Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RAQUEL REGO | ||
Descritores: | DESPESAS DESPESAS DE CONDOMÍNIO REQUISITOS PARTES COMUNS | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/12/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I - O nº1 do artº 1424º do Código Civil constitui uma regra supletiva relativa às contribuições a prestar pelos condóminos em proporção dos valores das respectivas fracções. II – A repartição das despesas e o modo dessa repartição constitui matéria de interesse meramente particular | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO. Condomínio P…, , representada pela administradora D…, Ldª, intentou a presente acção declarativa comum, sob a forma sumária contra Casa de Saúde de G..., com sede …, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €10.826,36, acrescida dos juros moratórios contados, desde a citação até integral pagamento. Alegou, em síntese, que a ré é legítima possuidora das fracções pelas letras “G” e “H” do edifício antes identificado, encontrando-se em dívida quotizações de condomínio, pela fruição e utilização das partes comuns, no montante de €7.829,52, bem como a contribuição devida pela realização de obras, na quantia de €2.092,04. * Citada a ré, esta apresentou contestação na qual, em súmula, sustentou que as fracções não se servem das escadas, das garagens, não podem servir-se dos ascensores, nem usufruem dos serviços de limpeza comuns. Nessa sequência, entende que apenas lhe pode ser pedida a contribuição no tocante às despesas com correios, administração, documentos oficiais e administrativos e bancárias, excluindo-se as referentes a electricidade, água, elevador, inspecção do elevador, reparação do material, material eléctrico e limpeza. Invocou ainda que sempre se opôs contra as regras de repartição das despesas comuns, inclusive nas assembleias de condóminos já realizadas, o que, no seu entender, equivale a impugnação. * * A final, foi proferida sentença que julgou a mesma parcialmente procedente e condenou o réu no pagamento da quantia de €7.816,32, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação, à taxa de 4%.* Inconformada, apelou a Ré, apresentando as respectivas alegações, onde concluiu do seguinte modo:- O tribunal recorrido não justificou minimamente a resposta dada ao artº 2.º da base instrutória, pois não indicou quaisquer fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, nem analisou criticamente, relativamente a ele, as provas produzidas, violando o dever de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, previsto no artigo nº2 do artº 653º do CPC. - Desconhece-se a razão pela qual o tribunal recorrido considerou provado o facto inserto no artº 2º da base instrutória, não permitindo ao tribunal de recurso verificar o acerto da decisão sobre a matéria de facto e ao recorrente indicar as razões de divergência dessa decisão. - A factualidade arrazoada no artigo 2.º da base instrutória é essencial à causa. - Deve em consequência essa Veneranda Relação determinar a remessa dos presentes autos ao tribunal da primeira instância com vista ao preenchimento desta falha de fundamentação, através de repetição da produção de prova, nos termos do nº5 do artº 712º do CPC. - A decisão recorrida violou quanto a esta matéria, entre outros, os artºs 653º, nº2 e 712º, nº5, ambos do CPC. - As respostas dadas aos artigos 31º, 32º, 33º e 35º da base instrutória não logram visível e cabal suporte no depoimento da testemunha José…. - O depoimento desta testemunha tem um sentido totalmente dissonante com o que lhe foi conferido pelo Meritíssimo Juiz “a quo”, pois em momento algum afirmou cabalmente que: “Para aceder à garagem, a ré pode utilizar a porta de saída de emergência de acesso à caixa de escadas do edifício, bem como para prestar assistência aos referidos aparelhos - alínea ll) da fundamentação fáctica”; “E para realizar a manutenção” - alínea mm) da fundamentação fáctica. - Do mesmo depoimento não reverte que “A ré não possui comando do portão exterior de acesso às garagens” - alínea oo) da fundamentação fáctica. - Existe um manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis, no caso a prova testemunhal, e a decisão tomada pelo Juiz “a quo” quanto à matéria de facto aos artigos 31º, 32º, 33º e 35º da base instrutória. - Em função do acabado de alegar devem ser