Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7320/15.8T8GMR.G1
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
DECISÃO PROVISÓRIA
ARTIGO 2007
Nº 2
DO CÓDIGO CIVIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Resulta do art. 2007º, nº 2 do CC que, nos casos em que a obrigação de alimentos devidos a menor, fixada em decisão provisória que venha a cessar por motivo superveniente, mas que não afecta a sua validade (v.g. porque a acção definitiva - onde se fixariam os alimentos em termos definitivos - foi julgada improcedente), as quantias entretanto pagas e recebidas pelo menor não são, em qualquer caso, restituídas ao obrigado de alimentos.

II- O disposto no art. 2007º, nº 2 do CC só é, porém, aplicável quando, no momento em que é proferida a decisão provisória, a obrigação de alimentos era legalmente devida.

III- Nos casos em que a decisão provisória de fixação de alimentos for anulada, (deixando assim, nesse momento, a obrigação de alimentos de ter fundamento legal. para ser exigida), o disposto no citado nº 2 do art. 2007º do CC não encontra campo de aplicação”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

Recorrente(s): -Maria.
Recorrido: Ministério Público
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A presente acção de regulação do exercício das Responsabilidades Paternais foi instaurada pelo Ministério Público, em representação da menor DM, contra a sua mãe, a aqui Recorrente.
Alegava-se nessa petição inicial que a menor se encontrava aos cuidados dos padrinhos MF e PS, os quais deveriam ser convocados para a Conferência a que se refere o art. 35º do RGPTC- cfr. Petição Inicial.
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Em 2.12.2015 foi designado dia para a realização da Conferência.
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Em 16.12. 2015, a Recorrente apresentou um requerimento em que peticionou o seguinte:
Pelo exposto, a acção não pode prosseguir, por efeito da excepção de ilegitimidade e da excepção dilatória inominada de erro na forma do processo que constituem causa de absolvição de instância… “.
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Entretanto, foram proferidas decisões que contendiam com a tramitação do processo e a sua eventual apensação, tendo prevalecido a sua tramitação autónoma (com a consequência da referia Conferência ter sido dada sem efeito).
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Insistiu a Recorrente pela prolação de decisão que incidisse sobre as questões enunciadas naquele primeiro Requerimento- 8.2.2016.
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Foi designada nova data para a realização da Conferência, tendo a mesma sido realizada em 10.5.2016 com a presença da menor e dos padrinhos (mas sem a presença da progenitora/Recorrente).
Na sequência foi proferida a seguinte decisão provisória (na parte pertinente ao presente Recurso):

A progenitora contribuirá com a quantia mensal de €200,00 a título de alimentos devidos à menor, a transferir até ao dia oito do mês a que disser respeito por meio de transferência bancária para o IBAN que o padrinho fornecerá à progenitora, quantia que será actualizada de acordo com o índice anual de inflação publicado pelo INE.”
(na sequência das cláusulas anteriores de onde decorre que a menor foi entregue “à guarda e cuidados do padrinho PS, com quem residirá e a quem competirão as responsabilidades parentais totais”)
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A Recorrente juntou o requerimento de fls. 87 e ss. (a 12 de Maio de 2016), insistindo pela pronúncia sobre as anteriormente invocadas excepções dilatórias de ilegitimidade das partes e de erro no processo e, ainda, o esclarecimento do sucedido na Conferência por tal se revelar manifestamente ilegal.
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A 27 de Maio de 2016 apresentou a Recorrente novo requerimento, onde declara que:
“…não dá o acordo ao regime provisório de regulação das responsabilidades parentais…”;
“…o acto praticado de realização da Conferência de Pais e a decisão de regulação das responsabilidades parentais e a fixação de alimentos a título provisório, a favor do menor, enfermam de nulidade… devendo a decisão ser declarada nula”
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A fls. 110 a 112 foram proferidas, de uma forma fundamentada, as seguintes decisões:
-“Improcedem as arguidas excepções de ilegitimidade e de erro na forma do processo….”
- “Cremos que, também, neste passo (da invocada nulidade da decisão provisória), não foi cometida qualquer ilegalidade e ou qualquer nulidade, pelo que se indefere a arguição das mesmas.”
Na sequência, designou-se nova data para a realização de uma Conferência de pais.
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A Recorrente interpôs Recurso daquela decisão.
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A 1 de Agosto de 2016, o Requerente PS intentou incidente de incumprimento da pensão de alimentos atribuídos à menor DM, contra a Recorrente.
