nos Temas de Prova definidos na Audiência prévia, que se mantiveram inalterados até ao encerramento da Audiência final, mas cuja insuficiência foi expressamente reconhecida na sentença, infringindo-se, assim, o disposto nos artigos 3º.3, 6º.1 e 596º.1, em desrespeito pelos princípios do contraditório e da justa composição do litígio, do Estado de Direito Democrático e da Tutela Jurisdicional Efectiva (artºs 2º e 20º da CRP).

Na verdade, efectuada apenas na Sentença (ao fundo de fls. 10), a alteração do teor do Objecto do litígio e dos Temas de Prova, esta limitou-se a referir o interesse dos condóminos no serviço de vigilância, sem confrontar o interesse dos condóminos senhorios com o interesse dos comerciantes (condóminos ou não) titulares dos estabelecimentos em exploração, na consideração de que o "interesse" relevante para efeitos do artº 1424º, nº1, do C.Civil é o “interesse directo” e não o meramente indirecto ou reflexo.

A Sentença, que considerou como não provados os aludidos factos, devia ter julgado provado que a despesa aprovada para Vigilância respeita às fracções de 3, dos 14 pisos do edifício, com base nos concretos meios probatórios supra indicados em B.6-a), e pelas razões aí enunciadas.

A propósito da questão suscitada começaremos por referir que ela contende e a mais se não subsume do que numa de maior amplitude, que é precisamente a de saber, de entre a factualidade alegada pelas partes, qual é aquela que o Juiz deverá seleccionar e ao abrigo de que critérios, e isto, quer se trate de materialidade confessada ou assente, ou de materialidade controvertida

Ora, como é consabido, a possibilidade de conhecimento do mérito da causa no despacho saneador só foi consagrada no Decreto n.º 18.552, de 03.07.1930, que veio permitir o julgamento antecipado da lide, quando o processo contivesse todos os elementos necessários para esse efeito, estipulando-se no artigo 510.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (na redacção dos Decretos-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro e n.º 180/96, de 25 de Setembro), que, “findos os articulados, se não houver que proceder à convocação da audiência preliminar, o juiz profere, no prazo de vinte dias, despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos, ou de alguma excepção peremptória”, tendo tal despacho, para todos os efeitos, o valor de sentença.

E, sempre que assim não pudesse acontecer, por falta desses elementos, dispunha-se no artigo 511.º, n.º 1, desse mesmo diploma que “O juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”.

Com a consagração deste regime processual mais se não pretendeu do que evitar o arrastamento de acções que logo nesta fase já contenham todos os elementos necessários a uma boa decisão e em que as partes apenas discordem da solução jurídica da questão a dirimir.

Contudo, a adopção desta solução, tendo como subjacentes razões de celeridade, salvaguarda, no entanto, ou assenta no pressuposto, de que seja sempre possibilitada às partes a discussão e prova, em sede de audiência, da factualidade que alegam e que poderá conduzir a soluções jurídicas muito mais abrangentes, ainda que se não afigurem possíveis na fase do saneador ou, pelo menos, a um desfecho diverso daquele que ao juiz do processo pareça ser o correcto nesse momento processual.

E assim sendo, nessas situações, em ordem a que se proceda a uma clarificação da factualidade alegada, deverá o juiz proceder a realização de audiência de julgamento, momento processual adequado à prossecução desse desiderato, abstendo-se, por consequência de proferir decisão a conhecer do pedido, o que, como se deixou dito, somente deverá fazer no despacho saneador sempre que o processo contiver todos os elementos que possibilitem decisões segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não simplesmente aqueles que possibilitem a decisão de conformidade com o entendimento do juiz do processo.

Destarte, sempre que uma dessas soluções impuser o prosseguimento do processo em ordem ao apuramento dos factos alegados, não pode proferir-se decisão sobre o mérito da causa, e, na dúvida, deve o processo prosseguir os seus normais termos, com a organização de uma base instrutória e a passagem à instrução e produção das provas, apresentando-se excepcional o conhecimento antecipado de mérito e normal o seu prosseguimento para a fase de julgamento.