alteradas as respostas dadas aos artigos 31º, 32º, 33º e 35º da base instrutória, considerando-se como não provados. - Face à alteração da decisão da matéria de facto nos termos acabados de expor, impõe-se a revogação da douta sentença e a sua substituição por outra que, ajuizando de modo diferente a matéria de facto, julgue e decida da causa conforme o acima alegado. - Ficou provado que o ascensor do prédio não se situa ao nível da saída de emergência, mas apenas no rés-do-chão (-1) e na cave (-2) e que não servem as fracções autónomas “G” e “H”. - Dispõe nº4 do artº 1424º do CC que “As despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções possam ser servidas.” - Assim, a recorrente, como locatária das fracções autónomas fracções autónomas “G” e “H” não estava e não está obrigada a contribuir proporcionalmente para as despesas de fruição e conservação dos ascensores. - Quando a deliberação da assembleia de condomínio se traduz numa restrição de direitos de condóminos, impondo-lhes a obrigação do contribuir para despesas que não lhe estão vinculadas por lei, em violação dos nºs 3 e 4 do artº 1424º do CC, estas normas deverão ser interpretadas de conteúdo imperativo e como tal as deliberações não sujeitas ao regime do artº 1433º do CC. - Se o legislador pretendesse atribuir conteúdo dispositivo a tais normas teria previsto essa possibilidade, tal como o fez relativamente ao nº1 “Salvo disposição em contrário…” e ao nº2 “ do mesmo artigo “…podem, mediante disposição do regulamento do condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio…”. - São nulas e impugnáveis a todo o tempo as sucessivas deliberações da assembleia de condóminos que impõe à recorrente a obrigação de contribuir para as despesas com os ascensores do prédio. - Deste modo, não tem a recorrente a obrigação de pagar os montantes respeitantes às despesas com os ascensores do prédio. Terminou pedindo a revogação da decisão em crise, substituindo-a por outra que, julgando de modo diferente a matéria de facto e de direito, decida no sentido da absolvição parcial da Apelante/Ré do pedido. *** A requerimento desta apelante, nos termos do artº 712º do CPC, nº5, o Tribunal da Relação ordenou a remessa dos autos à 1ª instância, com vista à consignação da fundamentação da resposta ao artº 2º da base instrutória.Cumprido o determinado, sem reclamação, volveram os autos a este Tribunal, pelo que urge, agora, apreciar das demais questões suscitadas na apelação. *** II. FUNDAMENTAÇÃO. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: * O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. * A primeira das questões colocadas à apreciação deste Tribunal é a da alteração da matéria de facto. Conforme resulta do supra ficou transcrito, a apelante pretende (ultrapassada que está a questão da ausência de fundamentação da resposta ao quesito 2º), que se dê como não provada a matéria dos quesitos 31º, 32º, 33º e 35º da Base Instrutória. Aí foi dado como provado o seguinte: Artºs 31º e 32º - “Para aceder à garagem, a ré pode utilizar a porta de saída de emergência de acesso à caixa de escadas do edifício, bem como para prestar assistência aos referidos aparelhos. Artº 33º - “E para realizar a manutenção”. Artº 35 - “A ré não possui comando do portão exterior de acesso às garagens”. Sabemos que o Tribunal a quo fez oportuna inspecção ao local, fazendo logo consignar os factos relevantes para a decisão do pleito (fls.277), nomeadamente que no interior da fracção “H” existe uma porta que dá acesso às garagens do interior do edifício e que as escadas que confrontam com essa porta dão acesso ao nível da cave, as quais são servidas pelo elevador existente no rés do chão. Do mesmo modo, fez-se constar que tais escadas dão ainda acesso às gragens, onde a ré tem instalados os seus aparelhos de ar condicionado, bem como as cabalgens e extractores do ar desses aparelhos. Finalmente, também se pode retirar dessa inspecção que a porta supra referida (existente na fracção “H”) é considerada pela ré como porta de emergência. A testemunha José…, Técnico de Manutenção de Condomínio, que exerce funções na Administradora do autor, vai semanalmente ao prédio e declarou, em audiência, que a fracção “H” têm acesso, por porta, à caixa de escadas e aos elevadores, do edifício. Referiu, ainda, que os aparelhos de ar condicionado da