Notificada a Recorrente apresentou alegações, onde conclui pela sua absolvição do incidente.
Além do mais, “visando assegurar o interesse da menor, realizou um depósito autónomo de 400 € a 8.8.2016 deixando nas mãos do Tribunal a decisão de qual o destino a dar a este montante…”- o que resulta de fls. 166 a 170 dos autos principais.
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No âmbito do processo principal, entretanto, na sequência de vários requerimentos das partes, realizou-se uma Conferência de pais em 28 de Setembro de 2016, com a presença da Recorrente, na qual foi logrado um acordo entre a progenitora e a terceira pessoa (padrinho) a quem a menor havia sido confiada, provisoriamente, acordo de onde resulta que a Menor voltaria a residir com a mãe, acordo esse homologado pela competente sentença- fls. 236 a 238
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no incidente de incumprimento, apresentou a Recorrente, em 3.11.2016, novo requerimento, insurgindo-se quanto à entrega da aludida quantia ao Requerente (do incidente de incumprimento) a 21.10.2016.
Pede que seja declarada nula a restituição do valor do aludido depósito, devendo o mesmo ser condenado a devolver o referido valor ao Tribunal.
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Foi designada data para a realização de uma Conferência (no âmbito do incidente de incumprimento)
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Entretanto, a progenitora veio arguir a incompetência territorial do Tribunal porque a menor passou a residir consigo desde Outubro de 2016.
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Opôs-se o Requerente a essa excepção.
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Entretanto, foi proferido o Acórdão da Relação de Guimarães- 16.2.2017- que decidiu o seguinte:
“julgar parcialmente procedente a Apelação e, em consequência, anular o processado posterior à citação da Requerida, ora Recorrente, devendo convidar-se o Ministério Público a suscitar a intervenção principal, como associados daquela, dos guardiães da menor, o casal formado por PS e MF, seguindo-se os demais trâmites da acção tutelar comum”.
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A fls. 81 foi proferida decisão que, tendo em consideração o teor do Acórdão da Relação, determinou o arquivamento do incidente de incumprimento das responsabilidades parentais- 28.3.2017.
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A fls. 319 foi proferida decisão de arquivamento nos autos principais- 16.5.2017- decisão que foi notificada aos Intervenientes processuais
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A fls. 85 (dos autos de incumprimento) veio então a Recorrente requerer que fosse ordenado ao “interveniente acidental” (Requerente do incidente de incumprimento) que devolvesse o depósito autónomo efectuado ao presente processo (no montante de 400 €) e consequentemente, fosse o mesmo devolvido à Requerente- 17 de Maio de 2017.
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De seguida, o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte decisão (em 5.06.2017):
“Fis. 85 e segs.: atenta a promoção que antecede, e o disposto no art° 2007°, n° 2 do Código Civil, indefiro ao requerido.
Notifique.”
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Por requerimento apresentado em 26.6.2017, a Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“V- CONCLUSÕES

I. No âmbito do presente processo, a Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães invocando a excepção inominada de erro na forma do processo e a excepção dilatória de ilegitimidade e requerendo a nulidade da conferência realizada a 10 de Maio de 2016 e na qual foi regulado o regime provisório das responsabilidades parentais.
II. O Interveniente Acidental intentou a 1 de Agosto de 2016 incidente de incumprimento das responsabilidades parentais com base no regime fixado na conferência realizada a 10 de Maio de 2016, solicitando a condenação da Recorrente a pagar-lhe €400,00.
III. A Recorrente solicitou ao tribunal a quo que se pronunciasse sobre esta obrigação, e pediu que os autos aguardassem o acórdão desta Relação.
IV. Face à já habitual ausência de resposta do tribunal de 1.ª instância, a Recorrente como garantia que não iria fugir às suas obrigações, realizou, a 8 de Agosto de 2016, um depósito autónomo no valor de €400,00.
V. Sem que tivesse qualquer fundamento para tal, o Tribunal a quo ordenou a entrega deste valor ao Interveniente Acidental.
VI. A 16 de Fevereiro de 2017 o Tribunal da Relação de Guimarães concedeu provimento ao recurso, anulando todo o processado posterior à citação da Recorrente, designadamente, a conferência de pais realizada no dia 10 de Maio de todas as decisões nela proferidas.