Como refere A. Varela, “excepcional é que, com o encerramento dos articulados, o julgador tenha à sua disposição todos os factos que interessam à resolução da questão de direito exclusivamente suscitada pelas partes, ou encontre nos autos todos os elementos de prova essenciais ao julgamento da matéria de facto envolvida no litígio”[1].

Assim, (…) quer na selecção dos factos assentes, quer na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável.

A Base Instrutória, no respeito da matéria alegada, como é evidente, deve permitir a discussão ampla da matéria de facto de modo a que seja possível encontrar para o caso, tal como emerge do julgamento da matéria de facto, a solução de direito que decida com justiça.

Nos termos da lei, a BI não deve apertar a discussão a uma única solução da questão de direito (que afinal pode não ser a adequada), mas a outras que se mostrem legalmente plausíveis, como já se disse”.

A elaboração da base instrutória, tal como sucedia anteriormente com o questionário, continuava a ser pautada pela preocupação de disciplinar a instrução, definindo a matéria carecida de prova, embora sem se alhear da dinâmica inerente à realidade factual subjacente ao processo, ou seja, procurando sempre que o tribunal no julgamento da matéria de facto tivesse sempre uma considerável margem para a explanação do efectivo e concreto quadro factual decorrente da prova produzida em juízo, em ordem à promoção de uma justa composição do litígio.

Esta forma mais flexível de se proceder à organização da base instrutória, teve, como é óbvio, implicações na actividade de produção de prova e bem assim em sede de julgamento, acarretando como principal decorrência que a decisão de facto constituísse uma descrição de uma determinada situação factual em conformidade com a prova que o tribunal produziu.

Com efeito, ao nível da decisão final, persistindo embora a previsão do art. 664º, a lei claramente não restringiu os poderes cognitivos do tribunal em matéria de facto àquilo que foi originariamente alegado, já que é feita a ressalva do disposto no art. 264º, o que tem conexão com a possibilidade de ampliação da base instrutória de que a alínea f) do nº 2 do art. 650º.

E se isto assim era no domínio da lei processual anterior, nada se alterou de relevante com a entrada em vigor do novo código de processo civil.

Na verdade, e no essencial do que contende e pode estar em causa na situação em apreço, as regras que integram os supra aludidos cânones comuns vigentes em processo civil, a que a actividade do tribunal tem de obedecer, são, na sua substancia, idênticas, designadamente, com relação aos factos que se devem considerar confessados em razão do ónus da impugnação especificada (Cfr. art.º 574 do actual C.P.Civ.), bem com, com relação às demais regras subsidiariamente aplicáveis (Cfr. art.ºs 591, nº 1, al. g) e 596, nº 1), do actual C.P.Civ.), cujas alterações, não se assumem de relevo para os aspectos agora em referência.

A principal decorre do disposto no artigo 596, nº 1, do C.P.C., que, derrogando o artigo 511, do diploma anterior, passou a estipular que, “proferido o despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova”, e não já, como no domínio da legislação anterior, que “o juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida”.

Mas, como se refere na exposição de motivos da proposta de lei 113/XII/2ª, “(…) Relativamente aos temas de prova a enunciar, não se trata de uma quesitação atomística de pontos de facto, outrossim de permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decora sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais facilmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos factos. Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, travando a vertente fáctica da lide, se limite a responder a questões até eventualmente não formuladas”.

Assim, é com vista ao assegurar de que a instrução decorra sem limites artificiais, balizada apenas pelos limites que resultam da causa de pedir e das excepções deduzidas, que se estatui no nº 1 do art. 5º, do actual C.P.C., que o ónus de alegação que impende sobre as partes se restringe aos factos essenciais que constituem a causa de pedir e àqueles em que se baseiam as excepções invocadas, e bem assim, e que se estipula no nº 2, do mesmo preceito, que os poderes de cognição do tribunal não se circunscrevem aos factos originariamente alegados pelas partes, já que também devem ser considerados pelo juiz os factos que resultem da instrução da causa, quer sejam instrumentais, quer sejam complemento ou concretização dos alegados, exigindo-se, quanto aos últimos, que as partes hajam tido oportunidade de pronúncia.