ré estão na garagem, pelo que a ela tem de aceder para manutenção; ao que sabe a ré não tem comando, mas pode dizer que o acesso pode ser feito pela porta principal. Dispõe o artº 712º, nº 1, do CPC que a decisão sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a)Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão sobre a matéria de facto; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que decisão assentou. Conforme é por demais sabido, a reapreciação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal de recurso, não pode subverter o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 655º do CPC. Daí que esse poder se deva restringir aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados“ (Ac da RP de 19/02/2000 in CJ , Ano XXV, Tº4º, 180). Tal entendimento vai de encontro ao sentido que o legislador pretendeu dar à possibilidade do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, pois que expressamente refere no preâmbulo do diploma que possibilitou a documentação da prova (Dec.Lei nº39/95 de 15/12) que “ … a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto que o recorrente terá sempre o ónus de apontar claramente na sua minuta de recurso”. Vale isto por dizer que o controle pela Relação da convicção alcançada e devidamente fundamentada pelo tribunal de 1ª instância deve ser exercido com grande cautela, designadamente no que respeita à prova testemunhal, em face da falibilidade desta, donde, na avaliação da respectiva credibilidade, ser de atribuir ao tribunal “a quo” um papel especial, por força dos princípios da imediação, concentração e oralidade. Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade -à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência (Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Proc. Civil”, Lex, pág. 348) -, da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que na reapreciação da matéria de facto à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou. Volvendo ao caso em apreciação, está este Tribunal ad quem na posse de todos os elementos que serviram de base à apreciação do ad quo. E, perante eles, não restam quaisquer dúvidas que não ocorre qualquer erro de julgamento, desde logo porque o simples auto de inspecção ao local permite concluir pela forma como foram respondidos os quesitos 31º, 32º e 33º da Base Instrutória, assumindo, por isso, diminuto relevo o depoimento da testemunha José… Quanto ao quesito 35º, se é certo que essa testemunha não foi peremptória na afirmação de que a ré não possuía comando da garagem, isso não pode configurar erro de julgamento, apenas se reconduzindo ao seu grau de credibilidade dado pela Srª Juiz, dentro do princípio da livre apreciação da prova. Todavia, não deve deixar de refererir-se que, na ausência de qualquer elemento probatório que contrarie essa afirmação, a valoração da incerteza conferida à declaração não pode ser igualada a outras em que, ao lado daquela, se verificam afirmações que contrariam a declaração dubitativa. De tudo decorre a ausência de erro de julgamento – no seu sentido técnico-jurídico – e acertadamente julgada a matéria de facto. Finalmente, refira-se que a existência, ou não, de comando da garagem na posse da ré, se mostra irrelevante para a solução jurídica a dar ao pleito, tendo em conta a demais factualidade apurada, nomeadamente a inserida nas respostas aos quesitos 28º, 29º e 30º. Quanto ao direito: A sentença recorrida abordou linearmente e de modo muito cabal e profícuo as questões jurídicas suscitadas anteriormente e também agora no presente recurso. Por isso, para ela se remete integralmente, o que se faz ao abrigo do estatuído no artº 713º, nº5, do Código de Processo Civil. Aliás, no sentido de que a lei não coloca limites de natureza imperativa à repartição das despesas e que o modo dessa repartição constitui matéria de interesse meramente particular, vejam-se os acordãos do STJ, de 8-2-01, CJ, tomo I, pág. 105 e de 8-7-97, CJ STJ, tomo II, pág. 147, este último nos termos do qual o nº1 do artº 1424º do Código Civil constitui uma regra supletiva relativa às contribuições a prestar pelos condóminos em proporção dos valores das respectivas fracções. *** III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida. Custas pela ré. Guimarães,12.01.2012 Relator: Raquel Rego Adjuntos: António Sobrinho Isabel Rocha |