VII. Face a isto, a Recorrente solicitou novamente ao Tribunal que fosse ordenada a restituição do valor pago como depósito autónomo e entregue ao Interveniente Acidental.
VIII. A 5 de Junho de 2017 o Tribunal indeferiu o requerido alegando “atenta a promoção que antecede e o disposto no artigo 2007.º, n.º 2 do Código Civil”.
IX. Este artigo 2007.º refere-se aos casos em que tenha existido uma decisão, provisoria ou definitiva, que fixou alimentos às partes.
X. Ora, tendo sido anulado todo o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais estabelecido na conferência, nunca existiu nenhuma obrigação ou dever da Recorrente entregar alimentos ao Interveniente Acidental.
XI. Tendo sido anulado todo o processado nunca sequer existiu regime provisório de responsabilidades parentais ou de fixação de alimentos, sendo inaplicável à situação sub iudice, o disposto no artigo 2007º do Código Civil.
XII. A conferência de pais realizada em Maio de 2016 foi anulada não podendo produzir quaisquer efeitos jurídicos.
XIII. Assim, houve um enriquecimento sem causa do Interveniente Acidental nos termos do artigo 473.º do Código Civil, devendo ser repetido o indevido nos termos do artigo 476.º do mesmo diploma.
XIV. Pelo exposto, requer-se a substituição da decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo, que indeferiu a restituição da quantia de 400€, depositada pela Recorrente, por outra que determine a sua restituição, como efeito da nulidade do acto processual que determinou a fixação provisória de alimentos e em cumprimento do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.“
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Foram apresentadas contra-alegações pelo Ministério Público, onde o mesmo pugna pela procedência do Recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, a Recorrente coloca a seguinte questão que importa apreciar:
- Saber se é admissível a restituição de quantias pagas a título de alimentos provisórios quando a decisão que fixou os alimentos foi anulada em sede de Recurso.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais já atrás consignados no relatório do presente Acórdão e o teor da decisão proferida que já se transcreveu na integralidade atrás e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como supra se referiu, a única questão que importa apreciar e decidir consiste em saber se é admissível a restituição de quantias pagas a título de alimentos provisórios quando a decisão que fixou os alimentos provisórios foi anulada em sede de Recurso.
Entendeu o Tribunal Recorrido que não, fundamentando-se no disposto no art. 2007º, nº 2 do CC.
Insiste a Recorrente que assim não é, argumentando principalmente com a ideia de que “tendo sido anulado todo o regime provisório de regulação das responsabilidades parentais estabelecido na conferência, nunca existiu nenhuma obrigação ou dever da Recorrente entregar alimentos ao Interveniente Acidental (…), sendo inaplicável à situação sub iudice, o disposto no artigo 2007º do Código Civil”.
Cumpre decidir.
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Estabelece o art. 28º, nº 1 do RGPTC que: “… em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão”.
Ora, foi neste âmbito que, no caso concreto, ficou estabelecido na Conferência de pais realizada em 10.5.2016 a seguinte decisão provisória:

A progenitora contribuirá com a quantia mensal de €200,00 a título de alimentos devidos à menor, a transferir até ao dia oito do mês a que disser respeito por meio de transferência bancária para o IBAN que o padrinho fornecerá à progenitora, quantia que será actualizada de acordo com o índice anual de inflação publicado pelo INE.”
(na sequência das cláusulas anteriores de onde decorre que a menor foi entregue “à guarda e cuidados do padrinho PS, com quem residirá e a quem competirão as responsabilidades parentais totais”)
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Nesta sequência, e em cumprimento da referida decisão provisória, não tendo a Requerida progenitora procedido ao cumprimento do determinado na decisão provisória quanto à pensão de alimentos provisoriamente fixada, o aludido guardião (Terceira pessoa a quem a menor foi confiada – cfr. art. 40º do RGPCT e arts. 1907º e 1918º do CC) - veio deduzir o competente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (art. 41º do RGPCT).
Entretanto, notificada a Requerida/Recorrente nesse incidente, esta apresentou alegações, onde concluiu pela sua absolvição do incidente.
Mais referiu que “visando assegurar o interesse da menor, realizou um depósito autónomo de 400 € a 8.8.2016 deixando nas mãos do Tribunal a decisão de qual o destino a dar a este montante…”- o que resulta de fls. 166 a 170 dos autos principais.