A instrução da causa tem, assim, nos termos do disposto no artigo 410, do C.P.C., por objecto os “temas da prova enunciados”, sendo que, em sede de actividade probatória, é estabelecido que a testemunha depõe sobre a “matéria dos temas da prova”, exigindo-se que o faça com precisão e com a indicação da razão da ciência e de quaisquer outras circunstâncias que justifiquem o conhecimento, conforme o disposto no artigo 516º, co mesmo diploma.

Relativamente aos critérios que deverão nortear a enunciação dos temas da prova, cumpre dizer, desde já, que o método a empregar é fluído, não sendo susceptível de se submeter a “regras” tão precisas e formais quanto as relativas ao questionário e mesmo à base instrutória.

Assim, a enunciação dos temas da prova deverá ser balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das excepções invocadas, nos exactos termos que lide justifiquem.

No limite, pode dizer-se que haverá tantos temas da prova quantos os elementos integradores do tipo legal em causa, o que implica que o juiz e os mandatários das partes atentem nisso.

Para ponderação dos temas de prova contribuirá decisivamente a circunstância de a enunciação dos temas da prova ocorrer logo em seguida à identificação do objecto do litígio, uma vez que esta identificação logo determinará uma adequada consciencialização daquilo que estará realmente em jogo na acção, e designadamente, na audiência de julgamento.

Destarte, se a formulação de quesitos, no regime da base instrutória, se destinava a impedir a consideração de quaisquer pontos que não tivessem correspondência atomística ou naturalística com as questões previamente formuladas, e sendo certo que o conceito de temas da prova contém em si mesmo uma maior flexibilidade, permitindo que a sua a respectiva enunciação seja efectuada de modo mais vago ou difuso, ora mais concreto ou preciso, em razão das necessidades de uma instrução adequada ao proporcionar de uma justa composição do litígio, nem por isso deixou de conter os seus próprios limites, sendo por isso evidente que, em abstracto, não pode ser objecto de produção probatória qualquer factualidade que nele manifestamente se não contenha, a não ser nos moldes e respeitadas as formalidades concretamente previstos na lei processual – artigo 5, do C.P.C..

A grande alteração foi, assim, de paradigma. Visou-se que na instrução seja permitido fazer-se uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, os factos que consabidamente, de acordo com as regras processuais aplicáveis, se devam ter como assentes ou se reconheçam como de relevo para esse efeito.

Assim, e à semelhança do que sucedia na vigência do anterior Código de Processo Civil, cujo artigo o artigo 513.º dispunha que a instrução tinha por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, a instrução, no código actual, tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, sendo que, em conformidade com o que se dispões no artigo 410.º, desse mesmo diploma, a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

Por isso, a “prova continuará a incidir sobre os factos concretos que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados (…), bem como sobre os factos probatórios de onde se deduza, ou não, a ocorrência destes factos principais e sobre os factos acessórios que permitam ou vedem esta dedução, uns e outros denominados como factos instrumentais”[2], fazendo-se, como se deixou dito, “uma livre investigação e consideração de toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a matéria relevante para essa mesma decisão da causa, sem que, contudo, se tenha deixado de fixar, dentro dos limites definidos pela causa de pedir, devendo a decisão “incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais”[3].

E é a luz de tudo quanto se acaba de expor que cumprirá analisar e decidir da questão que ora nos ocupa.

Ora, compulsados os autos, constata-se que o objecto do litígio e os temas de prova forma definidos nos seguintes termos:

“Objecto do litígio:

"Saber se as deliberações do R de 17.02.2012, 06.06.2012 e 18.02.2013 estão feridas de anulabilidade, nos termos do artº 1433º, nº 1, do Cód. Civil."