Ora, como resulta dos factos provados, essa quantia veio a ser entregue à aludida Terceira pessoa (com quem a menor se encontrava a residir em termos provisórios), o que o Tribunal certamente terá efectuado por ter entendido que tal decorria do cumprimento estrito da decisão provisória, então ainda em vigor.
Prosseguindo o processo principal, a verdade é que, na pendência da instância de Recurso, a progenitora e a terceira pessoa a quem tinha sido confiada provisoriamente a menor, vieram a alcançar um acordo de regulação das responsabilidades parentais em Conferência de pais realizada em 28 de Setembro de 2016, onde se estabeleceu que a Menor voltaria a residir com a mãe, acordo esse homologado pela competente sentença- fls. 236 a 238.
Sucede que, não tendo sido essa factualidade comunicada ao Tribunal de Recurso, a verdade é que este em 16.2.2017 veio a proferir a seguinte decisão:
“julgar parcialmente procedente a Apelação e, em consequência, anular o processado posterior à citação da Requerida, ora Recorrente, devendo convidar-se o Ministério Público a suscitar a intervenção principal, como associados daquela, dos guardiães da menor, o casal formado por PS e MF, seguindo-se os demais trâmites da acção tutelar comum”.
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Ora, tendo em conta certamente o estado dos autos- que, como se referiu, não era do conhecimento do Tribunal de Recurso- a verdade é que, em face da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, o Tribunal Recorrido- a nosso ver bem (o que a Recorrente também não parece pôr em causa) - decidiu arquivar quer o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (em 28.3.2017), quer os autos principais (em 16.5.2017), ponderando certamente que os interesses da menor, com a sentença homologatória do acordo entretanto estabelecido, já se encontravam plenamente assegurados.
Na verdade, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, tendo em conta os princípios a que devem obediência os processos de jurisdição de menores, nomeadamente, o facto de se tratar de um processo de jurisdição voluntária (art. 987 do CPC; cfr. art. 12º do RGPCT)(1), e considerando-se que os superiores interesses da menor estavam plenamente salvaguardados, atendo o acordo estabelecido entre a progenitora e a terceira pessoa com quem a menor provisoriamente tinha ficado a residir, não seria curial anular todo o processado posterior à citação, e repetir toda a tramitação que culminaria novamente com a homologação do acordo anteriormente estabelecido- até porque se trataria, desde logo, da prática de actos perfeitamente inúteis (art. 130º do CPC).
É esse também o entendimento do Exmo. Magistrado do Ministério Público que, em sede de alegações, desenvolveu argumentação concordante com o que aqui referimos:

“Não obstante o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (recurso 7320j15.8T8GMR-B.G1), certo é que com a sentença de 28 de Setembro de 2016, que homologou o acordo obtido, foi posto termo à questão de fundo subjacente aos autos. (…)
Os Recorridos - o casal constituído por PS e MF, ao tempo guardiões de facto, estiveram presentes na conferência, com intervenção na mesma, e deram anuência ao acordado.
Como se refere a final, o Tribunal ouviu a jovem e decidiu de acordo com a opinião pela mesma manifestada.
Desta forma, à luz do princípio orientador desta jurisdição, do art 4°.1, a) do RGPTC, solucionou-se a questão a dirimir (…).
(A) sentença homologatória transitou pacificamente em julgado. A menor regressou pacificamente à Madeira, à casa da mãe, aqui Recorrente.
Assim, deixou de haver razão para se intentar nova acção, para a qual passou a ser territorialmente competente o Juízo de Família e Menores do Funchal (art 9° RGPTC), porquanto já anteriormente à prolação do acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 16 de Fevereiro de 2017, a menor DM se encontrava a viver na Madeira.
Do ponto de vista da resolução do fundo da questão e da necessidade de acção tutelar comum, a questão foi definitivamente dirimida nos autos, com aquele acordo já obtido, judicialmente homologado. Não se mostrava útil ou necessário qualquer meio de resolução da questão centrada nas responsabilidades parentais, estas da titularidade e exercício efectivo da Mui ilustre e Exmª Recorrente.
Ou seja, a questão «especialíssima» aqui colocada teve resolução com esse acordo e decisão - no fundo, a definição da situação da menor, que regressou a casa da mãe”.
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Ora, como se referiu, é essa também a nossa posição, pelo que se considera que, estando os superiores interesses da menor plenamente garantidos, não seria útil, nem principalmente, conveniente repetir a prática de actos inúteis, tanto mais que, no presente momento, tal necessidade de regulação das responsabilidades parentais já não se mostrava actual.
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Outra solução, no entanto, poderá ser encontrada para a questão concreta que constitui o objecto do presente recurso.
Na verdade, não se pode negar que a decisão anteriormente proferida pelo Tribunal da Relação deverá produzir efeitos sobre a decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais proferida na Conferência de Pais realizada em 10.5.2016.
Com efeito, tendo sido decidido que o processado posterior à citação da Requerida deveria ser anulado, obviamente que tal decisão- sem prejuízo do que ficou dito sobre a manutenção da decisão final proferida, tendo em conta os superiores interesses da menor- terá que ter repercussão no que ficou decidido em sede da referida Conferência de Pais.
Ou seja, no estrito cumprimento do que ficou decidido no Acórdão da Relação, tem que se considerar anulada a decisão provisória de regulação das responsabilidades parentais proferida depois do aludido acto de citação da Requerida.
Aqui chegados, importa entrar na questão que constitui verdadeiramente o objecto do presente Recurso, e que contende com a interpretação do disposto no nº 2 do art. 2007º do CC, tendo em conta os efeitos que têm que ser retirados da anulação da decisão provisória que havia sido proferida e que fundamentou a entrega das quantias depositadas pela Recorrente à Terceira pessoa com quem a menor passou a residir.
Para tanto, importa iniciar essa ponderação com o esclarecimento prévio de alguns dos institutos jurídicos que aqui são aplicáveis.
Comecemos pela matéria específica da obrigação de alimentos devida a menores.
Como é sabido, o fim singular da obrigação de alimentos é assegurar os meios necessários à vida a quem, por si, não dispõe deles (como sucedia no caso concreto, com a menor, filha da Recorrente).
Nessa medida, o direito à restituição das quantias que a mesma entende que lhe deveriam ser restituídas, em bom rigor, não seria exercido contra o terceiro (“terceira pessoa a quem foi confiado o menor”- cfr. art. 1907º do CC), mas sim contra a menor, sua filha, que era a verdadeira credora dos alimentos aqui em discussão.
Com efeito, “a pessoa do titular delas (das quantias devidas a título de alimentos) coincide com a do beneficiário: o menor”, já que se tratam de “… quantias cujo pagamento o outro progenitor (devedor de alimentos) se obriga precisamente em atenção à pessoa do menor, cuja guarda não detém (ou só detém, alternadamente), as quais devem ser entregues ao outro progenitor para que este as utilize no custeamento das referidas despesas.
O progenitor (com guarda) (2) age, por isso, em substituição processual, parcial (3), representativa do menor…” (4).
Além disso, importa reconhecer que, enquanto a menor se manteve à guarda do referido Terceiro, ela teve que ver providas as suas necessidades de educação, saúde, etc., pelo que as quantias aqui reclamadas visavam, obviamente, assegurar aquelas necessidades da menor naquele período (e não qualquer enriquecimento indevido do aludido terceiro).
É também por isso que o legislador no art. 2007º, nº 2 do CC “prescreve, em termos categóricos, que “não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos” (5)(6).
Na verdade, nos casos em que subsistindo validamente a decisão provisória, esta venha, por motivo superveniente, a cessar ou caducar (por exemplo, se pretensão de alimentos, reconhecida provisoriamente, não vier a ser acolhida de uma forma definitiva) (7), não se pode entender que exista qualquer enriquecimento sem causa, por parte do outro progenitor ou da Terceira pessoa a quem foi confiada a menor, uma vez que, conforme resulta do exposto, não existe qualquer nexo de causalidade entre o alegado empobrecimento da progenitora e o alegado enriquecimento daquele outro progenitor ou do Terceiro, pois que a prestação alimentícia provisoriamente fixada “tem o seu fundamento naturalista e racional na regra do imediato consumo da prestação alimentícia que faz com que se esgote, concomitantemente, com o seu cumprimento, a materialidade que incorpora a obrigação de alimentos realizada (o que está) expressamente previsto para os alimentos provisórios recebidos (cfr. nº 2 do art. 2007º do CC)” (8).