Temas de prova

"1. A fracção "CE" tem comunicação com as partes comuns interior do edifício ou com a via pública;

2. As despesas de iluminação da galeria para onde dá a frente das fracções são ou não suportadas pelo réu;

3. A fracção é ou não servida pelo sistema de detecção de incêndio comum."

Efectuada a audiência de julgamento deu o tribunal como não provada a seguinte factualidade:

“Com relevo para a discussão da causa, não se provou que:

“a) A despesa aprovada para Vigilância visa pagar os serviços (desse tipo) contratados com o objectivo de prevenir/evitar os furtos das mercadorias e valores dos estabelecimentos comerciais instalados nas fracções deste condomínio (3 dos 14 pisos do edifício) e prevenir outros actos indesejados apenas nas partes comuns interiores do edifício;

b) A fracção “CE” não é servida pelo sistema de detecção de incêndio que existe nas partes comuns interiores”.

E é precisamente o facto contido na antecedente alínea a), dos factos não provados da decisão recorrida que, e como a própria decisão reconhece, tendo sido relevante para essa decisão, a Recorrente considera não se encontrar contido nos temas de prova enunciados.

Ora, dado o carácter acentuadamente restrito dos temas de prova enunciados (que apenas contendem ou versam com características físicas do edifício onde se insere a fracção “CE”, em apreço nos autos, irrelevantes para a decisão sobre as despesas de segurança, bem como, com a questão de saber se o Réu suporta ou não as despesas de iluminação da galeria para onde dá a frente das fracções e ainda se a fracção é ou não servida pelo sistema de detecção de incêndio comum"), e não tendo sido enunciado qualquer tema de prova em cujo núcleo de factos essenciais possa ter inserção a supra aludida materialidade tida como indemonstrada, e que tenha por objectivo a resolução do litígio atinente à determinação da responsabilidade pelas despesas com a vigilância, também se nos afigura que, efectivamente, uma tal factualidade se não insere nos temas de prova enunciados.

Sucede que, compulsados os autos constata-se ainda que, de facto, a Recorrente alegou a aludida materialidade tida como indemonstrada, sendo com fundamento nela que aduz ou faz assentar a sua discordância com a aprovação da despesa de vigilância, e subsequente pedido de anulação da deliberação da assembleia de condóminos.

E, por outro lado, incontroversa resulta igualmente a relevância da mencionada matéria de facto para a boa decisão da questão em apreço, da perspectiva supra expendida, ou seja, de molde a permitir a discussão ampla da matéria de facto de modo a que seja possível encontrar para o caso, tal como emerge do julgamento da matéria de facto, a solução de direito que decida com justiça, tanto quanto é certo que, da sua demonstração, inquestionavelmente podem decorrer e, efectivamente, decorrem, efeitos juridicamente relevantes para a sorte ou procedência ou não da pretensão deduzida pela Autora.

O art° 662° do C.P.C. prevê as hipóteses em que o Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto decidida pelo tribunal da ia instância.

Independentemente de constarem ou não do processo todos os elementos de prova (é este o sentido do art° 662, nº2, al. c), do C.P.C.), são concedidos à Relação poderes oficiosos, sempre que na decisão da primeira instância ocorre algum dos vícios elencados.

O procedimento há-de ser, então, o de reapreciar a decisão de facto, se constarem todos aqueles elementos probatórios; ou o de anular a decisão da primeira instância, se eles não constarem.

Com efeito, nos termos do n° 2, al. c), do preceito citado “quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados sobre a matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Ou seja, é hoje prática corrente e aceite que a regra é a da não anulação da decisão, devendo o tribunal da Relação sanar esses vícios, mesmo oficiosamente, socorrendo-se dos elementos de prova que existam nos autos.

Só no caso de não constarem do processo esses elementos deve ser anulada a decisão, e remetidos os autos à 1ª instância para ser repetido o julgamento, embora apenas limitado aos factos contraditórios.

E por isso se tem vindo a entender que “(…) Por virtude do alargamento do conjunto de elementos probatórios à disposição da Relação e da ampliação dos seus poderes cognitivos, após a revisão processual operada em 1995/1996, se criaram as condições para tornar excepcional a anulação da decisão proferida em primeira instância”[4].