Por assim ser é que se vem entendendo também que, apesar do trânsito em julgado da sentença que julgue procedente um pedido de impugnação da paternidade, maternidade, ou perfilhação fazer cessar a obrigação de alimentos- porque o carecido de alimentos perde o “status” de filho relativamente ao outrora obrigado-, “…fica naturalmente excluída a possibilidade de o impugnante pedir a restituição das quantias entregues ao menor- ou ao progenitor com guarda, para custear as despesas com aquele- já que a sentença produz efeitos ex nunc.” (9)
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir que da interpretação do citado nº 2 do art. 2007º do CC parece resultar que, nos casos em que a obrigação de alimentos devidos a menor fixada em decisão provisória - mantendo-se esta válida- venha a cessar por motivo superveniente – desde logo, porque a acção definitiva (onde se fixariam os alimentos em termos também definitivos) foi julgada improcedente-, as quantias entretanto pagas (recebidas pelo menor) não são, em qualquer caso, restituídas ao obrigado de alimentos (à progenitora).
Ou seja, seria o que sucederia no caso concreto, caso a decisão provisória não tivesse sido anulada.
Na verdade, se assim tivesse sucedido, o facto de na decisão final não se ter fixado os alimentos, em termos definitivos, não significaria que os alimentos provisórios entregues à Terceira Pessoa (PS, padrinho da menor), em cumprimento da válida decisão provisória proferida, tivessem que ser restituídos à progenitora, atento o disposto no nº 2 do art. 2007º do CC.
No entanto, a questão que se coloca, no caso concreto, é a de saber se isso também sucede quando a decisão provisória tiver sido anulada em sede de Recurso.
Na verdade, defende a Recorrente que essa situação não é equiparável àquelas outras, porque, tendo a decisão provisória sido anulada, “nunca existiu nenhuma obrigação ou dever da Recorrente entregar alimentos ao Interveniente Acidental…”.
Ora, ponderando esta argumentação da Recorrente, e o que atrás ficou explanado, julga-se que efectivamente as situações não são equiparáveis.
Na verdade, entende-se que só se poderá considerar aplicável o disposto no art. 2007º, nº 2 do CC quando, no momento em que a obrigação de alimentos se constituiu (ou é cumprida) - e em que é proferida a decisão provisória-, tal obrigação era legalmente devida (veja-se que isso sucede nos casos atrás mencionados).
Assim, nos casos, como o concreto, em que a decisão provisória de fixação de alimentos foi anulada, e assim, a obrigação de alimentos, naquele momento, deixou de ter fundamento legal para ser exigida, o disposto no citado nº 2 do art. 2007º do CC não encontra campo de aplicação.
É essa também o parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público que considera que:
“Não há razão que fundamente a obrigação da Recorrente de entregar qualquer quantia aos Recorridos, face ao ordenado pelo acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Fevereiro de 2017 que anulou o processado posteriormente à citação da Requerida (na regulação).
Face à força de caso julgado desse acórdão, a conferência que fixou alimentos a cargo da mãe, no regime provisório fixado nestes autos de RERP, a 10 de maio de 2016 (fls. 81 e ss do pr. principal) não pode produzir efeitos; a haver eventuais quantias entregues pela Recorrente-Mãe ao casal temporariamente guardião de facto, as mesmas devem ser restituídas àquela. (…)
O Recorrido padrinho (e sua mulher), que tiveram a seu cargo «de facto» a menor, em Guimarães, no período temporal referenciado, nos termos que resultam dos autos, devem socorrer-se, para se ressarcirem das despesas que tiveram, de meio processual próprio. (…)
Em conclusão:
Quanto ao peticionado neste recurso, este deve proceder.”
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Aqui chegados, julga-se efectivamente que, atendendo às circunstâncias do caso concreto, o citado preceito legal não pode constituir obstáculo à restituição da quantia indevidamente atribuída à “Terceira pessoa a quem a menor teria sido confiada” (PS, padrinho da menor) - art. 1907º do CC-, já que, tendo a aludida decisão provisória sido anulada em sede de Recurso, a obrigação de alimentos deixou de ter fundamento válido para o seu cumprimento, não sendo essa situação equiparável às situações atrás identificadas previstas no art. 2007º do CC.
Nesse sentido, aliás, pode-se argumentar que seria essa a solução que sempre resultaria da anulação da decisão, caso a progenitora não tivesse procedido ao depósito (condicional) das quantias.
Na verdade, se isso sucedesse, obviamente, que sendo anulada a decisão provisória, nunca se poderia exigir àquela o pagamento de quaisquer quantias devidas a título de alimentos, já que o fundamento da constituição dessa obrigação desapareceria do ordenamento jurídico, não se podendo, consequentemente, defender que a progenitora tinha incumprido qualquer obrigação que sobre ela recaísse perante a Terceira Pessoa.