Ora, entre esses vícios, já no domínio da vigência do Código de Processo Civil anterior, sempre se tinha vindo a entender, que estavam precisamente todas aquelas situações em que se considerasse indispensável a ampliação da matéria de facto, por situação relacionada com a preterição do critério fundamental, contido no nº 1, do artº 511, desse mesmo diploma legal, e em que, e não obstante a falta oportuna de reclamação, nem por isso os ocasionais vícios ficam sanados, podendo vir a ser apreciados posteriormente pela Relação, até oficiosamente, no eventual recurso que venha a ser interposto.

No entanto, e sendo certo que, como solução, em abstracto, se nos afigura manter plena validade no domínio lei processual vigente (embora como é óbvio, repostada aos temas de prova e não à base instrutória), não se nos afigura, contudo, que a presente situação se reconduza e, consequentemente, possa ser solucionada como sendo uma situação enquadrável nas situações previstas na aludida disposição que o tribunal pode solucionar sem proceder à anulação da sentença proferida.

Na verdade, parece-nos que a presente situação se não reconduz ou subsume a uma situação que possa ser resolvida pela indagação e esclarecimento da questão de saber se, eventualmente, em razão de a prova produzida se impõe decisão diversa, ou em que por virtude de a matéria de facto se revelar deficiente, obscura ou contraditória, ser necessário proceder à sua alteração, ou em que se entenda, por indispensável ao conhecimento do objecto do litigio, ser proceder a uma ampliação da matéria de facto.

Com efeito, e independentemente das soluções perfilhadas ou tomadas, e sendo incontroverso que se está perante uma decisão bem estruturada e fundamentada, do ponto de vista do tratamento das questões de direito, como da análise e fundamentação crítica do substrato probatório, e que, dada o seu aprofundado desenvolvimento, sem dificuldade se admitiria que a valoração da prova nela efectuada até possa nem conter nenhum erro, e tenha mesmo sido realizada em pleno respeito pela integridade do seu sentido, e bem assim, que do processo, ou até mesmo tão só da própria motivação produzida, se poderia concluir pelo acerto ou não da decisão recorrida sobre o facto tido como não provado, o certo é que a questão em apreço nos autos envolve outros aspecto, que se não podem solucionar desse modo.

Na verdade, entendendo-se, como se entende, dada além do mais a sua evidência, que o aludido facto se não pode inserir, nem insere, nos temas de prova enunciados, o que forçosamente se terá de concluir é que, ou se omitiu temas de prova incidentes sobre materialidade cujo apuramento se revelava necessária ao conhecimento de uma questão suscitada e a decidir, ou, pelo menos, não se procedeu a uma enunciação de temas da prova em termos tão abrangentes como o impunha o conhecimento integral ou pleno do objecto do litígio.

Ora, se como se deixou dito, e é incontroverso, a enunciação dos temas de prova visa delimitar o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa, incontornável igualmente daí resulta que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados.

E assim sendo, essa livre investigação, sendo certo que deve incidir sobre toda a matéria com pertinência para a decisão da causa, sem uma prévia definição do que é a factualidade relevante para essa mesma decisão da causa, não pode, contudo e obviamente, deixar também de ter como limites os próprios temas da prova, do que decorrem como necessárias consequências, por um lado, que os temas de prova se têm de conter dentro dos limites definidos pela causa de pedir, e por outro, que não pode ser produzida qualquer prova que não incida sobre factos neles ínsitos, do que inelutável e logicamente se infere que não pode ter sido produzida ou sequer aduzida qualquer prova sobre factos que não integrem os temas de prova.

Como decorre do disposto no artigo 5, do C.P.C., o ónus de alegação circunscreve-se aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas.

No âmbito dos factos essenciais, é possível distinguir, essencialmente, dois planos, isto é, factos essenciais nucleares e os factos essenciais complementares, constituindo os “nucleares” o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, e revestindo os “complementares” uma natureza de completadores de uma causa de pedir ou de uma excepção complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele.

Na situação vertente, de linear evidência resulta que o facto em referência tido como indemonstrado, constitui um facto essencial ou nuclear de um das pretensões deduzidas pela Autora.