Evidentemente que, nestas circunstâncias, a referida Terceira pessoa não deixará de poder ressarcir-se das eventuais despesas que tenha tido, através dos meios processuais comuns (não incumbindo ao presente Tribunal indicar quais sejam esses meio processuais) - como, aliás, defende o Exmo. Magistrado do Ministério Público
Nesta conformidade, e pelo exposto, julga-se o presente Recurso procedente, com a consequência de se determinar a devolução da quantia entregue ao aludido PS à aqui Recorrente Maria- estabelecendo-se como prazo razoável para o efeito 30 (trinta) dias.
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III- DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

- o presente Recurso procedente, com a consequência de se determinar a devolução da quantia entregue ao aludido PS à aqui Recorrente, Maria, devendo aquele efectuar tal devolução em que vai condenado no prazo de 30 (trinta) dias.
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Sem custas (art. 527º do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 30 de Novembro de 2017

(Dr. Pedro Alexandre Damião e Cunha)
(Dra. Maria João Marques Pinto de Matos)
(Dr. José Alberto Moreira Dias)

1. Nos processos de jurisdição voluntária: “… nas providências a tomar, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.”; assim como já esclarecia o Prof. Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”, Vol. II, pág. 400: “ um julgamento pode inspirar-se em duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso o Juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respectiva, ainda que em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo caso, o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa. É exactamente o que, para os processos de jurisdição voluntária, determina o art. 1449º (actual art. 987º do CPCivil revisto) … “;
2. No caso concreto, a terceira pessoa a quem foi confiada a guarda do menor.
3. Esclarece Remédio Marques, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) ” na nota (443) que “Substituição parcial porque é também contitular do objecto do processo porque é ele que irá aplicar os referidos montantes no custeamento das despesas de sustento, manutenção, assistência, educação e segurança do menor…”.
4. Remédio Marques, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) ”, pág. 334.
5. Antunes Varela/P. Lima, in “CC anotado”, Vol. V, pág. 586. Segundo estes autores existem três razões a justificar esta “disposição excepcional” que ”pode, à primeira vista, causar alguma estranheza”: Em primeiro lugar, pretende-se manifestamente evitar que o receio da devolução obrigatória das quantias recebidas possa servir de travão ao requerimento dos alimentos provisórios em situações de real necessidade. Em segundo lugar, é intuito da lei afastar… as graves dificuldades que nelas provocaria o encargo de restituir, de uma só vez, o montante de todas as prestações recebidas, quando a causa principal viesse a naufragar. Em terceiro lugar, confia-se naturalmente na possibilidade que o Julgador sempre tem de repelir as pretensões de mais flagrante injustiça…” (pág. 588).
6. Este dispositivo legal é, desde logo, aplicável à situação em que a prestação de alimentos fixada a título definitivo seja inferior à prestação anteriormente fixada a título provisório, caso em que não há lugar à devolução da diferença entre as duas prestações; já se a situação for a contrária, deverá ser reconhecido o direito à referida diferença entre as prestações. Nos casos em que a prestação definitiva coincide com a provisoriamente decretada, há como que uma conversão da natureza provisória da prestação num efeito civil definitivo- Remédio Marques, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) ”, pág. 183.
7. Segundo Remédio Marques, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) ”, pág. 174, nota 222 “se sobrevier a caducidade ou a improcedência desta providência cautelar … as quantias já entregues pelo devedor não são restituídas (art. 2007º, nº 2 do CC), sem prejuízo de ao (pseudo-) devedor ficar salvo o direito de peticionar uma indemnização por perdas e danos, segundo a equidade, se o requerente dos alimentos tiver actuado de má-fé (art. 402º do CPC) - não bastando, pois, que actue com negligência.
8. V. ac. da RG de 25.1.2006 (relator: António Gonçalves), in Cj, T. I, pág. 279. No mesmo sentido, v. Abel Pereira Delgado, in “Divórcio” (citado por Abílio Neto, in CC anotado, pág. 1532) que refere que: “o art. 2007º do CC consagra no que respeita aos alimentos provisórios, o princípio de que os alimentos não se restituem, princípio cuja razão de ser é a de que os alimentos se destinam a ser consumidos por aquele que deles carece…”.
9. Remédio Marques, in “Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) ”, pág. 183. No mesmo sentido, v. o ac. da RG já citado.