Ora, sendo evidente a sua não inserção nos temas de prova enunciados, em razão ou com incidência sobre os quais se processou ou foi efectuada toda a actividade instrutória, e sem embargo do carácter notório dessa sua não inserção ou da sua não abrangência pelos temas da prova enunciados, que pode até ter motivado, dada a sua essencialidade, designadamente, e desde logo, para a procedência das pretensões da Recorrente, que sobre ele tenha sido produzida toda a prova existente e disponível, o certo é que, perece-nos inegável, por virtude dessa não inserção do aludido facto nos temas da prova, de modo algum de poderá afirmar terem as partes arrolado sobre uma tal factualidade, de um modo directo, incisivo e intencional, todo o substrato probatório que, efectivamente, poderia teria sido arrolado e produzido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as partes disso tiveram plena consciência, de que esse facto fazia parte de um dos temas de prova enunciados, e de que, por consequência, sobre ele deveriam, ou, pelo menos, tinham a possibilidade de fazer incidir os meios probatórios entendidos por adequados e convenientes ao seu dispor.

Destarte, em face da não abrangência do aludido facto tido como indemonstrado, pelos temas da prova, e do consequente incumprimento do contraditório quanto a esse facto, em termos de adução e produção de meios probatórios, insanável resulta a dúvida sobre se terão ou não sido produzidos todos esses meios na disponibilidade das partes sobre uma tal factualidade, revelando-se, por decorrência, de absoluta inutilidade proceder à análise de todos os meios probatórios produzidos nos autos em ordem a indagar pelo acerto ou não da convicção do tribunal, resta-nos, pois, por força do estatuído no artigo 662º, nº 2, al c), do C.P.C., anular a decisão proferida em primeira instância, para que aí, em novo julgamento, se proceda à ampliação dos temas da prova, de molde a abrangerem o facto em referência, constante da alínea a), dos não provados, da decisão recorrida, seja suprida a não inserção desse facto nos temas de prova, proferindo-se subsequentemente nova sentença.

Desta forma, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos Recorrentes. - artigo 608, nº2, do C.P.C..

Sumário – artigo 663, nº 7, do Código de Processo Civil.

I- A enunciação dos temas de prova delimitam o âmbito da instrução, para que ela se efectue dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, assegurando uma livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.

II- Incontornável resulta, assim, que a instrução continua a ter por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que constituem, impedem, modificam ou extinguem o direito controvertido, tal como plasmados nos articulados.

III- Por isso, a não abrangência pelos temas da prova enunciados de factos essenciais ou nucleares de um das pretensões deduzidas, acarreta a anulação da decisão, uma vez que se não pode considerar que, realmente, sobre uma tal factualidade, por decorrência de um incumprimento ou do não exercício do contraditório, de um modo directo, incisivo e intencional tenha sido arrolado e produzido todo o substrato probatório que, efectivamente, o poderia teria sido, se resultasse inequívoco, linear e claro que e as partes tiveram a plena consciência de que esse facto fazia parte de um dos temas de prova enunciados.

IV- DECISÃO.

Em face do exposto, por omissão ou não abrangência da factualidade supra referida nos temas de prova enunciados, acordam os Juízes desta secção cível em anular essa sentença, determinando a repetição do julgamento para suprimento da falta, que não abrangerá a parte não viciada, podendo, no entanto, o tribunal de primeira instância ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, que considere abrangida pelo tema de prova a enunciar, com o fim exclusivo de evitar contradições na decisão a proferir.

Não são devidas custas pela Recorrente.

Guimarães, 17/ 12/ 2014

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo

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[1] Cfr. Antunes Varela e outros no seu “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, ano de 1985, a páginas 385.

[2] Cfr. Cfr. Lebre de Freitas, in Sobre o novo Código de Processo Civil – Uma visão de fora, pág. 19,in http://cegep.iscad.pt/images/stories.

[3] Cf. Lebre de Freitas, ob cit., pg. 19.

[4] Cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n° 346/2009, de 8 de Julho, DR, 2 série, de 18 de Agosto de 2009.